Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5244648-49.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
26/08/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 31/08/2020
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. REMESSA OFICIAL.
SENTENÇA ILÍQUIDA. NÃO OCORRÊNCIA. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO
NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE
DEFICIÊNCIA. COMPROVADO IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. MISERABILIDADE
DEMONSTRADA. CORREÇÃO MONETÁRIA. TUTELA DE URGÊNCIA MANTIDA.
I- Inicialmente, quanto à sujeição da sentença ao duplo grau de jurisdição por ser ilíquida, cumpre
notar que líquida é a sentença cujo quantum debeatur pode ser obtido por meros cálculos
aritméticos, sem a necessidade de nova fase de produção de provas ou de atividade cognitiva
futura que venha a complementar o título judicial. Inviável, portanto, acolher a interpretação
conferida pela autarquia ao conceito de sentença ilíquida.
II- Não merece prosperar a alegação de cerceamento de defesa arguida pela parte autora, tendo
em vista que, in casu, os elementos constantes dos autos são suficientes para o julgamento do
feito. Cumpre ressaltar que o magistrado, ao analisar o conjunto probatório, pode concluir pela
dispensa de produção de outras provas, nos termos do parágrafo único do art. 370 do CPC/15.
III- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
IV- A deficiência ficou caracterizada na perícia judicial. Afirmou a esculápia encarregada do
exame, com base no exame clínico e análise da documentação médica dos autos, que a autora
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
possui déficit mental com uma incapacidade laborativa total e permanente, desde a data do
nascimento em 17/12/02, tendo levado em consideração a Classificação Internacional de
Funcionalidades, Incapacidade e Saúde (CIF). Há que se registrar que, ao analisar suas funções
cognitivas, constatou consciência / orientação / memória / inteligência / curso e forma do
pensamento / juízo e crítica alterados, atenção não mantida, porém, linguagem preservada. Em
relação à afetividade, humor depressivo e afeto congruente ao humor. Assim, comprovado o
impedimento de longo prazo.
V- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da hipossuficiência encontra-
se demonstrado no presente feito. O estudo social revela que a autora Nathalia de 17 anos,
estudante da 1ª série do ensino médio, reside com a genitora Karina Aparecida Spadina Miranda,
de 41 anos, solteira e "do lar", e a irmã Beatriz, de 15 anos e estudante da 9ª série do ensino
fundamental em casa cedida pelos avós, composta por 2 dormitórios, cozinha e banheiro, com
muita umidade nos quartos, conforme se verifica das fotografias anexados ao laudo social,
guarnecida por móveis e eletrodomésticos básicos. Na casa 1 residem os avós maternos Marli
Aparecida de 64 anos e Laerte Spadina de 74 anos, e na casa 3 os tios e dois primos. Relatou a
genitora à assistente social que morou com o pai das filhas por aproximadamente 2 anos, sendo
que está na residência há 15 anos, não recebendo pensão alimentícia porque o mesmo
desapareceu, com paradeiro desconhecido. A genitora não exerce atividade remunerada, porque
as duas filhas são portadoras das mesmas patologias, demandando cuidados contínuos, além de
ser cuidadora da mãe Marli, por apresentar epilepsia e sofrer com surtos psicóticos, e da avó de
quase 90 anos. O avô possui um velho Fusca marca Volkswagen, utilizado para transportar as
netas ou esposa, em situação de necessidade. A renda mensal familiar é proveniente unicamente
do amparo social à pessoa portadora de deficiência recebido pela irmã Beatriz, no valor de um
salário mínimo mensal. Os gastos mensais totalizam R$ 764,00, sendo R$ 450,00 em
alimentação / material de limpeza e higiene pessoal, R$ 40,00 em água/esgoto, R$ 77,00 em
energia elétrica, R$ 44,00 em gás, R$ 33,00 em medicamentos e R$ 100,00 em telefone celular.
Os demais medicamentos são obtidos na rede pública de saúde. Importante deixar consignado a
observação do MM Juiz a quo a fls. 203 (id. 131521447 – pág.2), no sentido de que "Em que
pese a alegação de que outros parentes residem no local, é muito comum nesta Comarca - de
Diadema - a existência de residências multifamiliares, com parentes residindo em casa
individualizadas, sem que seja indicativo de que há efetiva colaboração financeira, portanto, não
há que se falar em apuração de rendimentos dos demais membros da família".
VI- Consoante jurisprudência pacífica do C. Superior Tribunal de Justiça, as questões referentes à
correção monetária e juros moratórios são matérias de ordem pública, passíveis de apreciação
até mesmo de ofício.
VII- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos índices
de atualização monetária e taxa de juros, devem ser observados os posicionamentos firmados na
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial
Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o IPCA-E nos processos relativos
a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários.
VIII- Deve ser mantida a antecipação dos efeitos do provimento jurisdicional final, já sob a novel
figura da tutela de urgência, uma vez que evidenciado nos presentes autos o preenchimento dos
requisitos do art. 300, do CPC/15.
IX- Matéria preliminar rejeitada. No mérito, apelação do INSS improvida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5244648-49.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: N. C. S. M. S.
Advogado do(a) APELADO: FLAVIA HELENA PIRES - SP263134-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5244648-49.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: N. C. S. M. S.
Advogado do(a) APELADO: FLAVIA HELENA PIRES - SP263134-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR):Trata-se de ação
ajuizada em 22/5/19 em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, visando ao
restabelecimento, desde a cessação administrativa, do benefício previsto no art. 203, inc. V, da
Constituição Federal de 1988, sob o fundamento de serpessoa portadora de deficiênciae não
possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Juízoa quo, em 7/1/20, julgouprocedenteo pedido, condenando o INSS a restabelecer o
benefício requerido à autora, no valor de um salário mínimo mensal, desde o dia seguinte à
cessação administrativa (2/3/19). Determinou o pagamento dos valores atrasados, acrescidos de
correção monetária e juros moratórios, até o efetivo pagamento, pelos índices oficiais de
remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme o disposto no art. 1º-F
da Lei nº 9.494/97. Os honorários advocatícios foram fixados em 10% sobre o valor da
condenação, consideradas as parcelas vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111 do C.
STJ). Isentou o réu da condenação em custas e despesas processuais (art. 8º, § 1º, da Lei nº
8.621/93). Deferiu a antecipação dos efeitos da tutela.
Inconformada, apelou a autarquia, sustentando em síntese:
a) Preliminarmente:
- a necessidade de a R. sentença ser submetida ao duplo grau obrigatório, por ser ilíquida;
- ser o caso de suspensão do cumprimento da decisão, no tocante à antecipação dos efeitos da
tutela, em razão do fundado receio de dano irreparável, ante à irreversibilidade do provimento e
- a nulidade do decisum, vez que não observado o contraditório e a ampla defesa, por haver sido
realizadas as perícias médica e social antes da contestação, sem posterior retorno dos autos ao
perito médico para responder aos quesitos e esclarecimentos solicitados, constantes da
Resolução Conjunta 01/2015 do CNJ, bem como não haver sido juntados aos autos os
documentos pessoais dos demais membros da família, em especial o CPF, e retorno da
assistente social para verificar os rendimentos mensais destes, pois residem em casa distintas,
porém no mesmo endereço, motivo pelo qual ambas as perícias deveriam ser refeitas.
b) No mérito:
- haver sido comprovado que não foi comprovada a miserabilidade do núcleo familiar, pois
conforme descrição da residência e do mobiliário, verifica-se que dispõe do necessário para uma
vida digna e
- a avalição da incapacidade laboral por parte da perícia, a qual não se confunde com deficiência
para fins de concessão do benefício assistencial.
- Requer a reforma da R. sentença para julgar improcedente o pedido. Por fim, argui o
prequestionamento da matéria.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
Parecer do Ministério Público Federal a fls.247/250 (id. 134219113 – págs. 1/4), opinando pelo
desprovimento do recurso do INSS.
É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5244648-49.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: N. C. S. M. S.
Advogado do(a) APELADO: FLAVIA HELENA PIRES - SP263134-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Inicialmente,
quanto à sujeição da sentença ao duplo grau de jurisdição por ser ilíquida, observo que líquida é
a sentença cujo quantum debeatur pode ser obtido por meros cálculos aritméticos, sem a
necessidade de nova fase de produção de provas ou de atividade cognitiva futura que venha a
complementar o título judicial. Neste sentido, explica Cândido Rangel Dinamarco: "Liqüidez é o
conhecimento da quantidade de bens devidos ao credor. Uma obrigação é líqüida (a) quando já
se encontra perfeitamente determinada a quantidade dos bens que lhe constituem o objeto ou (b)
quando essa quantidade é determinável mediante a realização de meros cálculos aritméticos,
sempre sem a necessidade de buscar elementos ou provas necessárias ao conhecimento do
quantum. O estado de determinação da quantidade de bens devidos resulta desde logo do título
que representa o direito ou mesmo lhe dá origem, ou será atingido mediante providências
inerentes ao incidente de liquidação de sentença (arts. 475-A ss.); quando o valor de obrigação
reconhecida em sentença ou em título extrajudicial é determinável por mero cálculo, não há
iliqüidez nem é necessária liquidação alguma, bastando ao credor a elaboração da memória de
cálculo indicada nos arts. 475-B e 614, inc. II, do Código de Processo Civil." (Instituições de
Direito Processual Civil, vol. IV, 3ª ed., rev. e atual., São Paulo:Malheiros, 2009, pp. 231/232 e
235, grifos meus)
Inviável, portanto, acolher a interpretação conferida pela autarquia ao conceito de sentença
ilíquida.
Outrossim, não merece prosperar a alegação de cerceamento de defesa arguida pela autarquia.
Como bem asseverou o I. Representante do Parquet Federal a fls. 248 (id. 134219113 – pág. 2),
"A autarquia também indicou cerceamento de defesa, pois não teve atendido seu pedido de
complementação dos laudos médico e social. Porém, os quesitos apresentados pelo INSS nada
acrescentariam ao exame médico pericial, cuja conclusão foi pela incapacidade total e
permanente, plenamente justificada pelo perito. Também no estudo socioeconômico, a assistente
social observou a composição familiar sob o mesmo teto (art. 20, § 1º, da Lei 8.742/1993), sendo
desnecessária a juntada de documentos de outros familiares da Autora (fato observado na
sentença pelo Magistrado). Pode o Juiz indeferir os quesitos que entender impertinentes (art. 470
do Código de Processo Civil)".
Cumpre ressaltar ainda que, em face do princípio do poder de livre convencimento motivado do
juiz quanto à apreciação das provas, pode o magistrado, ao analisar o conjunto probatório,
concluir pela dispensa de outras provas. Nesse sentido já se pronunciou o C. STJ (AgRg no Ag.
n.º 554.905/RS, 3ª Turma, Relator Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 25/5/04, v.u., DJ
02/8/04).
Passo ao exame do mérito.
Dispõe o art. 203, inc. V, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I -a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II -o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III -a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV -a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei." (grifos meus)
Para regulamentar o dispositivo constitucional retro transcrito, foi editada a Lei nº 8.742 de
7/12/1993.
Cumpre ressaltar, ainda, que em 8/12/95 sobreveio o Decreto nº 1.744 regulamentando a Lei da
Assistência Social supramencionada.
Da leitura dos dispositivos legais, depreende-se que o benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF
é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que
não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
Com relação ao requisito etário, observo que a idade de 70 (setenta) anos prevista no caput do
art. 20, da Lei nº 8.742/93, foi reduzida para 67 (sessenta e sete), conforme a Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 (sessenta e cinco), nos termos do art. 34 da Lei nº 10.741/2003.
No que concerne à incapacidade para a vida independente, conforme disposto no art. 20, da Lei
nº 8.742/93, não me parece ter sido o intuito do legislador conceituar pessoa portadora de
deficiência como aquela que necessita da assistência permanente de outra para a realização das
atividades básicas do ser humano. Nem seria razoável que o fizesse. Há de se entender como
incapacidade para a vida independente, sim, aquela que não dispõe de recursos para promover,
por seus próprios meios, condições para sobreviver com um mínimo de dignidade. Cumpre
registrar que a Súmula nº 30 da AGU, de 9 de junho de 2008, dispõe que: "A incapacidade para
prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a caracterização da
incapacidade para a vidaindependente, conforme estabelecido no art. 203,V, da Constituição
Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993" (grifei). Ademais, a redação do
referido artigo foi alterada pela Lei nº 13.146/15: "Para efeito de concessão do benefício de
prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou
mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas."
No tocante ao segundo requisito, qual seja, a comprovação de a parte autora não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, o Plenário do C. Supremo
Tribunal Federal, em sessão de 27/8/1998, havia julgado improcedente o pedido formulado na
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, considerando constitucional o § 3º, do art. 20,
da Lei nº 8.742/93.
No entanto, o referido Plenário, em sessão de 18/4/2013, apreciando o Recurso Extraordinário nº
567.985/MT, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do mencionado
§ 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar Mendes, in verbis:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da
Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4
(um quarto) do salário mínimo'.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão
de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro
a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações
socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar
Mendes, j. em 18/4/13)
Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo
utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir
a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem o
direito ao benefício assistencial."
Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a
questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo
Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9), in verbis:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o
acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09,
v.u., DJ 20/11/09)
Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora
possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve
ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos autos.
Outrossim, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no
valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da
renda familiar per capita a que se refere a LOAS.
Embora a lei refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei
atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se
tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente
econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de um
salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de um ser
humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem.
Nesse sentido, aliás, já decidiu essa E. Terceira Seção conforme ementa abaixo transcrita, in
verbis:
"EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO DOS
REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR.
I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai
unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora.
II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e
definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha e o marido, já idoso, o qual
percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo.
III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples e
faz uso diário de medicamentos.
IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição desse
benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os beneficiários,
além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria direito a parte
autora, para o cálculo da renda mensal per capita.
V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da Lei
nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91.
VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre o
rol dos beneficiários descritos na legislação.
VII - Embargos infringentes não providos."
(EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de
05/10/04, grifos meus)
Passo à análise do caso concreto.
In casu, para a comprovação da deficiência, foi realizada perícia médica judicial, em 12/8/19,
tendo sido elaborado o respectivo parecer técnico pela Perita e acostado aos autos a fls. 149/154
(id. 131521423 – págs. 1/6). Afirmou a esculápia encarregada do exame, com base no exame
clínico e análise da documentação médica dos autos, que a autora possui déficit mental com uma
incapacidade laborativa total e permanente, desde a data do nascimento em 17/12/02, tendo
levado em consideração a Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Saúde
(CIF). Há que se registrar que, ao analisar suas funções cognitivas, constatou consciência /
orientação / memória / inteligência / curso e forma do pensamento / juízo e crítica alterados,
atenção não mantida, porém, linguagem preservada. Em relação à afetividade, humor depressivo
e afeto congruente ao humor. Assim, comprovado o impedimento de longo prazo.
Com relação à miserabilidade, o estudo social (elaborado em 21/6/19, data em que o salário
mínimo era de R$ 998,00) demonstra, que a autora Nathalia de 17 anos, estudante da 1ª série do
ensino médio, reside com a genitora Karina Aparecida Spadina Miranda, de 41 anos, solteira e
"do lar", e a irmã Beatriz, de 15 anos e estudante da 9ª série do ensino fundamental em casa
cedida pelos avós, composta por 2 dormitórios, cozinha e banheiro, com muita umidade nos
quartos, conforme se verifica das fotografias anexados ao laudo social, guarnecida por móveis e
eletrodomésticos básicos. Na casa 1 residem os avós maternos Marli Aparecida de 64 anos e
Laerte Spadina de 74 anos, e na casa 3 os tios e dois primos. Relatou a genitora à assistente
social que morou com o pai das filhas por aproximadamente 2 anos, sendo que está na
residência há 15 anos, não recebendo pensão alimentícia porque o mesmo desapareceu, com
paradeiro desconhecido. A genitora não exerce atividade remunerada, porque as duas filhas são
portadoras das mesmas patologias, demandando cuidados contínuos, além de ser cuidadora da
mãe Marli, por apresentar epilepsia e sofrer com surtos psicóticos, e da avó de quase 90 anos. O
avô possui um velho Fusca marca Volkswagen, utilizado para transportar as netas ou esposa, em
situação de necessidade. A renda mensal familiar é proveniente unicamente do amparo social à
pessoa portadora de deficiência recebido pela irmã Beatriz, no valor de um salário mínimo
mensal. Os gastos mensais totalizam R$ 764,00, sendo R$ 450,00 em alimentação / material de
limpeza e higiene pessoal, R$ 40,00 em água/esgoto, R$ 77,00 em energia elétrica, R$ 44,00 em
gás, R$ 33,00 em medicamentos e R$ 100,00 em telefone celular. Os demais medicamentos são
obtidos na rede pública de saúde.
Importante deixar consignado a observação do MM Juiz a quo a fls. 203 (id. 131521447 – pág.2),
no sentido de que "Em que pese a alegação de que outros parentes residem no local, é muito
comum nesta Comarca - de Diadema - a existência de residências multifamiliares, com parentes
residindo em casa individualizadas, sem que seja indicativo de que há efetiva colaboração
financeira, portanto, não há que se falar em apuração de rendimentos dos demais membros da
família".
Dessa forma, pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da hipossuficiência
encontra-se comprovado, fazendo jus ao restabelecimento do benefício.
Cumpre salientar que o amparo social deve ser revisto a cada dois anos, haja vista a expressa
disposição legal prevista no art. 21 da Lei nº 8.742/93.
Ressalto, ainda, ser vedada a acumulação do benefício assistencial de prestação continuada com
qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica,
nos termos do art. 20, §4º, da Lei nº 8.742/93, devendo ser deduzidos na fase de execução do
julgado os pagamentos feitos pela autarquia na esfera administrativa.
Quadra ressaltar que os pagamentos das diferenças pleiteadas já realizadas pela autarquia na
esfera administrativa devem ser deduzidos na fase de execução do julgado.
Consoante jurisprudência pacífica do C. Superior Tribunal de Justiça, as questões referentes à
correção monetária e juros moratórios são matérias de ordem pública, passíveis de apreciação
até mesmo de ofício, nos termos dos precedentes in verbis:
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DEPÓSITO JUDICIAL.
EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. OMISSÃO QUANTO AO VALOR DA DEDUÇÃO, TERMO
INICIAL E FINAL DOS JUROS REMUNERATÓRIOS E TAXA DE JUROS MORATÓRIOS.
VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/1973. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM.
PRECLUSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO.
(...)
2. Consoante a firme orientação jurisprudencial desta Corte Superior, a correção monetária e os
juros de mora incidem sobre o objeto da condenação judicial e não se prendem a pedido feito em
primeira instância ou a recurso voluntário dirigido ao Tribunal de origem. Por se tratar de matéria
de ordem pública, cognoscível até mesmo de ofício, não está sujeita à preclusão, salvo na
hipótese de já ter sido objeto de decisão anterior. Precedentes.
3. A questão de ordem pública e, como tal, cognoscível de ofício pelas instâncias ordinárias, é
matéria que pode ali ser veiculada pela parte em embargos de declaração, ainda que após a
interposição de seu recurso de agravo de instrumento, tal como se deu na hipótese.
4. Enquanto não instaurada esta instância especial, a questão afeta aos juros moratórios, em
todos os seus contornos, não se submete à preclusão, tampouco se limita à extensão da matéria
devolvida em agravo de instrumento.
5. No caso, o Tribunal de origem não se pronunciou sobre a alegação, deduzida pelo Banco em
embargos de declaração, sobre o termo inicial e final dos juros moratórios, justificando-se,
portanto, o reconhecimento de ofensa ao art. 535, II, do CPC/1973.
6. Agravo interno a que se nega provimento."
(STJ, AgInt. no AREsp. nº 937.652/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma,
julgado em 26/08/2019, DJe 30/08/2019, grifos meus)
"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.
INOCORRÊNCIA. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. QUESTÕES DE ORDEM
PÚBLICA. REMESSA NECESSÁRIA. ALTERAÇÃO. POSSIBILIDADE.
1. Não há violação do art. 535 do CPC/1973 quando o órgão julgador, de forma clara e coerente,
externa fundamentação adequada e suficiente à conclusão do acórdão embargado.
2. As questões relativas à correção monetária e aos juros de mora são de ordem pública e, por
isso, devem ser conhecidas ou modificadas de ofício em sede de remessa necessária, sem
importar em ofensa ao princípio da congruência e, por conseguinte, da non reformatio in pejus.
3. Agravo interno não provido."
(STJ, AgInt. no REsp. nº 1.555.776/PR, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em
23/9/2019, DJe 25/9/2019, grifos meus).
A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora.
Com relação aos índices de atualização monetária, devem ser observados os posicionamentos
firmados na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso
Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o IPCA-E nos processos
relativos a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários. Quadra ressaltar haver
constado expressamente do voto do Recurso Repetitivo que "a adoção do INPC não configura
afronta ao que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral (RE
870.947/SE). Isso porque, naquela ocasião, determinou-se a aplicação do IPCA-E para fins de
correção monetária de benefício de prestação continuada (BPC), o qual se trata de benefício de
natureza assistencial, previsto na Lei 8.742/93. Assim, é imperioso concluir que o INPC, previsto
no art. 41-A da Lei 8.213/91, abrange apenas a correção monetária dos benefícios de natureza
previdenciária." Outrossim, como bem observou o E. Desembargador Federal João Batista Pinto
Silveira: "Importante ter presente, para a adequada compreensão do eventual impacto sobre os
créditos dos segurados, que os índices em referência – INPC e IPCA-E tiveram variação muito
próxima no período de julho de 2009 (data em que começou a vigorar a TR) e até setembro de
2019, quando julgados os embargos de declaração no RE 870947 pelo STF (IPCA-E: 76,77%;
INPC 75,11), de forma que a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas
não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação." (TRF-4ª Região, AI nº
5035720-27.2019.4.04.0000/PR, 6ª Turma, v.u., j. 16/10/19).
Ademais, deve ser mantida a antecipação dos efeitos do provimento jurisdicional final, já sob a
novel figura da tutela de urgência, uma vez que evidenciado nos presentes autos o
preenchimento dos requisitos do art. 300, do CPC/15.
Inequívoca a existência da probabilidade do direito, tendo em vista o reconhecimento à percepção
do benefício pleiteado. Quanto ao perigo de dano, parece-me que, entre as posições
contrapostas, merece acolhida aquela defendida pela parte autora porque, além de desfrutar de
elevada probabilidade, é a que sofre maiores dificuldades de reversão. Outrossim, o perigo da
demora encontra-se evidente, tendo em vista o caráter alimentar do benefício.
Por fim, no tocante ao prequestionamento da matéria, para fins de interposição de recursos aos
tribunais superiores, não merece prosperar a alegação do INSS de eventual ofensa aos
dispositivos legais e constitucionais, tendo em vista que houve análise da apelação em todos os
seus aspectos.
Ante o exposto, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, nego provimento à apelação do INSS,
devendo a correção monetária e juros moratórios ser fixada na forma acima indicada.
É o meu voto.
E M E N T A
PROCESSUAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. REMESSA OFICIAL.
SENTENÇA ILÍQUIDA. NÃO OCORRÊNCIA. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO
NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE
DEFICIÊNCIA. COMPROVADO IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. MISERABILIDADE
DEMONSTRADA. CORREÇÃO MONETÁRIA. TUTELA DE URGÊNCIA MANTIDA.
I- Inicialmente, quanto à sujeição da sentença ao duplo grau de jurisdição por ser ilíquida, cumpre
notar que líquida é a sentença cujo quantum debeatur pode ser obtido por meros cálculos
aritméticos, sem a necessidade de nova fase de produção de provas ou de atividade cognitiva
futura que venha a complementar o título judicial. Inviável, portanto, acolher a interpretação
conferida pela autarquia ao conceito de sentença ilíquida.
II- Não merece prosperar a alegação de cerceamento de defesa arguida pela parte autora, tendo
em vista que, in casu, os elementos constantes dos autos são suficientes para o julgamento do
feito. Cumpre ressaltar que o magistrado, ao analisar o conjunto probatório, pode concluir pela
dispensa de produção de outras provas, nos termos do parágrafo único do art. 370 do CPC/15.
III- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
IV- A deficiência ficou caracterizada na perícia judicial. Afirmou a esculápia encarregada do
exame, com base no exame clínico e análise da documentação médica dos autos, que a autora
possui déficit mental com uma incapacidade laborativa total e permanente, desde a data do
nascimento em 17/12/02, tendo levado em consideração a Classificação Internacional de
Funcionalidades, Incapacidade e Saúde (CIF). Há que se registrar que, ao analisar suas funções
cognitivas, constatou consciência / orientação / memória / inteligência / curso e forma do
pensamento / juízo e crítica alterados, atenção não mantida, porém, linguagem preservada. Em
relação à afetividade, humor depressivo e afeto congruente ao humor. Assim, comprovado o
impedimento de longo prazo.
V- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da hipossuficiência encontra-
se demonstrado no presente feito. O estudo social revela que a autora Nathalia de 17 anos,
estudante da 1ª série do ensino médio, reside com a genitora Karina Aparecida Spadina Miranda,
de 41 anos, solteira e "do lar", e a irmã Beatriz, de 15 anos e estudante da 9ª série do ensino
fundamental em casa cedida pelos avós, composta por 2 dormitórios, cozinha e banheiro, com
muita umidade nos quartos, conforme se verifica das fotografias anexados ao laudo social,
guarnecida por móveis e eletrodomésticos básicos. Na casa 1 residem os avós maternos Marli
Aparecida de 64 anos e Laerte Spadina de 74 anos, e na casa 3 os tios e dois primos. Relatou a
genitora à assistente social que morou com o pai das filhas por aproximadamente 2 anos, sendo
que está na residência há 15 anos, não recebendo pensão alimentícia porque o mesmo
desapareceu, com paradeiro desconhecido. A genitora não exerce atividade remunerada, porque
as duas filhas são portadoras das mesmas patologias, demandando cuidados contínuos, além de
ser cuidadora da mãe Marli, por apresentar epilepsia e sofrer com surtos psicóticos, e da avó de
quase 90 anos. O avô possui um velho Fusca marca Volkswagen, utilizado para transportar as
netas ou esposa, em situação de necessidade. A renda mensal familiar é proveniente unicamente
do amparo social à pessoa portadora de deficiência recebido pela irmã Beatriz, no valor de um
salário mínimo mensal. Os gastos mensais totalizam R$ 764,00, sendo R$ 450,00 em
alimentação / material de limpeza e higiene pessoal, R$ 40,00 em água/esgoto, R$ 77,00 em
energia elétrica, R$ 44,00 em gás, R$ 33,00 em medicamentos e R$ 100,00 em telefone celular.
Os demais medicamentos são obtidos na rede pública de saúde. Importante deixar consignado a
observação do MM Juiz a quo a fls. 203 (id. 131521447 – pág.2), no sentido de que "Em que
pese a alegação de que outros parentes residem no local, é muito comum nesta Comarca - de
Diadema - a existência de residências multifamiliares, com parentes residindo em casa
individualizadas, sem que seja indicativo de que há efetiva colaboração financeira, portanto, não
há que se falar em apuração de rendimentos dos demais membros da família".
VI- Consoante jurisprudência pacífica do C. Superior Tribunal de Justiça, as questões referentes à
correção monetária e juros moratórios são matérias de ordem pública, passíveis de apreciação
até mesmo de ofício.
VII- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos índices
de atualização monetária e taxa de juros, devem ser observados os posicionamentos firmados na
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial
Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o IPCA-E nos processos relativos
a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários.
VIII- Deve ser mantida a antecipação dos efeitos do provimento jurisdicional final, já sob a novel
figura da tutela de urgência, uma vez que evidenciado nos presentes autos o preenchimento dos
requisitos do art. 300, do CPC/15.
IX- Matéria preliminar rejeitada. No mérito, apelação do INSS improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, negar provimento à apelação do
INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
