Processo
AR - AçãO RESCISóRIA / SP
5014105-08.2019.4.03.0000
Relator(a)
Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO
Órgão Julgador
3ª Seção
Data do Julgamento
30/06/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 02/07/2020
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFÍCIO POR
INCAPACIDADE. IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA. ACOLHIMENTO. VALORAÇÃO DO
CONJUNTO PROBATÓRIO. ADOÇÃO DE FUNDAMENTO DIVERSO. INOCORRÊNCIA DE
JULGAMENTO EXTRA PETITA. DEVOLUÇÃO DE VALORES. BOA-FÉ. MATÉRIA AFETADA.
QUESTÃO CONTROVERTIDA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 343 DO E. STF. VIOLAÇÃO À
NORMA JURÍDICA NÃO CONFIGURADO. APRECIAÇÃO DA TOTALIDADE DAS PROVAS.
UTILIZAÇÃO DAS “MÁXIMAS DE EXPERIÊNCIA”. ERRO DE FATO NÃO CARACTERIZADO.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. JUSTIÇA GRATUITA.
I – Ovalor da causa nas ações rescisórias deve corresponder normalmente ao valor da causa
originária, corrigido monetariamente, todavia é possível atribuição de valor distinto se houver
comprovação de que o benefício econômico pretendido está em descompasso com o valor
atribuído à causa (STJ; Pet n. 9892/SP - 2013/0116789-2, 2ª Seção; Rel. Ministro Luis Felipe
Salomão; j. 11.02.2015; DJe 03.03.2015).
II - O valor atribuído à causa subjacente (R$ 30.000,00 em 05/2011) não destoa da expressão
econômica do bem da vida almejado, consistente na abstenção de cobrança de valores recebidos
a título de auxílio-doença no período de 16.10.2008 a 30.09.2010 e pagamento de prestação de
auxílio-doença desde 10.2010 até conversão em aposentadoria por invalidez.
III - Para se apurar o devido valor da presente causa, há que se proceder à atualização monetária
do valor atribuído à causa originária no período correspondente entre a data de ajuizamento da
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
ação subjacente (05/2011) e a data do ajuizamento da presente ação rescisória (06/2019),
mediante a adoção do índice de 1,5748 constante da tabela de correção monetária do Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, resultando no montante de R$
47.244,00 (quarenta e sete mil, duzentos e quarenta e quatro reais).
IV - A possibilidade de se eleger mais de uma interpretação à norma regente, em que uma das
vias eleitas viabiliza o devido enquadramento dos fatos à hipótese legal descrita, desautoriza a
propositura da ação rescisória, a teor da Súmula n. 343 do STF.
V - A r. decisão rescindenda, consubstanciada no acórdão prolatado pela 9ª Turma, que
substituiu a decisão monocrática embasada no art. 557 do CPC-1973, sopesando as provas
constantes dos autos, concluiu pelo não preenchimento dos requisitos legais necessários para a
concessão do benefício por incapacidade, não só pelo não cumprimento da carência, bem como
pela não autenticidade do vínculo empregatício anotado em CTPS e pela própria inocorrência de
acometimento de enfermidade incapacitante.
VI - Não se vislumbra qualquer desvio da causa de pedir, a ensejar a realização de julgamento
extra petita, posto que a Turma Julgadora apreciou exatamente a questão levada pela parte
autora para demonstrar o seu direito (cumprimento de carência, qualidade de segurado,
existência de enfermidade incapacitante), apoiando-se nas provas que passaram pelo crivo do
contraditório.
VII- No âmbito da matéria impugnada no recurso de agravo legal, que no caso versou sobre o
preenchimento dos requisitos legais necessários para a concessão do benefício por
incapacidade, o conhecimento da matéria pelo tribunal é pleno, tendo a possibilidade de adotar
fundamento diverso àquele lançado pelas partes processuais, seja para acolher ou rejeitar a
pretensão, sem que isto implique violação ao princípio da adstrição, a configurar julgamento extra
petita. Precedente do e. STJ.
VIII - A r. decisão rescindenda abordou expressamente a questão concernente ao suposto
enquadramento da doença constatada pelo perito oficial como “doença do trabalho”, que
ensejaria a dispensa do período de carência, nos termos do art. 26, II, da Lei n. 8.213-91, tendo
concluído pela não comprovação do nexo entre o trabalho desempenhado pela parte autora e a
enfermidade que a acometeu.
IX - Constou no relatório da sentença o pleito para que o INSS se abstivesse de exigir a
devolução dos valores que a parte autora recebeu no período em que usufruiu do benefício de
auxílio-doença, de modo que a decretação da improcedência do pedido abarcou tal pretensão.
Cabe relembrar também que em seu recurso de apelação, a parte autora delimitou sua pretensão
ao recebimento de valores a partir de outubro de 2010, logo após a cessação do benefício de
auxílio-doença ocorrido em 09-2010. De qualquer forma, importante consignar que a matéria em
debate propicia a discussão de tema que se encontra afetado por recurso especial repetitivo,
consistente na “devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício
previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração
da Previdência Social” (ProAfR no REsp 1381734-RN; tema 979), evidenciando, pois, o caráter
controverso da questão, a ensejar o óbice da Súmula n. 343 do e. STF.
X - Não se afigura a ocorrência violação à norma jurídica aventada pela parte autora,
notadamente em relação à alegação de julgamento extra petita, inviabilizando, pois, a abertura da
via rescisória com fundamento no art. 966, V, do CPC.
XI - Verifica-se que a r. decisão rescindenda valorou todas as provas acostadas aos autos
subjacentes, utilizando-se das “máximas de experiência” autorizadas pelo art. 335 do CPC-1973,
para firmar convicção acerca da ocorrência dos fatos e do modo como aconteceram, não se
cogitando na admissão de fato inexistente ou a consideração por inexistente de fato efetivamente
ocorrido, restando descaracterizado, portanto, o erro de fato previsto no art. 966, VIII, do CPC.
XII - Ante a sucumbência sofrida pela parte autora e em se tratando de beneficiária da Assistência
Judiciária Gratuita, esta deve arcar com honorários advocatícios no importe de R$ 1.000,00 (um
mil reais), ficando sua exigibilidade suspensa, nos termos do art. 98, §§ 2º e 3º, do CPC.
XIII – Impugnação ao valor da causa acolhida. Ação rescisória cujo pedido se julga improcedente.
Acórdao
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5014105-08.2019.4.03.0000
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
AUTOR: BENEDITA CORREA SILVA
Advogados do(a) AUTOR: MANOEL ROBERTO HERMIDA OGANDO - SP55983-A, NILTON DE
JESUS COSTA JUNIOR - SP120928-A, MICHEL DOMINGUES HERMIDA - SP182995-A
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5014105-08.2019.4.03.0000
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
AUTOR: BENEDITA CORREA SILVA
Advogados do(a) AUTOR: MANOEL ROBERTO HERMIDA OGANDO - SP55983-A, NILTON DE
JESUS COSTA JUNIOR - SP120928-A, MICHEL DOMINGUES HERMIDA - SP182995-A
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Sr. Desembargador Federal Sérgio Nascimento (Relator): Cuida-se de ação rescisória,
sem pedido de concessão de tutela provisória de urgência, intentada com fulcro no art. 966,
incisos V e VIII, do CPC, por BENEDITA CORREA SILVA em face do INSTITUTO NACIONAL DE
SEGURO SOCIAL - INSS, visando desconstituir acórdão proferido pela 9ª Turma deste Tribunal,
que negou provimento ao agravo legal interposto pela parte autora, mantendo decisão
monocrática proferida com base no art. 557 do CPC-1973, que negou seguimento à apelação
então interposta, com a preservação de sentença que julgou improcedente o pedido que
objetivava o restabelecimento do benefício de auxílio-doença então concedido e posteriormente
revogado ou sua conversão em aposentadoria por invalidez, com a consequente determinação no
sentido de que a autarquia previdenciária se abstivesse de exigir a devolução dos valores pagos
a título de auxílio-doença no período compreendido entre 16.10.2008 a 30.09.2010. A r. decisão
rescindenda transitou em julgado em 09.04.2018 (id. 67688846 – pág. 18) e o presente feito foi
distribuído em 04.06.2019.
Na petição inicial, alega a parte autora que havia ajuizado ação previdenciária em que buscava a
concessão de aposentadoria por invalidez ou o restabelecimento do benefício de auxílio-doença
desde a sua cessação na esfera administrativa, e para que o INSS se abstivesse de exigir a
devolução dos valores percebidos entre 16.10.2008 e 30.09.2010, tendo o pedido sido julgado
improcedente na Primeira Instância; que interposto recurso de apelação, este Tribunal negou-lhe
seguimento; que a r. decisão rescindenda incorreu em julgamento extra petita, pois restou
demonstrado que o recurso de apelação versava sobre os requisitos legais para a concessão do
benefício por incapacidade e a decisão rescindenda não se restringiu a sua análise, e, ainda,
extrapolou os limites da demanda, utilizando-se de ilações desencontradas; que a r. decisão
rescindenda não apreciou as questões controvertidas, mas, em vez disso, aplicou o direito que
julgou mais conveniente ao caso sob sua ótica pessoal para justificar a negativa de seguimento
do recurso de apelação; que a r. decisão rescindenda não só extrapolou os limites da demanda,
ignorando, inclusive, o resultado encontrado pela perícia oficial, mas principalmente a prova
documental, que demonstra a qualidade de segurada da autora ante o que prevê a lei especial
previdenciária; que a r. decisão rescindenda não se atentou para alegação da ocorrência de
julgamento infra petita, na medida em que o juízo de primeira instância deixou de apreciar a
questão fundamental da natureza acidentária constatada pelo I. Perito em relação à enfermidade
acometida pela então apelante e, por corolário, da isenção legal do período de carência; que não
se observou a regra contida no artigo 20 e 26 da Lei n.8.213/91 relativa ao requisito da carência;
que a prova relativa ao “contrato de trabalho como gerente de operações” considerado “suspeito”
pela r. decisão rescindenda, bem como sua conclusão referente a “dificuldade para que as
pessoas consigam inserção no concorrido mercado de trabalho, mesmo possuindo qualificação e
experiência, ao passo que Benedita, sem nenhuma atuação na área e pessoa com idade
avançada, no ano 2007 curiosamente foi contratada para o cargo de gerência de operações numa
empresa de transportes, cargo este que, para os olhos de qualquer leigo, mas que possua
mínimo senso de razoabilidade, demanda conhecimento específico do setor”, não se mostra
presente nos autos, eis que inexiste impugnação específica a tal respeito apresentada pelo INSS;
que quanto à prova do recolhimento das doze contribuições necessárias a concessão do
benefício postulado na mencionada ação previdenciária, mesmo com a isenção decorrente da
conclusão da perícia médica (doença do trabalho), o conjunto probatório produzido naquele
processo revela em si a qualidade de segurada e o cumprimento do período de carência por parte
da autora, conforme indicam os documentos então acostados, sendo certo ainda o fato de que ela
teve concedido o benefício de auxílio-doença (NB 5327773589) com DID em 24/10/2008, fato
que, por si só, demonstra o preenchimento do requisito legal para os fins de carência; que
constitui erro de fato a inobservância do valor da prova produzida a respeito do pedido formulado
na apelação, inclusive, por ocasião das razões do recurso, cujo conhecimento não pode ser
inviabilizado se sobre a matéria inerente ao mérito esta não era manifestamente improcedente, ou
havia confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo Tribunal, de Tribunal
Superior ou do Supremo Tribunal Federal (art. 557, CPC/73); que pelo erro de fato, também há
que ser reconhecida a procedência da presente ação. Requer, pois, seja desconstituído a r.
decisão rescindenda nos autos do Agravo Legal em Apelação Cível n. 2015.03.99.002266-4 para
que, em novo julgamento, seja julgado procedente o pedido formulado na ação subjacente,
condenando o INSS a converter o benefício de auxílio-doença em aposentadoria por invalidez; e,
não sendo esse o entendimento, subsidiariamente, determine seja restabelecido o benefício de
auxílio-doença, em qualquer das hipóteses, empreste-se à decisão efeitos retroativos à data em
que cessaram os pagamentos e, por corolário, seja determinado que o Instituto-réu se abstenha
de exigir a devolução dos valores pagos à Autora sob a rubrica de auxílio-doença no período de
16.10.2008 a 30.09.2010. Protesta, outrossim, pela concessão dos benefícios da assistência
judiciária gratuita.
Deferidos os benefícios da Justiça Gratuita (id. 75116786 – pág. 1).
Devidamente citado, ofertou o réu contestação, arguindo, preliminarmente, incorreção no valor
atribuído à causa. No mérito, sustenta que não há que se falar em julgamento extra e citra petita,
pois houve apreciação do conjunto fático-probatório acerca do cumprimento dos requisitos para
obtenção do benefício, no caso, o cumprimento da carência de 12 (doze) contribuições para
obtenção do benefício do auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez; que os dispositivos do
CPC dão competência ao tribunal para apreciar e decidir a lide considerando todas as questões
suscitadas no processo e todo o arcabouço probatório, lembrando-se que o Tribunal é soberano
na análise das circunstâncias fáticas e probatórias da causa; que com a interposição do agravo
legal, a parte autora teve a questão submetida à apreciação do colegiado da 9ª Turma, de modo
que, também sob este ponto, não há que se falar em nulidade da decisão monocrática; que não
foi formulado nenhum pedido de benefício acidentário, mesmo porque, faltaria competência ao
Tribunal Federal para apreciar pedido de benefício previdenciário decorrente de acidente de
trabalho, o que não é o caso, visto que os benefícios previdenciários pleiteados na inicial da ação
subjacente foram: auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e auxílio suplementar de 25%; que
a parte autora não faz jus ao benefício previdenciário incapacitante, porque não foi cumprida a
exigência de carência de 12 (doze) contribuições (art. 25, I, da Lei 8.212/91), mesmo com o
resgate da competência de 02/2001 da filiação anterior, não preenchendo o período de carência
de 12 contribuições, uma vez que a alegada incapacidade está firmada em março/2008.Requer,
por fim, seja julgado improcedente o pedido deduzido na presente rescisória.
Réplica (id. 90486628 – pág. 1).
Pela decisão id. 92826632 – pág. 1, foi acolhida a impugnação ao valor da causa suscitada pela
autarquia previdenciária, com a fixação do valor da causa em R$ 47.244,00 (quarenta e sete mil,
duzentos e quarenta e quatro reais).
Não houve produção de provas.
Razões finais da parte autora (id. 106465768 – pág. 11).
Razões finais da parte ré (id. 107727638 – pág. 1).
Manifestação do Ministério Público Federal, em que assinala que “..não foram identificados vícios
formais ou procedimentais que possam indicar preterição de direito fundamental na prestação
jurisdicional..”, deixando de ofertar parecer sobre o mérito da demanda.
É o relatório.
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5014105-08.2019.4.03.0000
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
AUTOR: BENEDITA CORREA SILVA
Advogados do(a) AUTOR: MANOEL ROBERTO HERMIDA OGANDO - SP55983-A, NILTON DE
JESUS COSTA JUNIOR - SP120928-A, MICHEL DOMINGUES HERMIDA - SP182995-A
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
De início, repiso a decisão id. 92826632 que acolheu a impugnação ao valor atribuído à causa
apresentada pela autarquia previdenciária, a saber:
“...Vistos.
O valor da causa nas ações rescisórias deve corresponder normalmente ao valor da causa
originária, corrigido monetariamente, todavia é possível atribuição de valor distinto se houver
comprovação de que o benefício econômico pretendido está em descompasso com o valor
atribuído à causa (STJ; Pet n. 9892/SP - 2013/0116789-2, 2ª Seção; Rel. Ministro Luis Felipe
Salomão; j. 11.02.2015; DJe 03.03.2015).
No caso em tela, penso que o valor atribuído à causa subjacente (R$ 30.000,00 em 05/2011) não
destoa da expressão econômica do bem da vida almejado, consistente na abstenção de cobrança
de valores recebidos a título de auxílio-doença no período de 16.10.2008 a 30.09.2010 e
pagamento de prestação de auxílio-doença desde 10.2010 até conversão em aposentadoria por
invalidez.
Assim sendo, para se apurar o devido valor da presente causa, há que se proceder à atualização
monetária do valor atribuído à causa originária no período correspondente entre a data de
ajuizamento da ação subjacente (05/2011) e a data do ajuizamento da presente ação rescisória
(06/2019), mediante a adoção do índice de 1,5748 constante da tabela de correção monetária do
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, resultando no
montante de R$ 47.244,00 (quarenta e sete mil, duzentos e quarenta e quatro reais).
Diante do exposto, acolho a impugnação ao valor da causa suscitada pela autarquia
previdenciária, fixando o valor da causa em R$ 47.244,00 (quarenta e sete mil, duzentos e
quarenta e quatro reais).
Por derradeiro, intimem-se as partes para que apresentem as provas que pretendem produzir,
justificando-as...”
Não havendo dúvida quanto à tempestividade do ajuizamento da presente ação rescisória, passo
ao juízo rescindens.
I - DO JUÍZO RESCINDENS.
Dispõe o art. 966, V, do CPC:
Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
(...)
V – violar manifestamente norma jurídica;
Verifica-se, pois, que para que ocorra a rescisão respaldada no inciso destacado deve ser
demonstrada a violação à lei perpetrada pela r. decisão de mérito, consistente na inadequação
dos fatos deduzidos na inicial à figura jurídica construída pela decisão rescindenda, decorrente de
interpretação absolutamente errônea da norma regente.
De outra parte, a possibilidade de se eleger mais de uma interpretação à norma regente, em que
uma das vias eleitas viabiliza o devido enquadramento dos fatos à hipótese legal descrita,
desautoriza a propositura da ação rescisória. Tal situação se configura quando há interpretação
controvertida nos tribunais acerca da norma tida como violada. Nesse diapasão, o E. STF editou
a Súmula n. 343, in verbis:
Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se
tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.
No caso vertente, a parte autora, na ação subjacente, alegou que preencheu os requisitos legais
necessários para obtenção do benefício por incapacidade, pois fora acometida de mal
incapacitante desde 03-2008, tendo cumprido igualmente a carência exigida, mediante
contribuição ao RGPS, na condição de empregada, desde 09-2007 até 10-2008.
Por sua vez, a sentença proferida nos autos subjacente julgou improcedente o pedido, sob o
fundamento de que “...o mal incapacitante, conforme relato da própria autora, teve início em abril
de 2008, sendo que a autora iniciou o recolhimento ao RGPS em novembro de 2007..”.
Interposta apelação pela ora autora, foi proferida decisão monocrática na forma prevista no art.
557 do CPC-1973, com a negativa de seguimento ao aludido recurso, ao argumento de que é
“..de rigor a manutenção da r. sentença, seja em função do não preenchimento da carência, seja
porque da fragilidade extrema o vínculo em CTPS, instaurado em 2007, quando a própria
demandante afirmou perante o Cartório que sua profissão era de corretora de imóveis, igualmente
duvidosa a existência da moléstia diante do apurado..”.
Na sequência, manejado o agravo regimental, a 9ª Turma Julgadora negou-lhe provimento,
repisando os fundamentos explicitados na r. decisão monocrática.
A r. decisão rescindenda, consubstanciada no acórdão prolatado pela 9ª Turma, que substituiu a
decisão monocrática embasada no art. 557 do CPC-1973, sopesando as provas constantes dos
autos, concluiu pelo não preenchimento dos requisitos legais necessários para a concessão do
benefício por incapacidade, não só pelo não cumprimento da carência, bem como pela não
autenticidade do vínculo empregatício anotado em CTPS e pela própria inocorrência de
acometimento de enfermidade incapacitante.
A rigor, não se vislumbra qualquer desvio da causa de pedir, a ensejar a realização de julgamento
extra petita, posto que a Turma Julgadora apreciou exatamente a questão levada pela parte
autora para demonstrar o seu direito (cumprimento de carência, qualidade de segurado,
existência de enfermidade incapacitante), apoiando-se nas provas que passaram pelo crivo do
contraditório.
Cabe destacar que no âmbito da matéria impugnada no recurso de agravo legal, que no caso
versou sobre o preenchimento dos requisitos legais necessários para a concessão do benefício
por incapacidade, o conhecimento da matéria pelo tribunal é pleno, tendo a possibilidade de
adotar fundamento diverso àquele lançado pelas partes processuais, seja para acolher ou rejeitar
a pretensão, sem que isto implique violação ao princípio da adstrição, a configurar julgamento
extra petita.
Nesse sentido, confira-se a jurisprudência:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
TOMBAMENTO. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO E IMPEDIMENTO. ALEGAÇÃO GENÉRICA DE
OFENSA AO ART. 535 DO CPC/1973. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 284 DO STF. UTILIZAÇÃO DE
FUNDAMENTO JURÍDICO DIVERSO DO APONTADO PELAS PARTES. JULGAMENTO
EXTRA-PETITAE REFORMATIO IN PEJUS. INOCORRÊNCIA. NO MÉRITO DA EXCEÇÃO,
IMPOSSIBILIDADE DE ANALISAR A LEGISLAÇÃO MUNICIPAL OU ESTADUAL. APLICAÇÃO
DA SÚMULA 280 DO STF. NÃO CABIMENTO DA EXCEÇÃO CONTRA QUEM É PARTE NO
PROCESSO, E NÃO AUXILIAR DO JUÍZO. PRETENSÃO DE AFASTAMENTO DA
INTEMPESTIVIDADE. INVIABILIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS. INEXISTÊNCIA
DE INTERESSEPROCESSUAL,ANTE O JULGAMENTO DE IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO, JÁ
TRANSITADO EM JULGADO NESTE PONTO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO
DEMONSTRADO. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO. AGRAVO INTERNO DOS
PARTICULARES A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Nos termos do que decidido pelo Plenário do STJ, aos recursos interpostos com fundamento
no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os
requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Enunciado Administrativo
2. As partes agravantes não demonstraram especificamente, em seu Recurso Especial, em que
consiste violação do art. 535 do CPC/1973, pois se limitaram a alegar de forma genérica a
existência de supostas omissões no aresto recorrido, sem a indicação específica dos pontos
sobre os quais o julgador deveria ter se manifestado, o que inviabiliza a compreensão da
controvérsia. Incide, portanto, a aplicação do óbice previsto na Súmula 284/STF.
3. É firme o entendimento desta Corte Superior no sentido de que a utilização de fundamento
diverso do invocado pelas partes não viola o princípio da adstrição. Julgados: AgInt no AREsp.
1.188.873/MS, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 14.8.2018; AgRg no AREsp.
304.889/SP, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 7.5.2014.
(...)
(STJ; AIEDARESP 714153; 1ª Turma; Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho; j. 11.06.2019;
DJE 17.06.2019)
Insta ressaltar que a r. decisão rescindenda abordou expressamente a questão concernente ao
suposto enquadramento da doença constatada pelo perito oficial como “doença do trabalho”, que
ensejaria a dispensa do período de carência, nos termos do art. 26, II, da Lei n. 8.213-91, tendo
concluído pela não comprovação do nexo entre o trabalho desempenhado pela parte autora e a
enfermidade que a acometeu, como se pode ver do seguinte trecho que abaixo reproduzo:
“...O expert não cravou que a doença foi causada em razão do trabalho, mas assentou que a
patologia pode ter como causa a labuta, fls. 139, inexistindo qualificação da apelante como
alienada mental, nenhum episódio do gênero tendo sido relatado-aos autos, o que se põe
ratificado pelo casamento em maio de 2009, evidenciando total capacidade civil..”.
Cumpre ainda salientar que constou no relatório da sentença o pleito para que o INSS se
abstivesse de exigir a devolução dos valores que a parte autora recebeu no período em que
usufruiu do benefício de auxílio-doença, de modo que a decretação da improcedência do pedido
abarcou tal pretensão. Cabe relembrar também que em seu recurso de apelação, a parte autora
delimitou sua pretensão ao recebimento de valores a partir de outubro de 2010, logo após a
cessação do benefício de auxílio-doença ocorrido em 09-2010.
De qualquer forma, importante consignar que a matéria em debate propicia a discussão de tema
que se encontra afetado por recurso especial repetitivo, consistente na “devolução ou não de
valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação
errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social” (ProAfR no REsp
1381734-RN; tema 979), evidenciando, pois, o caráter controverso da questão, a ensejar o óbice
da Súmula n. 343 do e. STF.
Em síntese, não se afigura a ocorrência violação à norma jurídica aventada pela parte autora,
notadamente em relação à alegação de julgamento extra petita, inviabilizando, pois, a abertura da
via rescisória com fundamento no art. 966, V, do CPC.
De outra parte, verifica-se que a r. decisão rescindenda valorou todas as provas acostadas aos
autos subjacentes, utilizando-se das “máximas de experiência” autorizadas pelo art. 335 do CPC-
1973, para firmar convicção acerca da ocorrência dos fatos e do modo como aconteceram, não
se cogitando na admissão de fato inexistente ou a consideração por inexistente de fato
efetivamente ocorrido, restando descaracterizado, portanto, o erro de fato previsto no art. 966,
VIII, do CPC.
II - DO DISPOSITIVO DA RESCISÓRIA.
Diante do exposto, acolho a impugnação ao valor atribuído à causa, para que seja fixado o
montante de R$ 47.244,00 (quarenta e sete mil e duzentos e quarenta e quatro reais), e julgo
improcedente o pedido formulado na presente ação rescisória. Ante a sucumbência sofrida pela
parte autora e em se tratando de beneficiária da Assistência Judiciária Gratuita, esta deve arcar
com honorários advocatícios no importe de R$ 1.000,00 (um mil reais), ficando sua exigibilidade
suspensa, nos termos do art. 98, §§ 2º e 3º, do CPC.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFÍCIO POR
INCAPACIDADE. IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA. ACOLHIMENTO. VALORAÇÃO DO
CONJUNTO PROBATÓRIO. ADOÇÃO DE FUNDAMENTO DIVERSO. INOCORRÊNCIA DE
JULGAMENTO EXTRA PETITA. DEVOLUÇÃO DE VALORES. BOA-FÉ. MATÉRIA AFETADA.
QUESTÃO CONTROVERTIDA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 343 DO E. STF. VIOLAÇÃO À
NORMA JURÍDICA NÃO CONFIGURADO. APRECIAÇÃO DA TOTALIDADE DAS PROVAS.
UTILIZAÇÃO DAS “MÁXIMAS DE EXPERIÊNCIA”. ERRO DE FATO NÃO CARACTERIZADO.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. JUSTIÇA GRATUITA.
I – Ovalor da causa nas ações rescisórias deve corresponder normalmente ao valor da causa
originária, corrigido monetariamente, todavia é possível atribuição de valor distinto se houver
comprovação de que o benefício econômico pretendido está em descompasso com o valor
atribuído à causa (STJ; Pet n. 9892/SP - 2013/0116789-2, 2ª Seção; Rel. Ministro Luis Felipe
Salomão; j. 11.02.2015; DJe 03.03.2015).
II - O valor atribuído à causa subjacente (R$ 30.000,00 em 05/2011) não destoa da expressão
econômica do bem da vida almejado, consistente na abstenção de cobrança de valores recebidos
a título de auxílio-doença no período de 16.10.2008 a 30.09.2010 e pagamento de prestação de
auxílio-doença desde 10.2010 até conversão em aposentadoria por invalidez.
III - Para se apurar o devido valor da presente causa, há que se proceder à atualização monetária
do valor atribuído à causa originária no período correspondente entre a data de ajuizamento da
ação subjacente (05/2011) e a data do ajuizamento da presente ação rescisória (06/2019),
mediante a adoção do índice de 1,5748 constante da tabela de correção monetária do Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, resultando no montante de R$
47.244,00 (quarenta e sete mil, duzentos e quarenta e quatro reais).
IV - A possibilidade de se eleger mais de uma interpretação à norma regente, em que uma das
vias eleitas viabiliza o devido enquadramento dos fatos à hipótese legal descrita, desautoriza a
propositura da ação rescisória, a teor da Súmula n. 343 do STF.
V - A r. decisão rescindenda, consubstanciada no acórdão prolatado pela 9ª Turma, que
substituiu a decisão monocrática embasada no art. 557 do CPC-1973, sopesando as provas
constantes dos autos, concluiu pelo não preenchimento dos requisitos legais necessários para a
concessão do benefício por incapacidade, não só pelo não cumprimento da carência, bem como
pela não autenticidade do vínculo empregatício anotado em CTPS e pela própria inocorrência de
acometimento de enfermidade incapacitante.
VI - Não se vislumbra qualquer desvio da causa de pedir, a ensejar a realização de julgamento
extra petita, posto que a Turma Julgadora apreciou exatamente a questão levada pela parte
autora para demonstrar o seu direito (cumprimento de carência, qualidade de segurado,
existência de enfermidade incapacitante), apoiando-se nas provas que passaram pelo crivo do
contraditório.
VII- No âmbito da matéria impugnada no recurso de agravo legal, que no caso versou sobre o
preenchimento dos requisitos legais necessários para a concessão do benefício por
incapacidade, o conhecimento da matéria pelo tribunal é pleno, tendo a possibilidade de adotar
fundamento diverso àquele lançado pelas partes processuais, seja para acolher ou rejeitar a
pretensão, sem que isto implique violação ao princípio da adstrição, a configurar julgamento extra
petita. Precedente do e. STJ.
VIII - A r. decisão rescindenda abordou expressamente a questão concernente ao suposto
enquadramento da doença constatada pelo perito oficial como “doença do trabalho”, que
ensejaria a dispensa do período de carência, nos termos do art. 26, II, da Lei n. 8.213-91, tendo
concluído pela não comprovação do nexo entre o trabalho desempenhado pela parte autora e a
enfermidade que a acometeu.
IX - Constou no relatório da sentença o pleito para que o INSS se abstivesse de exigir a
devolução dos valores que a parte autora recebeu no período em que usufruiu do benefício de
auxílio-doença, de modo que a decretação da improcedência do pedido abarcou tal pretensão.
Cabe relembrar também que em seu recurso de apelação, a parte autora delimitou sua pretensão
ao recebimento de valores a partir de outubro de 2010, logo após a cessação do benefício de
auxílio-doença ocorrido em 09-2010. De qualquer forma, importante consignar que a matéria em
debate propicia a discussão de tema que se encontra afetado por recurso especial repetitivo,
consistente na “devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício
previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração
da Previdência Social” (ProAfR no REsp 1381734-RN; tema 979), evidenciando, pois, o caráter
controverso da questão, a ensejar o óbice da Súmula n. 343 do e. STF.
X - Não se afigura a ocorrência violação à norma jurídica aventada pela parte autora,
notadamente em relação à alegação de julgamento extra petita, inviabilizando, pois, a abertura da
via rescisória com fundamento no art. 966, V, do CPC.
XI - Verifica-se que a r. decisão rescindenda valorou todas as provas acostadas aos autos
subjacentes, utilizando-se das “máximas de experiência” autorizadas pelo art. 335 do CPC-1973,
para firmar convicção acerca da ocorrência dos fatos e do modo como aconteceram, não se
cogitando na admissão de fato inexistente ou a consideração por inexistente de fato efetivamente
ocorrido, restando descaracterizado, portanto, o erro de fato previsto no art. 966, VIII, do CPC.
XII - Ante a sucumbência sofrida pela parte autora e em se tratando de beneficiária da Assistência
Judiciária Gratuita, esta deve arcar com honorários advocatícios no importe de R$ 1.000,00 (um
mil reais), ficando sua exigibilidade suspensa, nos termos do art. 98, §§ 2º e 3º, do CPC.
XIII – Impugnação ao valor da causa acolhida. Ação rescisória cujo pedido se julga improcedente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Seção, por
unanimidade, decidiu acolher a impugnação ao valor atribuído à causa, para que seja fixado o
montante de R$ 47.244,00 (quarenta e sete mil e duzentos e quarenta e quatro reais), e julgar
improcedente o pedido formulado na presente ação rescisória, nos termos do voto do
Desembargador Federal SÉRGIO NASCIMENTO (Relator), no que foi acompanhado pelos
Desembargadores Federais LUIZ STEFANINI, LUCIA URSAIA, TORU YAMAMOTO, DAVID
DANTAS, GILBERTO JORDAN, PAULO DOMINGUES, NELSON PORFIRIO e CARLOS
DELGADO, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
