
| D.E. Publicado em 04/04/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar e julgar improcedente o pedido formulado na ação rescisória, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0021704-25.2015.4.03.0000/SP
RELATÓRIO
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora):
Ação rescisória ajuizada por Leonides Vendruscolo Junior, representado por sua genitora, com fundamento no art. 485, incisos V e IX, do CPC/1973, visando desconstituir decisão monocrática que negou seguimento à sua apelação, restando mantida sentença que julgou improcedente pedido de concessão de benefício assistencial.
O autor sustenta que comprovou sua condição de pessoa com deficiência e a situação de miserabilidade, de modo que o julgado, ao manter a improcedência do pedido, violou o disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93. Alega que o decisum incorreu em erro de fato ao computar os rendimentos auferidos por sua irmã no cálculo da renda per capita, pois ela não faz parte do núcleo familiar, conforme disposto no art. 16 da Lei 8.213/91. Ainda que o fizesse, a renda da família é inferior a meio salário mínimo, não havendo fundamento para indeferimento do pedido. Ressalta que não há, na legislação que rege a matéria, "restrições quanto à possibilidade do grupo familiar possuir bens em sua residência, mormente quando esses bens representam efetiva necessidade para o cotidiano de qualquer família, não significando ostentação".
Requer a rescisão do julgado, nos termos dos incisos V e IX do art. 485 do CPC/1973, e, em novo julgamento, a concessão do benefício assistencial, com termo inicial na data do indeferimento do pedido administrativo.
Pede, por fim, a concessão dos benefícios da justiça gratuita.
A inicial veio acompanhada de documentos de fls. 18/186.
Foram deferidos os benefícios da assistência judiciária gratuita (fl. 189).
Citada (fl. 193), a autarquia ofertou contestação (fls. 195/211), sustentando, inicialmente, a incidência da Súmula 343 do STF, a decretar a extinção do feito sem julgamento de mérito, tendo em vista que a questão relativa à miserabilidade é controversa nos tribunais. No mérito, aduz que as provas apresentadas demonstram que não se trata de hipossuficiente, resultando na improcedência do pedido, na esteira do decidido, de modo que inexiste qualquer violação a disposição de lei. Assevera que houve pronunciamento expresso sobre as questões suscitadas nos autos, o que permite afastar a alegação de erro de fato. Requer seja julgado improcedente o pedido.
Réplica, às fls. 217/220.
O Ministério Público Federal opinou pela improcedência da ação rescisória (fls. 224/227).
A decisão rescindenda transitou em julgado em 07.07.2014 (fl. 182) e esta ação rescisória foi ajuizada em 18.09.2015 (fl. 02).
É o relatório.
Peço dia para o julgamento.
MARISA SANTOS
Desembargadora Federal
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0021704-25.2015.4.03.0000/SP
VOTO
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora):
Analiso a questão sob a ótica do CPC/1973, vigente à época do julgado rescindendo.
Rejeito a alegação, arguida em contestação, de incidência da Súmula 343/STF, visto que está em debate questão relacionada à matéria constitucional (art. 203, V, da Constituição Federal).
A decisão rescindenda foi proferida nos seguintes termos (fls. 175/178):
A ação é manifestamente improcedente.
Ação rescisória não é recurso.
Nas palavras de PONTES DE MIRANDA (TRATADO DA AÇÃO RESCISÓRIA / PONTES DE MIRANDA; atualizado por Vilson Rodrigues Alves. - 2ª ed. - Campinas, SP: Bookseller, 2003), a ação rescisória é julgamento de julgamento. Seu objetivo não é rescindir qualquer julgado, mas somente aquele que incida numa das específicas hipóteses do art. 485 do CPC, autorizando-se, a partir da rescisão e nos seus limites, a análise do mérito da pretensão posta na lide originária.
A condição de pessoa com deficiência não é controversa nos autos. Quanto ao requisito da miserabilidade, o julgador analisou o estudo social e concluiu que o autor encontra-se amparado por sua família, residindo em imóvel simples, guarnecido com utensílios necessários, e contando com o salário do pai e da irmã. A família dispõe de carro e moto, além de dois computadores e aparelhos de ar condicionado.
Concluiu-se que "as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993" (fl. 178).
De modo que, se as provas produzidas foram analisadas e, ao final, concluiu-se pela improcedência do pedido, não se pode afirmar que não houve controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o tema discutido. Ainda que eventualmente possa ser aferível, para o julgador da rescisória, a constatação de equívoco cometido, a proibição do reexame das provas o impede de reconhecer o vício do erro de fato, nos termos do que preceitua o §2º do art. 485 do CPC/1973:
A doutrina ensina:
Assim, não há como acolher o pedido de rescisão, pois, sobre o apontado erro de fato, houve expresso pronunciamento judicial.
Tampouco prospera a alegação de violação à lei.
A jurisprudência do STJ abriga compreensão estrita acerca da violação à literal disposição de lei para fins de manejo e admissibilidade da rescisória, deixando assentado que a razoável interpretação do texto legal não rende ensejo a esse tipo de ação.
Precedentes:
O autor alega que "o caso presente trata tipicamente de violação do direito, uma vez que foi confirmada a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742/1993) (...)".
Pois bem.
O § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece que a renda per capita familiar deve ser inferior a ¼ do salário mínimo. A inconstitucionalidade desse dispositivo da LOAS foi arguida na ADIN nº 1.232-1, julgada improcedente por maioria de votos pelo Plenário do STF.
Em outras palavras, a referida norma foi declarada constitucional em sede de controle abstrato de constitucionalidade e a limitação ali imposta foi afirmada, pelo Pleno do STF, de observância compulsória pelos aplicadores da lei.
Segue a ementa da citada ADI:
(ADI 1232, Relator Min. ILMAR GALVÃO, Relator p/ Acórdão Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, julgado em 27/08/1998, DJ 01-06-2001).
Reclamações foram propostas perante o STF objetivando-se a garantia da autoridade da decisão proferida na ADI 1232, vale dizer, da necessidade de se observar a limitação da renda per capita familiar - ¼ do salário mínimo. Consultem-se as seguintes: 2.303, 2.298, 2.468, 2.323, 2.733, 2.281, 3.360 e 3.367.
O STJ passou a decidir no sentido de que STF não retirou a possibilidade de aferição da necessidade por outros meios de prova que não a renda per capita familiar; a renda per capita familiar de ¼ do salário mínimo configuraria presunção absoluta de miserabilidade, dispensando outros elementos probatórios. Daí que, suplantado tal limite, outros meios de prova poderiam ser utilizados para a demonstração da condição de miserabilidade, expressa na situação de absoluta carência de recursos para a subsistência.
Confira-se o julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo Representativo de Controvérsia:
(STJ, 3ª Seção, REsp 1112557/MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j 28/10/2009, DJe 20/11/2009).
E nesse sentido consolidou-se o entendimento nessa Corte, qual seja, que é possível a aferição da miserabilidade por outros meios, ainda que não observado estritamente o critério da renda familiar per capita previsto no §3º do art. 20 da Lei 8.742/93.
E no STF, embora em diversas reclamações tenha sido prestigiada a decisão proferida na mencionada ADI, mantendo o entendimento quanto a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei 8.742/93, observa-se que houve uma evolução no pensamento da Corte, até mesmo em função da modificação no quadro de seus julgadores.
Assim, novamente levada a questão à apreciação dessa Corte Superior, a orientação firmada na ADI 1232, em 27/08/1998, foi alterada quando, sob o mecanismo da repercussão geral, o Plenário julgou o RE 567985/MT, em 18/04/2013, declarando a "inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade" do §3º do art. 20 da Lei 8742/93.
Eis a ementa do julgado:
(RE 567985, Relator Min. Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão: Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, publicado em 03/10/2014).
No seu julgamento, o Plenário do STF, por sua maioria, concluiu que, em face dos sucessivos diplomas legislativos que vinham ampliando os critérios para a concessão de outros benefícios assistenciais (Lei 9.533/97 - concessão de apoio financeiro aos Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações sócio-educativas; Lei 10.219/2001 - Bolsa-Escola; Lei 10.689/2003 - Programa Nacional de Acesso à Alimentação; Lei 10.836/2004 - Bolsa-Família), o §3º do art. 20 da Lei 8.742/93 - embora a norma permanecesse a mesma - vinha passando por um processo de inconstitucionalização, de modo a autorizar o juiz, diante do caso concreto, a conceder o benefício assistencial da LOAS, se presentes circunstâncias, devidamente comprovadas nos autos, que permitissem reconhecer a hipossuficiência do requerente, ainda que a renda per capita familiar superasse o quarto do salário mínimo.
Como se vê, decidiu-se que cabe ao julgador, usando seu livre convencimento motivado, avaliar a situação concreta, quanto ao estado de miserabilidade que justifique a concessão do benefício, pois o critério objetivo fixado no §3º do art. 20 da Lei 8.742/93 era inconstitucional (por se omitir sobre outras formas de se apurar a miserabilidade), por violação aos princípios da dignidade da pessoa humana e da isonomia.
Eu vinha entendendo que a fixação da renda per capita familiar inferior ao salário mínimo é excludente do bem-estar e justiça sociais que o art. 193 da CF elegeu como objetivos da Ordem Social.
A fixação do salário mínimo como garantia do trabalhador e do inativo para fins de garantir sua manutenção e de sua família, com o mínimo necessário à sobrevivência com dignidade, representa um critério quantificador do bem-estar social que a todos deve ser garantido, inclusive aos beneficiários do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição.
Nessa linha de entendimento, o correto seria que a renda per capita familiar, para fins de concessão do BPC, não pudesse ser superior a 1 (um) salário mínimo. Esse critério traria para dentro do sistema de Assistência Social um número bem maior de pessoas idosas e com deficiência. Seria dar a todos, dentro e fora do sistema de Assistência Social, o mesmo grau de dignidade e de bem-estar, reduzindo desigualdades sociais.
A declaração de inconstitucionalidade parcial do §3º do art. 20 da LOAS, na prática, resulta na inexistência de nenhum critério, abrindo a possibilidade de o intérprete utilizar todos os meios de provas disponíveis para a verificação da situação de miséria que a lei quer remediar.
Cabe à legislação infraconstitucional a definição dos critérios e requisitos para concessão do benefício, conforme prevê o art. 203, V, da CF. Deve, para isso, obedecer aos princípios do art. 194, dentre eles a seletividade e distributividade. Ou seja, cabe ao legislador ordinário selecionar as contingências merecedoras de proteção e distribuí-las de acordo com o número de beneficiários e o orçamento de que dispõe.
A seletividade e a distributividade, contudo, por serem princípios setoriais, estão conformadas ao princípio geral do respeito à isonomia. Não pode a lei eleger como discrimen critério violador da isonomia.
A fixação do critério aferidor da necessidade é atribuição do legislador e não do juiz. Mas, diante do caso concreto, a jurisdição não pode ser negada por falta de critério legal.
A atividade legislativa não é do Poder Judiciário, de modo que não lhe cabe criar critério que substitua o previsto no mencionado § 3º do art. 20. Porém, parece razoável estabelecer presunção absoluta de miserabilidade quando a renda per capita familiar for inferior a metade do salário mínimo vigente, para que, em sendo superior, outras provas possam ser consideradas para averiguar a real necessidade de concessão do benefício.
Dito isso, verifico no caso que a conclusão posta pelo Relator da decisão rescindenda não desborda do razoável.
O julgado é claro ao indicar que, de acordo com o conjunto probatório, não restaram preenchidos os requisitos para a concessão do benefício assistencial.
Ainda que, para fins de aferição de renda, se excluísse a irmã do núcleo familiar, como insiste o autor - resultando em um salário mínimo recebido pelo pai (R$ 622,00 à época) -, a renda per capita superaria ¼ do salário mínimo, visto que o núcleo se reduziria a 3 pessoas. Não há presunção de miserabilidade a ser considerada no caso concreto e o estudo social é revelador no sentido de que "a família apresenta ser de classe média", dispondo de mais de uma unidade de alguns bens de uso durável (dois aparelhos de TV, duas geladeiras, dois computadores, dois aparelhos de ar condicionado).
É pacífico o entendimento de que o benefício assistencial não tem por fim a complementação da renda familiar ou proporcionar maior conforto ao beneficiário, mas sim, que se destina ao idoso ou deficiente em estado de penúria, que comprove os requisitos legais, sob pena de ser concedido indiscriminadamente em prejuízo daqueles que realmente necessitam, na forma da lei.
De todo o exposto, tendo o julgador decidido dentro dos parâmetros delineados pelo STJ e STF, não há amparo jurídico para a afirmação da ocorrência de violação à literal disposição de lei.
E nem se afirme que não houve uma correta análise da prova, pois o STJ tem, reiteradamente, afirmado que a eventual má apreciação da prova e a injustiça da decisão não autorizam o exercício da ação rescisória.
Precedentes:
Logo, é de se concluir, o que o autor pretende é o reexame da causa, em busca de uma análise favorável da prova produzida na demanda originária, o que tem sido rejeitado por esta 3ª Seção.
Improcedente, portanto, o pedido de rescisão formulado, seja por erro de fato, seja por violação a literal disposição de lei.
Rejeito a matéria preliminar, referente à incidência da Súmula 343/STF, julgo improcedente o pedido formulado nesta ação rescisória e condeno o autor ao pagamento de honorários advocatícios que fixo em R$1.000,00 (um mil reais), cuja exigibilidade fica suspensa, nos termos do art. 98, §3º, do CPC/2015, por ser beneficiário da assistência judiciária gratuita.
Comunique-se o Juízo da 1ª Vara Federal de Coxim/MS, por onde tramitaram os autos de nº 0000462-36.2012.403.6007 (fls. 153/156), dando-se ciência do inteiro teor deste acórdão.
É o voto.
MARISA SANTOS
Desembargadora Federal
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| Data e Hora: | 29/03/2017 12:56:17 |
