Processo
AR - AÇÃO RESCISÓRIA / SP
5015965-15.2017.4.03.0000
Relator(a)
Juiz Federal Convocado RODRIGO ZACHARIAS
Órgão Julgador
3ª Seção
Data do Julgamento
03/07/2018
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 13/07/2018
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ OU BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. FALTA DE PRONUNCIAMENTO DO JULGADO
QUANTO AO PEDIDO SUBSIDIÁRIO. VIOLAÇÃO LITERAL À DISPOSIÇÃO DE LEI.
OCORRÊNCIA. ADEQUAÇÃO DO JULGADO. ACÃO RESCISÓRIA PROCEDENTE. JUÍZO
RESCISÓRIO. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGALMENTE EXIGIDOS.
HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO CONFIGURADA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE AMPARO
SOCIAL AO DEFICIENTE.
- O objeto desta ação restringe-se à violação de lei, ante a ausência de manifestação por parte do
julgado questionado acerca do pedido subsidiário.
- O julgado rescindendo deixou de se pronunciar acerca do preenchimento dos requisitos
necessários à concessão do benefício assistencial, matéria que havia sido arguida pela parte
autora tanto na inicial como no recurso de apelação e cujo exame se impunha a partir do
momento em que houve o provimento do agravo e o consequente indeferimento do pedido de
aposentadoria por invalidez, com o que incorreu em afronta à legislação processual civil.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Tendo o r. julgado rescindendo se pronunciado, tão somente, acerca da ausência dos
pressupostos legalmente exigidos para a concessão da aposentadoria por invalidez, sem nada
dispor sobre o pedido subsidiário de benefício assistencial, restou evidenciado julgamento citra
petita, na medida em que não houve exame de todas as questões submetidas ao Tribunal. Trata
de caso de rescisão do v. acórdão, nos termos estabelecidos pelo artigo 966, V, do Código de
Processo Civil, em razão da violação literal à legislação processual civil, especialmente aos
dispositivos que consagram o princípio da correlação.
- Em juízo rescisório, o benefício assistencial de prestação continuada está previsto no artigo 20
da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011. Essa
lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo
20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante
portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a miserabilidade ou a
hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida
por sua família.
- Quanto ao requisito da deficiência, restou caracterizado diante do teor do laudo médico,
devendo ser considerada pessoa com deficiência à luz do artigo 20, § 2º, da LOAS.
- Mas, no tocante à hipossuficiência econômica, o estudo social, bastante sucinto, revela que não
está patenteado. A autora residia, à época, com o marido, dois filhos maiores de idade e um neto,
do qual detinha a guarda e responsabilidade. É mãe de outros dois filhos maiores residentes em
outra cidade. O esposo, caminhoneiro, realizava fretes com caminhão Mercedes Benz ano 1979 e
declarou renda no valor de 900,00 aproximadamente. Os filhos da autora trabalhavam, sendo que
cada um recebia um salário mínimo. O neto da requerente, que contava 8 (oito) anos na ocasião,
era beneficiário de pensão alimentícia no valor mensal de R$ 170,00 (cento e setenta reais), e
apresentava problemas de saúde relacionados à perda de audição, problemas pulmonares
crônicos e dermatite tópica, fazendo uso de medicações continuadas. Viviam em casa alugada,
no valor de R$ 470,00, em região com infraestrutura precária, guarnecida com móveis e
eletrodomésticos básicos. Consta, ainda, que a autora possui mais dois filhos, que moravam em
Mato Grosso, embora, segundo ela, não contribuíam com sua manutenção. Tratava-se, pois, de
renda mensal per capita superior a meio salário mínimo.
- Recentemente, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao
analisar um pedido de uniformização do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fixou a
tese que “o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar
demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua
manutenção”. A decisão aconteceu durante sessão realizada em 23/2/17, em Brasília.
- A técnica de proteção social prioritária no caso é a família, em cumprimento ao disposto no
artigo 229 da Constituição Federal, in verbis: "Art. 229 - Os pais têm o dever de assistir, criar e
educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice,
carência ou enfermidade."
- Forçoso concluir pelo não preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício
de prestação continuada, previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93 e regulamentado pelos Decretos
n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
- Ação rescisória procedente. Pedido subjacente de benefício assistencial improcedente.
- Sem condenação do requerido em honorários advocatícios, por não ter ele oposto resistência ao
acolhimento do pedido rescindente.
Acórdao
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5015965-15.2017.4.03.0000
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
AUTOR: JESUINA MARIA DOS SANTOS CUSTODIO
Advogado do(a) AUTOR: LUZIA GUERRA DE OLIVEIRA RODRIGUES GOMES - SP1115770A
RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5015965-15.2017.4.03.0000
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
AUTOR: JESUINA MARIA DOS SANTOS CUSTODIO
Advogado do(a) AUTOR: LUZIA GUERRA DE OLIVEIRA RODRIGUES GOMES - SP111577
RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Trata-se de ação rescisória proposta por
Jesuína Maria dos Santos em face do INSS, para, com fundamento no artigo 966, V, do Código
de Processo Civil, desconstituir o julgado que, ao dar provimento ao agravo interno, julgou
improcedente o pedido de concessão de aposentadoria por invalidez.
Argumenta ter a decisão rescindenda incorrido em violação de lei, por tratar-se de julgamento
citra petita, que deixou de se pronunciar sobre o pedido alternativo de concessão de benefício de
amparo social ao deficiente.
Pretende a rescisão do julgado nessa parte e, em consequência, a adequação do provimento,
com “novo julgamento do Recuso de Agravo Interno”.
Deferidos os benefícios da justiça gratuita (Id. 1380756).
Citado, o INSS apresentou contestação na qual admite a ausência de pronunciamento do
Tribunal em relação ao pedido subsidiário de benefício de prestação continuada. Requer,
contudo, não seja condenado ao pagamento de honorários advocatícios, uma vez que não deu
causa à presente rescisória.
A produção de outras provas foi dispensada, por se tratar de matéria unicamente de direito e por
estarem presentes os elementos necessários ao exame desta rescisória.
O INSS, em razões finais, reiterou os termos da contestação e a parte autora deixou transcorrer
in albis o prazo para suas alegações finais.
Encaminhados os autos ao DD. Órgão do Ministério Público Federal, este opinou pela
procedência do pedido formulado nesta rescisória (Id. 1649818).
É o relatório.
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5015965-15.2017.4.03.0000
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
AUTOR: JESUINA MARIA DOS SANTOS CUSTODIO
Advogado do(a) AUTOR: LUZIA GUERRA DE OLIVEIRA RODRIGUES GOMES - SP111577
RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
V O T O
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Pretende a autora, em conformidade
com o art. 966, inciso V, do Código de Processo Civil, a rescisão do julgado que, ao reformar a
decisão monocrática que concedeu a aposentadoria por invalidez, indeferindo o benefício
previdenciário, deixou de prosseguir no julgamento do pedido subsidiário de benefício assistencial
.
A ação rescisória é o remédio processual (art. 966 do CPC) do qual a parte dispõe para invalidar
sentença de mérito transitada em julgado, dotada de eficácia imutável e indiscutível (art. 502 do
CPC).
Nessas condições, o que ficou decidido vincula os litigantes. A ação rescisória autoriza as partes
a apontarem imperfeições no julgado; seu objetivo é anular ato estatal com força de lei entre as
partes.
Vale assinalar que o biênio à propositura da ação não restou excedido, porquanto o ajuizamento
desta rescisória deu-se em 30/8/2017 e o trânsito em julgado do decisum, em 18/8/2017.
A questão demanda análise da alegada violação de lei.
Sobre a violação de lei, ensina Flávio Luiz Yarshell:
"Tratando-se de error in iudicando ainda paira incerteza acerca da interpretação que se deve dar
ao dispositivo legal. Quando este fala em violação a "literal" disposição de lei, em primeiro lugar,
há que se entender que está, aí, reafirmando o caráter excepcional da ação rescisória, que não
se presta simplesmente a corrigir injustiça da decisão, tampouco se revelando simples abertura
de uma nova instância recursal, ainda que de direito. Contudo, exigir-se que a rescisória caiba
dentro de tais estreitos limites não significa dizer que a interpretação que se deva dar ao
dispositivo violado seja literal, porque isso, para além dos limites desse excepcional remédio,
significaria um empobrecimento do próprio sistema, entendido apenas pelo sentido literal de suas
palavras. Daí por que é correto concluir que a lei, nessa hipótese, exige que tenham sido frontal e
diretamente violados o sentido e o propósito da norma". (in:Ação rescisória. São Paulo:
Malheiros, 2005, p.323)
O objeto desta ação rescisória restringe-se à falta de análise do pedido subsidiário de concessão
de benefício assistencial. Registro que os demais termos do julgado não foram impugnados,
restando incólumes.
A autora ingressou com a ação subjacente objetivando a concessão de aposentadoria por
invalidez ou benefício assistencial, pedidos estes julgados improcedentes pelo Juízo de Primeiro
Grau.
Interposto recurso de apelação, no qual foram reiterados os pedidos iniciais, o relator, em
julgamento monocrático, deu-lhe provimento para condenar o INSS a implantar o benefício de
aposentadoria por invalidez em favor da autora.
Por força de agravo interno ofertado pelo Ministério Público Federal, a e. 7ª Turma deste Tribunal
reformou a decisão monocrática e julgou improcedente o pedido de concessão de aposentadoria
por invalidez, ante a ausência de comprovação da qualidade de segurado.
O acórdão foi objeto de embargos de declaração ofertados pela parte autora, que restaram
rejeitados.
Não obstante, o julgado rescindendo deixou de se pronunciar acerca do preenchimento dos
requisitos necessários à concessão do benefício assistencial, matéria que havia sido arguida pela
parte autora tanto na inicial como no recurso de apelação e cujo exame se impunha a partir do
momento em que houve o provimento do agravo e o consequente indeferimento do pedido de
aposentadoria por invalidez, com o que incorreu em afronta à legislação processual civil.
Isso porque, tendo o r. julgado rescindendo se pronunciado, tão somente, acerca da ausência dos
pressupostos legalmente exigidos para a concessão da aposentadoria por invalidez, sem nada
dispor sobre o pedido subsidiário de benefício assistencial, restou evidenciado julgamento citra
petita, na medida em que não houve exame de todas as questões submetidas ao Tribunal.
Nesse sentido, preleciona a doutrina:
"A sentença, enfim, é citra petita quando não examina todas as questões propostas pelas partes.
O réu, por exemplo, se defendeu do pedido reinvindicatório alegando nulidade do título dominial
do autor e prescrição aquisitiva em seu favor. Se o juiz acolher o pedido do autor, mediante
reconhecimento apenas da eficácia do seu título, sem cogitar do usucapião invocado pelo réu,
terá proferido sentença nula, porque citra petita, já que apenas foi solucionada uma duas
questões propostas."
(in Theodoro Júnior, Humberto, Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Direito
Processual Civil e Processo de Conhecimento, Vol. I, 40ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2003,
p.465)
De igual teor, segue o julgado abaixo transcrito:
“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO DOENÇA OU
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. SENTENÇA CITRA PETITA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA.
I- A sentença julgou apenas o pedido de concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio
doença, julgando-os improcedentes, sob o fundamento de ausência de qualidade de segurado e
incapacidade laborativa. Não houve apreciação do pedido de benefício assistencialna sentença,
seja em sua fundamentação ou na parte dispositiva. Portanto, entendo que a sentença de fls.
142/144 não observou o princípio da congruência entre o pedido e a sentença, uma vez que não
julgou integralmente o pedido formulado na petição inicial, caracterizando-se, desta forma,
julgamento citra petita.
II- Conforme dispõe o artigo 141 do Código de Processo Civil/2015, o juiz decidirá a lide nos
limites propostos pelas partes. Igualmente, o artigo 492 do mesmo diploma legal trata da
correlação entre o pedido e a sentença. Assim sendo, caracterizada a hipótese de julgado citra
petita, a teor do disposto nos artigos 141, 282 e 492 do CPC/2015, declaro a nulidade da
sentença, determinando o retorno dos autos à Vara de Origem para que se dê regular
processamento ao feito, com a produção do estudo social.
III- Conforme o disposto nos arts. 178 e 279 do CPC e art. 31 da Lei n.º 8.742/93, em casos como
este, no qual se pretende a concessão do benefício previsto no art. 203, V, da Constituição
Federal e Lei n.º 8.742/93, mister se faz a intimação do Ministério Público, sob pena de se
fulminar o processo com nulidade absoluta.
IV- Apelação parcialmente provida. Sentença anulada.”
(Apelação Cível nº 0020173-06.2017.4.03.9999/SP, Rel. Des. Fed. Newton de Lucca, 8ª Turma,
TRF3, publ. 09/11/2017).
Cabe ainda ressaltar que a jurisprudência tem admitido “possível o ajuizamento de ação
rescisória pra desconstituir sentença citra petita, com fundamento no art. 485, V, do Código de
Processo Civil.” (STJ – Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, AR 687/SE, DJe 29/05/2008.
Como corolário, o julgado rescindendo, ao deixar de se pronunciar sobre um dos pedidos
formulados, incorreu em vício, que tem na ação rescisória a via adequada para impugná-lo.
À vista do exposto, infere-se que se trata de caso de rescisão do v. acórdão, nos termos
estabelecidos pelo artigo 966, V, do Código de Processo Civil, em razão da violação literal à
legislação processual civil, especialmente aos dispositivos que consagram o princípio da
correlação.
Tecidas essas considerações, passo ao juízo rescisório.
Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de
prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos
Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a
miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção
nem de tê-la provida por sua família.
DA HIPOSSUFICIÊNCIA OU MISERABILIDADE
O critério da miserabilidade do § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93 não impede o julgador de levar
em conta outros dados, a fim de identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente,
principalmente quando estiverem presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais
com medicamentos ou com educação. Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de
situação de pobreza - entendida como a de falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial -,
a fim de se concluir por devida a prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente
prevista.
Logo, a presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a
possibilidade de comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova,
conforme precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 435.871, 5ª Turma Rel. Min.
Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT., Rel. Min. Gilson
Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel. Min. Edson Vidigal,
DJU 21/2/2000, p. 163).
O próprio Supremo Tribunal Federal recentemente reviu seu posicionamento ao reconhecer que o
requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo (STF, RE n.
580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013).
A decisão concluiu que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode resultar no
indeferimento da prestação assistencial em casos que, embora o limite legal de renda per capita
seja ultrapassado, evidenciam um quadro de notória hipossuficiência econômica.
Essa insuficiência da regra decorre não só das modificações fáticas (políticas, econômicas e
sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição da
Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
A legislação federal recente, por exemplo, reiterada pela adoção de vários programas
assistenciais voltados a famílias carentes, considera pobres aqueles com renda mensal per capita
de até meio salário-mínimo (nesse sentido, a Lei n. 9.533, de 10/12/97 - regulamentada pelos
Decretos n. 2.609/98 e 2.728/99; as Portarias n. 458 e 879, de 3/12/2001, da Secretaria da
Assistência Social; o Decreto n. 4.102/2002; a Lei n. 10.689/2003, criadora do Programa Nacional
de Acesso à Alimentação).
Ressalte-se que o critério do meio salário mínimo foi estabelecido para outros benefícios diversos
do amparo social. Assim, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93 como absoluto e único para a aferição da situação de miserabilidade, até porque o
próprio Estado Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima
citada.
Vale dizer, não se pode tomar como "taxativo" o critério do artigo 20, § 3º, da LOAS, mesmo
porque toda regra jurídica deve pautar-se na realidade fática. Entendo pessoalmente que, em
todos os casos, outras circunstâncias devem ser levadas em conta, mormente se o patrimônio do
requerente também se subsume à noção de hipossuficiência, devendo ser apurado se vive em
casa própria, com ou sem ar condicionado, se possui veículo, telefones celulares, auxílio
permanente de parentes ou terceiros etc.
Sendo assim, pode-se estabelecer alguns parâmetros norteadores da análise individual de cada
caso, como por exemplo:
a) todos os que recebem renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo são miseráveis;
b) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ¼ e inferior a ½ salário mínimo
são miseráveis;
c) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ½ salário mínimo deixam de ser
miseráveis;
d) todos que perceberem renda mensal familiar superior a um salário mínimo (artigo 7º, IV, da
Constituição Federal) não são miseráveis.
Vamos adiante.
Para se apurar se a renda per capita do requerente atinge, ou não, o âmbito da hipossuficiência,
faz-se mister abordar o conceito de família.
O artigo 20 da Lei n. 8.742/93 estabelecia, ainda, para efeitos da concessão do benefício, os
conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/91, desde que vivendo sob o
mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada para a vida
independente e para o trabalho - § 2º) e de família incapacitada de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela com renda mensal per capita inferior a um
quarto do salário mínimo - § 3º).
A Lei n. 12.435, vigente desde 7/7/2011, alterou os §§ 1º e 2º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93,
estabelecendo que a família, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ser aquela
composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a
madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Na hipótese de postulante idoso, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67
(sessenta e sete) anos pela Lei n. 9.720/98, a partir de 1º de janeiro de 1998, e, mais
recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso (Lei
n. 10.741/03).
No que se refere ao conceito de pessoa portadora de deficiência - previsto no § 2º da Lei n.
8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 13.146/2015 -, passou a ser considerada aquela com
impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas.
Assim, ratificou-se o entendimento consolidado nesta Corte de que o rol previsto no artigo 4º do
Decreto n. 3.298/99 (regulamentar da Lei n. 7.853/89, que dispõe sobre a Política Nacional da
Pessoa Portadora de Deficiência) não era exaustivo; portanto, constatado que os males sofridos
pelo postulante impedem sua inserção social, restará preenchido um dos requisitos exigidos para
a percepção do benefício.
Menciona-se também o conceito apresentado pela ONU, elaborado por meio da Resolução n.°
XXX/3.447, que conforma a Declaração, em 09/12/1975, in verbis:
"1. O termo 'pessoa deficiente' refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar a si mesma,
total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência
de uma deficiência, congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais".
Esse conceito dá maior ênfase à necessidade, inclusive da vida individual, ao passo que o
conceito proposto por Luiz Alberto David Araujo prioriza a questão da integração social, como se
verá.
Nair Lemos Gonçalves apresentou os principais requisitos para sua definição: "desvio acentuado
dos mencionados padrões médios e sua relação com o desenvolvimento físico, mental, sensorial
ou emocional, considerados esses aspectos do desenvolvimento separada, combinada ou
globalmente" (Verbete Excepcionais. In: Enciclopédia Saraiva de Direito, n. XXXIV. São Paulo:
Saraiva, 1999).
Luiz Alberto David Araujo, por sua vez, compilou muitos significados da palavra deficiente,
extraídos dos dicionários de Língua Portuguesa. Observa ele que, geralmente, os dicionários
trazem a ideia de que a pessoa deficiente sofre de falta, de carência ou de falha.
Esse autor critica essas noções porque a ideia de deficiência não se apresenta tão simples, à
medida que as noções de falta, de carência ou de falha não abrangem todas as situações de
deficiência, como, por exemplo, o caso dos superdotados, ou de um portador do vírus HIV que
consiga levar a vida normal, sem manifestação da doença, ou ainda de um trabalhador intelectual
que tenha um dedo amputado.
Por ser a noção de falta, carência ou falha insuficiente à caracterização da deficiência, Luiz
Alberto David Araujo propõe um norte mais seguro para se identificar a pessoa protegida, cujo
fator determinante do enquadramento, ou não, no conceito de pessoa portadora de deficiência,
seja o meio social:
"O indivíduo portador de deficiência, quer por falta, quer por excesso sensorial ou motor, deve
apresentar dificuldades para seu relacionamento social. O que define a pessoa portadora de
deficiência não é falta de um membro nem a visão ou audição reduzidas. O que caracteriza a
pessoa portadora de deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O
grau de dificuldade para a sua integração social é o que definirá quem é ou não portador de
deficiência". (A Proteção Constitucional das Pessoas Portadoras de Deficiência. Brasília:
Ministério da Justiça, 1997, p. 18-22).
E quanto mais complexo o meio social, maior rigor se exigirá da pessoa portadora de deficiência
para sua adaptação social. De outra parte, na vida em comunidades mais simples, como nos
meios agrícolas, a pessoa portadora de deficiência poderá integrar-se com mais facilidade.
Desse modo, o conceito de Luiz Alberto David Araujo é adequado e de acordo com a norma
constitucional, motivo pelo qual é possível seu acolhimento para a caracterização desse grupo de
pessoas protegidas nas várias situações reguladas na Constituição Federal, nos arts. 7o, XXXI,
23, II, 24, XIV, 37, VIII, 203, V e 208, III.
Mas é preciso delimitar a proteção constitucional apenas àquelas pessoas que realmente dela
necessitam, porquanto existem graus de deficiência que apresentam menores dificuldades de
adaptação à pessoa. E tal verificação somente poderá ser feita diante de um caso concreto.
Luiz Alberto David Araujo salienta que os casos-limite podem, desde logo, ser excluídos, como o
exemplo do bibliotecário que perde um dedo ou do operário que perde um artelho; em ambos os
casos, ambos continuam integrados socialmente. Ou ainda pequenas manifestações de retardo
mental (deficiência mental leve) podem passar despercebidas em comunidades simples, pois tal
pessoa poderá "não encontrar problemas de adaptação a sua realidade social (escola, trabalho,
família)", de maneira que não se pode afirmar que tal pessoa deverá receber proteção, "tal como
aquele que sofre restrições sérias em seu meio social" (obra citada, páginas 42/43).
"A questão, assim, não se resolve sob o ângulo da deficiência, mas, sim sob o prisma da
integração social. Há pessoas portadoras de deficiência que não encontram qualquer problema
de adaptação no meio social. Dentro de uma comunidade de doentes, isolados por qualquer
motivo, a pessoa portadora de deficiência não encontra qualquer outro problema de integração,
pois todos têm o mesmo tipo de dificuldade" (obra citada, p. 43).
Enfim, a constatação da existência de graus de deficiência é de fundamental importância para
identificar aqueles que receberão a proteção social prevista no art. 203, V, da Constituição
Federal.
Feitas essas considerações, torna-se possível inferir que não será qualquer pessoa portadora de
deficiência que se subsumirá no molde jurídico protetor da Assistência Social.
Noutro passo, o conceito de pessoa portadora de deficiência, para fins do benefício de amparo
social, foi tipificado no artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, que em sua redação original assim
dispunha:
"§ 2º - Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho."
Como se vê, pressupunha-se que o deficiente era aquele que: a) tinha necessidade de trabalhar,
mas não podia, por conta da deficiência; b) estava também incapacitado para a vida
independente. Ou seja, o benefício era devido a quem deveria trabalhar, mas não poderia e, além
disso, não tinha capacidade para uma vida independente sem a ajuda de terceiros.
Lícito é concluir que, tais quais os benefícios previdenciários, o benefício de amparo social,
enquanto em vigor a redação original do artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, era substitutivo do
salário. Isto é, era reservado aos que tinham a possibilidade jurídica de trabalhar, mas não tinham
a possibilidade física ou mental para tanto.
Mas a redação original do artigo 20, § 2º, da LOAS foi alterada pelo Congresso Nacional,
exatamente porque sua dicção gerava um sem número de controvérsias interpretativas na
jurisprudência.
A Lei n º 12.435/2011 deu nova redação ao § 2º do artigo 20 da LOAS, que esculpe o perfil da
pessoa com deficiência para fins assistenciais, da seguinte forma:
"§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se: (Redação dada pela Lei nº 12.435,
de 2011)
I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas;
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Com a novel legislação, o benefício continuou sendo destinado àqueles deficientes que: a) tinha
necessidade de trabalhar, mas não podia, por conta de limitações físicas ou mentais; b) estava
também incapacitado para a vida independente.
Todavia, o legislador, não satisfeito, novamente alterou a redação do artigo 20, § 2º, da Lei nº
8.742/93, e o conceito de pessoa com deficiência foi uma vez mais alterado, pela Lei nº
12.470/2011, passando a ter a seguinte dicção:
"§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que
tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
Nota-se que, com o advento desta novel lei, dispensou-se a menção à incapacidade para o
trabalho ou à incapacidade para a vida independente, como requisito à concessão do benefício
assistencial.
Destarte, tal circunstância (a entrada em vigor de nova lei) deve ser levada em conta neste
julgamento, ex vi o artigo 462 do CPC/73 e 493 do NCPC.
Finalmente, a Lei nº 13.146/2015, que "institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência", com início de vigência em 02/01/2016, novamente alterou a redação do artigo 20, §
2º, da LOAS, in verbis:
"§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
Reafirma-se, assim, que o foco, doravante, para fins de identificação da pessoa com deficiência,
passa a ser a existência de impedimentos de longo prazo, apenas e tão somente, tornando-se
despicienda a referência à necessidade de trabalho.
SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
Resta consignar que a Assistência Social, tal como regulada na Constituição Federal e na Lei nº
8.742/93, tem caráter subsidiário em relação às demais técnicas de proteção social (previdência
social, previdência privada, caridade, família, poupança etc), dada a gratuidade de suas
prestações.
Com efeito, levando-se em conta o alto custo do pretendido "Estado de bem-estar social", forjado
no Brasil pela Constituição Federal de 1988 quando a grande maioria dos países europeus já
haviam reconhecido sua inviabilidade financeira, lícito é inferir que só deve ser prestada em casos
de real necessidade, dentro das estritas regras do direito material, sob pena de comprometer a
mesma proteção social não apenas das futuras gerações, mas também da atual.
De fato, o benefício previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal tem o valor de 1 (um)
salário mínimo, ou seja, a mesma quantia paga a milhões de brasileiros que se aposentaram no
Regime Geral de Previdência Social mediante o pagamento de contribuições, durante vários
anos.
De modo que a assistência social deve ser fornecida com critério, pois do contrário se gerarão
privilégios e desigualdades, em oposição à própria natureza dos direitos sociais que é a de
propiciar igualdade, isonomia de condições a todos.
Diga-se de passagem que a concessão indiscriminada do benefício assistencial geraria não
apenas injustiça aos contribuintes da previdência social, mas incentivo para que estes parem de
contribuir, ou mesmo não se filiem ou não contribuam, o que constitui situação anômala e
gravíssima do ponto de vista atuarial.
No mais, não deve o Estado substituir a sociedade em situações onde esta consegue, ela própria,
mediante esforço, resolver suas pendências, sob pena de se construir uma sociedade cada vez
mais dependente das prestações do Estado e incapaz de construir um futuro social e
economicamente viável para si própria.
Nesse diapasão, a proteção social baseada na solidariedade legal não tem como finalidade cobrir
contingências encontradas somente na letra da lei (dever-ser) e não no mundo dos fatos (ser).
Cabe, em casos que tais, à sociedade (solidariedade social) prestar na medida do possível
assistência aos próximos.
Pertinente, in casu, o ensinamento do professor de direito previdenciário Wagner Balera, quando
pondera a respeito da dimensão do princípio da subsidiariedade: "O Estado é, sobretudo, o
guardião dos direitos e garantias dos indivíduos. Cumpre-lhe, assinala Leão XIII, agir em favor
dos fracos e dos indigentes exigindo que sejam, por todos respeitados os direitos dos pequenos.
Mas, segundo o princípio da subsidiariedade - que é noção fundamental para a compreensão do
conteúdo da doutrina social cristã - o Estado não deve sobrepor-se aos indivíduos e aos grupos
sociais na condução do interesse coletivo. Há de se configurar uma permanente simbiose entre o
Estado e a sociedade, de tal sorte que ao primeiro não cabe destruir, nem muito menos exaurir a
dinâmica da vida social I (é o magistério de Pio XI, na Encíclica comemorativa dos quarenta anos
da 'Rerum Novarum', a 'Quadragésimo Anno', pontos 79-80)." (Centenárias Situações e Novidade
da 'Rerum Novarum', p. 545).
Por fim, quanto a esse tópico, lícito é inferir que quem está coberto pela previdência social está,
em regra, fora da abrangência da assistência social. Nesse sentido, prelecionou Celso Bastos, in
verbis: "A assistência Social tem como propósito satisfazer as necessidades de pessoas que não
podem gozar dos benefícios previdenciários, mas o faz de uma maneira comedida, para não
incentivar seus assistidos à ociosidade. Concluímos, portanto, que os beneficiários da previdência
social estão automaticamente excluídos da assistência social. O benefício da assistência social,
frise-se, não pode ser cumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade
social ou de outro regime, salvo o de assistência médica" (Celso Bastos e Ives Gandra Martins, in
Comentários à Constituição do Brasil, 8o Vol., Saraiva, 2000, p. 429).
CASO CONCRETO
Quanto ao requisito subjetivo, consta que a autora sofre de processo degenerativos importantes
em coluna cervical e lombossacra que a impedem de trabalhar.
De acordo com o laudo da perícia judicial, realizada em 25/09/2012, há incapacidade total e
permanente há 5 (cinco) anos (Id. 2666785).
Amolda-se, tal situação, à regra do artigo 20, § 2º, da LOAS, pois há limitações sérias à
participação em sociedade.
Quanto à hipossuficiência econômica, o estudo social revela que a autora, nascida em 1957,
iniciou suas atividades laborativas como trabalhadora rural e, após a maioridade trabalhou em
fábricas e como costureira autônoma.
Ela residia, à época, com o marido, dois filhos maiores de idade e um neto, do qual detinha a
guarda e responsabilidade. É mãe de outros dois filhos maiores residentes em outra cidade.
O esposo, caminhoneiro, realizava fretes com caminhão Mercedes Benz ano 1979 e declarou
renda no valor de 900,00 aproximadamente.
Os filhos da autora trabalhavam, sendo que cada um recebia um salário mínimo.
O neto da requerente, que contava 8 (oito) anos na ocasião, era beneficiário de pensão
alimentícia no valor mensal de R$ 170,00 (cento e setenta reais), e apresentava problemas de
saúde relacionados à perda de audição, problemas pulmonares crônicos e dermatite tópica,
fazendo uso de medicações continuadas.
Viviam em casa alugada, no valor de R$ 470,00, em região com infraestrutura precária,
guarnecida com móveis e eletrodomésticos básicos.
Tratava-se de renda mensal per capita superior a meio salário mínimo.
Não se olvide, ademais, que a autora possui mais dois filhos, que moravam em Mato Grosso,
embora, segundo ela, não contribuíam com sua manutenção.
Ora, o dever de sustento dos filhos não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o
próprio artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o
sustento não poder ser provido pela família.
Logo, os artigos 203, V e 229 do Texto Magno devem ser levadas em conta na apuração da
miserabilidade, não podendo o artigo 20, § 3º, da LOAS ser interpretado de forma isolada, como
se não houvesse normas constitucionais regulando a questão.
Assim, no caso, a técnica de proteção social prioritária no caso é a família, em cumprimento ao
disposto no artigo 229 da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 229 - Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores
têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade."
Sendo assim, o sustento da autora deve ser provido por sua família (artigo 203, V, da
Constituição Federal), que tem obrigação primária de auxílio.
Vide, no mais, o capítulo anterior deste julgado, sob a rubrica “SUBSIDIARIEDADE DA
ASSISTÊNCIA SOCIAL”.
A propósito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao
analisar um pedido de uniformização do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fixou a
tese que “o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar
demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua
manutenção”. A decisão aconteceu durante sessão realizada em 23/02/2017, em Brasília (autos
nº 0517397-48.2012.4.05.8300).
Com efeito, não cabe ao Estado substituir as pessoas em suas respectivas obrigações legais,
mesmo porque os direitos sociais devem ser interpretados do ponto de vista da sociedade, não
do indivíduo.
Em decorrência, forçoso e concluir pelo não preenchimento dos requisitos necessários à
concessão do benefício de prestação continuada, previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93 e
regulamentado pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado nesta ação rescisória, para, em juízo
rescindendo, desconstituir parcialmente o v. julgado neste específico aspecto impugnado e, em
juízo rescisório, julgo improcedente o pedido de concessão de amparo social ao deficiente.
Não tendo o requerido oposto resistência ao pedido, deixo de condená-lo ao pagamento dos
honorários advocatícios.
Oficie-se ao D. Juízo de origem.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ OU BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. FALTA DE PRONUNCIAMENTO DO JULGADO
QUANTO AO PEDIDO SUBSIDIÁRIO. VIOLAÇÃO LITERAL À DISPOSIÇÃO DE LEI.
OCORRÊNCIA. ADEQUAÇÃO DO JULGADO. ACÃO RESCISÓRIA PROCEDENTE. JUÍZO
RESCISÓRIO. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGALMENTE EXIGIDOS.
HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO CONFIGURADA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE AMPARO
SOCIAL AO DEFICIENTE.
- O objeto desta ação restringe-se à violação de lei, ante a ausência de manifestação por parte do
julgado questionado acerca do pedido subsidiário.
- O julgado rescindendo deixou de se pronunciar acerca do preenchimento dos requisitos
necessários à concessão do benefício assistencial, matéria que havia sido arguida pela parte
autora tanto na inicial como no recurso de apelação e cujo exame se impunha a partir do
momento em que houve o provimento do agravo e o consequente indeferimento do pedido de
aposentadoria por invalidez, com o que incorreu em afronta à legislação processual civil.
- Tendo o r. julgado rescindendo se pronunciado, tão somente, acerca da ausência dos
pressupostos legalmente exigidos para a concessão da aposentadoria por invalidez, sem nada
dispor sobre o pedido subsidiário de benefício assistencial, restou evidenciado julgamento citra
petita, na medida em que não houve exame de todas as questões submetidas ao Tribunal. Trata
de caso de rescisão do v. acórdão, nos termos estabelecidos pelo artigo 966, V, do Código de
Processo Civil, em razão da violação literal à legislação processual civil, especialmente aos
dispositivos que consagram o princípio da correlação.
- Em juízo rescisório, o benefício assistencial de prestação continuada está previsto no artigo 20
da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011. Essa
lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo
20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante
portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a miserabilidade ou a
hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida
por sua família.
- Quanto ao requisito da deficiência, restou caracterizado diante do teor do laudo médico,
devendo ser considerada pessoa com deficiência à luz do artigo 20, § 2º, da LOAS.
- Mas, no tocante à hipossuficiência econômica, o estudo social, bastante sucinto, revela que não
está patenteado. A autora residia, à época, com o marido, dois filhos maiores de idade e um neto,
do qual detinha a guarda e responsabilidade. É mãe de outros dois filhos maiores residentes em
outra cidade. O esposo, caminhoneiro, realizava fretes com caminhão Mercedes Benz ano 1979 e
declarou renda no valor de 900,00 aproximadamente. Os filhos da autora trabalhavam, sendo que
cada um recebia um salário mínimo. O neto da requerente, que contava 8 (oito) anos na ocasião,
era beneficiário de pensão alimentícia no valor mensal de R$ 170,00 (cento e setenta reais), e
apresentava problemas de saúde relacionados à perda de audição, problemas pulmonares
crônicos e dermatite tópica, fazendo uso de medicações continuadas. Viviam em casa alugada,
no valor de R$ 470,00, em região com infraestrutura precária, guarnecida com móveis e
eletrodomésticos básicos. Consta, ainda, que a autora possui mais dois filhos, que moravam em
Mato Grosso, embora, segundo ela, não contribuíam com sua manutenção. Tratava-se, pois, de
renda mensal per capita superior a meio salário mínimo.
- Recentemente, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao
analisar um pedido de uniformização do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fixou a
tese que “o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar
demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua
manutenção”. A decisão aconteceu durante sessão realizada em 23/2/17, em Brasília.
- A técnica de proteção social prioritária no caso é a família, em cumprimento ao disposto no
artigo 229 da Constituição Federal, in verbis: "Art. 229 - Os pais têm o dever de assistir, criar e
educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice,
carência ou enfermidade."
- Forçoso concluir pelo não preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício
de prestação continuada, previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93 e regulamentado pelos Decretos
n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
- Ação rescisória procedente. Pedido subjacente de benefício assistencial improcedente.
- Sem condenação do requerido em honorários advocatícios, por não ter ele oposto resistência ao
acolhimento do pedido rescindente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Seção, por
unanimidade, decidiu julgar procedente o pedido formulado nesta ação rescisória, para, em juízo
rescindendo, desconstituir parcialmente o v. julgado neste específico aspecto impugnado e, em
juízo rescisório, julgar improcedente o pedido, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
