
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5359782-27.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. MARCELO VIEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: AGNALDO RODRIGUES DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: EDGARD PAGLIARANI SAMPAIO - SP135327-N
OUTROS PARTICIPANTES:
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5359782-27.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. MARCELO VIEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: AGNALDO RODRIGUES DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: EDGARD PAGLIARANI SAMPAIO - SP135327-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO VIEIRA, RELATOR: Trata-se de ação ordinária em que se objetiva a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição à pessoa com deficiência, nos termos da Lei Complementar nº 142/2013, mediante o reconhecimento do grau de deficiência leve, bem como de períodos trabalhados em atividades rurais.
A sentença julgou improcedente o pedido (ID 147292869). Houve condenação em honorários fixados em 10% sobre o valor da causa.
Esta E. Sétima Turma, em julgamento ocorrido em, anulou a sentença determinando o retorno dos autos à origem a fim de se efetuar a perícia médico-social e oitiva de testemunhas, para comprovação do labor rural informal.
Sobreveio a r. sentença que julgou procedente o pedido para reconhecer como laborado(s) em atividades rurais o(s) período(s) de 23/07/1980 a 22/07/1982, determinando ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a concessão da aposentadoria à pessoa com deficiência, com DIB em 09/02/2017, condenando-o, em consequência, ao pagamento das parcelas em atraso, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora nos termos dos temas 810, do STF, e 905, do STJ. Condenou o réu, também, ao pagamento de honorários de advogado, fixados em 10% sobre o valor da verba atrasada até a data em que passou a receber qualquer benefício no âmbito administrativo.. Não houve condenação e custas.
Sentença não submetida ao reexame necessário.
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, alegando, que o autor não comprovou o exercício de atividade rural, sendo insuficiente o conjunto probatório produzido nos autos. Sustenta, da mesma forma, a não comprovação da deficiência alegada. Subsidiariamente, requer a reforma da sentença quanto à correção monetária e juros de mora, devendo ser observado o Manual de Cálculos da Justiça Federal, que prevê correção monetária pelo INPC e juros de mora pela Lei 11.960/09, a partir da competência janeiro/2022, a Selic, na forma da EC n. 113/2021; e o arbitramento dos honorários advocatícios em 10% sobre as parcelas vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ.
Com contrarrazões, vieram os autos ao Tribunal.
É o relatório.
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5359782-27.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. MARCELO VIEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: AGNALDO RODRIGUES DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: EDGARD PAGLIARANI SAMPAIO - SP135327-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO VIEIRA, RELATOR: Embora não seja possível, de plano, aferir-se o valor exato da condenação, pode-se concluir, pelo termo inicial do benefício, seu valor aproximado e a data da sentença, que o valor total da condenação será inferior à importância de 1.000 (mil) salários mínimos estabelecida no inciso I do §3º do art. 496 do CPC/15.
Assim, é nítida a inadmissibilidade, na hipótese em tela, da remessa necessária.
Inicialmente, verifico que a sentença proferida (ID 292105600) decidiu pretensão aquém daquela pleiteada nos presentes autos.
Da leitura da petição inicial depreende-se que a parte autora formulou pedido de cunho declaratório, visando o reconhecimento de períodos laborados em atividades rurais e verificação da deficiência alegada, bem como de conteúdo condenatório, qual seja, a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição devida ao deficiente e consectários legais.
Ocorre que, detidamente analisando os autos, verifico que, de fato, o Magistrado a quo deixou de apreciar a questão da deficiência.
Desta feita, restando claro o julgamento citra petita, de rigor o reconhecimento da nulidade da sentença.
É firme a jurisprudência desta Corte Regional no sentido de que, estando o feito em condições de julgamento, e prestigiando-se os princípios da celeridade e economia processual, o feito poderia ser apreciado nesta instância, na forma do artigo 1.013, §3º, III do CPC/2015.
Todavia, embora tenham as partes se manifestado sobre a lide, bem como sobre as provas produzidas até o momento, observo que o feito não se encontra suficientemente instruído para o seu imediato deslinde.
A Lei Complementar n. 142/2013 assevera a necessidade de estabelecer, por meio de laudo médico pericial, a data provável do início da deficiência, o seu grau e a identificação da variação do grau de deficiência nos respectivos períodos (art. 70-D, Decreto 8.145/2013), a fim de indicar o respectivo coeficiente de conversão a ser aplicado na redução no requisito contributivo (incisos I, II e III).
Os critérios estabelecidos para a realização da perícia, que engloba perícia médica e estudo social, estão discriminados na Portaria Interministerial SDH/MPS/MF/MOG/AGU nº 001/27.01.2014, adotando-se o conceito de funcionalidade estabelecido pela Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), da Organização Mundial da Saúde - OMS, mediante a aplicação do Índice de Funcionalidade Brasileiro Aplicado para Fins de Aposentadoria (IFBrA).
A análise da situação incapacitante ocorre dentro do contexto de desempenho de atividades habituais e envolvem aspectos sensoriais, de comunicação, mobilidade, cuidados pessoais, de vida doméstica, educação, trabalho e vida econômica, social e comunitária, considerando-se, ademais, as barreiras externas (urbanísticas, arquitetônicas, nos transportes, nas comunicações, na informação, atitudinais e tecnológicas) e a dependência de terceiros, para a aferição da deficiência e a classificação em grau grave, moderado ou leve.
Disciplina a Portaria a atribuição de pontos em conformidade com o nível de dependência de terceiros. Assim, quando o segurado não conseguir realizar determinada atividade ou for totalmente dependente de terceiros, a pontuação será de 25. Caso realize a atividade com auxílio de terceiros, mas participe de alguma etapa dessa realização, alcançará 50 pontos. Para a hipótese de consecução da tarefa de forma adaptada, com alguma modificação, ou de forma mais lenta, desde que o indivíduo seja independente para colocar a adaptação necessária para a atividade, não dependendo de terceiros para tal, atingirá 75 pontos. Por fim, quando a atividade for realizada de forma independente, sem qualquer tipo de adaptação ou modificação, em velocidade habitual e em segurança, sem qualquer restrição ou limitação, atingirá 100 pontos.
Após a atribuição dos pontos para cada atividade dos grupos de domínio, a natureza da deficiência poderá ser fixada, nos termos do item “4. e”, do Anexo, da Portaria.
Do conjunto probatório apresentado, não se pode aferir, de forma inequívoca o eventual direito do autor, pelo que se conclui que o feito não se encontra suficientemente instruído para o seu julgamento e a devida prestação jurisdicional, já que não realizado o estudo social, já determinado por esta E. Corte no acórdão de ID 259605369.
Desta feita, a fim de se evitar o cerceamento de defesa e a supressão de instância, o processo deve retornar ao Juízo de origem para que seja realizada a sua devida instrução e prolação de nova sentença.
Nesse sentido, confira-se a jurisprudência deste Tribunal:
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL. SENTENÇA CITRA PETITA. ANULAÇÃO DE OFÍCIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE ATIVIDADE EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. INSTRUÇÃO PROBATÓRIA DEFICIENTE. REABERTURA. NECESSIDADE.
- Ao julgar procedente a demanda, com o reconhecimento do tempo rural sem registro e a concessão de aposentadoria por idade híbrida, a r. sentença não se pronunciou sobre os demais pedidos formulados na inicial, notadamente quanto ao reconhecimento da especialidade do trabalho no período de 14/05/2003 a 13/11/2019 e à possibilidade de concessão do benefício conforme as regras de transição veiculadas pelo artigo 16 da EC n. 103/2019, incorrendo em julgamento citra petita, passível de anulação, de ofício, por ausência de prestação jurisdicional.
- Embora a Autarquia Previdenciária tenha se manifestado sobre o mérito da lide, inclusive em sede de apelação, observo que o feito não se encontra maduro o suficiente para seu deslinde imediato.
- A parte autora, além do tempo rural outrora reconhecido, a declaração da especialidade do trabalho no período de 14/05/2003 a 13/11/2019 em razão da exposição ao agente físico ruído em nível superior ao limite previsto em lei.
- O reconhecimento do exercício de trabalho sob condições especiais pela exposição ao agente nocivo ruído, por sua vez, depende dos níveis de pressão sonora durante o desempenho da atividade laboral, dos meios de prova, da habitualidade e permanência do labor e da metodologia, cuja aferição deve observar as normas de regência vigentes ao tempo da prestação do serviço, conforme os precedentes obrigatórios do C. STJ, especialmente cristalizados nos Temas 534, 694 e 1083/STJ.
- Para o agente físico ruído, sempre foi e continua sendo imprescindível a comprovação de sua efetiva exposição mediante apresentação de laudo técnico indicativo da insalubridade, exceto na hipótese de apresentação do PPP, por força da orientação firmada pelo C. STJ no Incidente de Uniformização de Jurisprudência, Petição 10.262, Relator Ministro SÉRGIO KUKINA, DJe 16/02/2017.
- Em relação à especialidade do trabalho no período de 14/05/2003 a 13/11/2019, a parte autora não apresentou cópia do PPP ou do LTCAT correspondente, não colacionou aos autos cópia integral do processo administrativo relativo ao benefício pleiteado em 26/10/2021 e também não foi autorizada qualquer perícia técnica visando a sua comprovação, não existindo documentos que pudessem comprovar a efetiva exposição ao agente agressor.
- A mera reprodução de trechos do PPP na exordial não se mostra suficiente para avaliação do labor especial vindicado, sendo imprescindível a integralidade do documento para se perquirir com convicção acerca das condições laborativas, inclusive para avaliar se as informações foram lançadas de acordo com os registros ambientais previstos em laudo elaborado por responsável técnico devidamente habilitado.
- A ausência de provas relativas à especialidade do trabalho no período em questão demonstra de forma inequívoca que o presente feito não se encontra devidamente instruído para julgamento, impondo-se, no caso, o retorno dos autos ao Juízo de origem, com vistas à reabertura da instrução processual e à correta prestação jurisdicional.
- O cerne do problema a ser enfrentado decorre da necessidade de deliberar sobre a aplicação de dois princípios constitucionais fundamentais de igual importância e relevância para a solução do presente recurso e que, no presente caso, estão em oposição: o devido processo legal, instruído pelo contraditório e a ampla defesa, (artigo 5º, LIV e LV, da CR), e a celeridade processual (artigo 5º, LXXVIII, da CR).
- Sob o pálio do devido processo legal, é preciso ressaltar que a prova se destina ao processo, e não somente ao juiz de primeira instância, razão pela qual também é objeto de apreciação pelo segundo grau de jurisdição, viabilizando o julgamento dos recursos interpostos, razão por que não há que se cogitar de preclusão.
- A interpretação sistemática e teleológica do artigo 370 do CPC conduz, basicamente, à necessidade de identificação dos elementos probatórios que, a uma, não se prestam a elucidar a verdade dos fatos relacionados ao mérito da lide, e, a duas, tenham por fito causar delongas no andamento processual.
- No que toca especificamente à prova pericial, a sua produção poderá ser indeferida ou dispensada quando “for desnecessária em vista de outras provas produzidas”, na forma dos artigos 464, II, e 470 do CPC.
- Nas lides que têm por escopo perscrutar o alegado exercício de labor especial sob o efeito de agentes nocivos, objetivando o reconhecimento ou não da especialidade da atividade no âmbito previdenciário, a realização de prova pericial é essencial para que, juntamente com a prova documental trazida aos autos, seja viabilizada a fundamentação da decisão acerca da natureza comum ou especial do labor exercido, sob pena de se caracterizar cerceamento de defesa, em prejuízo às partes, por debilidade do conjunto probatório. Precedentes.
- Assim, a invocação dos princípios da celeridade e economia processuais, mediante o julgamento antecipado ou do indeferimento de determinada produção de prova técnica, pode conduzir nesses casos ao cerceamento de defesa, em prejuízo às partes, na medida em que o indeferimento do ingresso de provas nos autos conduz à debilidade do conjunto probatório.
- Com efeito, para a solução do conflito entre os princípios constitucionais, as máximas da razoabilidade e da proporcionalidade estão a ensejar a preponderância, no caso concreto, do devido processo legal sobre os princípios da celeridade e economia processuais, em face da necessidade de se preservar o valor da justiça da prestação jurisdicional.
- Ainda, considerando-se a tese fixada pelo C. STJ no Tema 1083/STJ, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, é mister realizar o distinguishing ampliativo com o fito de aplicar à presente lide a ratio decidendi do Tema 1083/STJ, acrescida da compreensão emanada dos Embargos de Declaração, no sentido de que a demonstração do labor submetido a quaisquer agentes agressivos à saúde, e não somente ao ruído, deve ser realizada na seara previdenciária.
- No caso, observa-se que, em relação à especialidade do trabalho no período de 14/05/2003 a 13/11/2019, a parte autora não apresentou cópia do PPP ou do LTCAT correspondente, não colacionou aos autos cópia integral do processo administrativo relativo ao benefício pleiteado em 26/10/2021 e também não foi ordenada qualquer perícia técnica visando a sua comprovação.
- A ausência de provas relativas à especialidade do trabalho no período em questão demonstra de forma inequívoca que o presente feito não se encontra devidamente instruído para julgamento, impondo-se, no caso, o retorno dos autos ao Juízo de origem, com vistas à reabertura da instrução processual e à correta prestação jurisdicional.
- Sentença anulada de ofício e apelação do INSS prejudicada.
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000856-24.2023.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal LEILA PAIVA MORRISON, julgado em 13/03/2024, DJEN DATA: 18/03/2024)”
Ante o exposto, de ofício, com fulcro no caput do art. 492 do CPC, declaro nula a sentença citra petita e determino o retorno dos autos ao juízo de origem para o regular seguimento do feito e, consequentemente, julgo PREJUDICADA a apelação do INSS, nos termos da fundamentação supra.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CÍVEL. SENTENÇA CITRA PETITA. NULIDADE. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. LEI COMPLEMENTAR 142/13. CARACTERIZAÇÃO E FIXAÇÃO DE GRAU DE DEFICIÊNCIA. AVALIAÇÃO MÉDICA E FUNCIONAL. ANÁLISE DA DEFICIÊNCIA. INSTRUÇÃO PROBATÓRIA DEFICIENTE. ART. 1.013, §3º, III, CPC. INAPLICABILIDADE.
1. Trata-se de ação ordinária em que se objetiva a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição devida a pessoa com deficiência, mediante o reconhecimento de períodos trabalhados em atividades especiais.
2. Sentença que julgou aquém do pedido inicial. Citra petita. Nulidade na forma do caput do artigo 492 do CPC/2015.
3. A Lei Complementar n. 142/2013 assevera a necessidade de estabelecer, por meio de laudo médico pericial, a data provável do início da deficiência, o seu grau e a identificação da variação do grau de deficiência nos respectivos períodos (art. 70-D, Decreto 8.145/2013), a fim de indicar o respectivo coeficiente de conversão a ser aplicado na redução no requisito contributivo (incisos I, II e III).
4. Conjunto probatório deficitário. Impossibilidade do julgamento do feito no estado em que se encontra. Ausência de estudo social.
5. Devolução dos autos para o juízo de origem para que seja realizada a devida instrução e prolação de nova sentença, evitando-se o cerceamento de defesa, bem como a supressão de instância.
6. De ofício sentença anulada. Apelação do INSS prejudicada.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
