Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5007058-24.2020.4.03.6183
Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
16/12/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 20/12/2021
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE
DÉBITO. BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REVISÃO DE
AUTOTUTELA. OPERAÇÃO CRONOCINESE.GFIPS EXTEMPORÂNEAS. AUSÊNCIA DE
COMPROVAÇÃO DA CONTEMPORANEIDADE DA ATIVIDADE EXERCIDA.
IRREGULARIDADE NA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES
RECEBIDOS. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA
RECURSAL.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- O benefício da parte autora fora suspenso, em sede administrativa, em decorrência de
procedimento de “revisão de autotutela”, por suspeita de irregularidade das remunerações
extemporâneas informadas no teto previdenciário, a partir da deflagração de operação policial
denominada “Operação Cronocinese”.
- Após a indicação de diversas irregularidades apresentadas pelo Grupo de Trabalho/MOB,
caberia à parte autora demonstrar a contemporaneidade da atividade laboral remunerada pelo
extenso período contributivo, que fora incluído no CNIS em decorrência da emissão de Guias de
Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social – “GFIPS”, de forma
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
extemporânea, com envio 07-07-2017, véspera da concessão do benefício (id Num. 145077470 -
Pág. 39/56).
- Com relação aos recibos de retirada de pró-labore, estes não apresentam data de recebimento,
sendo todos assinados com a mesma tipologia, formatação, tipo de papel e corte padronizado,
conforme bem pontuou a parte ré em concluir pela ausência de contemporaneidade.
- Ainda, se observa que a recorrente não esclarece a ausência de declaração do imposto de
renda concernente ao período controvertido (id Num. 145077470 - Pág. 59/67), em que pese o
alegado recebimento de valores no teto da previdência, indicados nos pró-labores.
- Ressalte-se ainda, que a vinculação do segurado contribuinte individual à Previdência Social
não decorre apenas pelo pagamento das contribuições, sendo necessária a comprovação do
desempenho de atividade laborativa remunerada (artigo 45-A da Lei n.º 8.212/91), o que não
ocorreu nos autos.
- Com efeito, a apelante apenas alega a regularidade dos recibos pró-labore, sem, contudo,
apresentar qualquer documento apto a infirmar as conclusões de relatório produzido pelo INSS,
baseado em informações da Receita Federal do Brasil e da Polícia Federal.
- Conquanto a boa-fé se presuma, esta presunção é juris tantum e, no caso dos autos, por meio
do cotejo das provas coligidas no feito administrativo, em que foram observados os princípios da
ampla defesa e do contraditório, restou amplamente comprovada a fraude na concessão do
benefício, impondo-se a devolução dos valores relativos ao benefício indevidamente recebido.
- Honorários advocatícios majorados ante a sucumbência recursal, observando-se o limite legal,
nos termos do §§ 2º e 11 do art. 85 do CPC/2015.
- Apelação improvida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5007058-24.2020.4.03.6183
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: NADIA VALERIA MARTINS DUARTE
Advogado do(a) APELANTE: KLEBER SANTANA LUZ - SP256994-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5007058-24.2020.4.03.6183
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: NADIA VALERIA MARTINS DUARTE
Advogado do(a) APELANTE: KLEBER SANTANA LUZ - SP256994-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação ajuizada por NÁDIA VALÉRIA MARTINS DUARTE, em face de INSTITUTO
NACIONAL DO SEGURO SOCIAL objetivando a declaração de inexigibilidade de débito, com o
restabelecimento do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição NB 42/183.191.198-
9 (DIB 03-06-2017), e condenação da parte ré a indenizar os danos morais sofridos.
A tutela provisória de urgência foi parcialmente deferida, sendo determinada a suspensão da
cobrança do crédito controvertido (id Num. 145077474).
A r. sentença julgou improcedente o pedido, revogando a tutela provisória concedida.
Condenada a parte autora ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios
arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, ressalvada a suspensão
de exigibilidade prevista no artigo 98, § 3º do Código de Processo Civil.
Apela a parte autora, alegando que não houve fraude ou manipulação de informações, sendo
válida a concessão de seu benefício, sendo que os documentos carreados desde o protocolo do
benefício administrativo e na ação judicial demonstram a efetiva prestação dos serviços como
empresária, o recebimento do pró-labore contemporâneos e os lançamentos idôneos da GFIP.
Aduz que, se houve alguma concessão irregular de aposentadoria, que não é o caso, tal fato
teria sido cometido por erro administrativo e não fraude, razão pela qual não deve prosperar a
condenação na devolução dos valores recebidos, por força do Tema 979 do STJ.
Sem contrarrazões.
Foi determinada a intimação da parte autora para que promovesse eventual regularização de
algumas folhas constantes do seu recurso de apelação (ID Num. 145077481 - Pág. 6/7/8/10 por
estarem em branco (id Num. 153756346).
Decorrido in albis o prazo, foi reiterado o inteiro teor do despacho supra (id Num. 157830212),
sem manifestação da parte recorrente.
É o relatório.
ab
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5007058-24.2020.4.03.6183
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: NADIA VALERIA MARTINS DUARTE
Advogado do(a) APELANTE: KLEBER SANTANA LUZ - SP256994-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente, tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade
recursais, passo ao exame da matéria objeto de devolução.
Foi oportunizada à parte recorrente a regularização de seu recurso de apelo, por estarem
algumas folhas em branco, decorrido in albis o prazo para manifestação.
Por conseguinte, analiso o mérito do recurso interposto nos termos ali apresentados, tendo em
vista a ausência de manifestação para correção de eventual irregularidade pela parte
interessada.
Conforme se extrai da narrativa da inicial, o benefício da parte autora fora suspenso, em sede
administrativa, em decorrência de procedimento de “revisão de autotutela”, por suspeita de
irregularidade das remunerações extemporâneas informadas no teto previdenciário, a partir da
deflagração de operação policial denominada “Operação Cronocinese”.
Consigne-se, inicialmente, que o presente caso não se amolda na hipótese de erro
administrativo cadastrada no STJ como “TEMA REPETITIVO N. 979” – (Ofício n. 479/2017-
NUGEP, de 17/8/2017), porque o INSS busca o ressarcimento de benefício recebido com base
em dolo.
PODER DEVER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO.
É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal:
"A administração pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos".
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam
ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação
judicial".
Também é pacífico o entendimento de que a mera suspeita de irregularidade, sem o regular
procedimento administrativo, não implica suspensão ou cancelamento unilateral do benefício,
por ser um ato perfeito e acabado. Aliás, é o que preceitua o artigo 5º, LV, da Constituição
Federal, ao consagrar como direito e garantia fundamental, o princípio do contraditório e da
ampla defesa, in verbis:
"Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
Ainda, o art. 115, II, da lei 8213/91 impõe à autarquia a cobrança dos valores pagos
indevidamente, identificados em regular processo administrativo, sem comprovação na CTPS e
no CNIS.
DA OBRIGAÇÃO DE SE REPETIR O INDEVIDO DECORRENTE DE FRAUDE
Todo aquele que cometer ato ilícito, fica obrigado a reparar o dano proveniente de sua conduta
ou omissão.
Confira-se o disposto no art. 186, do Código Civil:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Ainda sobre o tema objeto da ação, dispõem os artigos 876, 884 e 927, ambos do Código Civil
de 2002:
“Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação
que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.”
“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187). causar dano a outrem. fica obrigado a
repará-lo.”
Na hipótese de ser constatada irregularidade na concessão do benefício, consubstanciada em
erro da administração ou na prática de fraude de servidor do INSS, a Autarquia Federal deve
instaurar procedimento administrativo antes de cancelar o benefício ou de cobrar eventual
indevido.
Nesse contexto, eventual irregularidade na concessão do benefício da qual não reste
comprovada a participação do segurado na concessão do benefício, ou não reste comprovado o
fato de que ele se beneficiou da fraude, não pode gerar ao segurado responsabilidade objetiva
pelo ressarcimento.
Somente quando se comprovar a participação do segurado na fraude ou que o mesmo tenha
sido diretamente beneficiado em razão dela é que não se poderá deixar de obrigar o segurado a
devolver o indevido sob pena de se validar o enriquecimento ilícito, vedado pelo ordenamento
jurídico.
A fraude na obtenção do benefício não afasta a obrigação de restituição ao sistema das verbas
indevidamente recebidas. Entendimento diverso levaria ao enriquecimento sem causa, em
detrimento dos demais segurados do regime previdenciário.
O art. 115 da Lei n. 8.213/91 enumera os descontos que podem ser feitos no valor dos
benefícios previdenciários e, embora não tenha disposição específica, prevê o desconto de
valores pagos além do devido.
A matéria está regulada pelo art. 154, § 2º, do Decreto n. 3.048/99, na redação que lhe deu o
Decreto n. 5.699/2006:
Art.154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
§2º.A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência social,
nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art.
175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244,
independentemente de outras penalidades legais.
Esse tem sido também o entendimento do STJ:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO IRREGULARMENTE CONCEDIDO.
RESTITUIÇÃO. DECRETO 5.699/2006. POSSIBILIDADE DE PARCELAMENTO. NORMA DE
ORDEM PÚBLICA MAIS BENÉFICA. APLICAÇÃO IMEDIATA. DESCONTO DA
INTEGRALIDADE. IMPOSSIBILIDADE. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO CARÁTER SOCIAL DAS NORMAS
PREVIDENCIÁRIAS.
1. De acordo com o art. 115 da Lei 8.213/91, havendo pagamento além do devido (hipótese que
mais se aproxima da concessão irregular de benefício), o ressarcimento será efetuado por meio
de parcelas, nos termos determinados em regulamento, ressalvada a ocorrência de má-fé.
2. A redação original do Decreto 3.048/99 determinava que a restituição de valores recebidos a
título de benefício previdenciário concedido indevidamente em virtude de dolo, fraude ou má-fé
deveria ser paga de uma só vez. Entretanto, a questão sofreu recente alteração pelo Decreto
5.699/2006, que passou a admitir a possibilidade de parcelamento da restituição também
nestes casos, pelo que, sendo norma de ordem pública mais benéfica para o segurado,
entende-se que tem aplicação imediata indistintamente a todos os beneficiários que estiverem
na mesma situação.
3. Além disso, em vista da natureza alimentar do benefício previdenciário e a condição de
hipossuficiência do segurado, torna-se inviável impor ao beneficiário o desconto integral de sua
aposentadoria, uma vez que, ficando anos sem nada receber, estaria comprometida a sua
própria sobrevivência, já que não teria como prover suas necessidades vitais básicas, em total
afronta ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, bem como ao caráter social
das normas previdenciárias, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência
Social.
4. A fim de evitar o enriquecimento ilícito, reputo razoável o desconto de 30% sobre o valor do
benefício, conforme requerido pelo segurado.
5. Recurso Especial improvido.
(REsp 959209/MG, 5ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 03/09/2007, p. 219).
Desse modo, os valores recebidos indevidamente em razão da fraude devem ser devolvidos
aos cofres do INSS, na forma acima fundamentada.
DO CASO DOS AUTOS
Da análise dos autos, se constata que a autora Nádia Valéria Martins Duarte requereu e obteve,
perante o INSS, o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição – NB 42/183.191.198-9
– com DIB em 28/07/2017.
Em 2018, foi instaurado procedimento de revisão do referido benefício, nos termos do artigo 11
da Lei n.º 10.666/2003 e devido ao inquérito da Polícia Federal de São Paulo/SP n.º 0267/2018
– Operação Cronocinese – deflagrada em 23/09/2019.
Para tanto, foi constatada a irregularidade na concessão da aposentadoria da parte autora, ante
o cômputo indevido do tempo e remunerações para os períodos de 01/07/2005 a 31/10/2009,
de 01/12/2009 a 31/08/2012 e de 01/10/2012 a 31/10/2013, referente às remunerações como
contribuinte individual da empresa BETTER SOLUCION ASSESSORIA EMPRESARIAL,
inseridos extemporaneamente no CNIS através do envio de Guias de Recolhimento do FGTS e
de Informações à Previdência Social – GFIPs, não havendo a apresentação de documentação
idônea que comprovasse as remunerações recebidas.
Ato contínuo, foi determinada a cessação do benefício, pela constatação de fraude,
pretendendo o INSS a restituição dos valores pagosno período de 28/07/2017 a 30/11/2019, no
valor de R$169.886,37 para 12/2019 (id Num. 145077470 - Pág. 113/115).
Pois bem. Analisando o processo administrativo, verifica-se que as irregularidades que
conduziram à cessação do benefício consistem na emissão de Guias de Recolhimento do
FGTS e de Informações à Previdência Social – “GFIPS” – referentes a diversas competências
pretéritas, todas com envio em 07-07-2017, véspera da concessão do benefício, além da
ausência de recolhimento de contribuições previdenciárias correspondentes e inatividade da
empresa à qual vinculada a parte autora.
O Grupo de Trabalho/MOB, da Superintendência Regional Sudeste I, do INSS, em seu relatório
com as conclusões da análise inicial da concessão do benefício nº 42/183.191.198-9,
interessada Nadia Valeria Martins Duarte, observou que:
“44.5 Às fls. 37 e 38 foram apresentados os recibos de retirada de pró-labore, com
discriminação nos cabeçalhos do provável responsável e sistema utilizado para elaboração dos
documentos (7COM CONTABILIDADE – FOLHAMATIC), emitidos em nome da titular referente
à empresa BETTER SOLUTION ASSESSORIA EMPRESARIAL LTDA., CNPJ
01.024.655/0001-62, referente aos meses de julho/2005 a outubro/2013, não apresentando data
do recebimento, assinadas com a mesma caneta, impressos com a mesma formatação e
tipologia, mesmo papel e recorte padronizado, caracterizando indícios de terem sido
confeccionados e assinados de uma só vez, não aparentando contemporaneidade aos fatos.
No CNIS, constam remunerações para a segurada informadas pela empresa BETTER
SOLUTION ASSESSORIA EMPRESARIAL LTDA., CNPJ 01.024.655/0001-62, no período de
01/07/2005 a 31/10/2009, de 01/12/2009 a 31/08/2012 e, de 01/10/2012 a 31/10/2013, na
qualidade de sócio-administrador, como Contribuinte individual – Diretor não empregado e
demais empresários sem FGTS – Categoria 11. Estas remunerações foram inseridas no CNIS
através do envio extemporâneo de GFIPs – Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações à
Previdência Social.
Em consulta no sistema GFIPWeb, verificamos que transmissões das GFIP ́s foram efetuadas
pela empresa EMPREITEIRA DE MAO DE OBRA JS, CNPJ 58.627.290/0001-88 na data
de07/07/2017 (fls. 122 a 140), véspera do requerimento e a concessão do benefício, com
remunerações no teto previdenciário, extemporâneas, não devendo serem consideradas no
cômputo de tempo de serviço do benefício sem a devida confirmação/comprovação” (id Num.
145077470 - Pág. 79).
Em aditamento ao relatório inicial, foi esclarecido que a revisão de autotutela administrativa
esteve sobrestada em virtude da deflagração da “Operação Cronocinese”, a fim de preservar o
sigilo necessário às investigações da Polícia Federal. Acerca da investigação, materializada no
Inquérito da Polícia Federal/SP nº 0267/2017, iniciada em 23/09/2019, relatou-se:
“2.1 Segundo as investigações da Polícia Federal, o esquema consistia no cômputo
extemporâneo de tempo de contribuição fictício para aposentadorias, o que era feito por meio
da transmissão de GFIPs (Guias de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência
Social) através de empresas inativas. As fraudes possibilitaram conceder aposentadorias a
pessoas que não tinham tempo de contribuição suficiente, pois informavam períodos de
trabalho inexistentes, e assim conseguiam os benefícios previdenciários a que não tinham
direito. Foram investigadas centenas de benefícios concedidos dessa maneira, tendo sido
verificado que todos os requerimentos de aposentadorias contendo indícios de fraudes eram
concentrados em seis servidores do INSS, que os aprovavam sem a observância dos requisitos
previstos na legislação, tais como período de carência e conferência física dos documentos
apresentados.” (id Num. 145077470 - Pág. 82).
Apresentada defesa administrativa pela autora, não foi afastado o indício de irregularidades
apuradas na concessão do seubenefício de aposentadoria por tempo de contribuição:
“7.1 Do exposto, tem-se que a documentação constante no processo administrativo, s.m.j.,
possui fortes indícios de ser ideologicamente falsa, pois ao que parece o benefício não foi
concedido conforme a documentação e sim que a documentação foi montada
extemporaneamente para se ajustar ao que é solicitado pelo INSS.
(...)
“7.3 Ocorre que a documentação não apresenta sinais de contemporaneidade, tanto a
documentação que foi juntada no ato da habilitação do benefício, quanto na defesa
apresentada, na qual, não há elemento contemporâneo aos fatos para corroborar as
remunerações inseridas no CNIS.
“8. Com relação ao argumento de que a empresa seria a responsável pelo recolhimento,
embora tenha ficado comprovado que não houve recolhimento correspondente para GFIPs
informadas, e ainda, não obstante, as informações fictícias tenham sido inseridas em matricula
CEI e CNPJ, de fato, a partir de 01/04/2003, por força do art. 4° da Lei 10.666/2003, a empresa
fica obrigada a descontar e arrecadar a contribuição do segurado contribuinte individual a seu
serviço inclusive do empresário, sócio ou titular (alínea b, inciso I, do art. 30 da Lei 8.212/1991).
Por conta disso, para esses contribuintes não há que se falar em recolhimento, mas na
comprovação da remuneração recebida, a qual, em tese, deve ter sido informada em GFIP pela
empresa.
“8.1 No entanto, a GFIP deve ser transmitida mensalmente no decorrer do tempo, informando
empregados, titular da empresa ou integrantes do quadro societário e eventuais prestadores de
serviço. Quando se observa este e nos outros casos analisados por esse Grupo de Trabalho,
temos o seguinte padrão de irregularidade na informação da GFIP: todas as transmissões são
extemporâneas; informação de grandes períodos em poucos dias de transmissão; não há
empregados informados, somente é informado pessoas na qualidade de Contribuinte Individual,
sempre com remuneração no teto previdenciário; transmissão de GFIP em vésperas do
requerimento ou habilitação do benefício; quando se observa as GFIPs das empresas, nota-se
que não há exportação de GFIP para períodos anteriores ou posteriores, ou seja, somente é
informado o período necessário para atingir o tempo necessário para conceder os benefícios e,
ainda, as respectivas contribuições previdenciárias não são pagas.
8.2 Com relação à empresa para a qual as GFIPs foram informadas, conforme narrado no
Relatório Inicial e pelas consultas realizadas, verifica-se que o registro mais recente na Junta
Comercial do Estado de São Paulo data do ano de 2003 (fls. 153). Em consulta ao Cadastro de
Contribuintes de ICMS — Cadesp, não foram encontrados registros para o CNPJ em questão
(fls. 156). Não sendo crível que o requerente estivesse realmente recebendo remuneração no
teto previdenciário oriunda de rendimentos da empresa.
8.3 As GFIPs extemporâneas foram transmitidas pela empresa EMPREITEIRA DE MAO DE
OBRA JS, 58.627.290/0001-88 (fls. 123 a 140), que tem sido recorrente em ser a responsável
pela informação de GFIP extemporânea em diversos benefícios analisados por este grupo de
trabalho, sendo em sua grande maioria, com as mesmas características deste requerimento. A
forma de atuação e a irregularidade no presente benefício a mesma identificada pela Polícia
Federal na Operação Cronocinese.
8.4 Portanto, destacamos que a irregularidade identificada no benefício não consiste
simplesmente em computar período que não foi pago, mas sim em utilizar o caráter informativo
da GFIP para inserir tempo e remunerações fictícias no CNIS, viabilizando a concessão
indevida de aposentadorias irregulares e com rendas majoradas.”(id Num. 145077470 - Pág.
109/110).
Após o devido processo administrativo, no qual foi garantido à interessada o exercício do
contraditório e da ampla defesa, concluiu-se pela irregularidade do ato concessório do benefício
nº 183.191.198-9 (id Num. 145077470 - Pág. 119/126).
Nesse sentido, após a indicação de diversas irregularidades apresentadas pelo Grupo de
Trabalho/MOB, caberia à parte autora demonstrar a contemporaneidade da atividade laboral
remunerada pelo extenso período contributivo, que fora incluído no CNIS em decorrência da
emissão de Guias de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social – “GFIPS”,
de forma extemporânea, com envio 07-07-2017, véspera da concessão do benefício (id Num.
145077470 - Pág. 39/56).
Com relação aos recibos de retirada de pró-labore, estes não apresentam data de recebimento,
sendo todos assinados com a mesma tipologia, formatação, tipo de papel e corte padronizado,
conforme bem pontuou a parte ré em concluir pela ausência de contemporaneidade.
Ainda, se observa que a recorrente não esclarece a ausência de declaração do imposto de
renda concernente ao período controvertido (id Num. 145077470 - Pág. 59/67), em que pese o
alegado recebimento de valores no teto da previdência, indicados nos pró-labores.
Ressalte-se ainda, que a vinculação do segurado contribuinte individual à Previdência Social
não decorre apenas pelo pagamento das contribuições, sendo necessária a comprovação do
desempenho de atividade laborativa remunerada (artigo 45-A da Lei n.º 8.212/91), o que não
ocorreu nos autos.
Com efeito, a apelante apenas alega a regularidade dos recibos pró-labore, sem, contudo,
apresentar qualquer documento apto a infirmar as conclusões de relatório produzido pelo INSS,
baseado em informações da Receita Federal do Brasil e da Polícia Federal.
Conquanto a boa fé se presuma, esta presunção é juris tantum e, no caso dos autos, por meio
do cotejo das provas coligidas no feito administrativo, em que foram observados os princípios
da ampla defesa e do contraditório, restou amplamente comprovada a fraude na concessão do
benefício, impondo-se a devolução dos valores relativos ao benefício indevidamente recebido.
De rigor, portanto, a manutenção da r. sentença.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Em razão da sucumbência recursal majoro para 15% os honorários fixados em sentença, a
incidir sobre o valor da causa, a teor dos §§ 2º e 11 do art. 85 do CPC/2015, suspensa a
cobrança por força da gratuidade da justiça.
Ante o exposto, nego provimento à apelação, observando-se no que tange à verba honorária os
critérios estabelecidos no presente Julgado.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE
DÉBITO. BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REVISÃO
DE AUTOTUTELA. OPERAÇÃO CRONOCINESE.GFIPS EXTEMPORÂNEAS. AUSÊNCIA DE
COMPROVAÇÃO DA CONTEMPORANEIDADE DA ATIVIDADE EXERCIDA.
IRREGULARIDADE NA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES
RECEBIDOS. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA
RECURSAL.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- O benefício da parte autora fora suspenso, em sede administrativa, em decorrência de
procedimento de “revisão de autotutela”, por suspeita de irregularidade das remunerações
extemporâneas informadas no teto previdenciário, a partir da deflagração de operação policial
denominada “Operação Cronocinese”.
- Após a indicação de diversas irregularidades apresentadas pelo Grupo de Trabalho/MOB,
caberia à parte autora demonstrar a contemporaneidade da atividade laboral remunerada pelo
extenso período contributivo, que fora incluído no CNIS em decorrência da emissão de Guias
de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social – “GFIPS”, de forma
extemporânea, com envio 07-07-2017, véspera da concessão do benefício (id Num. 145077470
- Pág. 39/56).
- Com relação aos recibos de retirada de pró-labore, estes não apresentam data de
recebimento, sendo todos assinados com a mesma tipologia, formatação, tipo de papel e corte
padronizado, conforme bem pontuou a parte ré em concluir pela ausência de
contemporaneidade.
- Ainda, se observa que a recorrente não esclarece a ausência de declaração do imposto de
renda concernente ao período controvertido (id Num. 145077470 - Pág. 59/67), em que pese o
alegado recebimento de valores no teto da previdência, indicados nos pró-labores.
- Ressalte-se ainda, que a vinculação do segurado contribuinte individual à Previdência Social
não decorre apenas pelo pagamento das contribuições, sendo necessária a comprovação do
desempenho de atividade laborativa remunerada (artigo 45-A da Lei n.º 8.212/91), o que não
ocorreu nos autos.
- Com efeito, a apelante apenas alega a regularidade dos recibos pró-labore, sem, contudo,
apresentar qualquer documento apto a infirmar as conclusões de relatório produzido pelo INSS,
baseado em informações da Receita Federal do Brasil e da Polícia Federal.
- Conquanto a boa-fé se presuma, esta presunção é juris tantum e, no caso dos autos, por meio
do cotejo das provas coligidas no feito administrativo, em que foram observados os princípios
da ampla defesa e do contraditório, restou amplamente comprovada a fraude na concessão do
benefício, impondo-se a devolução dos valores relativos ao benefício indevidamente recebido.
- Honorários advocatícios majorados ante a sucumbência recursal, observando-se o limite legal,
nos termos do §§ 2º e 11 do art. 85 do CPC/2015.
- Apelação improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento ao recurso de apelação, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
