
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 0008950-30.2014.4.03.6000
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: WILSON MOREIRA
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 0008950-30.2014.4.03.6000
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: WILSON MOREIRA
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de remessa necessária e apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação ajuizada por WILSON MOREIRA, objetivando a declaração de inexistência de débito, decorrente do recebimento do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
A r. sentença (ID 104250159 - Págs. 55/60), complementada pela decisão de ID 104250159 - Págs. 76/77, julgou parcialmente procedente o pedido inicial, "para determinar que o INSS se abstenha de cobrar do autor os valores por ele percebidos a título de benefício assistencial ao idoso (NB 128.972.192-8)". Fixou honorários advocatícios em R$1.000,00 (mil reais). Sentença submetida ao reexame necessário.
Em razões recursais (ID 104250159 - Págs. 68/74), pugna o INSS pela reforma da sentença, ao fundamento da legalidade da cobrança do débito em questão, sob pena de enriquecimento ilícito, uma vez que o benefício fora recebido indevidamente, aduzindo, ainda, que a restituição nessas hipóteses é autorizada pelo art. 115 da Lei de Benefícios.
Contrarrazões da parte autora (ID 104250159 - Págs. 81/89).
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 0008950-30.2014.4.03.6000
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: WILSON MOREIRA
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Verifica-se dos autos que o autor, titular do benefício assistencial de prestação continuada, teve a benesse cessada em razão da constatação da existência de supostas irregularidades, tendo o INSS enviado comunicado acerca da necessidade da devolução de valores recebidos indevidamente, os quais perfaziam o montante de R$ 62.339,81.
Da detida análise da documentação acostada aos autos, depreende-se que as alegadas irregularidades encontradas pelo ente previdenciário na concessão do benefício assistencial consistem no fato de que "a esposa do interessado, exerceu atividade laborativa nos períodos de 01/07/2005 a 10/08/2005, 01/03/2006 a 31/10/2012 e 01/12/2012 a 30/04/2014, tendo ainda recebido benefício previdenciário no período de 29/10/2012 a 12/12/2012, o que acarreta renda per capita superior a ¼ do salário mínimo" (ID 104250159 - P. 25) e ainda no fato de ser o demandante supostamente proprietário de um veículo automotor.
O INSS, portanto, valendo-se de expediente administrativo, buscou o ressarcimento do débito, originado da percepção - indevida, segundo alega - de parcelas do benefício assistencial de prestação continuada, cuja declaração de inexigibilidade se pretende com esta demanda.
Historiados os fatos, verifico que, de fato, conforme bem assentado no
decisum
, não há elementos nos autos que apontem no sentido da percepção indevida do benefício assistencial.O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20,
caput,
da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo
per capita
como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como instrumento de (re)interpretação da decisão proferida em controle de constitucionalidade abstrato. Preliminarmente, arguido o prejuízo da reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos extraordinários 580.963 e 567.985, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade, incidentalmente, de normas tidas como fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da própria competência atribuída ao STF para exercer o denominado controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de reapreciação das decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo hermenêutico típico da reclamação - no "balançar de olhos" entre objeto e parâmetro da reclamação - que surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no controle de constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E, inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação, se entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda
per capita
, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
(...)
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo. 6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(REsp nº 1.112.557/MG, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, DJ 20/11/2009). (grifos nossos)
No que pertine à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, referido tema revelou-se polêmico, por levantar a discussão acerca do discrímen em se considerar somente o benefício assistencial para a exclusão referida, e não o benefício previdenciário de qualquer natureza, desde que de igual importe; sustentava-se, então, que a
ratio legis
do artigo em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado e, bem por isso, não havia justificativa plausível para a discriminação.Estabelecido o dissenso inclusive perante o Superior Tribunal de Justiça, o mesmo se resolveu no sentido, enfim, de se excluir do cálculo da renda familiar todo e qualquer benefício de valor mínimo recebido por pessoa maior de 65 anos, em expressa aplicação analógica do contido no art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
Refiro-me, inicialmente, à Petição nº 7203/PE (Incidente de Uniformização de Jurisprudência), apreciada pela 3ª Seção do STJ em 10 de agosto de 2011 (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura) e, mais recentemente, ao Recurso Especial nº 1.355.052/SP, processado segundo o rito do art. 543-C do CPC/73 e que porta a seguinte ementa:
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA. IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.
(REsp nº 1.355.052/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Seção, j. 25/02/2015, DJe 05/11/2015). (grifos nossos)
In casu
, o extrato do Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS (ID 104250158 - Págs. 74/76) comprova que a relação empregatícia mantida pela esposa do autor – mencionada no comunicado enviado pelo INSS – teve início após a concessão do benefício assistencial (este com DIB fixada em 06/02/2004, ao passo que os salários de contribuição lançados no CNIS têm início em 03/2006).Dessa forma, na esteira do quanto já decidido pelo Digno Juiz de 1º grau, há que se concluir que "a atividade laborativa desenvolvida pela esposa do autor data de mais de um ano após a concessão do LOAS/idoso em questão. Logo, dessume-se que, se à época da concessão desse benefício, a mesma não desempenhava atividade laborativa, não há como considerar irregular o deferimento do pleito administrativo do autor." (ID 104250159 - P. 56).
Quanto ao fato de o autor ser suposto proprietário de um veículo (modelo VW/Fusca 1500, ano 1975, data da aquisição 07/05/2011 – ID 104250159 - P. 4), o próprio INSS concluiu que “o bem foi classificado como de baixo risco” (ID 104250159 - P. 24), deixando de elencar tal circunstância no rol de irregularidades, apontadas no comunicado enviado à parte autora, conforme se infere do documento de ID 104250159 - P. 25.
Por fim, há que se ressaltar que a revisão administrativa de observância obrigatória pelo ente previdenciário a cada dois anos (art. 21 da Lei nº 8.742/93) serve à avaliação da continuidade (ou não) das condições que ensejaram a concessão do benefício, sem que isso implique em devolução de qualquer valor recebido até então, sendo mesmo de rigor a manutenção da r. sentença, dando pela inexigibilidade do débito apurado pelo INSS.
Ante o exposto,
nego provimento à remessa necessária e à apelação do INSS
, mantendo integralmente a r. sentença de primeiro grau de jurisdição.É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA). STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.472/93, SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE DA MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO RECEBIMENTO INDEVIDO DO BENEFÍCIO. DESNECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDAS.
1 - Verifica-se dos autos que o autor, titular do benefício assistencial de prestação continuada, teve a benesse cessada em razão da constatação da existência de supostas irregularidades, tendo o INSS enviado comunicado acerca da necessidade da devolução de valores recebidos indevidamente, os quais perfaziam o montante de R$ 62.339,81.
2 - Da detida análise da documentação acostada aos autos, depreende-se que as alegadas irregularidades encontradas pelo ente previdenciário na concessão do benefício assistencial consistem no fato de que "a esposa do interessado, exerceu atividade laborativa nos períodos de 01/07/2005 a 10/08/2005, 01/03/2006 a 31/10/2012 e 01/12/2012 a 30/04/2014, tendo ainda recebido benefício previdenciário no período de 29/10/2012 a 12/12/2012, o que acarreta renda per capita superior a ¼ do salário mínimo" (ID 104250159 - P. 25) e ainda no fato de ser o demandante supostamente proprietário de um veículo automotor.
3 - O INSS, portanto, valendo-se de expediente administrativo, buscou o ressarcimento do débito, originado da percepção - indevida, segundo alega - de parcelas do benefício assistencial de prestação continuada, cuja declaração de inexigibilidade se pretende com esta demanda.
4 - Conforme bem assentado no
decisum
, não há elementos nos autos que apontem no sentido da percepção indevida do benefício assistencial.5 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que comprove possuir renda familiar
per capita
inferior a ¼ do salário mínimo.6 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda
per capita
, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.7 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo
per capita
como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.8 - No que pertine à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, referido tema revelou-se polêmico, por levantar a discussão acerca do discrímen em se considerar somente o benefício assistencial para a exclusão referida, e não o benefício previdenciário de qualquer natureza, desde que de igual importe; sustentava-se, então, que a
ratio legis
do artigo em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado e, bem por isso, não havia justificativa plausível para a discriminação.9 - Estabelecido o dissenso inclusive perante o Superior Tribunal de Justiça, o mesmo se resolveu no sentido, enfim, de se excluir do cálculo da renda familiar todo e qualquer benefício de valor mínimo recebido por pessoa maior de 65 anos, em expressa aplicação analógica do contido no art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
10 -
In casu
, o extrato do Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS comprova que a relação empregatícia mantida pela esposa do autor – mencionada no comunicado enviado pelo INSS – teve início após a concessão do benefício assistencial (este com DIB fixada em 06/02/2004, ao passo que os salários de contribuição lançados no CNIS têm início em 03/2006).11 - Dessa forma, na esteira do quanto já decidido pelo Digno Juiz de 1º grau, há que se concluir que "a atividade laborativa desenvolvida pela esposa do autor data de mais de um ano após a concessão do LOAS/idoso em questão. Logo, dessume-se que, se à época da concessão desse benefício, a mesma não desempenhava atividade laborativa, não há como considerar irregular o deferimento do pleito administrativo do autor.".
12
-
Quanto ao fato de o autor ser suposto proprietário de um veículo (modelo VW/Fusca 1500, ano 1975, data da aquisição 07/05/2011), o próprio INSS concluiu que “o bem foi classificado como de baixo risco”, deixando de elencar tal circunstância no rol de irregularidades, apontadas no comunicado enviado à parte autora, conforme se infere do documento de ID 104250159 - P. 25.13 - Por fim, há que se ressaltar que a revisão administrativa de observância obrigatória pelo ente previdenciário a cada dois anos (art. 21 da Lei nº 8.742/93) serve à avaliação da continuidade (ou não) das condições que ensejaram a concessão do benefício, sem que isso implique em devolução de qualquer valor recebido até então, sendo mesmo de rigor a manutenção da r. sentença, dando pela inexigibilidade do débito apurado pelo INSS.
14 - Remessa necessária e apelação do INSS desprovidas.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à remessa necessária e à apelação do INSS, mantendo integralmente a r. sentença de primeiro grau de jurisdição, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
