Processo
AR - AÇÃO RESCISÓRIA / SP
5018285-04.2018.4.03.0000
Relator(a)
Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO
Órgão Julgador
3ª Seção
Data do Julgamento
22/11/2019
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 25/11/2019
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. APOSENTADORIA RURAL
POR IDADE. CARÊNCIA DE AÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 343 DO E. STF. PRELIMINAR
REJEITADA. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. APARENTE FORMAÇÃO DE
COISA JULGADA. CABIMENTO. CARTEIRA DE FILIAÇÃO A SINDICATO RURAL. VIOLAÇÃO
AO ART. 55, §3º, DA LEI N. 8.213/91 DECORRENTE DO ERRO DE FATO. APLICAÇÃO DOS
BROCARDOS JURA NOVIT CURIA E DA MIHI FACTUM, DABO TIBI JUS. DEPOIMENTOS
TESTEMUNHAIS FRÁGEIS. VÍNCULOS URBANOS OSTENTADOS PELO MARIDO.
SUPERAÇÃO DO LIMITE DA SUBSISTÊNCIA. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR
DESCARACTERIZADO. NÃO ENQUADRAMENTO À FIGURA DE SEGURADA ESPECIAL.
JUSTIÇA GRATUITA.
I - A preliminar de carência de ação suscitada pelo réu, consistente na incidência da Súmula n.
343 do e. STF, confunde-se com o mérito e com ele será analisada.
II - A r. decisão rescindenda decretou a improcedência do pedido com fundamento na inexistência
de início de prova material do labor rural, deixando, inclusive, de valorar os depoimentos
testemunhais, o que implicaria, a rigor, a extinção do processo, sem resolução do mérito,
conforme precedente de recurso especial repetitivo (REsp n. 1352721/SP – TEMA 629; Publ. em
28.04.2016). Todavia, ante a formação de aparente coisa julgada, a dificultar nova propositura da
demanda, é razoável admitir que, nessa situação, seja cabível a ação rescisória. Importante
destacar, ainda, que novel CPC contempla a propositura de ação rescisória de decisão que não
seja de mérito justamente nas hipóteses em que há impedimento de nova propositura da
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
demanda, a teor do art. 966, §2º, I, do CPC.
III - A possibilidade de se eleger mais de uma interpretação à norma regente, em que uma das
vias eleitas viabiliza o devido enquadramento dos fatos à hipótese legal descrita, desautoriza a
propositura da ação rescisória. Tal situação se configura quando há interpretação controvertida
nos tribunais acerca da norma tida como violada. Nesse diapasão, o E. STF editou a Súmula n.
343.
IV - A r. decisão rescindenda, sopesando as provas constantes dos autos, concluiu que a autora
não poderia se valer dos documentos em nome de seu marido que o ligavam ao trabalho rural,
em face de efetiva comprovação de atividade urbana por ele exercida em período relevante (de
01.08.1996 a 02.1997 e de 01.03.2000 a 06.2013). Destacou, também, que “...o cônjuge recebe
aposentadoria por idade urbana, na condição de comerciário, desde 12.12.2013 (fl. 121). E a
própria requerente apenas possui registros de atividades urbanas em seu CNIS (fls. 100/105), de
11.02.1987 a 09.09.1991...’, não tendo sido considerada a prova testemunhal, ante a incidência
da Súmula n. 149 do E. STJ.
V - A r. decisão rescindenda, embora tenha feito menção à “carteirinha do Sindicato Rural de
Paranaíba”, não se atentou que aludido documento se reportava diretamente à autora, bem como
sua expedição tinha se dado em 29.08.2003, posteriormente ao interregno em que exerceu
atividade urbana e dentro do período de carência exigida, correspondente a 162 meses,
considerado o ano de 2008, em que completou 55 anos de idade, nos termos do art. 143 da Lei n.
8.213/91.
VI - É pacífica a jurisprudência no sentido de que a carteira de filiação a sindicato rural constitui
início de prova material da atividade rurícola. Precedentes do e. STJ.
VII - Malgrado se possa vislumbrar ofensa ao artigo 55, §3º, da Lei n. 8.213/91, na medida em
que a r. decisão rescindenda não levou em conta documento reputado como início de prova
material do labor rural, pode-se inferir que tal afronta derivou de verdadeiro erro de fato, previsto
no art. 966, inciso VIII, do CPC, pois foi considerado inexistente fato efetivamente ocorrido, não
havendo pronunciamento jurisdicional sobre o tema.
VIII - Em que pese a demandante tivesse indicado como fundamento da presente rescisória o
inciso V do art. 966 do CPC, exsurge do exame dos autos a ocorrência de erro de fato, sendo
aplicável às ações rescisórias os brocardos jura novit curia e da mihi factum, dabo tibi jus. Assim
sendo, é de se concluir que causa de pedir alberga a hipótese de rescisão do julgado prevista no
inciso VIII do art. 966 do CPC, impondo-se ao órgão julgador o conhecimento da referida matéria,
não havendo que se falar em julgamento extra petita.
IX - A carteira de filiação ao Sindicato Rural de Paranaíba em nome da autora, datada de
29.08.2003, constitui início de prova material de sua condição de segurada especial, possuindo
aptidão para comprovar a atividade rurícola pelo período correspondente à carência exigida,
desde que corroborada por idônea prova testemunhal.
X - Relativamente ao trabalhador rural sob regime de economia familiar, o legislador teve por
escopo dar proteção àqueles que, não qualificados como empregados, desenvolvem atividades
primárias, sem nenhuma base organizacional e sem escala de produção, em que buscam, tão-
somente, obter aquele mínimo de bens materiais necessários à sobrevivência.
XI - As testemunhas ouvidas em Juízo afirmaram que a autora auxiliava o seu cônjuge na faina
campesina, porém não souberam detalhar as atividades por ela desenvolvidas, além do que não
tinham pleno conhecimento do labor urbano empreendido pelo marido. Nessa linha, destaca-se o
depoimento da testemunha Martinho Mello de Oliveira, que após ser lembrado pelo magistrado
dos vínculos empregatícios do cônjuge, admitiu que ele trabalhava em um supermercado,
assinalando que o casal se dedicava à lida rural nos fins de semana e feriados.
XII - Do exame do extrato do CNIS acostado aos autos, verifica-se que o marido da autora, o Sr.
Antônio Lima dos Santos, ostenta vínculos empregatícios com o “Supermercado Santana Ltda”
nos períodos de 01.08.1996 a 28.02.1997 e de 01.03.2000 a 15.05.2008, e com “Mara Regina
M.P. Lima – ME” no interregno de 01.12.2008 a 06.2013. Por outro lado, não se olvide de julgado
do e. STJ, em sede de recurso especial repetitivo (REsp n. 1304479/SP; j. 10.10.2012; DJe
19.12.2012), que firmou tese jurídica no sentido de que “...O trabalho urbano de um dos membros
do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais,
devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo
familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ)...”.
XIII - Verifica-se dos autos que o cônjuge da autora auferiu renda contínua superior a um salário
mínimo por tempo relevante (mais de 08 anos) dentro do período de carência, de modo a
evidenciar a superação do limite de subsistência.
XIV - Da análise de todo conjunto probatório, depreende-se ser verossímil a ocorrência de
exploração agropecuária do imóvel do casal, contudo a participação da autora não se deu de
forma habitual, além do que não restou caracterizado o regime de economia familiar. Em síntese,
não se amoldando a situação fática ao conceito de regime de economia familiar, fica ilidida a
condição de segurado especial da demandante, e não havendo comprovação do recolhimento de
contribuições previdenciárias respectivas, em face de sua condição de contribuinte individual, na
forma prevista no art. 11, inciso V, 'a', da Lei n. 8.213/91, é de rigor a improcedência do pedido.
XV - Honorários advocatícios arbitrados em R$ 1.000,00 (um mil reais), ficando sua exigibilidade
suspensa, nos termos do art. 98, §§2º e 3º, do CPC.
XVI - Matéria preliminar rejeitada. Ação rescisória cujo pedido se julga procedente. Ação
subjacente cujo pedido se julga improcedente.
Acórdao
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5018285-04.2018.4.03.0000
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
AUTOR: BENTA BATISTA DOS SANTOS
Advogados do(a) AUTOR: LIDIANE FERNANDA ROSSIN MUNHOZ - SP325888-N, RONALDO
CARRILHO DA SILVA - SP169692-A, JULIO CESAR CAMPANHOLO JUNIOR - SP374140-N
RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5018285-04.2018.4.03.0000
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
AUTOR: BENTA BATISTA DOS SANTOS
Advogados do(a) AUTOR: LIDIANE FERNANDA ROSSIN MUNHOZ - SP325888-N, RONALDO
CARRILHO DA SILVA - SP169692-A, JULIO CESAR CAMPANHOLO JUNIOR - SP374140-N
RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Senhor Desembargador Federal Sérgio Nascimento (Relator): Cuida-se de ação
rescisória, sem pedido de tutela provisória de urgência, intentada com fulcro no art. 966, inciso V
(violar manifestamente norma jurídica), do CPC, por BENTA BATISTA DOS SANTOS em face do
Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, visando desconstituir v. acórdão proferido pela 7ª
Turma, que negou provimento à apelação interposta pela parte autora, mantendo a r. sentença
recorrida, que julgou improcedente o pedido de concessão do benefício de aposentadoria rural
por idade. A r. decisão rescindenda transitou em julgado em 20.10.2017 (id 3793627 – pág. 14), e
o presente feito foi ajuizado em 02.08.2018.
Sustenta a autora, em síntese, que ajuizou ação previdenciária objetivando a concessão de
aposentadoria rural por idade, tendo o pedido sido julgado improcedente na Primeira Instância;
que interposto recurso de apelação, este Tribunal confirmou a r. sentença, mantendo o
indeferimento do pedido de concessão do benefício em comento; que a documentação acostada
aos autos originários, assim como os depoimentos testemunhais, demonstram o exercício de
atividade rurícola; que foi juntada cópia da Carteira do Sindicato Rural de Paranaíba/MS, emitida
em seu nome, no ano de 2003, comprovando a sua condição de rurícola; que o fato de um dos
cônjuges trabalhar na atividade urbana não desqualifica o outro como trabalhador rural; que é
segurado especial da Previdência Social, conforme o art. 11, inciso VII, da Lei nº 8.213/91, o que
a isenta de eventuais contribuições previdenciárias e período de carência; que restaram violados
os artigos 48, §2º, e 143, ambos da Lei n. 8.213/91. Requer, por fim, seja desconstituído o v.
acórdão rescindendo proferido nos autos da AC n. 2007.03.99.011057-0 e, em novo julgamento,
seja julgado procedente o pedido da ação subjacente, para que o INSS seja condenado a
conceder-lhe o benefício de aposentadoria rural por idade, desde o indeferimento administrativo
(07.07.2014).
Pelo despacho id 3860374 – pág. 1, foram deferidos os benefícios da assistência judiciária
gratuita.
Devidamente citado, o INSS ofertou contestação, arguindo, preliminarmente, a ocorrência de
carência de ação, ante a incidência da Súmula n. 343 do E. STF. No mérito, sustenta que não há
falar-se em violação manifesta à norma jurídica, uma vez que a autora exerceu atividades
urbanas sempre ligadas a empresas de confecção; que seu marido exerceu atividade urbana no
período imediatamente anterior ao implemento do quesito etário, tendo se aposentado como tal.
Requer, por fim, pela decretação da improcedência do pedido. Subsidiariamente, pleiteia seja
fixada a data de início do benefício na citação do ente previdenciário na presente ação rescisória.
Ofertou a autora réplica (id. 7161058 – págs. 1/5).
Não houve produção de provas.
Razões finais da parte autora (id 8060071 – págs. 1/7).
Após encaminhamento de mídia contendo o áudio das testemunhas ouvidas no Juízo de origem,
manifestou-se o INSS, protestando pela improcedência do pedido.
É o relatório.
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5018285-04.2018.4.03.0000
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
AUTOR: BENTA BATISTA DOS SANTOS
Advogados do(a) AUTOR: LIDIANE FERNANDA ROSSIN MUNHOZ - SP325888-N, RONALDO
CARRILHO DA SILVA - SP169692-A, JULIO CESAR CAMPANHOLO JUNIOR - SP374140-N
RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A preliminar de carência de ação suscitada pelo réu, consistente na incidência da Súmula n. 343
do e. STF, confunde-se com o mérito e com ele será analisada.
Não havendo dúvidas quanto à tempestividade do ajuizamento da presente ação rescisória,
passo ao juízo rescindens.
I - DO JUÍZO RESCINDENS.
De início, cumpre salientar que a r. decisão rescindenda decretou a improcedência do pedido com
fundamento na inexistência de início de prova material do labor rural, deixando, inclusive, de
valorar os depoimentos testemunhais, o que implicaria, a rigor, a extinção do processo, sem
resolução do mérito, conforme precedente de recurso especial repetitivo (REsp n. 1352721/SP –
TEMA 629; Publ. em 28.04.2016).
Todavia, ante a formação de aparente coisa julgada, a dificultar nova propositura da demanda, é
razoável admitir que, nessa situação, seja cabível a ação rescisória. Importante destacar, ainda,
que o novel CPC contempla a propositura de ação rescisória de decisão que não seja de mérito
justamente nas hipóteses em que há impedimento de nova propositura da demanda, a teor do art.
966, §2º, I, do CPC.
Por seu turno, dispõe o art. 966, V, do CPC:
Art. 966. A decisão de mérito transitada em julgado pode ser rescindida:
(...)
V – violar manifestamente norma jurídica;
Verifica-se, pois, que para que ocorra a rescisão respaldada no inciso destacado deve ser
demonstrada a violação à lei perpetrada pela decisão de mérito, consistente na inadequação dos
fatos deduzidos na inicial à figura jurídica construída pela decisão rescindenda, decorrente de
interpretação absolutamente errônea da norma regente.
De outra parte, a possibilidade de se eleger mais de uma interpretação à norma regente, em que
uma das vias eleitas viabiliza o devido enquadramento dos fatos à hipótese legal descrita,
desautoriza a propositura da ação rescisória. Tal situação se configura quando há interpretação
controvertida nos tribunais acerca da norma tida como violada. Nesse diapasão, o E. STF editou
a Súmula n. 343, in verbis:
Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se
tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.
No caso dos autos, a r. decisão rescindenda, sopesando as provas constantes dos autos,
concluiu que a autora não poderia se valer dos documentos em nome de seu marido que o
ligavam ao trabalho rural, em face de efetiva comprovação de atividade urbana por ele exercida
em período relevante (de 01.08.1996 a 02.1997 e de 01.03.2000 a 06.2013). Destacou, também,
que “...o cônjuge recebe aposentadoria por idade urbana, na condição de comerciário, desde
12.12.2013 (fl. 121). E a própria requerente apenas possui registros de atividades urbanas em
seu CNIS (fls. 100/105), de 11.02.1987 a 09.09.1991...’, não tendo sido considerada a prova
testemunhal, ante a incidência da Súmula n. 149 do E. STJ.
Contudo, anoto que a r. decisão rescindenda, embora tenha feito menção à “carteirinha do
Sindicato Rural de Paranaíba”, não se atentou que aludido documento se reportava diretamente à
autora, bem como sua expedição tinha se dado em 29.08.2003, posteriormente ao interregno em
que exerceu atividade urbana e dentro do período de carência exigida, correspondente a 162
meses, considerado o ano de 2008, em que completou 55 anos de idade, nos termos do art. 143
da Lei n. 8.213/91.
Por sua vez, é pacífica a jurisprudência no sentido de que a carteira de filiação a sindicato rural
constitui início de prova material da atividade rurícola, conforme se vê do seguinte aresto, que
abaixo transcrevo:
PREVIDENCIÁRIO. TRABALHO RURAL. SEGURADO ESPECIAL. CONFIGURAÇÃO JURÍDICA.
TRABALHO URBANO DE INTEGRANTE DO GRUPO FAMILIAR. REPERCUSSÃO. FICHA DE
FILIAÇÃO AO SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS. INÍCIO RAZOÁVEL DE PROVA
MATERIAL.
(...)
2. O STJ entende que a declaração do sindicato de trabalhadores rurais, ou mesmo a carteira de
filiação, erige-se em documento hábil a sinalizar a condição de rurícola de seu titular, constituindo
início de prova material.
(...)
(STJ; REsp n. 1650305/MT; 2ª Turma; Rel. Ministro Herman Benjamin; j. 02.05.2017; DJe
12.05.2017)
Assim sendo, malgrado se possa vislumbrar ofensa ao artigo 55, §3º, da Lei n. 8.213/91, na
medida em que a r. decisão rescindenda não levou em conta documento reputado como início de
prova material do labor rural, pode-se inferir que tal afronta derivou de verdadeiro erro de fato,
previsto no art. 966, inciso VIII, do CPC, pois foi considerado inexistente fato efetivamente
ocorrido, não havendo pronunciamento jurisdicional sobre o tema.
Portanto, em que pese a demandante tivesse indicado como fundamento da presente rescisória o
inciso V do art. 966 do CPC, exsurge do exame dos autos a ocorrência de erro de fato, sendo
aplicável às ações rescisórias os brocardos jura novit curia e da mihi factum, dabo tibi jus.
Assim sendo, é de se concluir que causa de pedir alberga a hipótese de rescisão do julgado
prevista no inciso VIII do art. 966 do CPC, impondo-se ao órgão julgador o conhecimento da
referida matéria, não havendo que se falar em julgamento extra petita.
Nesse sentido, confira-se a jurisprudência:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485 VII E IX, DO CPC. PREVIDENCIÁRIO.
APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. DOCUMENTO NOVO. CAPACIDADE DE POR
ASSEGURAR, POR SI SÓ, A RESCISÃO DO JULGADO. ERRO DE FATO EM RAZÃO DA
DESCONSIDERAÇÃO DE PROVA MATERIAL. OCORRÊNCIA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO
NO ÂMBITO DO JUÍZO RESCINDENTE E PARCIAL PROCEDÊNCIA NO RESCISÓRIO.
(...)
5. O caso se encontra abrangido nas hipóteses legais de rescisão do julgado, não só em função
do disposto no inciso VII, como também na forma prevista no inciso IX do Art. 485 do CPC.
6. Em consonância com o princípio da mihi facto, dabo tibi jus, tem-se que o magistrado aplica o
direito ao fato, ainda que este não tenha sido invocado (STJ - RTJ 21/340)
(TRF - 3ª Região; AR 9167 - 0005800-33.2013.4.03.0000; Relator p/ acórdão Desembargador
Federal Baptista Pereira; j. 27.11.2014; e-DJF3 26.02.2015).
Em síntese, configurada a hipótese prevista no inciso VIII do art. 966 do CPC, é de se autorizar a
abertura da via rescisória.
II - DO JUÍZO RESCISSORIUM
A autora, nascida em 10.04.1953, completou 55 (cinquenta e cinco) anos de idade em
10.04.2008, devendo comprovar 13 (treze) anos e 06 (seis) meses de atividade rural, nos termos
dos artigos 39, I, 142 e 143 da Lei n. 8.213/91, para a obtenção do benefício em epígrafe.
A jurisprudência do E. STJ firmou-se no sentido de que é insuficiente apenas a produção de
prova testemunhal para a comprovação de atividade rural, na forma da Súmula 149 - STJ, in
verbis:
A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito
de obtenção de benefício previdenciário.
No caso dos autos, consoante explanado anteriormente, a carteira de filiação ao Sindicato Rural
de Paranaíba em nome da autora, datada de 29.08.2003, constitui início de prova material de sua
condição de segurada especial, possuindo aptidão para comprovar a atividade rurícola pelo
período correspondente à carência exigida, desde que corroborada por idônea prova
testemunhal.
Contudo, não obstante a existência de documento reputado como início de prova material do
labor rural, os demais elementos probatórios constantes dos autos não firmam convicção acerca
de efetiva atividade rurícola sob o regime de economia familiar.
Com efeito, diz o art. 11, VII, §1º, da Lei n. 8.213/91, com a redação dada pela Lei n.
11.718/2008:
§1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros
da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo
familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de
empregados permanentes.
Na verdade, o legislador teve por escopo dar proteção àqueles que, não qualificados como
empregados, desenvolvem atividades primárias, sem nenhuma base organizacional e sem escala
de produção, em que buscam, tão-somente, obter aquele mínimo de bens materiais necessários
à sobrevivência.
No caso em tela, as testemunhas ouvidas em Juízo afirmaram que a autora auxiliava o seu
cônjuge na faina campesina, porém não souberam detalhar as atividades por ela desenvolvidas,
além do que não tinham pleno conhecimento do labor urbano empreendido pelo marido. Nessa
linha, destaca-se o depoimento da testemunha Martinho Mello de Oliveira, que após ser lembrado
pelo magistrado dos vínculos empregatícios do cônjuge, admitiu que ele trabalhava em um
supermercado, assinalando que o casal se dedicava à lida rural nos fins de semana e feriados.
Com efeito, do exame do extrato do CNIS acostado aos autos, verifica-se que o marido da autora,
o Sr. Antônio Lima dos Santos, ostenta vínculos empregatícios com o “Supermercado Santana
Ltda” nos períodos de 01.08.1996 a 28.02.1997 e de 01.03.2000 a 15.05.2008, e com “Mara
Regina M.P. Lima – ME” no interregno de 01.12.2008 a 06.2013.
Por outro lado, não se olvide de julgado do e. STJ, em sede de recurso especial repetitivo (REsp
n. 1304479/SP; j. 10.10.2012; DJe 19.12.2012), que firmou tese jurídica no sentido de que “...O
trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais
integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho
rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula
7/STJ)...”.
Todavia, verifica-se que o cônjuge da autora auferiu renda contínua superior a um salário mínimo
(próximo de 02 SM) por tempo relevante (mais de 08 anos) dentro do período de carência, de
modo a evidenciar a superação do limite de subsistência.
Insta acentuar que na dicção do art. 11, VII, §10º, II, b, da Lei n. 8.213/91, o segurado especial
fica excluído dessa categoria a contar do primeiro dia do mês subsequente ao da ocorrência,
quando o grupo familiar a que pertence exceder o limite de dias em atividade remunerada
estabelecidos no inciso III do §9º do referido artigo, o que se observa no caso em comento, em
face do exercício ininterrupto de atividade remunerada por mais de 08 anos.
Destarte, da análise de todo conjunto probatório, depreende-se ser verossímil a ocorrência de
exploração agropecuária do imóvel do casal, contudo a participação da autora não se deu de
forma habitual, além do que não restou caracterizado o regime de economia familiar.
Em síntese, não se amoldando a situação fática ao conceito de regime de economia familiar, fica
ilidida a condição de segurado especial da demandante, e não havendo comprovação do
recolhimento de contribuições previdenciárias respectivas, em face de sua condição de
contribuinte individual, na forma prevista no art. 11, inciso V, 'a', da Lei n. 8.213/91, é de rigor a
improcedência do pedido.
III - DO DISPOSITIVO DA RESCISÓRIA
Diante do exposto, rejeito a preliminar suscitada pelo réu e, no mérito, julgo procedente o pedido
deduzido na presente ação rescisória, para desconstituir o v. acórdão rescindendo proferido nos
autos da Apelação Cível n. 0041268-63.2015.4.03.9999/MS, com base no art. 966, inciso VIII, do
Código de Processo Civil, e, no juízo rescissorium, julgo improcedente o pedido formulado na
ação subjacente. Honorários advocatícios arbitrados em R$ 1.000,00 (um mil reais), ficando sua
exigibilidade suspensa, nos termos do art. 98, §§2º e 3º, do CPC.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. APOSENTADORIA RURAL
POR IDADE. CARÊNCIA DE AÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 343 DO E. STF. PRELIMINAR
REJEITADA. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. APARENTE FORMAÇÃO DE
COISA JULGADA. CABIMENTO. CARTEIRA DE FILIAÇÃO A SINDICATO RURAL. VIOLAÇÃO
AO ART. 55, §3º, DA LEI N. 8.213/91 DECORRENTE DO ERRO DE FATO. APLICAÇÃO DOS
BROCARDOS JURA NOVIT CURIA E DA MIHI FACTUM, DABO TIBI JUS. DEPOIMENTOS
TESTEMUNHAIS FRÁGEIS. VÍNCULOS URBANOS OSTENTADOS PELO MARIDO.
SUPERAÇÃO DO LIMITE DA SUBSISTÊNCIA. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR
DESCARACTERIZADO. NÃO ENQUADRAMENTO À FIGURA DE SEGURADA ESPECIAL.
JUSTIÇA GRATUITA.
I - A preliminar de carência de ação suscitada pelo réu, consistente na incidência da Súmula n.
343 do e. STF, confunde-se com o mérito e com ele será analisada.
II - A r. decisão rescindenda decretou a improcedência do pedido com fundamento na inexistência
de início de prova material do labor rural, deixando, inclusive, de valorar os depoimentos
testemunhais, o que implicaria, a rigor, a extinção do processo, sem resolução do mérito,
conforme precedente de recurso especial repetitivo (REsp n. 1352721/SP – TEMA 629; Publ. em
28.04.2016). Todavia, ante a formação de aparente coisa julgada, a dificultar nova propositura da
demanda, é razoável admitir que, nessa situação, seja cabível a ação rescisória. Importante
destacar, ainda, que novel CPC contempla a propositura de ação rescisória de decisão que não
seja de mérito justamente nas hipóteses em que há impedimento de nova propositura da
demanda, a teor do art. 966, §2º, I, do CPC.
III - A possibilidade de se eleger mais de uma interpretação à norma regente, em que uma das
vias eleitas viabiliza o devido enquadramento dos fatos à hipótese legal descrita, desautoriza a
propositura da ação rescisória. Tal situação se configura quando há interpretação controvertida
nos tribunais acerca da norma tida como violada. Nesse diapasão, o E. STF editou a Súmula n.
343.
IV - A r. decisão rescindenda, sopesando as provas constantes dos autos, concluiu que a autora
não poderia se valer dos documentos em nome de seu marido que o ligavam ao trabalho rural,
em face de efetiva comprovação de atividade urbana por ele exercida em período relevante (de
01.08.1996 a 02.1997 e de 01.03.2000 a 06.2013). Destacou, também, que “...o cônjuge recebe
aposentadoria por idade urbana, na condição de comerciário, desde 12.12.2013 (fl. 121). E a
própria requerente apenas possui registros de atividades urbanas em seu CNIS (fls. 100/105), de
11.02.1987 a 09.09.1991...’, não tendo sido considerada a prova testemunhal, ante a incidência
da Súmula n. 149 do E. STJ.
V - A r. decisão rescindenda, embora tenha feito menção à “carteirinha do Sindicato Rural de
Paranaíba”, não se atentou que aludido documento se reportava diretamente à autora, bem como
sua expedição tinha se dado em 29.08.2003, posteriormente ao interregno em que exerceu
atividade urbana e dentro do período de carência exigida, correspondente a 162 meses,
considerado o ano de 2008, em que completou 55 anos de idade, nos termos do art. 143 da Lei n.
8.213/91.
VI - É pacífica a jurisprudência no sentido de que a carteira de filiação a sindicato rural constitui
início de prova material da atividade rurícola. Precedentes do e. STJ.
VII - Malgrado se possa vislumbrar ofensa ao artigo 55, §3º, da Lei n. 8.213/91, na medida em
que a r. decisão rescindenda não levou em conta documento reputado como início de prova
material do labor rural, pode-se inferir que tal afronta derivou de verdadeiro erro de fato, previsto
no art. 966, inciso VIII, do CPC, pois foi considerado inexistente fato efetivamente ocorrido, não
havendo pronunciamento jurisdicional sobre o tema.
VIII - Em que pese a demandante tivesse indicado como fundamento da presente rescisória o
inciso V do art. 966 do CPC, exsurge do exame dos autos a ocorrência de erro de fato, sendo
aplicável às ações rescisórias os brocardos jura novit curia e da mihi factum, dabo tibi jus. Assim
sendo, é de se concluir que causa de pedir alberga a hipótese de rescisão do julgado prevista no
inciso VIII do art. 966 do CPC, impondo-se ao órgão julgador o conhecimento da referida matéria,
não havendo que se falar em julgamento extra petita.
IX - A carteira de filiação ao Sindicato Rural de Paranaíba em nome da autora, datada de
29.08.2003, constitui início de prova material de sua condição de segurada especial, possuindo
aptidão para comprovar a atividade rurícola pelo período correspondente à carência exigida,
desde que corroborada por idônea prova testemunhal.
X - Relativamente ao trabalhador rural sob regime de economia familiar, o legislador teve por
escopo dar proteção àqueles que, não qualificados como empregados, desenvolvem atividades
primárias, sem nenhuma base organizacional e sem escala de produção, em que buscam, tão-
somente, obter aquele mínimo de bens materiais necessários à sobrevivência.
XI - As testemunhas ouvidas em Juízo afirmaram que a autora auxiliava o seu cônjuge na faina
campesina, porém não souberam detalhar as atividades por ela desenvolvidas, além do que não
tinham pleno conhecimento do labor urbano empreendido pelo marido. Nessa linha, destaca-se o
depoimento da testemunha Martinho Mello de Oliveira, que após ser lembrado pelo magistrado
dos vínculos empregatícios do cônjuge, admitiu que ele trabalhava em um supermercado,
assinalando que o casal se dedicava à lida rural nos fins de semana e feriados.
XII - Do exame do extrato do CNIS acostado aos autos, verifica-se que o marido da autora, o Sr.
Antônio Lima dos Santos, ostenta vínculos empregatícios com o “Supermercado Santana Ltda”
nos períodos de 01.08.1996 a 28.02.1997 e de 01.03.2000 a 15.05.2008, e com “Mara Regina
M.P. Lima – ME” no interregno de 01.12.2008 a 06.2013. Por outro lado, não se olvide de julgado
do e. STJ, em sede de recurso especial repetitivo (REsp n. 1304479/SP; j. 10.10.2012; DJe
19.12.2012), que firmou tese jurídica no sentido de que “...O trabalho urbano de um dos membros
do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais,
devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo
familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ)...”.
XIII - Verifica-se dos autos que o cônjuge da autora auferiu renda contínua superior a um salário
mínimo por tempo relevante (mais de 08 anos) dentro do período de carência, de modo a
evidenciar a superação do limite de subsistência.
XIV - Da análise de todo conjunto probatório, depreende-se ser verossímil a ocorrência de
exploração agropecuária do imóvel do casal, contudo a participação da autora não se deu de
forma habitual, além do que não restou caracterizado o regime de economia familiar. Em síntese,
não se amoldando a situação fática ao conceito de regime de economia familiar, fica ilidida a
condição de segurado especial da demandante, e não havendo comprovação do recolhimento de
contribuições previdenciárias respectivas, em face de sua condição de contribuinte individual, na
forma prevista no art. 11, inciso V, 'a', da Lei n. 8.213/91, é de rigor a improcedência do pedido.
XV - Honorários advocatícios arbitrados em R$ 1.000,00 (um mil reais), ficando sua exigibilidade
suspensa, nos termos do art. 98, §§2º e 3º, do CPC.
XVI - Matéria preliminar rejeitada. Ação rescisória cujo pedido se julga procedente. Ação
subjacente cujo pedido se julga improcedente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Seção, por
unanimidade, decidiu rejeitar a preliminar suscitada pelo réu e, no mérito, julgar procedente o
pedido deduzido na ação rescisória, para desconstituir o v. acórdão, com base no art. 966, VIII,
do CPC, e, no juízo rescissorium, julgar improcedente o pedido formulado na ação subjacente,
nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
