
| D.E. Publicado em 27/11/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar e julgar procedente o pedido formulado nesta ação rescisória, para, com fundamento no art. 485, V, do CPC/1973, desconstituir a sentença rescindenda, e, proferindo novo julgamento, por maioria, julgar procedente o pedido formulado na lide subjacente, condenando a autarquia ao pagamento do benefício assistencial no período de 01/04/2008 a 10/10/2011, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0022025-65.2012.4.03.0000/SP
VOTO-VISTA
O Excelentíssimo Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Trata-se de ação rescisória proposta por Adriana Mara da Silva, neste ato representada por sua genitora e curadora, em face do INSS, visando, com fundamento no artigo 485, V do CPC/73, desconstituir a r. sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de benefício assistencial devido a pessoa portadora de deficiência.
Sustenta, em síntese, ter a r. decisão rescindenda violado o artigo 82, I, do CPC/73, porquanto o processo, que versa sobre interesse de incapaz, tramitou sem a devida participação do Ministério Público Federal.
Pretende a rescisão do julgado e, em novo julgamento, a concessão do benefício assistencial, com termo inicial na "data da revogação da tutela antecipada e cessação do benefício (31/03/2008)".
Na sessão de 13/07/2017, a eminente Relatora, em seu douto voto, rejeitou a matéria preliminar, julgou procedente a ação rescisória e procedente o pedido subjacente, para condenar a autarquia ao pagamento do benefício assistencial no período de 01/04/2008 a 10/10/2011, dia anterior ao recebimento do benefício implantado por força de decisão judicial transitada em julgado no Juizado Especial Federal de Araraquara, acrescidos dos consectários legais.
Acompanharam a Relatora os ilustres Desembargadores Federais Sérgio Nascimento, Luiz Stefanini, Lucia Ursaia, Fausto de Sanctis, David Dantas e Gilberto Jordan.
Pedi vista dos autos para melhor analisar a questão, do que decorreu a suspensão do julgamento.
Os autos foram recebidos neste gabinete em 17/07/2017.
Embora compartilhe do entendimento perfilhado pela eminente Desembargadora Federal Relatora quanto à preliminar de ausência de representação processual e carência da ação, acompanho-a pela conclusão quanto à solução adotada para decadência do direito de propor ação rescisória, e com ressalva de entendimento no tocante à ocorrência de "violação à lei" decorrente da ausência de intervenção do Parquet em 1º grau de jurisdição.
Quanto ao juízo rescindendo, divirjo - permissa vênia à excelsa Relatora e aos nobres Desembargadores Federais que a acompanharam - do entendimento traçado no juízo rescisório.
Seguem as razões para tanto.
In casu, a eminente Desembargadora Federal Relatora entendeu que o prazo decadencial não corre contra os absolutamente incapazes, nos termos do art. 198, I, c/c art. 208 do CC/2008. Que a decisão rescindenda incorreu em violação aos artigos 82, I, 84 e 246 do CPC/73. E, em novo julgamento, com aplicação analógica do artigo 515, §1, do CPC/73, julgou procedente o pedido subjacente.
Quanto à decadência, a aplicação da regra do artigo 198, I c/c 208 do Código Civil poderá conduzir à ofensa ao princípio da segurança jurídica (artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal), ao permitir que a coisa julgada seja rescindida muitos anos após sua formação.
Por uma questão de simetria, quantum satis, nesse ponto acompanho a eminente Relatora pela conclusão, porquanto a propositura desta rescisória não ocorreu em prazo superior ao previsto no artigo 103, § único, da Lei nº 8.213/91.
No tocante à anulação do processo por falta de intervenção do Ministério Público, necessário observar que a parte autora en nenhuma oportunidade requereu a participação do Ministério Público Federal, seja em sua petição inicial da ação subjacente, seja no decorrer do trâmite desta, e nesta ação rescisória limita-se a alegar violação da lei por falta de intervenção do Parquet.
Trata-se de típica hipótese em que se aplica o brocardo nemo auditur propriam turpitudinem allegans, inclusive porque a parte autora houve por procrastinar o feito subjacente em duas oportunidades, ao não comparecer a duas perícias previamente designadas (f. 109 e 120), gozando do benefício concedido provisoriamente por longos anos.
Em tal contexto fático, é de ser perguntar se há, de fato, violação à lei.
Ademais, em expressivo número de processos envolvendo benefício assistencial, os próprios órgãos do Ministério Público produzem seus pareceres optando, expressamente, por não participarem das lides quando recebem vista dos autos.
Em face disso, importa consignar que somente se pode cogitar da ocorrência de nulidade se não for oportunizada a participação do Parquet, urgindo afastar-se a anulação quando o Ministério Público recebe vista dos autos, mas se recusa a intervir no feito.
Digno de nota é que, no feito subjacente, o feito foi regularmente processado e julgado, sem violação do devido processo legal. Por isso mesmo, a anulação do feito, em sede de rescisória, somente quando a sentença é desfavorável à parte autora, pode implicar violação à isonomia, por desigualdade de tratamento das partes. Afinal, o INSS representa a coletividade de hipossuficientes, não se afigurando razoável proceder-se à anulação dos processos somente quando houver julgamentos de improcedência dos pleitos.
Consequentemente, a mim me parece que também deverá haver a anulação dos processos em que não houver intervenção do Ministério Público em 1º grau de jurisdição, quando houver julgamento de procedência dos pedidos de concessão de benefício assistencial ou previdenciário.
À vista do exposto, nesse ponto acompanho a eminente Relatora com ressalva de entendimento.
Com relação ao juízo rescisório, assim me pronuncio:
a) quanto ao período de 11/10/2011 em diante, julgo extinto o processo sem resolução do mérito, na forma do artigo 485, V, do NCPC, diante da concessão judicial no processo 000330-04.2012.4.03.6322, nos exatos termos do parecer da Procuradoria Regional da República às f. 279v/280;
b) no tocante ao lapso temporal de 31/8/2008 (após cassada a tutela antecipatória na subjacente) até 10/10/2011, julgo improcedente o pedido subjacente.
Observa-se que a parte autora demorou mais de 2 (dois) anos (contados da cessação da tutela específica concedida na ação subjacente) para propor esta rescisória, com isso incidindo à espécie o artigo 21, caput, da LOAS, de modo que não há comprovação da miserabilidade durante todo este período;
Neste mesmo período controvertido (entre 31/8/2008 e 10/10/2011), o Supremo Tribunal Federal ainda não havia declarado a inconstitucionalidade do artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
A bem da verdade, a revogação administrativa do benefício deu-se em 2003, tendo a parte autora recebido o amparo social por decisão judicial que antecipou os efeitos da tutela, tendo esta durado os longos anos de 2003 a 2008, tudo no bojo da ação subjacente.
Nesta "era" (de 2003 a 2011), vigoravam os efeitos de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal. A questão fora levada à apreciação do Pretório Excelso por meio de uma ADIN, movida pelo Procurador Geral da República. Trata-se da ADIN 1.232-2, de 27/08/98, publicada no DJU de 1/6/2001, Pleno, Relator Ministro Maurício Correa, RTJ 154/818, ocasião em que o STF reputou constitucional a restrição conformada no § 3o do art. 20 da Lei n.° 8.742/93.
Posteriormente, em controle difuso de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal manteve o entendimento (vide RE 213.736-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, informativo STF n.° 179; RE 256.594-6, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 28/4/2000, Informativo STF n.° 186; RE n.° 280.663-3, São Paulo, j. 06/09/2001, relator Maurício Corrêa).
É certo que, em julgamentos de controle difuso de constitucionalidade, o próprio Pretório Excelso julgou de modo diverso. No entretanto, para os demais órgãos do Poder Judiciário, inexoravelmente permaneciam os efeitos erga omnes da ADIN 1.232-2, julgada improcedente.
Apenas recentemente o Supremo Tribunal Federal reviu seu posicionamento ao reconhecer que o requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo, acórdão produzido com repercussão geral (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013).
Assim, lícito é inferir que, quando a ser devido o benefício entre 2003 e 2011, o INSS nada mais fez do que cumprir o teor da regra do artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93, de cumprimento obrigatório para a Administração Pública, haja vista que não dotada de atribuição para afastar a incidência de lei até então considerada constitucional pelo Tribunal Supremo do país.
Clássica é a lição de Hely Lopes Meirelles: "Na Administração Pública, não há espaço para liberdades e vontades particulares, deve, o agente público, sempre agir com a finalidade de atingir o bem comum, os interesses públicos, e sempre segundo àquilo que a lei lhe impõe, só podendo agir secundum legem. Enquanto no campo das relações entre particulares é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe (princípio da autonomia da vontade), na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei, define até onde o administrador público poderá atuar de forma lícita, sem cometer ilegalidades, define como ele deve agir." (MIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 30. Ed. São Paulo: Malheiros, 2005).
Com essas considerações, e pedindo vênias à ilustre Relatora, julgo procedente o pedido formulado na ação rescisória, para rescindir o r. julgado nos termos do artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil, e, em novo julgamento:
a) quanto ao período de 11/10/2011 em diante, julgo extinto o processo sem resolução do mérito, na forma do artigo 485, V, do NCPC (diante da concessão judicial no processo 000330-04.2012.4.03.6322);
b) no tocante ao lapso temporal de 31/8/2008 até 10/10/2011, julgo improcedente o pedido subjacente.
Condeno a parte autora ao pagamento de honorários de advogado, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, na forma do artigo 85, § 2º, do Novo CPC, cuja exigibilidade fica suspensa, segundo a regra do artigo 98, § 3º, do mesmo código, por ser beneficiária da justiça gratuita.
Quanto à tutela específica concedida e posteriormente revogada, deverá ser observado o teor do Resp 1.401.560/MT.
É como voto.
Juiz Federal Convocado
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0022025-65.2012.4.03.0000/SP
RELATÓRIO
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora):
Ação rescisória ajuizada por Adriana Mara da Silva, representada por sua genitora, com fundamento no art. 485, inciso V, do CPC/1973, visando desconstituir sentença proferida pelo Juízo Federal da 2ª Vara de Araraquara/SP, que julgou improcedente pedido de concessão de benefício assistencial a pessoa com deficiência.
A autora sustenta que a decisão é nula, tendo em vista a ausência de intervenção do Ministério Público em lide que versa sobre interesse de incapaz, ocorrendo violação ao disposto no art. 85, inciso I, do CPC. Alega que a hipossuficiência econômica e a condição de pessoa com deficiência foram comprovadas nos autos da ação originária, motivo pelo qual faz jus ao benefício pleiteado.
Requer a rescisão do julgado, nos termos do inciso V do art. 485 do CPC/1973, e, em novo julgamento, a concessão do benefício assistencial, com termo inicial na "data da revogação da tutela antecipada e cessação do benefício (31/03/2008)".
Pede a antecipação dos efeitos da tutela e a concessão dos benefícios da justiça gratuita.
A inicial veio acompanhada de documentos de fls. 12/169.
Foram deferidos os benefícios da assistência judiciária gratuita e indeferido o pedido de tutela antecipada (fl. 172).
A autarquia ofertou contestação, suscitando preliminar de decadência, pois a decisão rescindenda transitou em julgado em 03/02/2009 e a ação foi ajuizada apenas em 23/07/2012, fora do prazo previsto no art. 495 do CPC. Assevera que a parte é carecedora da ação, pois falta-lhe interesse de agir, visto que ausente a relação de adequação entre o pedido deduzido e a sua utilidade. Alega ainda que a autora fez juntar instrumento particular de procuração assinado por sua genitora, que não possui capacidade postulatória, devendo o feito ser extinto sem julgamento de mérito. Quanto à questão de fundo, sustenta que não houve alegação de nulidade no momento oportuno, motivo pelo qual é de ser mantida a sentença rescindenda. Ainda que assim não se entenda, em sede de juízo rescisório, diz que não foi preenchido o requisito de miserabilidade (fls. 178/190).
Se superadas as preliminares, requer seja julgado improcedente o pedido.
Réplica à contestação e razões finais da autora, às fls. 219/224.
Alegações finais do réu (fl. 227).
O Ministério Público Federal opinou pela anulação da sentença e concessão do benefício assistencial (fls. 228/238).
Às fls. 266/267, o INSS informa que a autora é titular de amparo social desde 11/10/2011 (NB 87/165.162.365-9), decorrente de decisão judicial do Juizado Especial Federal Cível de Araraquara/SP, transitada em julgado.
Após nova vista dos autos, o Ministério Público Federal opinou pela extinção do feito sem resolução do mérito, pois o direito da autora já foi objeto de julgamento definitivo, o que impede a reanálise da matéria em ação rescisória (fls. 279/280).
Instada a se manifestar, a autora requereu o prosseguimento da ação, ao argumento de que restou demonstrado o interesse de agir em relação aos "créditos retroativos objeto da r. sentença rescindenda, no período compreendido entre 31/03/2008 até a data de nova implantação do novo benefício, ou seja 11/10/2011" (fls. 283/284).
A sentença rescindenda transitou em julgado em 03/02/2009 (fl. 154) e esta ação rescisória foi ajuizada em 23/07/2012 (fl. 02).
É o relatório.
Peço dia para o julgamento.
MARISA SANTOS
Desembargadora Federal
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0022025-65.2012.4.03.0000/SP
VOTO
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora):
Ação rescisória ajuizada em 23/07/2012, na vigência do CPC/1973.
Rejeito a preliminar de decadência, arguida em contestação. Conforme certidão de fl. 51, lavrada em 09/10/1997, Adriana Mara da Silva encontra-se interditada, tendo como curadora sua mãe, Anna Dourado da Silva.
O prazo decadencial previsto no art. 495 do CPC não corre contra os absolutamente incapazes, nos termos do art. 198, I, c/c art. 208 do CC/2002. Nesse sentido:
Também é de ser rejeitada a alegação de que a genitora não possui capacidade postulatória, pois, como visto, trata-se da representante legal da autora, não havendo necessidade da juntada de instrumento público de procuração, conforme entendimento pretoriano:
A preliminar de carência de ação por falta de interesse de agir tampouco comporta acolhimento.
Embora a autora seja titular de amparo social concedido judicialmente, a DIB foi fixada em 11/10/2011, data do requerimento administrativo, nos termos do pedido formulado perante o Juizado Especial Federal (fls. 268 e 270).
Na ação subjacente, conforme petição inicial, buscava a concessão do benefício desde a citação (29/04/2004) (fls. 35/43).
Na presente ação, pede que o termo inicial seja "a data da revogação da tutela antecipada e cessação do benefício (31/03/2008)" (fl. 10).
Assim, permanece o interesse de agir com relação ao período de 31/03/2008 a 10/10/2011, que não foi objeto de análise na ação que tramitou no JEF.
Rejeito, pois, a matéria preliminar.
Depreende-se dos documentos juntados que a autora apresenta deficiência mental grave, encontrando-se incapacitada de modo total e permanente, motivo pelo qual foi interditada.
A certidão de interdição e o termo de compromisso de curadora foram acostados nos autos da ação originária (fls. 51, 60/62), porém em nenhum momento houve a intervenção do Ministério Público.
Conforme arts. 82, I, 84 e 246 do CPC/73, compete ao Ministério Público intervir nas causas em que há interesses de incapazes, sendo obrigatória sua intimação, sob pena de nulidade do processo.
Ainda que a parte não tenha arguido a necessidade de intervenção, caberia ao juízo, de ofício, verificar o ocorrido e anular o processo a partir do momento em que o órgão deveria ter sido intimado (art. 246, p. único).
Diante do exposto, restaram violadas as disposições contidas nos arts. 82, I, 84 e 246 do CPC/73, sendo caso de rescisão do julgado com fundamento no art. 485, V, do diploma processual.
Confira-se, a respeito, precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
Rescindo, portanto, a sentença proferida nos autos da ação ordinária de nº 2004.61.20.001585-6/SP, por reconhecer a ocorrência de violação de lei, com fundamento no art. 485, V, do CPC/1973.
Passo ao juízo rescisório.
Em contestação, a autarquia alega que há impedimento desta Corte para o conhecimento do mérito da questão, sob pena de violação ao princípio do juiz natural.
Sem razão, contudo.
Em homenagem aos princípios da instrumentalidade das formas e da razoável duração do processo, e considerando a instauração do contraditório e a participação do Ministério Público Federal durante o processamento da rescisória, bem como a existência de provas produzidas em primeira instância, a melhor solução a ser dada ao caso é a preconizada no artigo 515, §1º, do CPC/1973, aplicado analogicamente ao juízo rescisório.
Em recente julgado apreciado pela 3ª Seção, foi acolhida a tese de que "considerada a relação processual estabelecida entre as partes na (...) ação rescisória, com o exercício da ampla defesa e do contraditório, inclusive quanto ao mérito do pedido formulado na ação subjacente, é de se aplicar o disposto no 515, § 3º, do CPC/73 (Art. 1.013, § 3º, do CPC/15), uma vez que o feito subjacente se encontra em condições de imediato julgamento" (AR 0009544-70.2012.4.03.0000/SP, Rel. Des. Fed. Baptista Pereira, DJe 20/09/2016) .
Assim, não é o caso de se decretar a nulidade do feito, mas de decidi-lo nos termos das questões suscitadas e discutidas.
Prossigo.
O benefício da assistência social, de caráter não contributivo, tem como alguns de seus princípios norteadores a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e o enfrentamento da pobreza no nosso País, que constituem os objetivos fundamentais consagrados no art. 3º, I e III, da CF, garantindo-se os mínimos sociais àqueles que efetivamente necessitam.
A Lei nº 8.742, de 07.12.1993, regulamentou a Assistência Social, prevista no mencionado art. 203, V, da CF. Em seu art. 20, dispôs sobre as condições para a concessão do benefício: ser pessoa portadora de deficiência, ou idoso com 70 (setenta) anos ou mais - idade posteriormente reduzida para 67 (sessenta e sete) anos - e, em ambos os casos, sem condições de prover seu próprio sustento ou tê-lo provido pela família.
O Estatuto do Idoso - Lei nº 10.741, de 01.10.2003 - reduziu a idade mínima do idoso para 65 anos - art. 34.
O art. 20 da LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social foi alterado pela Lei nº 12.435, de 06.7.2011 (DOU 07.7.2011), que adotou a expressão "pessoa com deficiência" e a idade de 65 (sessenta e cinco) anos ou mais já prevista no Estatuto do Idoso.
Também o conceito de pessoa com deficiência foi alterado pela nova lei. O § 2º do art. 20 passou a dispor:
O § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece que a renda per capita familiar deve ser inferior a ¼ do salário mínimo. A inconstitucionalidade desse dispositivo da LOAS foi arguida na ADIN nº 1.232-1, julgada improcedente por maioria de votos pelo Plenário do STF.
A questão não restou pacificada na jurisprudência do STJ e do próprio STF, que passaram a adotar o entendimento de que a ADIn nº 1.232-1 não retirou a possibilidade de aferição da necessidade por outros meios de prova que não a renda per capita familiar, mas, sim, que o § 3º do art. 20 estabeleceu uma presunção objetiva e absoluta de miserabilidade. Assim sendo, a família com renda mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo encontra-se em estado de penúria, configurando tal situação prova incontestável de necessidade do benefício, dispensando outros elementos probatórios. Daí que, caso suplantado tal limite, outros meios de prova poderiam ser utilizados para a demonstração da condição de miserabilidade, expressa na situação de absoluta carência de recursos para a subsistência.
Nesse sentido o entendimento do STJ - REsp 222778/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, j. 04.11.1999, DJU 29.11.1999, p. 190:
A questão foi novamente levada a julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a Repercussão Geral da matéria nos autos do Recurso Extraordinário 567985/MT, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 18/04/2013, publicado em 03.10.2013:
A fixação da renda per capita familiar inferior ao salário mínimo é excludente do bem-estar e justiça sociais que o art. 193 da Constituição Federal elegeu como objetivos da Ordem Social.
A fixação do salário mínimo como garantia do trabalhador e do inativo para fins de garantir sua manutenção e de sua família, com o mínimo necessário à sobrevivência com dignidade, representa um critério quantificador do bem-estar social que a todos deve ser garantido, inclusive aos beneficiários do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição.
Nessa linha de entendimento, o correto seria que a renda per capita familiar, para fins de concessão do BPC, não pudesse ser superior a 1 (um) salário mínimo. Esse critério traria para dentro do sistema de Assistência Social um número bem maior de pessoas idosas e com deficiência. Seria dar a todos, dentro e fora do sistema de Assistência Social, o mesmo grau de dignidade e de bem-estar, reduzindo desigualdades sociais.
A declaração de inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social, na prática, resulta na inexistência de nenhum critério, abrindo a possibilidade de o intérprete utilizar todos os meios de provas disponíveis para a verificação da situação de miséria que a lei quer remediar.
Cabe à legislação infraconstitucional a definição dos critérios e requisitos para concessão do benefício, conforme prevê o art. 203, V, da CF. Deve, para isso, obedecer aos princípios do art. 194, dentre eles a seletividade e distributividade. Ou seja, cabe ao legislador ordinário selecionar as contingências merecedoras de proteção e distribuí-las de acordo com o número de beneficiários e o orçamento de que dispõe.
A seletividade e a distributividade, contudo, por serem princípios setoriais, estão conformadas ao princípio geral do respeito à isonomia. Não pode a lei eleger como discrimen critério violador da isonomia.
A fixação do critério aferidor da necessidade é atribuição do legislador e não do juiz. Mas, diante do caso concreto, a jurisdição não pode ser negada por falta de critério legal.
A atividade legislativa não é do Poder Judiciário, de modo que não lhe cabe criar critério que substitua o previsto no § 3º do art. 20. Porém, parece razoável estabelecer presunção absoluta de miserabilidade quando a renda per capita familiar for inferior a metade do salario mínimo vigente, para que, em sendo superior, outras provas possam ser consideradas para averiguar a real necessidade de concessão do benefício.
À análise do caso.
A autora não compareceu à perícia judicial, conforme informado às fls. 109 e 120, porém o fato de ser interditada confere legitimidade à alegação de retardo mental. Ademais, embora não se trate de parecer médico, convém não ignorar que o estudo social indica que a requerente é analfabeta, apresenta problemas mentais e não possui condições de exercer atividade laborativa (fls. 126/135).
Conforme consulta ao Sistema Único de Benefícios Dataprev, recebeu, por meio de concessão administrativa, amparo social a pessoa com deficiência no período de 02/06/1997 a 08/02/2004. De acordo com comunicado da Agência da Previdência Social, a cessação do benefício se deu em virtude da reavaliação da renda familiar e não da condição de pessoa com deficiência (fl. 53).
E, ainda, em sede de contestação, o INSS rejeita apenas a alegação de miserabilidade. Com relação à deficiência, diz que "no caso dos autos, muito embora tenha restado demonstrado que a autora é incapaz para os atos da vida civil, porquanto interditada, não houve intervenção do Ministério Público, o que, poderia levar a declaração de nulidade dos atos processuais praticados a partir do momento em que este deveria ter sido intimado", porém "a autora deixou de alegar a nulidade no momento oportuno" (fl. 185).
Entendo, portanto, que o quadro apresentado se ajusta ao conceito de pessoa com deficiência previsto no art. 20, § 2º, I e II, da LOAS.
Quanto ao requisito da miserabilidade, o estudo social, datado de 28/09/2007, indica que a autora reside com o pai, de 61 anos, e a mãe, de 57 anos, em casa própria, financiada, com dois quartos, sala, cozinha e um banheiro, em bom estado de conservação. O bairro possui ruas asfaltadas, infraestrutura básica e está localizado na região periférica da cidade de Araraquara/SP. A renda familiar advém da aposentadoria por invalidez recebida pelo genitor, no valor de R$ 445,00 e do benefício assistencial percebido pela requerente, por força de tutela antecipada, totalizando R$ 825,00 (salário mínimo: R$ 380,00). As despesas são: R$ 72,00 (luz), R$ 41,00 (água), R$ 390,00 (alimentação), R$ 133,00 (medicamentos), R$ 32,00 (gás), R$ 29,00 (telefone) e R$ 127,00 (prestação do imóvel), em um total de R$ 824,00. Consta que a genitora não trabalha, pois cuida da pericianda, e que o pai apresenta problemas cardíacos, hipertensão e diabetes, tendo sofrido um infarto em 2002.
A assistente social concluiu que "Adriana Mara da Silva, graças ao retorno do recebimento do BPC, encontra-se em situação de vida estável, sendo totalmente dependente desse benefício para ter uma condição digna de sobrevivência" (fls. 126/135).
O benefício assistencial da autora foi cessado em 31/03/2008, após decreto de improcedência do pedido na ação subjacente.
O genitor segue recebendo aposentadoria por invalidez, no valor de R$ 940,74 para março/2017 (salário mínimo: R$ 937,00), conforme consulta ao Sistema Dataprev.
Assim, a renda familiar per capita é inferior à metade do salário mínimo.
Levando-se em consideração as informações do estudo social e as demais condições apresentadas, entendo que não se justificava o indeferimento do benefício à época da ação originária.
Diante do que consta nos autos, verifico que a situação é de miserabilidade e que a autora sempre dependeu do benefício assistencial para suprir as necessidades básicas, não dispondo de condições de prover o seu sustento com a dignidade exigida pela Constituição Federal.
Assim, preenche a autora os requisitos necessários ao deferimento do benefício.
Observados os limites do pedido na ação rescisória, o benefício é devido a partir de 01/04/2008, após cassada a tutela, com termo final em 10/10/2011, dia anterior ao recebimento do benefício implantado por força de decisão judicial transitada em julgado no Juizado Especial Federal de Araraquara.
Assim, condeno o INSS a pagar à autora o benefício assistencial - amparo social a pessoa portadora de deficiência, com DIB em 01/04/2008, acrescidas as parcelas vencidas de correção monetária a partir dos respectivos vencimentos e de juros moratórios a partir da citação.
A correção monetária será aplicada nos termos da Lei n. 6.899/91 e da legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos da Justiça Federal, observado o disposto na Lei n. 11.960/2009 (Repercussão Geral no RE n. 870.947).
Os juros moratórios serão calculados de forma global para as parcelas vencidas antes da citação, e incidirão a partir dos respectivos vencimentos para as parcelas vencidas após a citação. E serão de 0,5% (meio por cento) ao mês, na forma dos arts. 1.062 do antigo CC e 219 do CPC/1973, até a vigência do CC/2002, a partir de quando serão de 1% (um por cento) ao mês, na forma dos arts. 406 do CC/2002 e 161, § 1º, do CTN. A partir de julho de 2009, os juros moratórios serão de 0,5% (meio por cento) ao mês, observado o disposto no art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, alterado pelo art. 5º da Lei n. 11.960/2009, pela MP n. 567, de 13.05.2012, convertida na Lei n. 12.703, de 07.08.2012, e legislação superveniente.
Os honorários advocatícios são fixados em 10% (dez por cento) do valor da condenação, consideradas as parcelas vencidas.
Ante o exposto, rejeito a matéria preliminar, julgo procedente o pedido formulado nesta ação rescisória para rescindir a sentença proferida nos autos da ação ordinária de nº 2004.61.20.001585-6/SP, com fundamento no art. 485, V, do CPC/1973, e, proferindo novo julgamento, julgo procedente o pedido formulado na lide subjacente, condenando a autarquia ao pagamento do benefício assistencial no período de 01/04/2008 a 10/10/2011, acrescidos dos consectários legais, nos termos da fundamentação.
Oficie-se ao JUÍZO FEDERAL DA 2ª VARA DE ARARAQUARA/SP, por onde tramitaram os autos de nº 2004.61.20.001585-6, comunicando o inteiro teor desta decisão.
É o voto.
MARISA SANTOS
Desembargadora Federal
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