
9ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0002372-03.2014.4.03.6113
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA IUCKER
APELANTE: LUIZ GOMES DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: PETERSON DE SOUZA - SP209671-A
APELADO: LUIZ GOMES DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: PETERSON DE SOUZA - SP209671-A
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0002372-03.2014.4.03.6113
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA IUCKER
APELANTE: LUIZ GOMES DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: PETERSON DE SOUZA - SP209671-A
APELADO: LUIZ GOMES DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: PETERSON DE SOUZA - SP209671-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXMA. DESEMBARGADORA FEDERAL ANA IUCKER (Relatora):
Vistos.
Trata-se de ação de conhecimento distribuída em 17/09/2014, na qual a parte autora postula o reconhecimento da especialidade de períodos trabalhados sob condições nocivas, bem como a concessão de aposentadoria especial ou, subsidiariamente, de aposentadoria por tempo de contribuição.
O Juiz da 1ª Vara de Franca/SP acolheu parcialmente os pedidos da parte autora em sentença proferida em 18/07/2016, condenando o INSS:
1) a reconhecer e averbar os períodos especiais de 01/06/1981 a 09/02/1982, 01/02/1983 a 31/07/1984, 20/08/1984 a 25/02/1988, 27/04/1988 a 31/12/1991, 01/04/1992 a 20/04/1995, 01/04/1996 a 05/03/1997 e 01/06/2007 a 06/08/2013;
2) a conceder benefício de aposentadoria por tempo de contribuição com termo inicial na data de ajuizamento da ação, em 17/09/204;
3) ao pagamento de honorários advocatícios no percentual de 10%, incidentes sobre 35% do valor atribuído à causa.
A parte autora, por sua vez, foi condenada ao pagamento de honorários no mesmo percentual de 10%, incidentes sobre 65% do valor da causa.
Houve interposição de apelação pela parte autora, sendo os autos distribuídos nesta Corte em 06/06/2017.
Preliminarmente, o autor postula a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, pleiteando o retorno dos autos à origem para a realização de prova pericial. No mérito, sustenta que, no exercício da atividade de “montador”, esteve exposto a ruído e a agentes químicos nocivos, como hidrocarbonetos, colas, solventes e tolueno. Salienta que o uso de EPI não descaracteriza a especialidade da atividade. Por fim, requer o cômputo dos períodos posteriores ao ajuizamento da ação e a adequação dos consectários legais.
O INSS também interpôs apelação, pleiteando, preliminarmente, a concessão de efeito suspensivo ao recurso. No mérito, alega insuficiência probatória quanto à exposição a agentes insalubres nos períodos alegados, argumentando que o laudo juntado aos autos é genérico e não se aplica às condições específicas do autor. Questiona, ainda, a validade do PPP apresentado, ante a ausência de identificação do responsável técnico e de informações essenciais sobre o uso de EPIs. Por fim, postula a reforma da sentença para julgar improcedente o pedido do autor e, subsidiariamente, requer a revisão dos consectários legais.
Foram apresentadas contrarrazões pela parte autora.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0002372-03.2014.4.03.6113
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA IUCKER
APELANTE: LUIZ GOMES DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: PETERSON DE SOUZA - SP209671-A
APELADO: LUIZ GOMES DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: PETERSON DE SOUZA - SP209671-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXMA. DESEMBARGADORA FEDERAL ANA IUCKER (Relatora):
Trata-se de recurso de apelação apresentado por ambos os litigantes contra sentença na qual foi reconhecida a especialidade de determinadas períodos no qual o autor trabalhou na indústria calçadista e determinada a implantação da a aposentadoria por tempo de contribuição em seu favor.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, passo à análise das questões preliminares.
DO PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO
O pedido de efeito suspensivo à apelação, formulado pelo INSS em seu recurso, somente poderia ser deferido na hipótese prevista no artigo 995, parágrafo único, do Código de Processo Civil, o que não restou demonstrado pela autarquia, especialmente quanto à presença de perigo de dano grave ou de difícil reparação.
Do mesmo modo, não foram atendidos os requisitos previstos no artigo 1.012, § 4º, do mesmo diploma legal.
DO CERCEAMENTO DE DEFESA
Nas razões de apelação, a parte autora aduziu, preliminarmente, a ocorrência de cerceamento de defesa, uma vez que não foi deferida a realização de prova requerida. Postula, portanto, a anulação da sentença, com retorno dos autos à origem para reabertura da instrução processual.
Analisando os autos, verifica-se que o magistrado de primeiro grau, em decisão saneadora, concedeu prazo para que o autor apresentasse a documentação faltante, especialmente: cópia do procedimento administrativo instaurado perante o INSS, formulários e laudos técnicos preenchidos pelos empregadores atestando exposição a agentes nocivos, e documentos oficiais que comprovassem eventual encerramento das atividades das empresas (id. 89829326 - Pág. 38).
Em resposta, o autor alegou impossibilidade de cumprimento da determinação, mas não comprovou a realização de qualquer diligência para a obtenção dos documentos solicitados, apesar de as certidões de id. 89829326 - Pág. 47/52 demonstrarem que a maioria das empregadoras ainda se encontrava em atividade.
Diante disso, o juízo de origem concedeu novo prazo para que o autor comprovasse as tentativas de contato junto às empresas (id. 89829326 - Pág. 55). No entanto, a parte permaneceu inerte.
Nesse contexto, considerando que cabe ao autor o ônus de comprovar o fato constitutivo de seu direito (art. 373, I, do CPC), não incumbe ao Poder Judiciário suprir sua inércia probatória, especialmente quando não demonstrada a impossibilidade absoluta de obtenção dos documentos – como, por exemplo, a recusa formal da empregadora em fornecê-los.
No presente caso, não ficou comprovada a existência de qualquer obstáculo intransponível, razão pela qual inexiste falar em cerceamento de defesa.
Por fim, quanto aos PPPs juntados aos autos, cabe enfatizar que o mero inconformismo da parte autora quanto às informações constantes nos documentos não enseja a substituição por perícia técnica, especialmente porque o PPP goza de presunção de regular preenchimento e validade, não tendo sido impugnado formalmente. Eventual discordância quanto ao conteúdo material do documento deverá ser dirimida na Justiça Especializada do Trabalho.
DAS APOSENTADORIAS POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO E ESPECIAL
A legislação previdenciária passou por diversas alterações ao longo do tempo, visando à manutenção de sua sustentabilidade e ao controle atuarial.
A Emenda Constitucional nº 20/1998 passou a exigir tempo mínimo de contribuição de 30 anos para mulheres e 35 anos para homens.
Com a edição da Lei nº 9.876/1999, a Renda Mensal Inicial (RMI) dos benefícios passou a ser calculada com base na média das 80% maiores contribuições vertidas desde julho de 1994 até a Data de Entrada do Requerimento (DER), multiplicada pelo fator previdenciário.
Posteriormente, a Emenda Constitucional nº 103/2019 instituiu a sistemática das aposentadorias programadas, com requisitos diversos, além das regras de transição aplicáveis aos segurados filiados ao sistema anteriormente à sua promulgação.
O reconhecimento do tempo especial subdivide-se em dois períodos distintos. Até 28/04/1995, início da vigência da Lei nº 9.032/1995, a qualificação do tempo especial decorre da mera categoria profissional, conforme os Anexos dos Decretos nº 53.831/1964 e nº 83.080/1979, independentemente de comprovação adicional, conforme entendimento sedimentado na Súmula nº 49 da TNU.
A partir dessa data, passou-se a exigir prova efetiva da exposição habitual e permanente a agentes nocivos.
Nesse sentido, sobreveio intensa regulamentação, como o Decreto nº 2.172/1997, que excluiu da lista de agentes nocivos diversos elementos antes considerados prejudiciais à saúde. Também a Lei nº 9.528/1997 impôs a necessidade de apresentação de laudos técnicos ambientais para a comprovação da exposição nociva.
Ademais, a jurisprudência firmou-se no sentido de que os agentes listados nos regulamentos previdenciários têm caráter meramente exemplificativo, sendo possível o reconhecimento da atividade como especial sempre que exercida em condições insalubres, perigosas ou penosas, nos termos da Súmula nº 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos.
O laudo ambiental atualmente utilizado para a particularização das condições de trabalho do segurado é o Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP, instituído pelo Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048/1999), o qual deve estar devidamente assinado por engenheiro de segurança do trabalho ou médico do trabalho, profissionais habilitados para tanto.
Cumpre observar que, ainda que o PPP não seja contemporâneo à prestação dos serviços, ou que nem todos os períodos nele registrados estejam assinados por profissional legalmente habilitado, tais circunstâncias não acarretam, por si só, a nulidade das informações constantes do documento, tendo em vista que a evolução tecnológica tende a atenuar as condições de nocividade no ambiente laboral. (TRF 3ª Região, 8ª Turma, ApCiv - Apelação Cível nº 0001652-31.2012.4.03.6105, Rel. Des. Federal Louise Vilela Leite Filgueiras, julgamento em 09/05/2024, DJEn 13/05/2024).
Consideradas tais premissas, o reconhecimento de períodos como especiais possibilita sua conversão em tempo comum, viabilizando que o segurado integralize, de forma mais célere, o tempo necessário à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição. Para tanto, aplica-se o fator de conversão de 1,4 para homens e 1,2 para mulheres, conforme previsto no artigo 70 do Decreto nº 3.048/1999, com a redação conferida pelo Decreto nº 4.827/2020.
Por outro lado, a aposentadoria especial é devida aos segurados que tenham laborado por 15, 20 ou 25 anos, conforme o agente nocivo envolvido, expostos a condições insalubres, nos exatos termos do artigo 57 da Lei nº 8.213/1991, com a redação dada pela Lei nº 9.032/1995. Ressalte-se que, nessa modalidade de benefício, não é admitida a conversão de tempo especial em comum, uma vez que se trata de aposentadoria com requisitos próprios, exigindo-se a exposição contínua e habitual ao agente nocivo durante todo o período de carência legalmente exigido.
INDÚSTRIA CALÇADISTA
Convém preambularmente ressaltar que o laudo pericial fornecido pelo Sindicato dos Empregados nas Indústrias de Calçados de Franca/SP, não se revela suficiente a atestar as condições de trabalho do autor, eis que se refere, de forma genérica, a todas as indústrias de calçados de Franca, sem analisar as especificidades de cada função desenvolvida e do ambiente de trabalho de cada uma delas.
Portanto, o documento não traduz, com fidelidade, as reais condições vividas individualmente, à época, pela parte autora nos lapsos debatidos, conforme a jurisprudência desta Nona Turma:
“(...)Cumpre acrescentar que o laudo pericial, encomendado pelo Sindicato dos Empregados nas Indústrias de Calçados de Franca/SP, não se mostra apto a atestar as condições prejudiciais da requerente, com permanência e habitualidade, por reportar-se, de forma genérica, às indústrias de calçados de Franca, sem enfrentar as especificidades do ambiente de trabalho de cada uma delas. Em suma, trata-se de documento que não traduz, com fidelidade, as reais condições vividas individualmente, à época, pela parte autora nos lapsos debatidos.(...)” (TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000570-30.2024.4.03.6113, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA, julgado em 28/03/2025, DJEN DATA: 03/04/2025)
“(...) Contudo, não prospera o pedido de reconhecimento da atividade especial (...) os ofícios desempenhados em indústria calçadista, tais como "sapateiro", "montador", "moldador", entre outros similares, não estão contemplados nos Decretos n. 53.831/1964 e 83.080/1979 (enquadramento por categoria profissional até a data de 28/4/1995), nem podem ser caracterizados como insalubres, perigosos ou penosos, por simples enquadramento da atividade.
(...)
Ressalte-se que o laudo pericial, encomendado pelo Sindicato dos Empregados nas Indústrias de Calçados de Franca/SP (Id. 268594716, ps. 1/51), não se mostra apto a atestar as condições prejudiciais à saúde do obreiro nas funções alegadas, com permanência e habitualidade, por reportar-se, de forma genérica, às indústrias de calçados de Franca, sem enfrentar as especificidades do ambiente de trabalho de cada uma delas. Em suma, trata-se de documento que não traduz, com fidedignidade, as reais condições do trabalho desempenhado pelo autor.(...)” (TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000756-92.2020.4.03.6113, Rel. Desembargador Federal FERNANDO DAVID FONSECA GONCALVES, julgado em 19/09/2024, DJEN DATA: 24/09/2024)
“(...) É importante ressaltar que foi carreado apenas o laudo pericial (id 316122528), tendo como solicitante o Sindicato dos Empregados nas Indústrias de Calçados de Franca e, conquanto se reporte a natureza insalubre dos ambientes laborais das indústrias de calçados, não é hábil para demonstrar a especialidade do labor, tendo em vista que aponta os fatores de risco de forma genérica, referentes as Fábricas de Calçados de Franca, não considerando as especificidades do ambiente de trabalho dessas indústrias e, com isso, as reais condições de trabalho do requerente durante os lapsos questionados.(...)” (TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001889-33.2024.4.03.6113, Rel. Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN, julgado em 22/04/2025, DJEN DATA: 28/04/2025)
Descabe falar, ademais, em reconhecimento por atividade profissional na indústria calçadista, em que as atividades desenvolvidas nestes setores não se encontram previstas nos anexos dos Decretos de regência:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AGRAVO LEGAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. APOSENTADORIA ESPECIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA PERICIAL. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. DECISÃO MANTIDA.
- Não há que se falar em cerceamento do direito de defesa, uma vez que cabe tão-somente ao magistrado, como destinatário da prova, aferir a necessidade ou não da produção de prova pericial (art. 464, § 1º, inciso II, c/c art. 370, ambos do CPC).
- Analisado o conjunto probatório, verifica-se que, diversamente do alegado, não foi possível o reconhecimento da atividade urbana, como de natureza especial, dos períodos laborados em indústria de calçados na cidade de Franca/SP, uma vez que as atividades de sapateiro e correlatas em indústrias calçadistas, embora indiciar exposição a agentes nocivos inerentes à profissão, como "cola de sapateiro" (hidrocarboneto tóxico), não encontram previsão nos Decretos n. 53.831, de 25 de março de 1964, e 83.080, de 24 de janeiro de 1979. Assim, por não constarem da legislação especial as atividades exercidas em empresas de calçados, sua natureza especial deve ser comprovada, citando precedentes desta C. Turma, o que não restou demonstrado nos autos.
- Agravo não provido.
(TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0004323-71.2010.4.03.6113, Rel. Desembargador Federal JOSE DENILSON BRANCO, julgado em 08/05/2024, DJEN DATA: 16/05/2024)
DAS PROVAS EMPRESTADAS
De início, rejeita-se a utilização de prova emprestada consistente em laudos ambientais pertencentes a outros segurados, bem como laudos periciais produzidos em demandas trabalhistas ou previdenciárias ajuizadas por terceiros, como meio idôneo para comprovação de tempo especial.
Nos termos do artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e do artigo 2º da Lei nº 8.889/1973, a relação de trabalho possui caráter estritamente pessoal, sendo que os contratos de trabalho são individualizados, e cada empregado exerce um conjunto específico de atribuições dentro do estabelecimento empregador.
Embora as empresas possuam estrutura organizacional com definição de cargos e funções, tal circunstância autoriza a inferência segura de condições de exposição semelhantes apenas quando o trabalho paradigma é desempenhado nas mesmas funções e no mesmo setor do empregado demandante. O mero labor para o mesmo empregador, ou em empresas do mesmo ramo, não legitima a presunção de padrões idênticos de exposição a agentes nocivos.
Outrossim, a análise de laudos ambientais referentes a local de trabalho diverso daquele originalmente ocupado pelo empregado, especialmente quando há considerável intervalo temporal, prejudica a avaliação precisa da nocividade do ambiente laboral.
Assim, a aferição da especialidade deve priorizar, sempre que possível, laudos ambientais expedidos pelo próprio empregador ou documentos coletivos da época da prestação laboral (como PPPRA, LTCAT, entre outros), os quais são aptos a balizar o exame das condições reais de trabalho.
Neste sentido, destaco :
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL DEMONSTRADA POR MEIO DE PROVA EMPRESTADA. PPP EM NOME DE TERCEIRO. CARGO E SETOR DIVERSOS. INADMISSIBILIDADE. PROVA EMPRESTADA APROVEITADA EM PARTE. HONORÁRIOS REDUZIDOS. Cabe lembrar que constitui dever legal do empregador elaborar e fornecer ao empregado PPP regularmente preenchido que demonstre corretamente as condições de trabalho desenvolvidas, cabendo à Justiça do Trabalho, à luz do artigo 114 da CF/1988, dirimir eventual controvérsia, não ao juízo previdenciário. É possível valer-se da prova emprestada trazida em nome de outro empregado da mesma empresa, desde que tenha trabalhado na mesma função e sob as mesmas condições de trabalho. A r. sentença determinou ao INSS a análise do pedido de reconhecimento da atividade especial do autor com base em prova emprestada (PPP) e, conforme se extrai da cópia da CTPS, no período de 02/01/2004 a 13/12/2009 o autor trabalhou como “ajudante geral” na Suzanense Indústria e Comercio de Papeis Ltda.. Consta dos autos prova emprestada de outro empregado, para o fim de reconhecimento do período citado (id 146870992 - Pág. 13/14), indicando as funções de ‘operador de rebobinadeira’, ‘preparador’, ‘1º assistente’ e ‘condutor’ na mesma empresa, entre 2002 a 2016 (id 146870992 - Pág. 13/14). Como a função exercida pelo autor (ajudante geral) e as constantes do PPP emprestado são diferentes, não há como aproveitar o citado documento como prova material do alegado trabalho especial de 02/01/2004 a 13/12/2009. O documento não pode ser aproveitado como ‘prova emprestada’, uma vez que não há nenhum elemento de convicção que demonstre a efetiva sujeição do autor aos agentes nocivos constantes do PPP emprestado. Foi juntado aos autos PPP emitido pela empresa Suzano Papel e Celulose S/A em nome do autor, indicando que no período de 01/06/1983 a 31/01/1990 trabalhou como “ajudante geral” e, neste interregno, não houve exposição a nenhum agente nocivo, segundo as informações constantes da seção de registros ambientais (Id 146870992 - Pág. 8/9). O PPP emprestado não tem aptidão, por si só, a demonstrar que o autor, exercendo função diversa, esteve exposto a agentes nocivos de 02/01/2004 a 13/12/2009. No tocante ao período de 19/10/2010 a 10/12/2010, observo que consta da CTPS que o autor trabalhou como ‘condutor’ na Suzanense Indústria e Comercio de Papeis Ltda. (id 146870992 - Pág. 38). A prova emprestada juntada aos autos (PPP id 146870992 - Pág. 13/14) traz a indicação de que o empregado exerceu a mesma função, para a mesma empresa no período de 01/11/2009 a 24/11/2016, sob exposição a agentes nocivos. A prova emprestada (Id 146870992 - Pág. 13/14) pode ser utilizada para fins de análise administrativa da atividade especial vindicada pelo autor no período de 19/10/2010 a 10/12/2010. Honorários advocatícios reduzidos para R$ 1.000,00 (um mil reais), conforme entendimento desta Turma (artigo 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil/2015) e o disposto na Súmula nº 111 do C. Superior Tribunal de Justiça. Apelação do INSS parcialmente provida. (TRF-3 - ApCiv: 53558295520204039999 SP, Relator: Desembargador Federal TORU YAMAMOTO, Data de Julgamento: 21/09/2022, 7ª Turma, Data de Publicação: DJEN DATA: 29/09/2022)
DO AGENTE RUÍDO
Em relação à exposição ao ruído, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos Temas 534, 694 e 1083, definiu que a especialidade em razão da exposição a tal agente é regida pela legislação vigente à época da prestação do serviço. Nesta tocada, em síntese, são aplicáveis ao reconhecimento da especialidade, os seguintes limiares de pressão sonora, cada qual aplicável ao interregno de vigência das normas que cuidam da evolução legislativa e regulamentar do tema:
| Legislação Aplicável | Nível de Ruído | Técnica de Aferição |
| A partir de 28/08/1960 - Edição da LOPS | ||
| Decretos 53.831/1964, Item 1.1.6 do Quadro Anexo e Decreto 83.080/1979 Item 1.1.5 do Anexo I | 80 dB(A) | (NR-15) Pico de Ruído, Média Aritmética Simples ou NEN |
| A Partir de 06/03/1997 - Edição do Decreto 2.172/1997 | ||
| Decreto 2.172/1997, item 2.0.1, do Anexo IV | 90 dB(A) | (NR-15) Pico de Ruído, Média Aritmética Simples ou NEN |
| A partir de 19/11/2003 - Edição do Decreto 4.882/2003 | ||
| Decreto 3.048/99, item 2.0.1, do Anexo IV | 85 dB(A) | NEN - NHO 01 da FUNDACENTRO |
A metodologia de aferição dos níveis de ruído também sofreu alterações. O cotejo do agente, que anteriormente podia ser realizado por meio de medição pontual — identificando o nível máximo de ruído encontrado no ambiente laboral (pico de ruído) — ou pela média aritmética dos índices registrados, passou, com a edição do Decreto nº 4.882/2003, a exigir a utilização da técnica denominada Nível de Exposição Normalizado (NEN), conforme previsto na Norma de Higiene Ocupacional nº 01 (NHO-01) da FUNDACENTRO. Essa técnica tem como foco o exame dos níveis de ruído ao longo da jornada de trabalho, proporcional à sua duração.
Destaca-se, nesse contexto, o entendimento consolidado pelo Tema 1083 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo o qual, constatados diferentes níveis de ruído no ambiente laboral, a medição deve ser realizada pelo critério NEN. Na ausência dessa informação, admite-se a adoção do critério do pico de ruído, desde que a perícia técnica judicial comprove a habitualidade e a permanência da exposição.
Observados tais critérios, é necessário ponderar que o tecnicismo não pode se sobrepor à realidade de que os laudos ambientais são elaborados exclusivamente pelos empregadores. Assim, compete ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a fiscalização das obrigações previdenciárias, nos termos do artigo 125-A da Lei nº 8.213/91.
Sem prejuízo, conforme precedentes desta Colenda 9ª Turma, a inobservância quanto à metodologia adequada para aferição do agente ruído não invalida, por si só, a medição em decibéis constante no documento, ainda que realizada por técnica inadequada. Isso porque o empregado é parte vulnerável na relação de trabalho, sendo hipossuficiente para impor ao empregador a forma de aferição acústica do ambiente laboral (TRF 3ª Região, 9ª Turma, Apelação Cível nº 5002888-87.2022.4.03.6102, Rel. Des. Federal Gilberto Rodrigues Jordan, julgado em 18/07/2024, DJEN de 24/07/2024).
DO USO DE EPIs – TEMA 1.090 DO STJ
Em 18/06/2025, o STJ concluiu o julgamento do Tema 1.090, firmando a tese de que “a informação no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) sobre a existência de equipamento de proteção individual (EPI) descaracteriza, em princípio, o tempo especial”. Tal entendimento deve ser analisado em consonância com a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 555, que estabelece que “em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial”.
Embora haja aparente divergência entre os entendimentos consagrados nos Temas 555/STF e 1.090/STJ, especialmente quanto à presunção de eficácia do EPI declarada pelo empregador, os julgados são complementares. Ambas as Cortes reconhecem que a aposentadoria especial constitui hipótese excepcional na legislação, sendo inviável sua concessão quando o equipamento de proteção é totalmente eficaz. Contudo, subsistindo dúvida quanto à real eficácia do EPI, deve-se concluir pela sua inaptidão, com consequente reconhecimento da especialidade do período controvertido.
Ademais, cumpre destacar que, apenas em 22/04/2025, o STJ reassentou definitivamente a questão do ônus da prova quanto ao EPI declarado eficaz, estabelecendo que compete ao segurado demonstrar a ineficácia total do equipamento quando houver declaração expressa de eficácia no PPP. Tal orientação, entretanto, não pode ser aplicada retroativamente aos processos cuja instrução já foi encerrada sob a égide do entendimento anterior, especialmente quando o Tema 555 do STF considerava os EPIs intrinsecamente incapazes de prover proteção total contra agentes nocivos. A aplicação retroativa desse novo ônus probatório configuraria manifesta violação aos princípios da segurança jurídica e do devido processo legal, considerando que as partes exerceram seus direitos de defesa e produção de provas com base na jurisprudência então vigente.
A análise do cotidiano previdenciário revela que pouquíssimos, ou nenhum, equipamentos de proteção possuem eficácia total contra os agentes nocivos que visam neutralizar. A eficácia apenas parcial pode ser demonstrada por exemplos concretos:
a) Protetores auriculares: O modelo tipo concha CA 29176 apresenta Nível de Redução de Ruído (NRRsf) variável conforme o usuário e as condições de uso. O protetor interauricular CA 5674 também possui nível de atenuação dependente de diversos fatores (fontes: https://multimedia.3m.com/mws/media/784863O/hearing-protectors-dielectric-1426, https://multimedia.3m.com/mws/media/1367349O/technical-bulletin-3m-disposable-earplugs-1100-1110.pdf).
b) Máscaras respiratórias: As máscaras PFF1, PFF2 e PFF3 apresentam eficácia parcial. A PFF1 CA 39201 impede apenas 80% da aspiração de compostos (fonte: https://files.tayco.com.br/fichastec/FICHA-TECNICA-T-650-651-CA39201-CA39202.pdf). A N95 PFF2 CA 7956, amplamente utilizada durante a pandemia, possui eficácia de 94% (fonte: https://multimedia.3m.com/mws/media/784624O/3m-respirators-1860-1860s.pdf).
c) Demais equipamentos: Luvas cirúrgicas (CA 39518), óculos de proteção (CA 9722) e calçados industriais (CA 12160) também não oferecem proteção integral.
O próprio INSS, ao regulamentar a análise técnica do PPP (art. 291 da IN nº 77/2015), estabelece que o uso de EPI apenas afasta a especialidade quando “comprovadamente elimine ou neutralize a nocividade”, o que raramente ocorre. Além disso, exige-se que a empresa registre no PPP a observância das condições de funcionamento, uso contínuo, validade, troca e higienização do EPI.
A IN nº 170/2024, art. 291, § 2º, dispõe que “nos casos de exposição ao agente nocivo ruído, acima dos limites legais de tolerância, a declaração de eficácia do EPI no PPP não descaracteriza o enquadramento como atividade especial”.
Por fim, é notório que a perda auditiva induzida por ruído (PAIR) decorre da vibração causada por níveis acústicos contínuos superiores a 85 dB(A), provocando lesão nas células ciliadas da cóclea, sendo irrelevante o uso de EPI, pois a lesão ocorre por fatores mecânicos.
Assim, embora o STJ tenha reassentado que é ônus do segurado demonstrar a ineficácia dos EPIs declarados eficazes no PPP, tal orientação não pode ser aplicada aos processos já instruídos sob entendimento anterior. A dúvida razoável quanto à efetiva capacidade protetiva impõe o reconhecimento da especialidade, especialmente nas atividades econômicas em que o uso de EPIs é comum, mas sua eficácia é discutível.
DO PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PREVIDENCIÁRIO – PPP
Como é cediço, o laudo ambiental atualmente utilizado para a particularização das condições de trabalho do segurado é o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048/1999), documento que deve estar devidamente subscrito por engenheiro ou médico do trabalho.
Destarte, ainda que o PPP não seja contemporâneo à prestação dos serviços, não há falar em infirmação dos dados constantes no laudo, uma vez que a evolução tecnológica pressupõe a atenuação das condições existentes no ambiente laboral. Nesse sentido, destaca-se o seguinte precedente:
“Ainda que o PPP não seja contemporâneo à prestação de serviços, não há falar-se em infirmação dos dados constantes no laudo, já que evolução tecnológica pressupõe a atenuação das condições existentes no ambiente de trabalho.”
(TRF 3ª Região, 8ª Turma, ApCiv - Apelação Cível - 0001652-31.2012.4.03.6105, Rel. Des. Fed. Louise Vilela Leite Filgueiras, julgado em 09/05/2024, DJEN de 13/05/2024)
Anote-se, por oportuno, que o PPP não contém campo próprio para a indicação de permanência e habitualidade quanto aos agentes nocivos nele declarados. Assim, a ausência dessa informação não conduz, por si só, à conclusão de que tais condições não se verificam no caso concreto, especialmente quando essa constatação puder ser extraída da descrição das atividades e dos agentes nocivos aos quais o segurado esteve exposto, bem como nas hipóteses em que a exposição é inevitável à produção do bem da vida na atividade desempenhada.
Descabe, ainda, o reconhecimento da especialidade após a data de emissão do PPP, haja vista que não se pode presumir a perpetração da atividade descrita no documento apenas em razão da continuidade do vínculo empregatício.
Por fim, adiro ao entendimento de que o técnico de segurança do trabalho possui competência técnica e legal para avaliar as condições ambientais de trabalho e subscrever o PPP como responsável pelos registros ambientais, conforme estabelecem a Lei nº 7.410/1985 e a Portaria nº 3.275/1989 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), tendo formação específica para identificar agentes nocivos à saúde e emitir pareceres técnicos sobre condições ocupacionais.
Cito julgado neste sentido:
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTE NOCIVO. REGISTROS AMBIENTAIS. PPP FIRMADO POR TÉCNICO EM SEGURANÇA DO TRABALHO. RUÍDO. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TUTELA ESPECÍFICA. - Técnicos em Segurança do Trabalho também estão habilitados a realizar avaliações das condições de ambientais - A ausência de indicação, no PPP ou no laudo pericial, da metodologia empregada na verificação da exposição do trabalhador ao agente agressivo ruído, ou a utilização de metodologia diversa daquela indicada na NHO 01 da FUNDACENTRO, não impede o reconhecimento do exercício da atividade especial pela exposição a esse agente, devendo, nesse caso, a análise ser realizada de acordo com o critério de aferição apresentado no processo - Apresentada a prova necessária a demonstrar o exercício de atividade sujeita a condições especiais, conforme a legislação vigente na data da prestação do trabalho, o respectivo tempo de serviço especial deve ser reconhecido - Preenchidos os requisitos de tempo de contribuição e carência até a promulgação da Emenda Constitucional 103/2019, é devida à parte autora a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição - Determina-se o cumprimento imediato do acórdão, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo).
(TRF-4 - AC - Apelação Cível: 50163263520234047100 RS, Relator.: RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Data de Julgamento: 11/12/2024, 6ª Turma, Data de Publicação: 12/12/2024)
Tal entendimento mostra-se especialmente adequado para pequenos empreendimentos, nos quais a exigência exclusiva de engenheiro de segurança acarretaria custos desproporcionais ao porte da empresa, sem comprometer a qualidade técnica da avaliação ambiental. A especialização do técnico confere-lhe legitimidade suficiente para elaborar laudos sobre condições ambientais, atendendo plenamente ao objetivo da norma previdenciária de comprovar a exposição a agentes nocivos à saúde.
DO CASO DOS AUTOS
No caso em exame, recorre o INSS postulando a revisão quanto ao enquadramento dos seguintes períodos: 01/06/1981 a 09/02/1982, 01/02/1983 a 31/07/1984, 20/08/1984 a 25/02/1988, 27/04/1988 a 31/12/1991, 01/04/1992 a 20/04/1995, 01/04/1996 a 05/03/1997 e 01/06/2007 a 06/08/2013.
Por sua vez, a parte autora recorre, postulando o enquadramento dos seguintes períodos: 01/04/1996 a 21/12/1998, 01/07/1999 A 13/12/2002, 01/07/2003 a 18/12/2006.
Considerando a controvérsia existente quanto a especialidade dos períodos citados, passa-se ao exame individualizado de cada interregno:
Período: 01/06/1981 a 09/02/1982, 01/02/1983 a 31/07/1984, 20/08/1984 a 25/02/1988, 27/04/1988 a 31/12/1991 e 01/04/1992 a 20/04/1995, 01/04/1996 a 21/12/1998
Função: Plancheador, ajudante, sapateiro, moldador de mocassim, montador
Empresa: J. GARCIA PARRA & IRMÃOS, FARISEBO COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES DE CARNES E DERIVADOS LTDA., COMPANHIA DE CALÇADOS PALERMO, KEDOLL CALÇADOS LTDA - ME.
Prova: CTPS (id. 89829325 - Pág. 48/78), Laudo Indústrias de Calçados de Franca (id. 89829325 - Pág. 83), Prova emprestada (id. 89829325 - Pág. 135).
Análise: Na CTPS apresentada consta que o autor exerceu uma série de funções junto à indústria calçadista (plancheador, ajudante, sapateiro, moldador de mocassim, montador). Contudo, como já salientado, o enquadramento categorial na indústria calçadista não se sustenta, por ausência de previsão nos decretos regulamentadores vigentes até a edição da Lei nº 9.032/1995, nos quais não se encontra o ofício de sapateiro ou qualquer atividade correlata que permita o enquadramento funcional como especial.
Adicionalmente, o laudo pericial fornecido pelo sindicato dos empregados nas indústrias de calçados de Franca/SP não se revela suficiente para atestar as condições de trabalho do autor, uma vez que se refere, de forma genérica, a todas as indústrias de calçados da cidade, sem analisar as especificidades de cada função desenvolvida e do ambiente laboral de cada uma delas.
Descabida também a utilização da prova emprestada, eis que o mero labor em empresas congêneres, não autoriza concluir pelos mesmos padrões de exposição nociva.
Por fim, para o período em que se admite o enquadramento por exposição, não é possível presumir exposição a agentes químicos como cola, verniz, tinta e outros elementos comumente utilizados na atividade. As atividades econômicas em referência comportam a execução de labor em diversas frentes, que podem ou não envolver contato com os agentes mencionados, a depender do tipo de calçado manufaturado, das substâncias e ferramentas utilizadas.
Dessa forma, não se pode assumir que o labor tenha ocorrido em condições temerárias apenas pela integração do trabalhador ao conjunto categorial da indústria calçadista ou pela menção genérica à presença de agentes químicos em laudo produzido de forma igualmente genérica.
Conclusão: Especialidade não comprovada.
Período: 01/07/1999 a 13/12/2002, 01/07/2003 a 18/12/2006
Função: Montador
Empresa: KEDOLL CALÇADOS LTDA - ME.
Prova: CTPS (id. 89829325 - Pág. 48/78), Laudo Indústrias de Calçados de Franca (id. 89829325 - Pág. 83), Prova emprestada (id. 89829325 - Pág. 135), PPP (id. 335681494 - Pág. 17), PPP (id. 335681494 - Pág. 21)
Análise: Na CTPS apresentada consta que o autor exerceu a função de montador junto à indústria calçadista. Contudo, como já salientado, o enquadramento categorial na indústria calçadista não se sustenta, por ausência de previsão nos decretos regulamentadores vigentes.
Adicionalmente, verifica-se que os PPPs apresentados, além de não conterem menção a agentes nocivos, são omissos quanto à identificação dos responsáveis técnicos pelos registros ambientais.. Dessa forma, não preenchem as formalidades legais necessárias para que seja atribuído valor probatório às medições nele constantes.
Conclusão: Especialidade não comprovada
Período: 01/06/2007 a 06/08/2013.
Função: Montador
Empresa: KEDOLL CALÇADOS LTDA - ME.
Prova: CTPS (id. 89829325 - Pág. 48/78), Laudo Indústrias de Calçados de Franca (id. 89829325 - Pág. 83), Prova emprestada (id. 89829325 - Pág. 135), PPP (id. 89829325 - Pág. 81/82)
Análise: O PPP atesta que no período de 01/06/2007 a 28/06/2013, o autor permaneceu exposto a níveis de ruído de 88,6 dB(A), superior ao limite de tolerância de 85dB(A) previsto no Decreto 4.882/2003. Já para o intervalo de 29/06/2013 em diante, não foram apresentadas provas de exposição a agentes nocivos.
Note-se também que, contrariamente ao alegado pelo INSS, o formulário identifica o responsável técnico pelos registros ambientais, e apresenta informações sobre uso de EPI. Conclui-se, portanto, que estão preenchidas as formalidades legais essenciais.
Conclusão: Especialidade comprovada para o período de 01/06/2007 a 28/06/2013.
Em suma, o conjunto probatório permite concluir pelo reconhecimento da especialidade dos períodos de 01/06/2007 a 28/06/2013 e afastamento da especialidade dos períodos 01/06/1981 a 09/02/1982, 01/02/1983 a 31/07/1984, 20/08/1984 a 25/02/1988, 27/04/1988 a 31/12/1991, 01/04/1992 a 20/04/1995, 01/04/1996 a 21/12/1998, 01/07/1999 a 13/12/2002, 01/07/2003 a 18/12/2006 e 29/06/2013 a 06/08/2013.
DO DIREITO AO BENEFÍCIO
Estabelece o artigo 57 da lei 8.213/91 que o segurado tem direito a aposentadoria especial ao integralizar 25 anos de contribuição sujeito a condições especiais.
Por seu turno, é viável que o segurado se aposente por tempo de contribuição, uma vez convertidos os períodos especiais em comuns, e preenchidos os requisitos previstos na legislação vigente.
No caso em exame, verifica-se que o segurado 1) em 16/12/1998 não tem direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição de que trata a Lei nº 8.213, art. 52, pois não cumpriu o requisito tempo comum (somou 15 anos, 1 mês e 25 dias, quando o mínimo é 30 anos); 2) em 06/08/2013 não tem direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição integral de que trata a EC 20, art. 1º, altera CF art. 201, § 7º, I, pois não cumpriu o requisito tempo comum (somou 30 anos, 8 meses e 18 dias, quando o mínimo é 35 anos); 3)em 06/08/2013 não tem direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição proporcional de que trata a EC 20, art. 9º, pois (i) não cumpriu o requisito idade (somou 48 anos, 6 meses e 10 dias, quando o mínimo é 53 anos); (ii) não cumpriu o requisito tempo com pedágio (somou 30 anos, 8 meses e 18 dias, quando o mínimo é 35 anos, 11 meses e 8 dias).
Em que pese a parte autora não integralize na Data de Entrada do Requerimento o tempo necessário à aposentadoria pleiteada, tem-se que o STJ, no julgamento do Tema 995 daquela Corte firmou o entendimento de que é “É possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir."
No caso em exame, verifica-se que a parte autora, em 07/03/2019 integralizou tempo necessário para concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral, sendo de se reconhecer tal direito mediante reafirmação da data de entrada do requerimento para referida data, devendo o INSS promover o pagamento de todas as competências vencidas desde então, devidamente acrescidas de juros e corrigidas monetariamente.
Consoante entendimento veiculado no Tema 995/STJ, tendo em vista que a procedência do pedido se deu em virtude da reafirmação da DER, incabível a condenação do INSS ao pagamento de honorários advocatícios.
Determino que para atualização do julgado seja observado o Manual de Cálculos do CJF vigente ao tempo da liquidação, sendo que, ante a aplicação do Tema 995 do STJ ao caso concreto, os juros de mora deverão incidir a contar de 45 dias da publicação da presente decisão concessiva de benefício.
Em virtude da natureza alimentar do benefício, mantenho a tutela concedida na r. sentença.
DO DISPOSITIVO
Posto isto, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação do INSS para afastar a especialidade dos períodos de 01/06/1981 a 09/02/1982, 01/02/1983 a 31/07/1984, 20/08/1984 a 25/02/1988, 27/04/1988 a 31/12/1991, 01/04/1992 a 20/04/1995, 01/04/1996 a 21/12/1998, 01/07/1999 a 13/12/2002, 01/07/2003 a 18/12/2006 e 29/06/2013 a 06/08/2013, bem como a concessão do benefício pleiteado desde o requerimento administrativo. Voto também por DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação da parte autora para condenar o INSS a implantar em seu favor a aposentadoria por tempo de contribuição desde a DER reafirmada.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INDÚSTRIA CALÇADISTA. RUÍDO. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REAFIRMAÇÃO DA DER. RECURSO DO AUTOR E DO INSS PARCIALMENTE PROVIDOS.
I. Caso em exame
1. Ação em que a parte autora postula o reconhecimento de tempo de serviço especial, bem como a concessão de aposentadoria especial ou, subsidiariamente, de aposentadoria por tempo de contribuição.
2. Na sentença os pedidos foram parcialmente acolhidos para reconhecer alguns períodos especiais e conceder aposentadoria por tempo de contribuição ao segurado. Ambas as partes interpuseram apelação, pleiteando, o autor, a anulação da sentença por cerceamento de defesa e o reconhecimento de outros períodos especiais para a concessão de aposentadoria, e o INSS, a reforma da sentença para julgar improcedentes os pedidos.
II. Questão em discussão
2. A questão em discussão consiste em (i) saber se o indeferimento da prova pericial requerida pela parte autora caracterizou cerceamento de defesa; (ii) se o enquadramento categorial na indústria calçadista e as provas apresentadas são válidas para comprovar a especialidade dos períodos controvertidos; e (iii) se o segurado preencheu os requisitos para a concessão de aposentadoria especial ou por tempo de contribuição.
III. Razões de decidir
3. Não há que se falar em cerceamento de defesa, pois o autor não comprovou a impossibilidade de obter a documentação necessária, ônus que lhe incumbia. Além disso, o mero inconformismo com as informações constantes nos PPPs não justifica a realização de perícia, pois os documentos gozam de presunção de validade.
4. O enquadramento categorial de atividades na indústria calçadista não é admitido, pois não consta no rol taxativo dos decretos regulamentadores.
5. Adicionalmente, o laudo pericial elaborado pelo Sindicato dos Empregados nas Indústrias de Calçados de Franca/SP é genérico e não é válido para comprovar as condições específicas de trabalho.
6. A especialidade de um dos intervalos controvertidos foi comprovada pela exposição a ruído em níveis superiores ao limite legal de 85 dB(A), conforme PPP que atende às formalidades legais. Os demais períodos pleiteados não tiveram sua especialidade comprovada.
7. É cabível a reafirmação da DER para o momento em que os requisitos para a aposentadoria são preenchidos, conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (Tema 995).
IV. Dispositivo
8. Recursos do INSS e do autor parcialmente providos.
ACÓRDÃO
Desembargadora Federal
