Processo
AR - AÇÃO RESCISÓRIA / SP
5027022-59.2019.4.03.0000
Relator(a)
Desembargador Federal VANESSA VIEIRA DE MELLO
Órgão Julgador
3ª Seção
Data do Julgamento
18/11/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 20/11/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. APOSENTADORIA POR
IDADE. LABOR RURAL. VIOLAÇÃO A NORMA JURÍDICA NÃO CONFIGURADA. ÔNUS DE
SUCUMBÊNCIA. PEDIDO IMPROCEDENTE.
- O julgado rescindendo manifestou-se expressamente sobre as provas produzidas nos autos,
concluindo pelo não preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria por
idade de trabalhador rural, impondo-se a improcedência do pedido.
- Hipótese em que a improcedência do pedido não se deu por falta de início de prova material,
mas sim em função do início de prova extremamente precário e remoto para demonstrar extenso
período de atividade rural e da inconsistência verificada nos depoimentos das testemunhas, que
não foram convincentes no sentido de corroborar a prova documental apresentada.
- Decisão rescindenda que não se amolda do entendimento firmado peloSuperior Tribunal de
Justiça, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.352.721/SP, de que a ausência de conteúdo
probatório eficaz a instruir a inicial implicacarência de pressuposto de constituição e
desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem resolução demérito e
consequente possibilidade propornovamente a ação, caso reúna os elementos necessários a
essa iniciativa.
- A interpretação dada pelo julgado rescindendo, aos fatos e fundamentos trazidos a julgamento,
se afigura dentro da razoabilidade. Hipótese prevista no artigo 966, V, do CPC não configurada.
- Fica condenada a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
em R$ 1.000,00 (um mil reais), na forma do artigo 85, § 8º, do CPC, suspensa, porém, a
exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de
beneficiária da justiça gratuita.
- Ação rescisória improcedente.
Acórdao
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5027022-59.2019.4.03.0000
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
AUTOR: ANTONIA PARRA
Advogado do(a) AUTOR: HELDER ANDRADE COSSI - SP286167-N
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5027022-59.2019.4.03.0000
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
AUTOR: ANTONIA PARRA
Advogado do(a) AUTOR: HELDER ANDRADE COSSI - SP286167-N
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação rescisória proposta por ANTONIA PARRA, em face do Instituto Nacional do
Seguro Social - INSS,visando adesconstituir decisão monocrática, proferida com base no artigo
932 do Código de Processo Civil, deprovimento à apelação autárquica para julgar improcedente o
pedido de concessão de aposentadoria por idade de trabalhador rural.
Assevera, em síntese, ter o acórdão rescindendo incorrido em violação a norma jurídica, na
medida em que ao afastar parte da prova material e considerar inconsistente a prova oral, deveria
ter extinguido o feito sem julgamento do mérito, nos termos dos artigos 485, IV,486, § 1º e 320 do
Código de Processo Civil, os quais reputa desrespeitados.
Argumenta que a situação dos autos subjacentes amolda-se ao julgado proferido pelo Superior
Tribunal de Justiça no REsp n. 1.352.721, representativo de controvérsia, e requer seja
reconhecido que neste caso a coisa julgada operasecundum eventum litis ou secundum eventum
probationis permitindo a renovação do pedido ante novas circunstâncias ou novas provas.
Pela decisão ID106835313 foram concedidos os benefícios da justiça gratuita.
Em contestação, o INSS pugna pela extinção da ação sem resolução do mérito, por carência de
ação, ante a ausência de interesse de agir. Ressalta o indevido caráter recursal desta demanda.
Manifestando-se em réplica, a parte autora reiterou os termos da inicial.
Por tratar-se de matéria unicamente de direito e por estarem presentes todos os elementos
necessários ao exame desta rescisória, foi dispensada a dilação probatória e a abertura de vistas
as partes para razões finais.
O Ministério Público Federal manifestou-sepelo não conhecimento da ação rescisória.
Está dispensada a revisão, consoante o disposto no artigo34 do Regimento Interno desta Corte,
com a redação da Emenda Regimental n. 15/2016.
É o relatório.
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5027022-59.2019.4.03.0000
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
AUTOR: ANTONIA PARRA
Advogado do(a) AUTOR: HELDER ANDRADE COSSI - SP286167-N
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Pretende a parte autora, com base no art. 966, V, do CPC, desconstituir a decisão monocrática
proferida com base no artigo 932 do mesmo diploma legal, aqual, ao dar provimento à apelação
interposta pelo INSS, reformou a sentença e julgou improcedente o pedido de concessão de
aposentadoria por idade rural.
Aação rescisória constitui medida excepcional para fins de desconstituição da coisa julgada, esta
última peça fundamental da garantia da segurança jurídica, à luz do artigo 5º, XXXVI, da
Constituição Federal.
Segundo Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero:
“Ação rescisória é uma ação que visa a desconstituir a coisa julgada. Tendo em conta que a coisa
julgada concretiza no processo o princípio da segurança jurídica – substrato indelével do Estado
Constitucional – a sua propositura só é admitida em hipóteses excepcionais, devidamente
arroladas de maneira taxativa pela legislação (art. 966, CPC). A ação rescisória serve tanto para
promover a rescisão da coisa julgada (iudicium rescindens) como para viabilizar, em sendo o
caso, novo julgamento da causa (iudicium rescissorium) (art. 968, I, CPC). A ação rescisória é um
instrumento para a tutela do direito ao processo justo e à decisão justa. Não constitui instrumento
para tutela da ordem jurídica, mesmo quando fundada em ofensa à norma jurídica. Em outras
palavras, a ação rescisória pertence ao campo da tutela dos direitos na sua dimensão particular –
e não ao âmbito da tutela dos direitos na sua dimensão geral.” (in:Código de Processo Civil
Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 900)
Essas são as balizas, estreitas, que nortearão a análise da pretensão deduzida.
Assinalo não ter sido superado o biênio imposto à propositura da ação, pois o ajuizamento desta
rescisória deu-se em 17/10/2019 e o trânsito em julgado dodecisum, em 07/08/2019.
Os argumentos que sustentam a preliminar de ausência de interesse de agir arguida, por
tangenciarem o mérito, serão com este analisados.
Passo, pois, ao juízo rescindendo.
Segundo a parte autora, o julgado rescindendo incorreu emviolação à norma jurídicaao decidir
com resolução do mérito (improcedência do pedido), embora tenha considerado não provada a
atividade rural da autora no período legalmente exigido, por ter afastado parte da prova material e
considerado inconsistente a prova oral, o que ensejaria a coisa julgada secundum eventum litisou
secundum eventum probationis.
Sobre a hipótese de rescisão com base em violação ànorma jurídica, disposta no artigo 966, V,
do Código de Processo Civil vigente (CPC), a ainda pertinente análise da doutrina à luz do
disposto no artigo 485, V, do Código de Processo Civil de 1973, sustenta ser questão relevante
saber se a decisão rescindenda qualifica os fatos por ela julgados de forma inadequada, a violar,
implícita ou explicitamente,norma jurídica.
Ensina Flávio Luiz Yarshell:
"Tratando-se de error in iudicando ainda paira incerteza acerca da interpretação que se deve dar
ao dispositivo legal. Quando este fala em violação a 'literal' disposição de lei, em primeiro lugar,
há que se entender que está, aí, reafirmando o caráter excepcional da ação rescisória, que não
se presta simplesmente a corrigir injustiça da decisão, tampouco se revelando simples abertura
de uma nova instância recursal, ainda que de direito. Contudo, exigir-se que a rescisória caiba
dentro de tais estreitos limites não significa dizer que a interpretação que se deva dar ao
dispositivo violado seja literal, porque isso, para além dos limites desse excepcional remédio,
significaria um empobrecimento do próprio sistema, entendido apenas pelo sentido literal de suas
palavras.Daí por que é correto concluir que a lei, nessa hipótese, exige que tenham sido frontal e
diretamente violados o sentido e o propósito da norma".(g.n.,in: Ação rescisória . São Paulo:
Malheiros, 2005, p. 323)
Na ação subjacente, a parte autora pleiteou a concessão de aposentadoria por idade de
trabalhador rural.
O pedido foi julgado procedente na Primeira Instância e, nesta Corte, a apelação interposta pelo
INSS foi provida nos termos seguintes:
“Cuida-se de ação previdenciária proposta com vistas à concessão de aposentadoria por idade.
Deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita, em 30/07/2018.
Citação, em 13/08/2018.
Audiência de Instrução e Julgamento, em 13/12/2018.
A r. sentença, prolatada em 25/02/2019, julgouprocedenteo pedido. Deferida a concessão do
benefíciosub judice, no valor de um salário-mínimo mensal, a partir da data do requerimento
administrativo, 03/04/2018.“As diferenças vencidas deverão ser apuradas e corrigidas
monetariamente a partir de cada vencimento segundo o IPCA-E, bem como acrescidas de juros
de mora mensais a partir da citação, fixados segundo a remuneração da Caderneta de Poupança,
na forma do art. 1º-F da Lei nº. 9.494/97 (com a redação dada pela Lei nº.11.960/09, vigente
desde 30.06.2009), tudo em observância ao julgamento do RE nº.870.947 Tema nº. 810.”.
Dispensado expressamente o reexame necessário.
O réu interpôs recurso de apelação. Pleiteia, no mérito, a reforma da sentença em virtude da
ausência de comprovação do labor rural pelo tempo exigido. Para o caso de manutenção
dodecisum, requer a fixação do termo inicial do benefício na data da citação, e, em relação à
incidência da correção monetária e dos juros de mora, a aplicação da Lei 11.960/2009, afastando-
se a aplicação do IPCA-E, como índice de correção monetária.
Sem contrarrazões do réu, consoante certidão aposta no feito em 22/04/2019, subiram os autos a
este Egrégio Tribunal.
Foi proferido despacho por este Relator, em 04/06/2019, no qual foram determinadas
providências diante da ausência da mídia com a prova oral produzida em audiência realizada no
feito.
Aposta certidão no processo, em 17/06/2019, concernente ao cumprimento do despacho
supracitado.
É o relatório.
DECIDO.
Por estarem presentes os requisitos estabelecidos na Súmula/STJ n.º 568 e nos limites
defluentes da interpretação sistemática das normas fundamentais do processo civil (artigos 1º ao
12) e artigo 932, todos do Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), passo a decidir
monocraticamente, em sistemática similar do que ocorria no antigo CPC/73.
O julgamento monocrático atende aos princípios da celeridade processual e da observância aos
precedentes judiciais, ambos contemplados na novel legislação processual civil, e tal qual no
modelo antigo, é passível de controle por meio de agravo interno (artigo 1.021 do CPC/2015),
cumprindo o princípio da colegialidade.
Passo ao mérito.
Busca a parte autora a concessão do benefício previdenciário daaposentadoria por idade a
trabalhadora rural.
Discute-se, nestes autos, o preenchimento dos requisitos necessários à concessão de
aposentadoria por idade ao rurícola, sendo necessária a comprovação da idade mínima e o
desenvolvimento de atividade rural pelo período exigido na Lei 8.213/91.
A Lei 8.213/91, em seus artigos 39, inciso I, 48, 142 e 143, estabelece os requisitos necessários
para a concessão de aposentadoria por idade a rurícola.
Além do requisito etário, o trabalhador rural deve comprovar o exercício de atividade rural, mesmo
que descontínua, em número de meses idêntico à carência do benefício.
O dispositivo legal citado deve ser analisado em consonância com o artigo 142, que assim
dispõe:
"Art. 142. Para o segurado inscrito na Previdência Social urbana até 24 de julho de 1991, bem
como para o trabalhador e empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural, a carência
das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial obedecerá a seguinte tabela,
levando-se em conta o ano em que o segurado implementou todas as condições necessárias à
obtenção do benefício. (...)".
No mais, segundo o RESP 1.354.908, realizado segundo a sistemática de recurso representativo
da controvérsia (CPC, art. 543-C), necessária a comprovação do tempo de atividade rural no
períodoimediatamente anterior à aquisição da idade:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA
CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL . COMPROVAÇÃO DA ATIV IDADE
RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGRA DE
TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991. REQUISITOS QUE DEVEM SER
PREENCHIDOS DE FORMA CONCOMITANTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Tese
delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do artigo 55, § 3º
combinado com o artigo 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que
estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural ,
momento em que poderá requerer seu benefício. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no artigo
48, § 1º, da Lei 8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade rural , sem ter
atendido a regra transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo
descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito.
Ressalvada a hipótese do direito adquirido em que o segurado especial preencheu ambos os
requisitos de forma concomitante, mas não requereu o benefício. 2. Recurso especial do INSS
conhecido e provido, invertendo-se o ônus da sucumbência. Observância do art. 543-C do Código
de Processo Civil (RECURSO ESPECIAL Nº 1.354.908 - SP (2012/0247219-3), RELATOR:
MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES, DJ 09/09/2015)."
Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência, como dever de verter contribuição
por determinado número de meses, senão a comprovação do exercício laboral durante o período
respectivo.
No que se refere à comprovação do labor campesino, algumas considerações se fazem
necessárias, uma vez que balizam o entendimento deste Relator no que diz com a valoração das
provas comumente apresentadas.
Declarações de Sindicato de Trabalhadores Rurais fazem prova do quanto nelas alegado, desde
que devidamente homologadas pelo Ministério Público ou pelo INSS, órgãos competentes para
tanto, nos exatos termos do que dispõe o art. 106, III, da Lei 8.213/91, seja em sua redação
original, seja com a alteração levada a efeito pela Lei 9.063/95.
Na mesma seara, declarações firmadas por supostos ex-empregadores ou subscritas por
testemunhas, noticiando a prestação do trabalho na roça, não se prestam ao reconhecimento
então pretendido, tendo em conta que equivalem a meros depoimentos reduzidos a termo, sem o
crivo do contraditório, conforme entendimento já pacificado no âmbito desta Corte.
Igualmente não alcançam os fins pretendidos, a apresentação de documentos comprobatórios da
posse da terra pelos mesmos ex-empregadores, visto que não trazem elementos indicativos da
atividade exercida pela parte requerente.
Já a mera demonstração, por parte do autor, de propriedade rural, só se constituirá em elemento
probatório válido desde que traga a respectiva qualificação como lavrador ou agricultor. No
mesmo sentido, a simples filiação a sindicato rural só será considerada mediante a juntada dos
respectivos comprovantes de pagamento das mensalidades.
Têm-se, por definição, como início razoável de prova material, documentos que tragam a
qualificação da parte autora como lavrador, v.g., assentamentos civis ou documentos expedidos
por órgãos públicos. Nesse sentido: STJ, 5ª Turma, REsp nº 346067, Rel. Min. Jorge Scartezzini,
v.u., DJ de 15.04.2002, p. 248.
Da mesma forma, a qualificação de um dos cônjuges como lavrador se estende ao outro, a partir
da celebração do matrimônio, consoante remansosa jurisprudência já consagrada pelos
Tribunais.
Na atividade desempenhada em regime de economia familiar, toda a documentação
comprobatória, como talonários fiscais e títulos de propriedade, é expedida, em regra, em nome
daquele que faz frente aos negócios do grupo familiar. Ressalte-se, contudo, que nem sempre é
possível comprovar o exercício da atividade em regime de economia familiar através de
documentos. Muitas vezes o pequeno produtor cultiva apenas o suficiente para o consumo da
família e, caso revenda o pouco do excedente, não emite a correspondente nota fiscal, cuja
eventual responsabilidade não está sob análise nesta esfera. O homem simples, oriundo do meio
rural, comumente efetua a simples troca de parte da sua colheita por outros produtos de sua
necessidade que um sitiante vizinho eventualmente tenha colhido ou a entrega como forma de
pagamento pela parceria na utilização do espaço de terra cedido para plantar.
De qualquer forma, é entendimento já consagrado pelo C. Superior Tribunal de Justiça (AG nº
463855, Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, j. 09/09/03) que documentos apresentados em
nome dos pais, ou outros membros da família, que os qualifiquem como lavradores, constituem
início de prova do trabalho de natureza rurícola dos filhos.
O trabalho urbano de membro da família não descaracteriza, por si só, o exercício de trabalho
rural em regime de economia familiar de outro. Para ocorrer essa descaracterização, é necessária
a comprovação de que a renda obtida com a atividade urbana é suficiente à subsistência da
família.
O art. 106 da Lei 8.213/91 apresenta um rol de documentos que não configuranumerus clausus,
já que o"sistema processual brasileiro adotou o princípio do livre convencimento motivado"(AC nº
94.03.025723-7/SP, TRF 3ª Região, Rel. Juiz Souza Pires, 2º Turma, DJ 23/11/1994, p. 67691),
cabendo ao Juízo, portanto, a prerrogativa de decidir sobre a sua validade e a sua aceitação.
No que se refere ao recolhimento das contribuições previdenciárias, destaco que o dever legal de
promover seu recolhimento junto ao INSS e descontar da remuneração do empregado a seu
serviço compete exclusivamente ao empregador, por ser este o responsável pelo seu repasse
aos cofres da Previdência, a quem cabe a sua fiscalização, possuindo, inclusive, ação própria
para haver o seu crédito, podendo exigir do devedor o cumprimento da legislação. No caso da
prestação de trabalho em regime de economia familiar, é certo que o segurado é dispensado do
período de carência, nos termos do disposto no art. 26, III, da Lei de Benefícios e, na condição de
segurado especial, assim enquadrado pelo art. 11, VII, da legislação em comento, caberia o dever
de recolher as contribuições tão-somente se houvesse comercializado a produção no exterior, no
varejo, isto é, para o consumidor final, a empregador rural pessoa física ou a outro segurado
especial (art. 30, X, da Lei de Custeio).
Outra questão que suscita debates é a referente ao trabalho urbano eventualmente exercido pelo
segurado ou por seu cônjuge, cuja qualificação como lavrador lhe é extensiva. Perfilho do
entendimento no sentido de que o desempenho de atividade urbana, deper si, não constitui óbice
ao reconhecimento do direito aqui pleiteado, desde que o mesmo tenha sido exercido por curtos
períodos, especialmente em época de entressafra, quando o humilde campesino se vale de
trabalhos esporádicos em busca da sobrevivência.
Da mesma forma, o ingresso no mercado de trabalho urbano não impede a concessão da
aposentadoria rural, na hipótese de já restar ultimada, em tempo anterior, a carência exigida
legalmente, considerando não só as datas do início de prova mais remoto e da existência do
vínculo empregatício fora da área rural, como também que a prova testemunhal, segura e
coerente, enseje a formação da convicção deste julgador acerca do trabalho campesino exercido
no período.
Não obstante o INSS costumeiramente deixar de reconhecer quaisquer documentos que não
estejam elencados entre os do art. 106 da Lei 8.213/91, assentado entendimento jurisprudencial
do STJ caminha em sentido contrário, considerando que a lista é meramente exemplificativa,
abrindo a possibilidade de que o início de prova material não dependa da existência tão somente
dos documentos mencionados. Destarte, documentos como certidão de casamento, de óbito,
registro junto a sindicato local, etc. passam a representar um válido início de prova material,
desde que sólida prova testemunhal amplie sua eficácia probatória, ou seja, permita que prospere
o entendimento de que tal atividade teve seu início em determinado termo, mas não se restringiu
àquele período.
Colaciono decisão conforme:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE
INSTRUMENTO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. RECONHECIMENTO. INÍCIO RAZOÁVEL DE
PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL. PERÍODO DE CARÊNCIA. COMPROVAÇÃO.
AGRAVO DESPROVIDO.
1. Para fins de concessão de aposentadoria rural por idade, a lei não exige que o início de prova
material se refira precisamente ao período de carência do art. 143 da Lei n.º 8.213/91, desde que
robusta prova testemunhal amplie sua eficácia probatória, como ocorre na hipótese em apreço.
2. Este Tribunal Superior, entendendo que o rol de documentos descrito no art. 106 da Lei n.º
8.213/91 é meramente exemplificativo, e não taxativo, aceita como início de prova material do
tempo de serviço rural as Certidões de óbito e de casamento, qualificando como lavrador o
cônjuge da requerente de benefício previdenciário.
3. In casu, a Corte de origem considerou que o labor rural da Auor restou comprovado pela
certidão de casamento corroborada por prova testemunhal coerente e robusta, embasando-se na
jurisprudência deste Tribunal Superior, o que faz incidir sobre a hipótese a Súmula n.º 83/STJ.
4. Agravo regimental desprovido." (STJ, AgRg no Ag 1399389/GO, Rel Min. Laurita Vaz, Quinta
Turma, DJe 28/06/2011)
"AGRAVO REGIMENTAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR
IDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. DOCUMENTOS INDICATIVOS DA QUALIDADE DE
RURÍCOLA DO CÔNJUGE FALECIDO. EFICÁCIA PROBATÓRIA.
1. Considerando a prescindibilidade de que a prova material se refira a todo o período de
carência, a prova documental indicativa da qualidade de trabalhador rural do cônjuge da parte
auor pode ser estendida para período posterior ao óbito dele,desde que devidamente
acompanhada de robusta prova testemunhal nesse sentido.
2. Admite-se, inclusive, a certidão de óbito que qualifica o marido da auor como lavrador a título
de início de prova material para a aposentadoria rural por idade desta.
3. Agravo regimental improvido." (STJ, AgRg no AREsp 37633/GO, Rel. Min. Sebastião Reis
Júnior, Sexta Turma, DJe 21/03/2012).
Por fim, cumpre esclarecer que, do entendimento combinado dos artigos 2º e 3º da Lei 11.718/08,
o que se infere é que não há estabelecimento de prazo decadencial para a hipótese de "
aposentadoria rural por idade" após 31/12/2010, mas tão somente o estabelecimento de regras
específicas a serem aplicadas para a comprovação de atividade rural após este prazo. Nesse
sentido, já decidiu a C. Décima Turma desta Corte:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL. APOSENTADORIA
POR IDADE RURAL. EMPREGADOS E AUTÔNOMOS. REGRA TRANSITÓRIA. DECADÊNCIA.
AFASTAMENTO. PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO.
...
2. As Leis 11.363/06 e 11.718/08 somente trataram de estender a vigência da regra de transição
para os empregados rurais e autônomos, porque, para esses segurados, o Art. 48 da Lei
8.213/91, ao contrário do citado Art. 39, refere-se ao cumprimento da carência, devendo a renda
mensal ser não de um salário mínimo, mas calculada de acordo com os salários-de-contribuição.
3. Ainda assim, não previu o legislador a decadência para a hipótese de pedido de aposentadoria
por idade formulado por empregados e autônomos, após 31/12/10. O que a Lei 11.718/08 trouxe
a esses segurados foi mais uma regra transitória.
...
5. Apelação provida para afastar a prejudicial de mérito (decadência) e determinar o
prosseguimento da ação em seus ulteriores termos."
(TRF3. Décima Turma. AC 0019725-43.2011.4.03.9999. Rel. Des. Fed. Baptista Pereira. J.
04.10.2011. DJE 13.10.2011, p. 2079).
Por sua vez, de acordo com o estabelecido no art. 3º da Lei 11.718/08, a partir de 01/01/2011 há
necessidade de recolhimento das contribuições previdenciárias, uma vez que o período de 15
anos a que se refere o artigo 143 da Lei 8.213/91 exauriu-se em 31/12/2010, conforme disposto
no artigo 2º da Lei 11.718/08, que assim dispõe:
"Art. 2º Para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no art. 143 da Lei nº 8.213, de 24 de
julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010."
Entretanto, cabe destacar que, em face do caráter protetivo-social de que se reveste a
Previdência Social, não se pode exigir do trabalhador campesino o recolhimento de contribuições
previdenciárias, quando é de notório conhecimento a informalidade em que suas atividades são
desenvolvidas, cumprindo aqui dizer que, dentro dessa informalidade, verifica-se uma pseudo-
subordinação, uma vez que a contratação acontece, ou diretamente pelo produtor rural ou pelos
chamados "gatos", seria retirar desta qualquer possibilidade de auferir o benefício conferido em
razão do implemento do requisito etário e do cumprimento da carência. Ademais disso, o
trabalhador designado "boia-fria" deve ser equiparado ao empregado rural, uma vez que
enquadrá-lo na condição de contribuinte individual seria imputar-lhe a responsabilidade
contributiva conferida aos empregadores, os quais são responsáveis pelo recolhimento das
contribuições daqueles que lhe prestam serviços.
A propósito, colaciono o seguinte aresto:
"PREVIDENCIÁRIO - SALÁRIO- MATERNIDADE - TRABALHADORA RURAL - EMPREGADA -
REEXAME NECESSÁRIO - VALOR DA CONDENAÇÃO INFERIOR A 60 SALÁRIOS MÍNIMOS -
DISPENSA - INÉPCIA DA INICIAL - LEGITIMIDADE - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. Sentença que não se submete ao reexame necessário por ter sido proferida após a vigência da
Lei nº 10.352/01 e cujo valor da condenação foi inferior a 60 salários-mínimos.
2. Rejeitada a preliminar de inépcia, vez que a inicial bem especifica o pedido e seus
fundamentos.
3. Tratando-se de matéria previdenciária, a competência para sua apreciação é da Justiça
Federal, bem como das Varas Estaduais nas localidades onde esta não tenha sede, de acordo
com o art. 109, § 3º da CF.
4. A responsabilidade pelo pagamento do benefício é do INSS, pois, de acordo com a redação
dos Arts. 71 e 72 da Lei 8.213/91, anteriormente à edição da Lei 9876/99, o empregador pagava
as prestações do salário-maternidade e compensava o valor em suas contribuições junto ao
INSS, que por este motivo, era o responsável final pela prestação. Rejeitada, assim, a preliminar
de ilegitimidade passiva.
5. As características do labor desenvolvido pela bóia-fria, demonstram que é empregada rural.
6. Não cabe atribuir à trabalhadora a desídia de empregadores que não providenciam o
recolhimento da contribuição decorrente das atividades desenvolvidas por aqueles que lhes
prestam serviços, sendo do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a responsabilidade pela
fiscalização.
7. Esta Corte tem entendido que, em se tratando de trabalhador rural, havendo início de prova
material corroborado por depoimento testemunhal, é de se conceder o benefício.
8. O direito ao salário-maternidade é assegurado pelo art. 7º, XVIII da CF/88.
9. Honorários advocatícios mantidos, eis que fixados de acordo com o labor desenvolvido pelo
patrono da autora e nos termos do § 4° do art. 20 CPC.
10. Preliminares rejeitadas. Remessa oficial não conhecida e apelação improvida."
(TRF 3ª Região; AC 837138/SP; 9ª Turma; Rel. Es. Fed. Marisa Santos; j. DJ 02.10.2003, p. 235).
Ao caso dos autos.
A parte autora, nascidaem 15/06/1956, consoante cópia de cédula de identidade juntada ao
processo, completou a idade mínima, 55 (cinquenta e cinco) anos,em15/06/2011, devendo
comprovar o exercício de atividade rural por180 meses (15 anos).
Nos termos da Súmula de nº 149 do Superior Tribunal de Justiça, é necessário que a prova
testemunhal venha acompanhada de início razoável de prova documental,in verbis:
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito
de obtenção do benefício previdenciário".
No intuito de reforçar a tese inicial, de exercício laborativo rural no período de carência, foram
coligidas aos autos cópias dos seguintes documentos:
a. certidão em nome do genitor da autora,Antonio Parra, emitida em 11/06/1940, na qual consta
sua profissão à época – “lavrador”.
b. certidão do casamento dos genitores da autora, ocorrido em 01/07/1943, na qual o nubente
varão foi qualificado como lavrador,
c. carteira de trabalho (CTPS) da demandante, com vínculos laborais de natureza rural, nos
períodos de 28/05/1979 a 28/07/1979, e de 01/09/2012 a 15/04/2013 .
No entanto, as certidões acima especificadas nos itens a e b não se prestam para o fim a que se
destina na presente ação, ou seja, comprovar o exercício de atividade laboral pela parte autora,
porquanto na época de suas emissões a demandante sequer havia nascido.
Nos termos da Súmula de nº 149 do Superior Tribunal de Justiça, é necessário que a prova
testemunhal venha acompanhada de, pelo menos, um início razoável de prova documental,in
verbis:
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito
de obtenção do benefício previdenciário".
Os depoimentos testemunhais tomados na audiência realizadaem13/12/2018foram inconsistentes
e contraditórios, infirmando o início de prova material trazido aos autos.
A testemunhaMaria das Dores Oliveira Luchesiafirmou ter trabalhado juntamente com a autora
nasfazendas Santo Rosário e Cachoeirinha, durante 20 anos, tendo iniciado tal labor em meados
doano de 1975. Consequentemente, a depoente e a requerente teriam que ter trabalhado nas
fazendas supracitadasde 1975 a 1995,aproximadamente.
Entretanto, a testemunhaTeresa Aaprecida Chagasdeclarou ter trabalhado com a demandante
“no Aluísio” e “no Ouro Verde” há 16/17 anos atrás,durante 16 anos, de onde se extrai que isso
ocorreu, aproximadamente, no períodode 1986 a 2002.Questionada pelo douto juiz, se conhecia,
e, ainda, se a autora também teria trabalhado nas fazendas Santo Rosário e Cachoeirinha, a
depoente tergiversou:“Eu sei onde que fica masnão sei como chama o dono.Achoque trabalhou
sim, mais ou menos....na nossa Senhora do Rosário.”.
Ora, não é crível que a referida depoente, que asseverou conhecer a autora mais de 50 anos, e
laborado ao seu lado por mais de 15 anos, desconheça o labor desempenhado autora de forma
alternada durante20 anosnasfazendas Santo Rosário e Cachoeirinha.
Ademais, os períodos de labor em informados pelas testemunhas se sobrepõem em grande parte
do período, revelando grave contradição nos depoimentos. Ressalte-se ainda que há anotação de
labor formal na CTPS da requerente em uma avicultura, deManoel Araujo Neto,de Maio a Julho
1979, o que também causa sugere inconsistência no depoimento da testemunhaMaria das Dores.
Por fim, verifica-se a ausência, nos depoimentos das testemunhas, das características da
atividade rural realizada pela autora, bem como daspropriedades nas quais ela laborou tais como,
os nomes dos proprietários rurais ou arregimentadores, vulgos "gatos", características das
propriedades, tais como, localizações, extensões, tipos de cultura existentes em cada um dos
locais, as atividades desenvolvidas, tudo de maneira sucessiva, restando, portanto, no presente
caso, impossibilitada a verificação da verossimilhança das alegações.
In casu, portanto, a parte autora logrou êxito em demonstrar o preenchimento da condição etária,
porém não o fez quanto à comprovação do labor como rurícola pelo período exigido pela Lei
8.213/91.
Dessa forma, não preenchidos os requisitos legais, é indevido o benefício de aposentadoria por
idade pleiteado, devendo ser reformada a r. sentença, na íntegra.
Condeno parte autora ao pagamento da verba honorária, que ora estipulo em R$ 1.000,00 (hum
mil reais), na esteira da orientação erigida pela E. Terceira Seção desta Corte (Precedentes: AR
2015.03.00.028161-0/SP, Relator Des. Fed. Gilberto Jordan; AR 2011.03.00.024377-9/MS,
Relator Des. Fed. Luiz Stefanini). Sem se olvidar tratar-se de parte beneficiária da assistência
judiciária gratuita, observar-se-á,in casu, a letra do art. 98, parágrafo 3º, do CPC/2015.
Diante do exposto, com fulcro no art. 932 do NCPC,dou provimento à apelação autárquica.
Decorrido o prazo legal, baixem os autos à Vara de origem.
Intimem-se. Publique-se
São Paulo, 10de julho de 2019.”
Da transcrição do julgado é possível inferir que a decisão rescindenda se pronunciou sobre o
mérito, na medida em que avançou na análise dos requisitos necessários à concessão do
benefício e abordou os conteúdos dos documentos e das informações prestadas pelas
testemunhas.
Com efeito, a improcedência do pedido não se deu por falta de início de prova material, mas sim
em função do início de prova extremamente precário e remoto para demonstrar extenso período
de atividade rural e da inconsistência verificada nos depoimentos das testemunhas, que não
foram convincentes no sentido de corroborar a prova documental apresentada.
Vale dizer, conforme se extrai do julgado, este fundamentou-se no fato de que a prova
testemunhal não foi conclusiva em relação ao período de carência do trabalho rural exigido em
lei, não obstante a presença de documentos indicativos da vocação agrícola da autora.
Nesse contexto, diante dos elementos de prova dos autos que não permitem a conclusão do
cumprimento dos requisitos necessários para a concessão do benefício previdenciário pleiteado,
de rigor a improcedência do pedido.
Não se trata, pois, de improcedência do pedido com fundamento na inexistência de início de
prova material do labor rural, deixando, inclusive, de valorar os depoimentos testemunhais, o que
implicaria, derigor, a extinção do processo, sem resolução do mérito.
Nesse passo, diferentemente do que alega a parte autora, a decisão subjacente não se amolda
ao julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça ao apreciar o Recurso Especial n.
1.352.721/SP, no qual firmou entendimento de que a ausência de conteúdo probatório eficaz a
instruir a inicial, conforme dispunha o artigo283 do CPC/1973, implica carência de pressuposto de
constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem resolução de
mérito (art. 267, IV do CPC/1973) e consequente possibilidade de a parte autora propor
novamente a ação (art. 268 do CPC/1973), caso reúna os elementos necessários a essa
iniciativa.
Importante notar que, da mesma forma que se louva a flexibilização hermenêutica, que decorre
da atenção prestada às dificuldades da vida no campo, é razoável que a mesma não deve ser
estendida ao ponto de, mesmo diante de conjunto probatório precário e contraditório, impor-se a
extinção do feito sem julgamento de mérito.
Por fim, a coisa julgada secundum eventum probationis é de aplicabilidade excepcional no
ordenamento jurídico, tendo em contaas exigências do princípio da segurança jurídica, não se
prestando a autorizar novas apreciações do mesmo conjunto probatório.
Nesse sentido, confira-se julgados do Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. JULGAMENTO SECUNDUM EVENTUM
PROBATIONIS. APLICAÇÃO DO ART. 10 DO CPC/2015. PROIBIÇÃO DE DECISÃO
SURPRESA. VIOLAÇÃO. NULIDADE. 1. Acórdão do TRF da 4ª Região extinguiu o processo sem
julgamento do mérito por insuficiência de provas sem que o fundamento adotado tenha sido
previamente debatido pelas partes ou objeto de contraditório preventivo. (...) (...) (...) (...) 13.
Corrobora a pertinência da solução ora dada ao caso o fato de a resistência de mérito posta no
Recurso Especial ser relevante e guardar potencial capacidade de alterar o julgamento prolatado.
A despeito da analogia realizada no julgado recorrido com precedente da Corte Especial do STJ
proferido sob o rito de recurso representativo de controvérsia (REsp 1.352.721/SP, Corte
Especial, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 28/4/2016), a extensão e o alcance da
decisão utilizada como paradigma para além das circunstâncias ali analisadas e para "todas as
hipóteses em que se rejeita a pretensão a benefício previdenciário em decorrência de ausência
ou insuficiência de lastro probatório" recomenda cautela. A identidade e aplicabilidade automática
do referido julgado a situações outras que não aquelas diretamente enfrentadas no caso
apreciado, como ocorre com a controvérsia em liça, merece debate oportuno e circunstanciado
como exigência da cooperação processual e da confiança legítima em um julgamento sem
surpresas. 14. A ampliação demasiada das hipóteses de retirada da autoridade da coisa julgada
fora dos casos expressamente previstos pelo legislador pode acarretar insegurança jurídica e
risco de decisões contraditórias. O sistema processual pátrio prevê a chamada coisa julgada
secundum eventum probationis apenas para situações bastante específicas e em processos de
natureza coletiva. Cuida-se de técnica adotada com parcimônia pelo legislador em Ação Popular
(art. 18 da Lei 4.717/1965) e em Ação Civil Pública (art. 16 da Lei 7.347/1985 e art. 103, I, CDC).
Mesmo nesses casos com expressa previsão normativa, não se está a tratar de extinção do
processo sem julgamento do mérito, mas de pedido julgado "improcedente por insuficiência de
provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico
fundamento, valendo-se de nova prova" (art. 16, ACP). 15. A diferença é significativa, pois,
quando a Ação Coletiva tiver sido julgada improcedente por deficiência de prova, a própria lei que
relativiza a eficácia da coisa julgada torna imutável e indiscutível a sentença no limite das provas
produzidas nos autos. Não impede que outros legitimados intentem nova ação com idêntico
fundamento, mas exige prova nova para admissibilidade initio litis da demanda coletiva. 16. Não é
o que se passa nas demandas individuais que são decididas sem resolução da lide e, por isso,
não estão acobertadas, em nenhuma extensão, pela eficácia imutável da autoridade da coisa
julgada material. Extinguir o processo opera coisa julgada meramente formal e torna inalterável o
decisum sob a ótica estritamente endoprocessual. Não obsta que o autor intente nova ação com
as mesmas partes, o mesmo pedido e igual causa de pedir, inclusive com o mesmo conjunto
probatório, e ainda assim receba decisão díspar da prolatada no processo anterior. A jurisdição
passa a ser loteria em favor de uma das partes em detrimento da outra, sem mecanismos legais
de controle eficiente. Por isso, a solução objeto do julgamento proferido pela Corte Especial do
STJ no REsp 1.352.721/SP recomenda interpretação comedida, de forma a não ampliar em
demasia as causas sujeitas à instabilidade extraprocessual da preclusão máxima. 17. Por
derradeiro, o retorno dos autos à origem para adequação do procedimento à legislação federal
tida por violada, sem ingresso no mérito pelo STJ com supressão ou sobreposição de instância, é
medida que se impõe não apenas por tecnicismo procedimental, mas também pelo efeito
pedagógico da observância fiel do devido processo legal, de modo a conformar o direito do
recorrente e o dever do julgador às novas e boas práticas estabelecidas no Digesto Processual
de 2015. 18. Recurso Especial provido. (REsp 1676027/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN,
SEGUNDA TURMA, julgado em 26/09/2017, REPDJe 19/12/2017, DJe 11/10/2017)” (g.n.)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL. POR IDADE. EXTENSÃO DA COISA
JULGADA. MATÉRIA JULGADA EM RECURSO ESPECIAL REPETITIVO . REsp 1.352.721.
IMPOSSIBILIDADE DE ABRIR NOVA DISCUSSÃO EM VIRTUDE DE PROVA NOVA. I - A
questão controversa diz respeito à extensão da coisa julgada nas lides previdenciárias. II - No
caso dos autos, a segurada alega que o seu pedido foi inicialmente julgado improcedente em
ação anteriormente ajuizada, mas que agora, diante de novo conjunto probatório, entende que faz
jus ao benefício. III - Ora, nos termos do art. 508 do CPC/15 (art. 474 do CPC/73), com o trânsito
em julgado reputa-se deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia
opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido. IV - Assim, a existência de prova nova
não tem o condão de abrir nova possibilidade de discussão sobre questão já decidida. V - Isto
porque vigora na legislação processual civil brasileira o trânsito em julgado determinado pelo
resultado do processo. Diferentemente seria se o trânsito em julgado fosse secundum eventum
probationis, ou seja segundo o resultado da prova, em que, alcançada nova prova, poderia o
autor propor nova ação. VI - Tal debate foi travado no REsp 1.352.721, submetido ao rito do art.
543-C, do Código de Processo Civil, em que se rejeitou proposta do Min. Mauro Campbell para
que a tese adotada fosse no sentido de que, na ausência de prova constitutiva do direito
previdenciário, o processo seria extinto com fulcro no artigo 269, I, do CPC, com julgamento de
mérito, sendo a coisa julgada material secundum eventum probationis. VII - A tese adotada,
diferentemente, foi no sentido de que a ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial,
conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e
desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art.
267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do
CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa (REsp 1352721/SP, Rel. Ministro
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/12/2015, DJe 28/04/2016)
VIII - Ora, no caso dos autos, pelo que se infere o processo inicialmente interposto, e que
ocasionou a litispendência, teve o seu mérito julgado (fl. 157): IX - Sendo assim, e tendo em vista
a tese adotada nesta e. Corte, tenho que a existência de nova prova não possibilita a rediscussão
da questão, por força do disposto no art. 508 do CPC/15. X - Não se está aqui a dizer que a
decisão que inicialmente negou provimento ao pedido está certa ou errada, mas o fato é que
houve decisão de mérito, em que o acórdão recorrido relata não insuficiência de provas, mas sim
ausência de direito, o que obsta a proposição de nova ação com a alegação de que agora há a
existência de um conjunto probatório aprimorado. Como se sabe, a coisa julgada não está
relacionada à verdade ou justiça, mas sim à estabilidade jurídica. No mesmo sentido a decisão
monocrática proferida no REsp 1484654, Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe. de
04/05/2016. XI - Agravo interno improvido. (AgInt no AREsp 1122184/SP, Rel. Ministro
FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/04/2018, DJe 09/04/2018)
Nesse contexto, é lícito concluir que a interpretação dada pelo julgado, aos fatos e fundamentos
trazidos a julgamento, insere-se claramente no contexto da razoabilidade, sem incorrer em
maltrato à legislação.
Diante do exposto,julgo improcedenteo pedido formulado nesta ação rescisória.
Fica condenada a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados
em R$ 1.000,00 (um mil reais), na forma do artigo 85, § 8º, do CPC, suspensa, porém, a
exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de
beneficiária da justiça gratuita.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. APOSENTADORIA POR
IDADE. LABOR RURAL. VIOLAÇÃO A NORMA JURÍDICA NÃO CONFIGURADA. ÔNUS DE
SUCUMBÊNCIA. PEDIDO IMPROCEDENTE.
- O julgado rescindendo manifestou-se expressamente sobre as provas produzidas nos autos,
concluindo pelo não preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria por
idade de trabalhador rural, impondo-se a improcedência do pedido.
- Hipótese em que a improcedência do pedido não se deu por falta de início de prova material,
mas sim em função do início de prova extremamente precário e remoto para demonstrar extenso
período de atividade rural e da inconsistência verificada nos depoimentos das testemunhas, que
não foram convincentes no sentido de corroborar a prova documental apresentada.
- Decisão rescindenda que não se amolda do entendimento firmado peloSuperior Tribunal de
Justiça, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.352.721/SP, de que a ausência de conteúdo
probatório eficaz a instruir a inicial implicacarência de pressuposto de constituição e
desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem resolução demérito e
consequente possibilidade propornovamente a ação, caso reúna os elementos necessários a
essa iniciativa.
- A interpretação dada pelo julgado rescindendo, aos fatos e fundamentos trazidos a julgamento,
se afigura dentro da razoabilidade. Hipótese prevista no artigo 966, V, do CPC não configurada.
- Fica condenada a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados
em R$ 1.000,00 (um mil reais), na forma do artigo 85, § 8º, do CPC, suspensa, porém, a
exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de
beneficiária da justiça gratuita.
- Ação rescisória improcedente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Seção, por
unanimidade, decidiu julgar improcedente o pedido formulado nesta ação rescisória, nos termos
do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
