Processo
AR - AÇÃO RESCISÓRIA / SP
0002697-47.2015.4.03.0000
Relator(a)
Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO
Órgão Julgador
3ª Seção
Data do Julgamento
31/05/2021
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 07/06/2021
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ. DOLO PROCESSUAL NÃO CARACTERIZADO. PREEXISTÊNCIA DE
ENFERMIDADE INCAPACITANTE. NÃO COMPROVAÇÃO. RECOLHIMENTO EM VALORES
PRÓXIMOS AO TETO PREVIDENCIÁRIO. DESCONFORMIDADE COM HISTÓRICO
CONTRIBUTIVO DA ORA RÉ. ABUSO DE DIREITO EVIDENCIADO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO
CONSTITUCIONAL DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA PREVISTO ART. 37 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL E AO ARTIGO 4º DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO
DIREITO BRASILEIRO – DECRETO-LEI N. 4.657, DE 04/09/1942, E O ARTIGO 187 DO
CÓDIGO CIVIL. PROJEÇÃO DO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO. SUCUMBÊNCIA
RECÍPROCA. JUSTIÇA GRATUITA.
I - Não se configura violação à norma jurídica concernente à alegação de preexistência de
enfermidade incapacitante à refiliação da ora ré, então autora, ao RGPS, ocorrida em janeiro de
2005, na medida em que a r. decisão rescindenda, sopesando o conjunto probatório constante
dos autos, notadamente o laudo pericial, que apontou o início da inaptidão para o labor em
12.04.2006, concluiu pela sua inocorrência.
II - Não se evidencia conduta desleal levado a cabo pela então autora com o propósito de
dificultar a atuação da autarquia previdenciária, razão pela qual deve ser afastada a hipótese de
dolo processual.
III - Da narrativa constante da inicial do presente feito e dos elementos probatórios presentes nos
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
autos, verifica-se que a ora ré, então autora, na condição de contribuinte individual, possuía
recolhimentos no valor mínimo nos interregnos de 01/1999 a 09/1999, de 08/2000 a 11/2000 e de
01/2001 a 07/2002, tendo se refiliado ao RGPS em 01/2005, com contribuições, inicialmente, no
valor mínimo no intervalo de 01/2005 a 05/2006, e posterior complementação efetuada em
28.09.2006, até o atingimento do teto ou próximo deste, concernente às competências de
01/2005 a 03/2006.
IV - Afigura-se evidenciada a ocorrência de manifesta violação de lei e do princípio constitucional
da moralidade administrativa (art. 37 da CF/88), no que tange aos valores recolhidos a título de
contribuição previdenciária, tendo em vista que o histórico contributivo da ora ré revela poucas
contribuições pelo valor máximo, ou próximo ao teto (de janeiro de 2005 a março de 2006). A
rigor, a ora ré, tendo plena consciência que – em face de seu estado de saúde fragilizado, que
justificou a concessão do benefíciode auxílio-doença a contar de 12.04.2006 - , as patologias que
lhe acometiam teriam seu curso agravado, de forma a ensejar a concessão do benefício de
aposentadoria por invalidez com renda mensal inicial elevada. Na verdade, por ter contribuído
anteriormente para com a Previdência Social em valor mínimo, as poucas e expressivas
contribuições pagas proporcionar-lhe-iam uma renda mensal inicial totalmente dissociada de seu
histórico contributivo.
V - A ora ré se valeu de uma omissão tanto na Lei n. 8.212/91 como na Lei n. 8.213/91 para vedar
essa forma de obtenção de vantagem indevida, utilizou-se de sua imprevidência para obter um
benefício de valor cinco vezes mais do que de um trabalhador que tenha recolhido durante anos
para com a Previdência Social de acordo com sua capacidade contributiva. Essa omissão
legislativa evidentemente não pode premiar o segurado tardio e ardiloso em detrimento da
sociedade, causando perplexidade ao segurado que muitas vezes com sacrifício recolhe
regularmente suas contribuições previdenciárias, caracterizando-se, assim, ofensa ao princípio
constitucional da moralidade administrativa (art. 37 da CF/88) quando o INSS concede um
benefício nestas condições, e por parte do segurado malicioso o denominado ABUSO DE
DIREITO, razão pela qual a decisão rescindenda violou manifestamente o disposto no art. 4º da
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - Decreto-Lei n. 4.657, de 04/09/1942, e o art.
187 do Código Civil.
VI - Mesmo que não se reconheça a omissão do legislador previdenciário em vedar a forma de
cálculo do benefício declarado pela r. decisão rescindenda, é induvidoso que a ora ré, ao
proceder ao recolhimento de contribuições previdenciárias em valores absolutamente
incompatíveis com o seu histórico contributivo, com vistas a obter renda mensal próxima ao teto
do RGPS, agiu além dos limites ditados pelos fins socioeconômicos para os quais o direito foi
estabelecido, provocando, assim, dano à coletividade de segurados que a Previdência Social
busca proteger.
VII - A r. decisão rescindenda não acatou, outrossim, o comando inserto no art. 335 do
CPC/1973, que estava em vigor à época de sua prolação, atualizado para o art. 375 do
CPC/2015, que determina que o julgador, ao valorar e apreciar as provas constantes dos autos,
deve levar em conta sempre as máximas de experiência, ou seja, a observância do que
ordinariamente acontece, de modo que, no caso concreto, era imperativa a determinação da
glosa de valores que compuseram os salários de contribuição para apuração da renda mensal
inicial, ante as inconsistências apontadas anteriormente.
VIII - A r. decisão rescindenda, ao reconhecer o direito da então autora ao benefício de
aposentadoria por invalidez, sem consignar qualquer restrição à utilização dos valores constantes
das guias de recolhimento para efeito de cálculo da renda mensal inicial, acabou por violar o art.
37 da Constituição Federal/1988 (ofensa à moralidade administrativa), o art. 4º do Decreto-Lei n.
4.657/42 e o art. 187 do Código Civil, na medida em que sancionou, ainda que de forma implícita,
o abuso de direito, bem como deixou de aplicar o art. 335 do CPC/1973 na valoração das provas.
IX - A desconstituição da r. decisão rescindenda cingiu-se ao tópico sentencial relativamente aos
valores que compuseram o período básico de cálculo, para efeito de apuração da renda mensal
inicial, mantendo-se íntegra a aludida decisão no tocante ao preenchimento dos requisitos legais
que ensejaram a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez. Insta ressaltar que há
sólido entendimento no sentido de que a ação rescisória pode se limitar a tópicos da r. decisão
rescindenda, não sendo absoluto o conceito de indivisibilidade da sentença/acórdão
(Precedentes: STF - Pleno, AR. 1.699 - AgRg, rel. Min. Marco Aurélio, j. 23.06.2005; negaram
provimento, v.u., DJU 9.9.05, p. 34).
X - Dado o histórico contributivo da ora ré, consoante demonstrado, é de se projetar o valor de um
salário mínimo para efeito de fixação da renda mensal inicial de seu benefício por incapacidade
(NB 549.090.827 - 7).
XI - Ante a sucumbência recíproca, cada litigante deverá arcar com as suas respectivas
despesas, nos termos do art. 86 do CPC, arbitrados os honorários advocatícios no importe de R$
1.000,00 (um mil reais) para cada um. Tendo em vista que a parte ré é beneficiária da assistência
judiciária gratuita, há que se observar o preceituado no art. 98, §3º, do CPC.
XII - Ação rescisória cujo pedido se julga parcialmente procedente. Ação subjacente cujo pedido
se julga parcialmente procedente.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Seção
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº0002697-47.2015.4.03.0000
RELATOR:Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
RECONVINTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) RECONVINTE: CAIO DANTE NARDI - SP319719-N
RECONVINDO: DERCIDIA FLORENCIO NEVES
Advogado do(a) RECONVINDO: JULIANO LUIZ POZETI - SP164205-N
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região3ª Seção
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº0002697-47.2015.4.03.0000
RELATOR:Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
RECONVINTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) RECONVINTE: CAIO DANTE NARDI - SP319719-N
RECONVINDO: DERCIDIA FLORENCIO NEVES
Advogado do(a) RECONVINDO: JULIANO LUIZ POZETI - SP164205-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Trata-se de
ação rescisória ajuizada em 10.02.2015, pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, em
face do julgado proferido nos autos do processo nº 2012.03.99.005075-0 (ID 90038921 - págs.
153/155), da lavra da e. Desembargadora Federal Tania Marangoni, cujo trânsito em julgado se
deu em 30.01.2014 (ID 90038921 - pág. 157).
Nos autos da ação subjacente, a ora ré pleiteou a concessão de aposentadoria por invalidez,
desde o requerimento administrativo formulado em 20.04.2007.
A sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido, concedendo o benefício de
aposentadoria por invalidez, desde a citação (ID 90038921 – págs. 114/118). Houve remessa
necessária, a parte autora apelou, requerendo a alteração do termo inicial do benefício para a
data do requerimento administrativo e o INSS apelou, requerendo a suspensão do cumprimento
da decisão de antecipação da tutela, o regular processamento do reexame necessário, a
alteração do termo inicial do benefício para a data da juntada do laudo aos autos, bem como a
redução da verba honorária.
A decisão rescindenda, de lavra da E. Desembargadora Federal TÂNIA MARANGONI, negou
seguimento ao reexame necessário e ao apelo do INSS e deu provimento à apelação da autora
para, mantendo a concessão da aposentadoria por invalidez, fixar seu termo inicial em
20.04.2007, data do requerimento administrativo (ID 90038921 – págs. 153/155).
Inconformado, ingressou o INSS com a presente ação rescisória, sob o fundamento de que
houve violação ao disposto nos artigos 151, 42, caput e §2º, 25, I, da Lei nº 8.213/91 e artigo
28, III, da Lei nº 8.212/91, tendo em vista que“a autora já se filiou doente e incapaz para o
trabalho e/ou de que a data de início de sua incapacidade laboral se deu antes de completar o
prazo de carência”e“Não houve comprovação de que houve progressão ou agravamento da
doença após o início da filiação”; bem como dolo processual, uma vez que: “a)A requerida agiu
de má-fé,ocultando no processo a preexistência da incapacidade;b) A requerida efetuou
recolhimentos após longo período sem contribuir, visando exclusivamente a obtenção de
benefício por incapacidade; c)recolheu-se poucas contribuiçõese logo em seguida se requereu
a concessão de benefício; d) houve reingresso no RGPS após ter ficadoUMA VIDA INTEIRA
FORA DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO; e) após o ingresso e já ciente da incapacidade,as
contribuições previdenciárias foram complementadas, atingindo o valor máximo estabelecido
pela legislação previdenciária, com evidente propósito de elevar a RMI do benefício. TAL FATO
CAUSA ESTRANHEZA, POIS A AUTORA HAVIA DECLARADO SER COSTUREIRA,
PROFISSÃO CUJA REMUNERAÇÃO NÃO É ELEVADA; f) houverequerimento administrativo
de auxílio-doença no dia 12/06/2006, pouco após o implemento da carência exigida para o
benefício. É indício de que a incapacidade preexistia ao ingresso no RGPS; g)a requerida ficou
fora do sistema previdenciário até 01/2005, quando passou a contribuir com idade bastante
avançada e já portadora de doenças de lenta evolução; h)ao ingressar ao RGPS, deixou de ser
uma pessoa sem rendimentos provenientes do trabalho para passar a ter rendimentos iguais ao
teto do salário-de-contribuição; i) na data em que todas as complementações foram pagas, na
qualidade de contribuinte individual, a parte estava em gozo de auxílio-doença, no valor de 1
(um) salário mínimo; j)por coincidência ou não o requerido foi representado pelo mesmo
advogado(Dr. Sérgio Antônio Nattes, OAB/SP n° 189.352), sendo quehá inúmeros outros casos
semelhantes a este(de inscrições feitas por pessoas que não estavam filiadas ao RGPS, com
recolhimentos feitos sobre o teto do salário-de-contribuição e com preexistência da
incapacidade) em que o advogado é o mesmo."
Forte nisso, pede a desconstituição do julgado e a improcedência do pedido formulado na ação
subjacente, bem assim a concessão de tutela de urgência, a fim de suspender a execução do
julgado.
A apreciação do pedido de antecipação dos efeitos da tutela foi postergada pela decisão de ID
90038921 - págs. 219/220.
Citada, a ré apresentou contestação, em que alega a incidência da Súmula 343 do STF e
ausência de violação a dispositivos de lei, tendo em vista que“os FUNDAMENTOS DESTA
AÇÃO RESCISÓRIA SÃO INOVADORES E SEQUER FORAM VENTILADOS NA
CONTESTAÇÃO DO INSS, MUITO MENOS EM SEU RECURSO DE APELAÇÃO”. Sustenta
que as decisões proferidas foram baseadas na provas de qualidade de segurado e
incapacidade laboral (ID 90038923 - págs. 16/35).
Foram concedidos os benefícios da Justiça Gratuita à parte ré (ID 90038923 – pág. 42)
Foi oferecida réplica (ID 90038923 - págs. 45/61).
Encerrada a instrução processual, as partes foram intimadas para razões finais, oportunidade
em que o INSS reiterou os argumentos por ele trazidos em sua réplica (ID 90037669 - pág. 11),
e a ré reiterou os fundamentos de sua contestação (ID 90037669 - pág. 13).
O Ministério Público Federal manifestou-se no sentido da parcial procedência da ação, por
entender que houve ofensa ao artigo 28, inciso III, da Lei 8.212/91, uma vez que“a ré Dercidia
Florêncio Neves afirma ser costureira e em razão do exercício dessa atividade passou a
recolher como contribuinte individual. Esclarece, a respeito da complementação dos valores das
contribuições, inicialmente no salário-mínimo, que “O CONTABILISTA EQUIVOCOU-SE NAS
CONTRIBUIÇÕES AO EFETUAR RECOLHIMENTOS APENAS NO SALÁRIO-MÍNIMO,
SENDO QUE APÓS VERIFICAR TAL EQUÍVOCO, DIANTE DOS VALORES DO
FATURAMENTO MENSAL DA EMPRESA, ESTE POR SUA VEZ EFETUOU A
COMPLEMENTAÇÃO DE ACORDO COM OS VALORES DE FATURAMENTO DA ÉPOCA’ (fl.
230). Porém, em nenhum momento comprova o faturamento da empresa que justificasse a
complementação dos recolhimentos previdenciários no teto. Não faz prova do fato constitutivo
do seu direito (...). Aliás, de se ver que a complementação dos valores dos salários de
contribuição no teto foi realizada enquanto a ré recebia benefício previdenciário por
incapacidade no valor mínimo”(ID 90037669 - págs. 16/20).
É O RELATÓRIO.
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº0002697-47.2015.4.03.0000
RELATOR:Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
RECONVINTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) RECONVINTE: CAIO DANTE NARDI - SP319719-N
RECONVINDO: DERCIDIA FLORENCIO NEVES
Advogado do(a) RECONVINDO: JULIANO LUIZ POZETI - SP164205-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O V I S T A
O Exmo. Desembargador Federal Sérgio Nascimento: O INSS ajuizou a presente ação
rescisória, com fulcro no artigo 485, incisos III e V, do CPC/1973, atualizados para o art. 966,
incisos III e V, do CPC/2015, visando desconstituir a r, decisão rescindenda, que negou
seguimento ao reexame necessário e ao apelo da autarquia previdenciária e deu provimento à
apelação da parte autora, para, mantendo a concessão do benefício de aposentadoria por
invalidez, fixar seu termo inicial na data do requerimento administrativo (20.04.2007).
A Exma. Sra. Desembargadora Federal Inês Virgínia, em seu brilhante voto, houve por bem
julgar improcedente o pedido formulado nesta ação rescisória, por entender que “...Não
prospera a alegação de violação a norma jurídica extraída dos dispositivos citados na exordial -
artigos 151, 42, caput e §2º, 25, I, da Lei nº 8.213/91, uma vez que a circunstância fática ora
alegada – preexistência da incapacidade - só veio a ser suscitada pela autarquia nesta
rescisória, não tendo, em nenhum momento, sido noticiada, tampouco comprovada no feito
subjacente, tendo a decisão rescindenda adequadamente apreciado a controvérsia que lhe foi
posta em conformidade com as provas residentes nos autos...".
Assinala a d. Relatora, ainda, que “..o pedido de aposentadoria por invalidez deduzido pela
autora no feito subjacente foi deferido, a partir do requerimento administrativo formulado em
20.04.2007, porque concluiu-se, a partir de detida análise dos elementos probatórios residentes
nos autos, em especial extrato do CNIS e prova pericial ali produzida, que a autora filiou-se ao
RGPS em janeiro de 2005, efetuando recolhimentos como contribuinte individual até junho de
2006, sendo que recebeu auxílio-doença nos períodos de 12.04.2006 a 20.02.2007 e de
01.07.2007 a 09.02.2010, sendo que a incapacidade total e permanente da autora teve início
em 12.04.2006, em razão de sequelas de tratamento de câncer de mama, conforme o laudo
pericial..".
Por derradeiro, conclui a i. Relatora que "..a violação aos dispositivos de lei apontados não
restou configurada, resultando a insurgência da autarquia de mero inconformismo com a
valoração das provas perpetrada no julgado rescindendo, que lhe foi desfavorável, insuficiente
para justificar o desfazimento da coisa julgada, a teor do que estatui o artigo 485, inciso V,
CPC/1973, que exige, para tanto, ofensa à própria literalidade da norma, hipótese ausente,in
casu...".
Pedi vista dos autos apenas para melhor reflexão quanto à possibilidade da abertura da via
rescisória com base nos fundamentos indicados pelo ora autor.
Com efeito, adiro ao entendimento da i. Relatora no sentido de que não se configura violação à
norma jurídica concernente à alegação de preexistência de enfermidade incapacitante à
refiliação da ora ré, então autora, ao RGPS, ocorrida em janeiro de 2005, na medida em que a
r. decisão rescindenda, sopesando o conjunto probatório constante dos autos, notadamente o
laudo pericial, que apontou o início da inaptidão para o labor em 12.04.2006, concluiu pela sua
inocorrência.
De igual forma, afasto a hipótese de dolo processual, por não vislumbrar conduta desleal levado
a cabo pela então autora com o propósito de dificultar a atuação da autarquia previdenciária.
Por outro lado, da narrativa constante da inicial do presente feito e dos elementos probatórios
presentes nos autos, verifica-se que a ora ré, então autora, na condição de contribuinte
individual, possuía recolhimentos no valor mínimo nos interregnos de 01/1999 a 09/1999, de
08/2000 a 11/2000 e de 01/2001 a 07/2002 (fl. 214 do PDF), tendo se refiliado ao RGPS em
01/2005, com contribuições, inicialmente, no valor mínimo no intervalo de 01/2005 a 05/2006, e
posterior complementação efetuada em 28.09.2006, até o atingimento do teto ou próximo deste,
concernente às competências de 01/2005 a 03/2006 (fls. 210/212 do PDF).
Nesse passo, afigura-se evidenciada a ocorrência de manifesta violação de lei e do princípio
constitucional da moralidade administrativa (art. 37 da CF/88), no que tange aos valores
recolhidos a título de contribuição previdenciária, tendo em vista que o histórico contributivo da
ora ré revela poucas contribuições pelo valor máximo, ou próximo ao teto (de janeiro de 2005 a
março de 2006; id. 90038921 – pág. 66). A rigor, a ora ré, tendo plena consciência que – em
face de seu estado de saúde fragilizado, que justificou a concessão do benefício de auxílio-
doença a contar de 12.04.2006 - , as patologias que lhe acometiam teriam seu curso agravado,
de forma a ensejar a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez com renda mensal
inicial elevada. Na verdade, por ter contribuído anteriormente para com a Previdência Social em
valor mínimo, as poucas e expressivas contribuições pagas proporcionar-lhe-iam uma renda
mensal inicial totalmente dissociada de seu histórico contributivo.
Verifica-se, pois, que a ora ré se valeu de uma omissão tanto na Lei n. 8.212/91 como na Lei n.
8.213/91 para vedar essa forma de obtenção de vantagem indevida, utilizou-se de sua
imprevidência para obter um benefício de valor cinco vezes mais do que de um trabalhador que
tenha recolhido durante anos para com a Previdência Social de acordo com sua capacidade
contributiva.
Isso ocorre porque o trabalhador autônomo que recolha regularmente suas contribuições terá
no cálculo de seu benefício a inclusão de 80% de todos os maiores recolhimentos que efetuou
no período básico de cálculo (julho de 1994 para cá), ou seja, um trabalhador que recolhe
normalmente suas contribuições pouco conseguirá elevar a renda mensal inicial de seu
benefício com o recolhimento de algumas contribuições altas às vésperas de perceber que
necessitará de um benefício.
Essa omissão legislativa evidentemente não pode premiar o segurado tardio e ardiloso em
detrimento da sociedade, causando perplexidade ao segurado que muitas vezes com sacrifício
recolhe regularmente suas contribuições previdenciárias, caracterizando-se, assim, ofensa ao
princípio constitucional da moralidade administrativa (art. 37 da CF/88) quando o INSS concede
um benefício nestas condições, e por parte do segurado malicioso o denominado ABUSO DE
DIREITO, razão pela qual a decisão rescindenda violou manifestamente o disposto no art. 4º da
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - Decreto-Lei n. 4.657, de 04/09/1942,in
verbis:
Art. 4º. Quando a lei for omissa, o Juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes
e os princípios gerais de direito.
Violou, também, consequentemente, o disposto no art. 187 do Código Civil,in verbis:
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos
bons costumes.
Segundo lição do eminente jurista Sílvio Rodrigues (2003, p. 46),"O abuso de direito ocorre
quando o agente, atuando dentro das prerrogativas que o ordenamento jurídico lhe concede,
deixa de considerar a finalidade social do direito e, ao utilizá-lo desconsideramente, causa dano
a outrem".
Mesmo que não se reconheça a omissão do legislador previdenciário em vedar a forma de
cálculo do benefício declarado pela r. decisão rescindenda, é induvidoso que a ora ré, ao
proceder ao recolhimento de contribuições previdenciárias em valores absolutamente
incompatíveis com o seu histórico contributivo, com vistas a obter renda mensal próxima ao teto
do RGPS, agiu além dos limites ditados pelos fins socioeconômicos para os quais o direito foi
estabelecido, provocando, assim, dano à coletividade de segurados que a Previdência Social
busca proteger.
A boa-fé e os bons costumes se irradiam por todo ordenamento jurídico, cabendo destacar, a
título de exemplo, o disposto no art. 116, parágrafo único, do CTN.
Impende salientar que a r. decisão rescindenda não acatou, outrossim, o comando inserto no
art. 335 do CPC/1973, que estava em vigor à época de sua prolação, atualizado para o art. 375
do CPC/2015, que determina que o julgador, ao valorar e apreciar as provas constantes dos
autos, deve levar em conta sempre as máximas de experiência, ou seja, a observância do que
ordinariamente acontece, de modo que, no caso concreto, era imperativa a determinação da
glosa de valores que compuseram os salários de contribuição para apuração da renda mensal
inicial, ante as inconsistências apontadas anteriormente.
Em síntese, a r. decisão rescindenda, ao reconhecer o direito da então autora ao benefício de
aposentadoria por invalidez, sem consignar qualquer restrição à utilização dos valores
constantes das guias de recolhimento para efeito de cálculo da renda mensal inicial, acabou por
violar o art. 37 da Constituição Federal/1988 (ofensa à moralidade administrativa), o art. 4º do
Decreto-Lei n. 4.657/42 e o art. 187 do Código Civil, na medida em que sancionou, ainda que
de forma implícita, o abuso de direito, bem como deixou de aplicar o art. 335 do CPC/1973 na
valoração das provas.
Nessa mesma linha, destacam-se precedentes desta Seção Julgadora: AR n. 0000181 –
20.2016.4.03.0000; j. 24.05.2018; e-DJF-3 07.06.2018; AR n. 0008749 – 25.2016.03.0000; j.
14.12.2017; e – DJF3 02.02.2018.
Cumpre acrescentar que o Ministério Público Federal, em seu parecer, aponta violação ao art.
28, III, da Lei n. 8.212/91, assinalando que “...a ré Dercídia Florêncio Neves afirma ser
costureira e em razão do exercício dessa atividade passou a recolher como contribuinte
individual. Esclarece. a respeito da complementação dos valores das contribuições, inicialmente
no salário-mínimo, que ‘O CONTABILISTA EQUIVOCOU-SE NAS CONTRIBUIÇÕES AO
EFETUAR RECOLHIMENTOS APENAS NO SALÁRIO-MÍNIMO, SENDO QUE, APÓS
VERIFICAR TAL EQUÍVOCO, DIANTE DOS VALORES DO FATURAMENTO MENSAL DA
EMPRESA, ESTE POR SUA VEZ EFETUOU A COMPLEMENTAÇÃO DE ACORDO COM OS
VALORES DO FATURAMENTO DA ÉPOCA’ (fl. 230). Porém. em nenhum momento comprova
o faturamento da empresa que justificasse a complementação dos recolhimentos
previdenciários no teto. Não faz prova do fato constitutivo do seu direito”.
Configurada a hipótese prevista no inciso V do art. 485 do CPC/1973, é de rigor a abertura da
via rescisória.
DO JUÍZO RESCISSORIUM
Conforme explanado anteriormente, a desconstituição da r. decisão rescindenda cingiu-se ao
tópico sentencial relativamente aos valores que compuseram o período básico de cálculo, para
efeito de apuração da renda mensal inicial, mantendo-se íntegra a aludida decisão no tocante
ao preenchimento dos requisitos legais que ensejaram a concessão do benefício de
aposentadoria por invalidez. Insta ressaltar que há sólido entendimento no sentido de que a
ação rescisória pode se limitar a tópicos da r. decisão rescindenda, não sendo absoluto o
conceito de indivisibilidade da sentença/acórdão (Precedentes: STF - Pleno, AR. 1.699 - AgRg,
rel. Min. Marco Aurélio, j. 23.06.2005; negaram provimento, v.u., DJU 9.9.05, p. 34).
Nesse passo, dado o histórico contributivo da ora ré, consoante demonstrado acima, é de se
projetar o valor de um salário mínimo para efeito de fixação da renda mensal inicial de seu
benefício por incapacidade (NB 549.090.827 - 7).
DO DISPOSITIVO DA RESCISÓRIA.
Diante do exposto,divirjo, em parte, da i. Relatora ejulgo parcialmente procedente o pedido
deduzido na presente ação rescisória, para desconstituir parcialmente a r. decisão monocrática
proferida com base no art. 557 do CPC/1973, com fundamento no art. 485, inciso V, do
CPC/1973 e, no juízorescissorium,julgo parcialmente procedente o pedido formulado pela ora ré
na ação subjacente, para que o valor do benefício de aposentadoria por invalidez então
concedido (NB 549.090.827 - 7) seja fixado em um salário mínimo, ficando obstado o
levantamento pela ora ré de qualquer valor resultante entre a diferença da renda então apurada
e o montante de um salário mínimo. Ante a sucumbência recíproca, cada litigante deverá arcar
com as suas respectivas despesas, nos termos do art. 86 do CPC, arbitrados os honorários
advocatícios no importe de R$ 1.000,00 (um mil reais) para cada um. Tendo em vista que a
parte ré é beneficiária da assistência judiciária gratuita, há que se observar o preceituado no art.
98, §3º, do CPC.
Expeça-se e.mail ao INSS para que fique consignada a alteração no valor da aposentadoria por
invalidez (NB 549.090.827 - 7) para um salário mínimo.
Oficie-se ao Juízo de Origem, dando-se notícia desta decisão.
É como voto.
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº0002697-47.2015.4.03.0000
RELATOR:Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
RECONVINTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) RECONVINTE: CAIO DANTE NARDI - SP319719-N
RECONVINDO: DERCIDIA FLORENCIO NEVES
Advogado do(a) RECONVINDO: JULIANO LUIZ POZETI - SP164205-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Primeiramente,
insta dizer que a apreciação da presente ação rescisória dar-se-á em conformidade com as
disposições do do Código de Processo Civil de 1973, eis que o trânsito em julgado da decisão
rescindenda se deu sob sua égide.
DA OBSERVÂNCIA DO PRAZO DECADENCIAL
Conforme relatado, o julgado rescindendo transitou em julgado em 30.01.2014 (ID 90038921 –
pág. 157) e a presente ação foi ajuizada em 10.02.2015, ou seja, dentro do prazo previsto no
artigo 495 do CPC/1973.
DA DECISÃO RESCINDENDA E DA PRETENSÃO RESCISÓRIA
Dercidia Florencio Neves ajuizou ação objetivando a concessão de benefício de aposentadoria
por invalidez.
A decisão rescindenda, de lavra da E. Desembargadora Federal TÂNIA MARANGONI, negou
seguimento ao reexame necessário e ao apelo do INSS e deu provimento à apelação da autora
para, mantendo a concessão da aposentadoria por invalidez, fixar seu termo inicial em
20.04.2007, data do requerimento administrativo (ID 90038921 – págs. 153/155).
O INSS pleiteia, com base no artigo 485, incisos III e V, do CPC/1973, a desconstituição do
julgado rescindendo, alegando que a decisão violou o disposto nos artigos 151, 42, caput e §2º,
25, I, da Lei nº 8.213/91 e artigo 28, III, da Lei nº 8.212/91, bem como resultou de dolo
processual, consistente em omissão de dados fundamentais para o deslinde do processo.
De rigor, portanto, a análise de cada uma das causas de pedir apresentadas pelo requerente.
DO JUÍZO RESCINDENTE - DOLO.
O artigo 485, III, do CPC/1973, permite a rescisão do julgado que resultar de dolo da parte
vencedora em detrimento da parte vencida, ficando tal vício configurado quando a parte e/ou
seu representante faltam com os deveres de lealdade e boa-fé e que, de tal circunstância,
advenha prejuízo para a parte contrária.
Inicialmente, rejeito a alegação de dolo processual, por não vislumbrar que a ré tenha,
voluntária e conscientemente, omitido informações acerca de sua incapacidade laborativa ou
mesmo quanto ao recolhimento de suas contribuições, sendo que não houve prejuízo ao INSS
quanto à sua defesa, não restando configurada, pois, ofensa aos príncipios da lealdade e boa-fé
processual..
Por conseguinte, rejeito o pedido de rescisão do julgado deduzido com base no artigo 485, III,
do CPC/1973.
DO JUÍZO RESCINDENTE - VIOLAÇÃO A NORMA JURÍDICA.
Previa o art. 485 , inciso V, do CPC/73, que "A sentença de mérito, transitada em julgado, pode
ser rescindida quando: [...] violar literal disposição de lei".
A melhor exegese de referido dispositivo revela que "O vocábulo "literal" inserto no inciso V do
artigo 485 revela a exigência de que a afronta deve ser tamanha que contrarie a lei em sua
literalidade. Já quando o texto legal dá ensejo a mais de uma exegese, não é possível
desconstituir o julgado proferido à luz de qualquer das interpretações plausíveis" (SOUZA,
Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. Brasília: Brasília
Jurídica. 2000. P. 380/381).
A violação à norma jurídica precisa, portanto, ser manifesta, ou seja, evidente, clara e não
depender de prova a ser produzida no bojo da rescisória. Caberá rescisória quando a decisão
rescindenda conferir uma interpretação sem qualquer razoabilidade a texto normativo. Nessa
linha, a Súmula 343 do STF estabelece que "Não cabe ação rescisória por ofensa a literal
disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de
interpretação controvertida nos tribunais".
No entanto, o STF e o STJ têm admitido rescisórias para desconstituir decisões contrárias ao
entendimento pacificado posteriormente pelo STF, afastando a incidência da Súmula.
No caso, a requerente alega que a decisão rescindenda teria violado o disposto nos artigos 151,
42, caput e §2º, 25, I, da Lei nº 8.213/91 e artigo 28, III, da Lei nº 8.212/91.
Não prospera a alegação de violação a norma jurídica extraída dos dispositivos citados na
exordial - artigos 151, 42, caput e §2º, 25, I, da Lei nº 8.213/91, uma vez que a circunstância
fática ora alegada – preexistência da incapacidade - só veio a ser suscitada pela autarquia
nesta rescisória, não tendo, em nenhum momento, sido noticiada, tampouco comprovada no
feito subjacente, tendo a decisão rescindenda adequadamente apreciado a controvérsia que lhe
foi posta em conformidade com as provas residentes nos autos.
Ou seja, como o julgado rescindendo está em total conformidade com as provas produzidas nos
autos subjacentes, não há como se acolher a alegação de manifesta violação à norma jurídica.
Entendo que a violação manifesta à norma jurídica pressupõe que a parte que a alega tenha
apresentado o substrato fático que atrai a sua incidência ao magistrado prolator da decisão
objurgada, pois não se exige do julgador o conhecimento de fatos não reportado nos autos.
No entanto, como, in casu, isso não ocorreu, não há como rescindir o julgado, até porque, como
se sabe, essa estreita via não é meio jurídico adequado para sanar as omissões das partes
quanto aos seus ônus processuais.
A ação rescisória fundada na alegação de violação manifesta a norma jurídica não é recurso,
tampouco via para corrigir eventuais injustiças, sobretudo quando estas decorrem da inércia
das partes quanto aos seus ônus processuais.
A lógica que orienta a sistemática processual pátria no concernente à ação rescisória é a de
que, nesta estreita via, a parte só pode alegar questões que não pôde, por razões justificáveis,
suscitar no feito originário. Do contrário, prestigiar-se-ia a desídia da parte no que toca ao
desvencilhamento do seu ônus processual.
Portanto, a impossibilidade de o autor inovar a lide em sede de rescisória é um freio ou
contrapeso ao desvirtuamento desse meio autônomo de impugnação das decisões judiciais,
evitando-se, com isso, uma reabertura, em sede de rescisória, das discussões que deveriam ter
sido suscitadas no feito de origem.
Não se pode exigir que o magistrado cogite de questões fáticas não suscitadas pelas partes e,
consequentemente, considerar que uma decisão incorre em violação direta a dispositivo
normativo se o respectivo cenário fático não tiver sido apresentado no processo.
Ocorre que o magistrado, embora não esteja limitado à fundamentação legal apresentada pelas
partes, está adstrito aos fatos e pedidos apresentados pelas partes (artigo 128 do CPC/1973 e
artigo 141, do CPC/2015).
Sendo assim, considerando que cabe ao magistrado promover a subsunção do fato à norma,
"sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa
da parte", forçoso é concluir ser inviável o pedido de rescisão formulado com base em violação
a norma jurídica, quando o respectivo substrato fático não tiver sido tratado no feito originário,
sendo apresentado apenas na ação rescisória.
Sobre o tema, assim já se manifestou o C. STJ:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA . SERVIDOR PÚBLICO. VIOLAÇÃO LITERAL DE
DISPOSITIVO LEGAL (ART. 485, V, CPC/1973). AÇÃO RESCISÓRIA COMO SUCEDÂNEO
RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. AÇÃO RESCISÓRIA NÃO PROVIDA. 1. Pela disposição
normativa prevista tanto no art. 485, V, do CPC/1973 quanto no art. 966, V, do CPC/2015,
observa-se que a concretização do vício rescisório está na manifesta divergência entre o
julgado e o legislado. Ou seja, a não observação de preceito legal deve ser clara e inequívoca.
2. No caso dos autos, os dispositivos indicados como expressamente violados são: I) arts. 3º,
VI, e 267, ambos do CPC/1973 e art. 1º do Dec.-Lei n. 1.110/1970, porque a ilegitimidade da
União não foi declarada; II) do art. 1º do Dec.-Lei n. 20.910/1932 e dos arts. 219, § 5º, e 618,
ambos do CPC/1973, porquanto não houve a extinção da execução, apesar da ocorrência da
prescrição da pretensão executória. 3. Não se vincula a existência de vício rescisório a uma
prévia indicação precisa do dispositivo na fundamentação do julgado rescindendo. Contudo, a
inexistência de prequestionamento como requisito de ação rescisória não significa que essa
possa ser utilizada como sucedâneo recursal, em face de seu caráter excepcional consequente
da proteção à coisa julgada e à segurança jurídica. Assim, a deliberação contrária a disposição
legal deve se apresentar no julgado rescindendo, mesmo quando não apresentada
expressamente, de forma relevante. 4. A decisão rescindenda limitou-se a examinar questão
relacionada ao excesso de execução. Tanto que deu provimento aos embargos à execução
para abater R$ 15.568,69 do requerido inicialmente na execução do título firmado em mandado
de segurança. Não houve análise de teses relacionadas à ilegitimidade ou à prescrição, até
mesmo porque essas questões sequer foram elencadas na petição de embargos à execução.
Portanto, verifica-se que esta ação rescisória foi manejada com o fim de substituir recurso e de
discutir questões novas, que poderiam ter sido analisadas antes do trânsito do julgado
rescindendo. 5. ação rescisória não provida. (AR 5.581/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL
MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/11/2018, DJe 12/12/2018)
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO LITERAL A
DISPOSITIVO DE LEI. QUESTÃO ESTRANHA AO CONTEÚDO DA DECISÃO TRANSITADA
EM JULGADO. INVIABILIDADE. 1. Trata-se, na origem, de Ação Rescisória ajuizada pelo INSS
com a finalidade de desconstituir parcialmente o trânsito em julgado de sentença que condenou
a autarquia ao pagamento de benefício previdenciário. 2. A demanda foi ajuizada com base no
art. 485, V, do CPC/1973, tendo sido apontado como violado o art. 219, § 5º, daquele diploma
legislativo. 3. O Tribunal local corretamente julgou improcedente o pedido, adotando como
fundamento a inviabilidade desta demanda para discutir matéria estranha ao conteúdo do
acórdão cuja rescisão era almejada. 4. "Ainda que não se exija que a lei tenha sido invocada no
processo originário, tendo em vista que o requisito do prequestionamento não se aplica em
sede de ação rescisória , mostra-se inviável o pedido de rescisão, com base no art. 485, V, do
CPC, fundado em suposta violação a disposição de lei, quando a questão aduzida na ação
rescisória não foi tratada em nenhum momento em tal processo" (AgRg na AR 4.741/SC, Rel.
Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 6/11/2013). 5. Recurso Especial não
provido. (REsp 1648617/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado
em 04/05/2017, DJe 17/05/2017)
Em casos análogos, esta C. Seção assim já se manifestou:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 966, V DO CPC.
PENSÃO POR MORTE. EX- MARIDO INVÁLIDO. QUALIDADE DE DEPENDENTE. ÓBITO DA
ESPOSA ANTERIOR À PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. NÃO
APLICAÇÃO DA ISONOMIA ESTABELECIDA NO ART. 201, V DA C.F.. COMPATIBILIDADE
DA EXIGÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA SITUAÇÃO DE INVALIDEZ PREVISTA NA LOPS
EM VIGOR NA DATA DO ÓBITO COM SÚMULA Nº 340/STJ. INOVAÇÃO DE TESE
JURÍDICA. DESCABIMENTO. RESCISÓRIA IMPROCEDENTE. PRELIMINAR REJEITADA.
1 – Não incide a súmula nº 343 do E. STF ao caso sob exame, por versar a lide matéria de
índole constitucional, de forma a admitir o ajuizamento da presente ação rescisória com
fundamento no artigo 966, V do CPC, pois o autor aduziu a rescindibilidade do julgado por
manifesta violação ao o princípio constitucional da isonomia previstos nos artigos 141, § 1º e
157, II da Constituição Federal de 1946, bem como ao artigo 153, § 1º da Constituição Federal
de 1967. Preliminar rejeitada.
2 - A viabilidade da ação rescisória fundada no art. 966, V do CPC decorre da não aplicação de
uma determinada norma jurídica ou do seu emprego de tal modo aberrante que viole o
dispositivo legal em sua literalidade, dispensando-se o reexame dos fatos da causa originária.
3 - O julgado rescindendo se encontra em sintonia com a orientação jurisprudencial consolidada
no enunciado da Súmula nº 340 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: "A lei aplicável à
concessão de pensão previdenciária por morte é aquela vigente na data do óbito do segurado",
no caso sob exame, o artigo 11, I, da Lei nº 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social), o
qual arrolava o marido ou companheiro como dependente apenas na hipótese em que fosse
inválido.
4 – De outra parte, da leitura da decisão terminativa rescindenda constata-se que o critério da
equidade entre os cônjuges para fins de percepção do benefício de pensão por morte
estabelecido no artigo 201, V da Constituição Federal de 1988 foi tese jurídica apreciada e
refutada pelo julgado rescindendo e devidamente fundamentada segundo o livre convencimento
motivado, negando a qualidade de dependente do autor, de modo a tornar manifesta a
utilização da presente ação rescisória como sucedâneo de recurso.
5 - A orientação jurisprudencial firmada pelo Pleno do C. Supremo Tribunal Federal não tem
aplicabilidade ao caso presente, na medida em que reconheceu a aplicação do disposto no
artigo 201, inciso V, da Constituição Federal aos óbitos de segurados ocorridos entre o advento
da Constituição de 1988 e a Lei 8.213/91, situação fática e jurídica diversa da presente (RE
385.397-AgR, Rel. Min. Sepúlveda pertence, Tribunal Pleno, DJe de 6/9/2007).
6 – No que toca à alegada violação aos artigos 141, § 1º e 157, II da Constituição Federal de
1946, bem como ao artigo 153, § 1º da Constituição Federal de 1967, correspondentes à norma
do artigo 5º, I da Constituição Federal em vigor, verifica-se que tal tese não foi em nenhum
momento aventada pelo autor na ação originária, constituindo indevida inovação na via da ação
rescisória, manifestamente incabível consoante a orientação jurisprudencial consolidada no C.
Superior Tribunal de Justiça.
7 - Pretensão rescindente é direcionada exclusivamente ao questionamento do critério de
valoração da prova produzida na ação originária adotado pelo julgado rescindendo,
fundamentado no livre convencimento motivado, com sua revaloração segundo os critérios que
entende corretos. Hipótese de rescindibilidade prevista no inciso V do artigo 966 do CPC não
configurada.
8 – Preliminar rejeitada. Ação rescisória improcedente.
(TRF 3ª Região, 3ª Seção, AR - AÇÃO RESCISÓRIA, 5014349-05.2017.4.03.0000, Rel.
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES, julgado em 15/10/2020, e - DJF3
Judicial 1 DATA: 19/10/2020)
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA . ARTIGO 485, INCISO V, DO
CPC/1973. PENSÃO POR MORTE. GENITORA E COMPANHEIRA DE SEGURADO.
DEPENDENTES DE CLASSES DISTINTAS. MATÉRIA ALEGADA EM RESCISÓRIA NÃO FOI
OBJETO DE DISCUSSÃO NOS AUTOS DA AÇÃO SUBJACENTE. VIOLAÇÃO DE LEI NÃO
CONFIGURADA. AÇÃO RESCISÓRIA QUE SE JULGA IMPROCEDENTE. 1) ação rescisória
ajuizada na vigência do CPC/1973. 2) Em julgamento precedente da 3ª Seção, afastada a
prejudicial de decadência, tendo em vista que o termo final para ajuizamento da ação se deu
em dia não útil. 3) Embora ausente contestação da ré, é entendimento pretoriano que não
incidem no âmbito da ação rescisória os efeitos da revelia, por força do princípio da
preservação da coisa julgada. 4) O CPC/2015 manteve a regra do art. 319 do CPC/1973,
segundo a qual a revelia não produz o efeito mencionado no art. 344 - presunção da veracidade
das alegações de fato formuladas pelo autor - se o litígio versar sobre direitos indisponíveis (art.
345, II). Não há que se falar em "reconhecimento tácito do pedido", pois o pedido de extinção
do feito - formulado pela autora nos autos da demanda subjacente e em fase de cumprimento
de sentença - pode ser eventualmente analisado em sede de juízo rescisório, mas não constitui
óbice à apreciação do pedido de desconstituição da decisão de mérito, ocasião em que se
examinará a lisura do ato judicial em comento, visto que indisponível o objeto do iudicium
rescindens. 5) ação rescisória não é recurso. Seu objetivo não é rescindir qualquer julgado, mas
somente aquele que incida numa das específicas hipóteses do art. 485 do CPC/1973,
autorizando-se, a partir da rescisão e nos seus limites, a análise do mérito da pretensão posta
na lide originária. 6) Em matéria de pensão por morte, o princípio segundo o qual tempus regit
actum impõe a aplicação da legislação vigente na data do óbito do segurado. Conforme certidão
de óbito, o filho da autora faleceu em 20/09/2004, aplicando-se ao caso a Lei 8.213/91. 7)
Qualidade de segurado e dependência econômica demonstradas. O julgador aplicou o disposto
nos arts. 15, 16 e 74 da Lei 8.213/91, decidindo de acordo com os elementos de que dispunha,
não havendo amparo jurídico para a afirmação da ocorrência de violação à literal disposição de
lei. 8) A informação de que a companheira do segurado falecido recebe benefício de pensão por
morte não consta dos autos da demanda originária. A matéria ora trazida para fins de
desconstituição do julgado não foi objeto da decisão rescindenda. 9) ação rescisória que se
julga improcedente. (TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO TERCEIRA SEÇÃO 0016908-
25.2014.4.03.0000 Classe AR - AÇÃO RESCISÓRIA - 9937 Relator(a) DESEMBARGADORA
FEDERAL MARISA SANTOS e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/05/2018)
Por fim, observo que não há como se divisar que a decisão rescindenda tenha incorrido em
violação à norma jurídica extraída dos dispositivos da Lei 8.213/91 citados na exordial, mas sim
que o decisum objurgado com esta se alinhou.
Com efeito, o pedido de aposentadoria por invalidez deduzido pela autora no feito subjacente foi
deferido, a partir do requerimento administrativo formulado em 20.04.2007, porque concluiu-se,
a partir de detida análise dos elementos probatórios residentes nos autos, em especial extrato
do CNIS e prova pericial ali produzida, que a autora filiou-se ao RGPS em janeiro de 2005,
efetuando recolhimentos como contribuinte individual até junho de 2006, sendo que recebeu
auxílio-doença nos períodos de 12.04.2006 a 20.02.2007 e de 01.07.2007 a 09.02.2010, sendo
que a incapacidade total e permanente da autora teve início em 12.04.2006, em razão de
sequelas de tratamento de câncer de mama, conforme o laudo pericial. Ressalte-se que a
própria autarquia, na contestação apresentada na ação subjacente, afirmou que “em
decorrência do gozo do auxílio-doença, tem-se que à parte autora não perdeu a qualidade de
segurado. Também se pode concluir que ela tem filiação e cumpriu a carência. Portanto, neste
processo apenas se discute a questão relativa à incapacidade para o trabalho, nada mais” (ID
90038921 – págs. 56/57).
Por fim, não há que se falar em ofensa ao disposto no artigo 28, III, da Lei nº 8.212/91, que trata
do salário-de-contribuição do contribuinte individual, eis que a decisão rescindenda não abordou
tal questão, tendo apenas consignado que o valor da aposentadoria por invalidez seria apurado
de acordo com o artigo 44 da Lei nº 8.213/91. Ressalte-se que a questão do valor do benefício
somente foi discutida na fase de cumprimento de sentença.
Sendo assim, no caso dos autos, a violação aos dispositivos de lei apontados não restou
configurada, resultando a insurgência da autarquia de mero inconformismo com a valoração das
provas perpetrada no julgado rescindendo, que lhe foi desfavorável, insuficiente para justificar o
desfazimento da coisa julgada, a teor do que estatui o artigo 485, inciso V, CPC/1973, que
exige, para tanto, ofensa à própria literalidade da norma, hipótese ausente, in casu.
DO JUÍZO RESCISÓRIO.
Julgados improcedentes os pedidos de rescisão do julgado, fica prejudicada a análise do pedido
rescisório.
DA SUCUMBÊNCIA
Vencido o INSS, condeno-o ao pagamento da verba honorária, a qual fixo em R$ 1.000,00 (mil
reais), nos termos da jurisprudência desta C. Seção.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTE o pedido de rescisão, ficando prejudicada a análise do
pedido rescisório e condeno o INSS a arcar com o pagamento dos honorários advocatícios, na
forma antes delineada.
É COMO VOTO.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ. DOLO PROCESSUAL NÃO CARACTERIZADO. PREEXISTÊNCIA DE
ENFERMIDADE INCAPACITANTE. NÃO COMPROVAÇÃO. RECOLHIMENTO EM VALORES
PRÓXIMOS AO TETO PREVIDENCIÁRIO. DESCONFORMIDADE COM HISTÓRICO
CONTRIBUTIVO DA ORA RÉ. ABUSO DE DIREITO EVIDENCIADO. VIOLAÇÃO AO
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA PREVISTO ART. 37 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL E AO ARTIGO 4º DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO
DIREITO BRASILEIRO – DECRETO-LEI N. 4.657, DE 04/09/1942, E O ARTIGO 187 DO
CÓDIGO CIVIL. PROJEÇÃO DO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO. SUCUMBÊNCIA
RECÍPROCA. JUSTIÇA GRATUITA.
I - Não se configura violação à norma jurídica concernente à alegação de preexistência de
enfermidade incapacitante à refiliação da ora ré, então autora, ao RGPS, ocorrida em janeiro de
2005, na medida em que a r. decisão rescindenda, sopesando o conjunto probatório constante
dos autos, notadamente o laudo pericial, que apontou o início da inaptidão para o labor em
12.04.2006, concluiu pela sua inocorrência.
II - Não se evidencia conduta desleal levado a cabo pela então autora com o propósito de
dificultar a atuação da autarquia previdenciária, razão pela qual deve ser afastada a hipótese de
dolo processual.
III - Da narrativa constante da inicial do presente feito e dos elementos probatórios presentes
nos autos, verifica-se que a ora ré, então autora, na condição de contribuinte individual, possuía
recolhimentos no valor mínimo nos interregnos de 01/1999 a 09/1999, de 08/2000 a 11/2000 e
de 01/2001 a 07/2002, tendo se refiliado ao RGPS em 01/2005, com contribuições, inicialmente,
no valor mínimo no intervalo de 01/2005 a 05/2006, e posterior complementação efetuada em
28.09.2006, até o atingimento do teto ou próximo deste, concernente às competências de
01/2005 a 03/2006.
IV - Afigura-se evidenciada a ocorrência de manifesta violação de lei e do princípio
constitucional da moralidade administrativa (art. 37 da CF/88), no que tange aos valores
recolhidos a título de contribuição previdenciária, tendo em vista que o histórico contributivo da
ora ré revela poucas contribuições pelo valor máximo, ou próximo ao teto (de janeiro de 2005 a
março de 2006). A rigor, a ora ré, tendo plena consciência que – em face de seu estado de
saúde fragilizado, que justificou a concessão do benefíciode auxílio-doença a contar de
12.04.2006 - , as patologias que lhe acometiam teriam seu curso agravado, de forma a ensejar
a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez com renda mensal inicial elevada. Na
verdade, por ter contribuído anteriormente para com a Previdência Social em valor mínimo, as
poucas e expressivas contribuições pagas proporcionar-lhe-iam uma renda mensal inicial
totalmente dissociada de seu histórico contributivo.
V - A ora ré se valeu de uma omissão tanto na Lei n. 8.212/91 como na Lei n. 8.213/91 para
vedar essa forma de obtenção de vantagem indevida, utilizou-se de sua imprevidência para
obter um benefício de valor cinco vezes mais do que de um trabalhador que tenha recolhido
durante anos para com a Previdência Social de acordo com sua capacidade contributiva. Essa
omissão legislativa evidentemente não pode premiar o segurado tardio e ardiloso em detrimento
da sociedade, causando perplexidade ao segurado que muitas vezes com sacrifício recolhe
regularmente suas contribuições previdenciárias, caracterizando-se, assim, ofensa ao princípio
constitucional da moralidade administrativa (art. 37 da CF/88) quando o INSS concede um
benefício nestas condições, e por parte do segurado malicioso o denominado ABUSO DE
DIREITO, razão pela qual a decisão rescindenda violou manifestamente o disposto no art. 4º da
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - Decreto-Lei n. 4.657, de 04/09/1942, e o art.
187 do Código Civil.
VI - Mesmo que não se reconheça a omissão do legislador previdenciário em vedar a forma de
cálculo do benefício declarado pela r. decisão rescindenda, é induvidoso que a ora ré, ao
proceder ao recolhimento de contribuições previdenciárias em valores absolutamente
incompatíveis com o seu histórico contributivo, com vistas a obter renda mensal próxima ao teto
do RGPS, agiu além dos limites ditados pelos fins socioeconômicos para os quais o direito foi
estabelecido, provocando, assim, dano à coletividade de segurados que a Previdência Social
busca proteger.
VII - A r. decisão rescindenda não acatou, outrossim, o comando inserto no art. 335 do
CPC/1973, que estava em vigor à época de sua prolação, atualizado para o art. 375 do
CPC/2015, que determina que o julgador, ao valorar e apreciar as provas constantes dos autos,
deve levar em conta sempre as máximas de experiência, ou seja, a observância do que
ordinariamente acontece, de modo que, no caso concreto, era imperativa a determinação da
glosa de valores que compuseram os salários de contribuição para apuração da renda mensal
inicial, ante as inconsistências apontadas anteriormente.
VIII - A r. decisão rescindenda, ao reconhecer o direito da então autora ao benefício de
aposentadoria por invalidez, sem consignar qualquer restrição à utilização dos valores
constantes das guias de recolhimento para efeito de cálculo da renda mensal inicial, acabou por
violar o art. 37 da Constituição Federal/1988 (ofensa à moralidade administrativa), o art. 4º do
Decreto-Lei n. 4.657/42 e o art. 187 do Código Civil, na medida em que sancionou, ainda que
de forma implícita, o abuso de direito, bem como deixou de aplicar o art. 335 do CPC/1973 na
valoração das provas.
IX - A desconstituição da r. decisão rescindenda cingiu-se ao tópico sentencial relativamente
aos valores que compuseram o período básico de cálculo, para efeito de apuração da renda
mensal inicial, mantendo-se íntegra a aludida decisão no tocante ao preenchimento dos
requisitos legais que ensejaram a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez. Insta
ressaltar que há sólido entendimento no sentido de que a ação rescisória pode se limitar a
tópicos da r. decisão rescindenda, não sendo absoluto o conceito de indivisibilidade da
sentença/acórdão (Precedentes: STF - Pleno, AR. 1.699 - AgRg, rel. Min. Marco Aurélio, j.
23.06.2005; negaram provimento, v.u., DJU 9.9.05, p. 34).
X - Dado o histórico contributivo da ora ré, consoante demonstrado, é de se projetar o valor de
um salário mínimo para efeito de fixação da renda mensal inicial de seu benefício por
incapacidade (NB 549.090.827 - 7).
XI - Ante a sucumbência recíproca, cada litigante deverá arcar com as suas respectivas
despesas, nos termos do art. 86 do CPC, arbitrados os honorários advocatícios no importe de
R$ 1.000,00 (um mil reais) para cada um. Tendo em vista que a parte ré é beneficiária da
assistência judiciária gratuita, há que se observar o preceituado no art. 98, §3º, do CPC.
XII - Ação rescisória cujo pedido se julga parcialmente procedente. Ação subjacente cujo pedido
se julga parcialmente procedente. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, Prosseguindo no
julgamento, a Terceira Seção, por maioria, decidiu julgar parcialmente procedente o pedido
deduzido na ação rescisória, para desconstituir parcialmente a r. decisão monocrática, com
fundamento no art. 485, V, do CPC/73 e, no juízo rescissorium, julgar parcialmente procedente
o pedido formulado pela ora ré na ação subjacente, a fim de que o valor do benefício de
aposentadoria por invalidez então concedido seja fixado em um salário mínimo, ficando obstado
o levantamento pela ora ré de qualquer valor resultante entre a diferença da renda então
apurada e o montante de um salário mínimo, ficando obstado o levantamento pela ora ré de
qualquer valor resultante entre a diferença da renda então apurada e o montante de um salário
mínimo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
