Processo
AR - AÇÃO RESCISÓRIA / SP
5023340-96.2019.4.03.0000
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA
Órgão Julgador
3ª Seção
Data do Julgamento
14/09/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 17/09/2020
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 966, V, DO CPC. PREVIDENCIÁRIO.
APOSENTADORIA ESPECIAL. REQUERIMENTO DE PRODUÇÃO DAS PROVAS
TESTEMUNHAL E PERICIAL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO CONTRA A DECISÃO
INDEFERITÓRIA. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA DE MÉRITO JULGANDO
IMPROCEDENTE O PEDIDO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. USO DO
PODER INSTRUTÓRIO FACULTADO AO MAGISTRADO. PROVA EMPRESTADA
APRESENTADA NOS PRESENTES AUTOS. ANÁLISE À LUZ DA HIPÓTESE DE PROVA NOVA
(ART. 966, VII, DO CPC). IMPOSSIBILIDADE DE GARANTIR UM PRONUNCIAMENTO
FAVORÁVEL.
1. As preliminares de carência da ação e de incidência da Súmula 343/STF confundem-se com o
mérito, âmbito em que devem ser analisadas.
2. A teor do disposto no § 2º, do Art. 68, do Decreto 3.048/99, "A comprovação da efetiva
exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário denominado perfil
profissiográfico previdenciário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social,
emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do
trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho."
3. Cabe ao juiz, no uso do seu poder instrutório, desde que fundamentada a decisão, indeferir as
diligências inúteis ou meramente protelatórias, hipótese em que se faculta à parte que se sentir
prejudicada os meios apropriados à impugnação pretendida.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
4. Não se reconhece a existência de violação manifesta de norma jurídica no julgado, em razão
da estrita observância dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla
defesa.
5. Os laudos periciais apresentados a título de prova emprestada, bem como os PPP's juntados
pelo autor, ainda que analisados sob o prisma da "prova nova" (Art. 966, VII, do CPC), não se
mostram capazes de garantir um pronunciamento favorável, por serem posteriores à formação da
coisa julgada ou por não haver justicativa plausível para a sua não utilização no momento
oportuno.
6. Rejeitada a matéria preliminar. Julgado improcedente o pedido de rescisão do julgado.
Acórdao
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5023340-96.2019.4.03.0000
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
AUTOR: VANDERLEI JOSE DOS SANTOS
Advogado do(a) AUTOR: ROBERTO CARLOS DE AZEVEDO - SP168579-A
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5023340-96.2019.4.03.0000
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
AUTOR: VANDERLEI JOSE DOS SANTOS
Advogado do(a) AUTOR: ROBERTO CARLOS DE AZEVEDO - SP168579-A
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação rescisória proposta com fundamento no Art. 966, V, do Código de Processo
Civil, em que se objetiva a desconstituição da sentença proferida nos autos da ação ordinária nº
5005813-44.2018.4.03.6119, que julgou improcedente o pedido de concessão de aposentadoria
especial mediante o reconhecimento da especialidade especialidade dos períodos de 01/10/1983
a 29/10/1986, 03/06/1987 a 01/04/2013 e 16/02/2013 a 25/11/2016.
A decisão rescindenda, reproduzida no documento Id 90316134/195-205, amparou-se, em
síntese, nas seguintes razões de decidir:
“Pretende a parte autora seja reconhecida a especialidade dos períodos de 01/10/83 a 29/10/86,
03/06/87 a 01/04/13 e 16/02/13 a 25/11/16.
No tocante ao lapso de 01/10/83 a 29/10/86 (Produtos Alimentícios Abaeté Ltda), o autor afirma
fazer jus ao enquadramento em razão do desempenho da atividade de ajudante de biscoiteiro em
cozinha industrial, por categoria profissional.
Sem razão o autor, uma vez que vez que a atividade de cozinheiro não encontra previsão dentre
aquelas arroladas nos decretos previdenciários como especiais, por categoria profissional, sendo
que o tipo de trabalho desempenhado pelo autor não faz presumir, por si só, exposição a agentes
nocivos à saúde.
Outrossim, tampouco apresentou o autor laudo técnico, formulário ou PPP que comprovasse ter
laborado sob condições especiais, motivo pelo qual não é possível o enquadramento pretendido.
Quanto ao interregno de 03/06/87 a 01/04/13 (Infraero Empresa Brasileira de Infra Estrutura
Aeroportuária), o autor trabalhou como auxiliar técnico de operações e auxiliar técnico de tráfego
(páginas 13 e 15 do ID 10298646) e, no tocante ao período de 16/02/13 a 25/11/16
(Concessionária do Aeroporto Internacional de Guarulhos), como coordenador de operação de
carga (página 19 do mesmo ID).
Contudo, não apresentou o autor na esfera administrativa ou em juízo qualquer documento apto a
comprovar o exercício de trabalho em condições especiais.
Os certificados de realização de cursos, juntados com o processo administrativo (ID 10298646) e
inicial (ID 10298648 e seguintes), não se prestam a tal finalidade.
Ademais, tampouco aproveita ao autor a apresentação de atestado de saúde ocupacional, por
ocasião da demissão nas empresas Concessionária e Infraero, que nada comprovam acerca do
alegado labor especial (ID’s 13110274 e 13110277).
Verifico ainda que, embora dada oportunidade ao autor para trazer documentos nesse sentido ou
para informar a impossibilidade de apresentar os documentos (ID 10899134), requereu a
expedição de ofícios sem, contudo, comprovar a negativa das empresas em fornecer a
documentação (ID 11880508). Anoto, por oportuno, que não consta ter o autor interposto agravo
em face da decisão que indeferiu o pleito de prova pericial e de expedição de ofício (ID
11993278).
De rigor, portanto, a improcedência do pedido".
Em 05/08/2019, houve o trânsito em julgado (Id 97867698). Esta ação foi ajuizada aos
17/10/2019(Id 97863724).
A parte autora sustenta que houve ofensa ao Art. 5º, incisos LV e XXXV, da Constituição Federal,
bem como ao Art. 369, do CPC, sob o argumento de que o indeferimento da produção das provas
testemunhal e pericial, para efeito de comprovação da especialidade do tempo de serviço,
malferiu o seu direito de ação, bem como implicou cerceamento de defesa. Para o fim de
demonstrar o caráter especial das atividades exercidas, colaciona aos autos laudos periciais
realizados no ambiente de trabalho de suas empregadoras, produzidos em ações ajuizadas na
justiça comum e trabalhista, "cujos documentos requer que sejam usados como PROVA
EMPRESTADA, sem prejuízo de outras, nos termos do entendimento já sedimentado pelo STJ
(EREsp 617.428/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em
04/06/2014, DJe 17/06/2014)". Argumenta que tais documentos comprovam o desempenho de
atividades prejudiciais à saúde e à integridade física nos intervalos de tempo pleiteados. Pugna
pela rescisão do julgado a fim de que sejam reconhecidos como especiais os períodos de
03/06/1987 a 01/04/2013 e de 16/02/2013 a 25/11/2016, em razão da comprovada exposição a
produtos inflamáveis. Alternativamente, caso assim não se entenda, que seja rescindida a
sentença guerreada, possibilitando-se a reabertura da instrução probatória.
Concedidos ao autor os benefícios da gratuidade da justiça (Id 97226000).
Regularmente citado, o réu argui, em sede depreliminar, acarência de ação, por ausência do
interesse de agir, em função do caráter recursal atribuído à ação rescisória; bem como a
incidência do óbice do enunciado de Súmula nº 343/STF. No mérito, sustenta a inexistência de
violação manifesta de norma jurídica no julgado, uma vez que restou demonstrado que o autor
não se desincumbiu adequadamente de seu ônus probandi nos autos subjacentes, tendo o
magistrado proferido sua decisão à luz do conjunto probatório carreado pelo próprio autor. Alega,
ainda, a inaptidão da prova emprestada, pois produzida na Justiça do Trabalho, em lide de que a
autarquia previdenciária não fez parte, nela tendo sido adotados, para efeito de verificação da
insalubridade, critérios diferentes dos utilizados para os fins previdenciários. Requer que as
preliminares suscitadas sejam acolhidas ou, pelo princípio da eventualidade, que a ação seja
julgada improcedente. Na hipótese de procedência, pugna ainda que o termo inicial do benefício
seja fixado na data da citação da autarquia previdenciária nos presentes autos (Id 107928971).
Réplica da parte autora (Id 116497649).
Dispensada a produção de novas provas (Id 125072981).
Razões finais da parte autora (Id 132700137).
Em seu parecer, o Ministério Público Federal manifestou-se pelo regular prosseguimento do feito,
sem a sua intervenção (Id 138628838).
É o relatório.
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5023340-96.2019.4.03.0000
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
AUTOR: VANDERLEI JOSE DOS SANTOS
Advogado do(a) AUTOR: ROBERTO CARLOS DE AZEVEDO - SP168579-A
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
As preliminares decarência da ação e de incidência da Súmula 343/STF confundem-se com o
mérito, âmbito em que devem ser analisadas.
Passo a examinar a questão de fundo.
A questão tratada nos autos diz respeito ao reconhecimento do tempo trabalhado em condições
especiais, objetivando a concessão de aposentadoria especial, que se encontra disciplinada no
Art. 57, da Lei 8.213/91.
Define-se como atividade especial aquela desempenhada sob certas condições peculiares -
insalubridade, penosidade ou periculosidade - que, de alguma forma cause prejuízo à saúde ou
integridade física do trabalhador.
A contagem do tempo de serviço rege-se pela legislação vigente à época da prestação do
serviço.
Até 29/4/95, quando entrou em vigor a Lei 9.032/95, que deu nova redação ao Art. 57, § 3º, da Lei
8.213/91, a comprovação do tempo de serviço laborado em condições especiais era feita
mediante o enquadramento da atividade no rol dos Decretos 53.831/64 e 83.080/79, nos termos
do Art. 295 do Decreto 357/91; a partir daquela data até a publicação da Lei 9.528/97, em
10.03.1997, por meio da apresentação de formulário que demonstre a efetiva exposição de forma
permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais a saúde ou a integridade
física; após 10.03.1997, tal formulário deve estar fundamentado em laudo técnico das condições
ambientais do trabalho, assinado por médico do trabalho ou engenheiro do trabalho, consoante o
Art. 58 da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 9.528/97. Quanto aos agentes ruído e calor,
é de se salientar que o laudo pericial sempre foi exigido.
Nesse sentido:
"PREVIDENCIÁRIO. TEMPO ESPECIAL. LAUDO TÉCNICO EXTEMPORÂNEO. EPI.
JULGAMENTO PELO STF EM REPERCUSSÃO GERAL. APOSENTADORIA ESPECIAL.
REQUISITOS.
1. Comprovada a exposição do segurado a agente nocivo, na forma exigida pela legislação
previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade da atividade laboral
por ele exercida.
2. A jurisprudência posicionou-se no sentido de aceitar a força probante de laudo técnico
extemporâneo, reputando que, à época em que prestado o serviço, o ambiente de trabalho tinha
iguais ou piores condições de salubridade.
3. O uso de equipamentos de proteção individual – EPI, no caso de exposição a ruído, ainda que
reduza os níveis do agente físico a patamares inferiores aos previstos na legislação
previdenciária, não descaracteriza a especialidade do labor. Quanto aos demais agentes, o uso
de EPI somente descaracteriza a atividade em condições especiais se comprovada, no caso
concreto, a real efetividade, suficiente para afastar completamente a relação nociva a que o
empregado se submete. Entendimento em consonância com o julgamento pelo STF do Recurso
Extraordinário com Agravo (ARE) n. 664.335, com repercussão geral reconhecida (tema n. 555).
4. No caso dos autos, a parte autora tem direito à aposentadoria especial, porquanto
implementados os requisitos para sua concessão.
(TRF4, APELREEX 0013812-14.2015.404.9999, Sexta Turma, Relatora Vânia Hack de Almeida,
D.E. 12/02/2016);
"AGRAVO REGIMENTAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO.
CONVERSÃO DO PERÍODO LABORADO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. LEI N.º 9.711/1998.
EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS. LEIS N.ºS 9.032/1995 E 9.528/1997. OPERADOR DE
MÁQUINAS. RUÍDO E CALOR. NECESSIDADE DE LAUDO TÉCNICO. COMPROVAÇÃO.
REEXAME DE PROVAS. ENUNCIADO Nº 7/STJ. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS
FUNDAMENTOS. 1. A tese de que não foram preenchidos os pressupostos de admissibilidade do
recurso especial resta afastada, em razão do dispositivo legal apontado como violado. 2. Até o
advento da Lei n.º 9.032/1995 é possível o reconhecimento do tempo de serviço especial em face
do enquadramento na categoria profissional do trabalhador. A partir dessa lei, a comprovação da
atividade especial se dá através dos formulários SB-40 e DSS-8030, expedidos pelo INSS e
preenchidos pelo empregador, situação modificada com a Lei n.º 9.528/1997, que passou a exigir
laudo técnico. 3. Contudo, para comprovação da exposição a agentes insalubres (ruído e calor)
sempre foi necessário aferição por laudo técnico, o que não se verificou nos presentes autos. 4. A
irresignação que busca desconstituir os pressupostos fáticos adotados pelo acórdão recorrido
encontra óbice na Súmula nº 7 desta Corte. 5. Agravo regimental."
(STJ, AgRg no REsp 877.972/SP, Rel. Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador Convocado
do TJ/CE), Sexta Turma, julgado em 03/08/2010, DJe 30/08/2010).
Atualmente, no que tange à comprovação de atividade especial, dispõe o § 2º, do Art. 68, do
Decreto 3.048/99, que:
"Art. 68 (...)
§ 2º A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante
formulário denominado perfil profissiográfico previdenciário, na forma estabelecida pelo Instituto
Nacional do Seguro Social, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de
condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança
do trabalho."
(Redação dada pelo Decreto nº 4.032, de 26/11/2001).
Assim sendo, não é mais exigido que o segurado apresente o laudo técnico, para fins de
comprovação de atividade especial, basta que forneça o Perfil Profissiográfico Previdenciário -
PPP, assinado pela empresa ou seu preposto, o qual reúne, em um só documento, tanto o
histórico profissional do trabalhador como os agentes nocivos apontados no laudo ambiental que
foi produzido por médico ou engenheiro do trabalho.
Por fim, ressalte-se que o formulário extemporâneo não invalida as informações nele contidas.
Seu valor probatório remanesce intacto, haja vista que a lei não impõe seja ele contemporâneo ao
exercício das atividades. A empresa detém o conhecimento das condições insalubres a que estão
sujeitos seus funcionários e por isso deve emitir os formulários ainda que a qualquer tempo,
cabendo ao INSS o ônus probatório de invalidar seus dados.
Feitas estas considerações, observo que, para que se configure a hipótese prevista no Art. 966,
V, do CPC, impõe-se que a violação à norma seja frontal e direta. Sobre o tema, leciona a
doutrina de Humberto Theodoro Júnior, ainda que sobre o conceito de "violação a literal
disposição de lei", expresso no Código Processual Civil revogado, que:
"O conceito de violação "literal de disposição de lei" vem sendo motivo de largas controvérsias
desde o Código anterior. Não obstante, o novo estatuto deliberou conservar a mesma expressão.
O melhor entendimento, a nosso modo de ver, é o de Amaral dos Santos, para quem sentença
proferida contra literal disposição de lei não é apenas a que ofende a letra escrita de um diploma
legal; "é aquela que ofende flagrantemente a lei, tanto quando a decisão é repulsiva à lei (error in
judicando), como quando é proferida com absoluto menosprezo ao modo e forma estabelecidos
em lei para a sua prolação (error in procedendo).
Não se cogita de justiça ou injustiça no modo de interpretar a lei. Nem se pode pretender rescindir
a sentença sob invocação de melhor interpretação da norma jurídica aplicada pelo órgão
julgador".
(THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual. Vol. I. 50 ed. Rio de Janeiro: Forense,
2009, pp. 701-702).
A respeito do estatuto processual em vigor, acrescenta:
Violação manifesta, referida pelo art. 966, V, do atual Código exprime bem a que se apresenta
frontal e evidente à norma, e não a que decorre apenas de sua interpretação diante da incidência,
sobre determinado quadro fático. Reconhece-se que toda norma tem um núcleo mínimo ou
específico de compreensão, mesmo quando esteja formulada em termos vagos ou imprecisos. É
esse núcleo que não pode ser ignorado ou ultrapassado pelo intérprete e aplicador da norma. Ir
contra seu conteúdo implica, segundo Sérgio Bermudes, proferir sentença “inequivocamente
contrária à norma”, justificando-se a rescisória por sua manifesta violação".
(THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. III. 53 ed. rev. e atual. Rio de
Janeiro: Forense, p. 826).
Ao substituir o termo "violação a literal disposição de lei" por "violação manifesta de norma
jurídica", o novo Código pacificou a controvérsia doutrinária e jurisprudencial em torno do
cabimento dessa hipótese de rescindibilidade não só para os casos em que há ofensa a texto de
dispositivo de Lei, em sua literalidade, como também quando se viola princípios e regras
integrantes do ordenamento jurídico. Por sua vez, a Lei nº 13.256/16, ao introduzir os §§ 5º e 6º,
do Art. 966, do CPC, passou a prever sua aplicação contra decisão baseada em enunciado de
súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a
existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu
fundamento.
Como se extrai dos autos, a sentença rescindenda, ao analisar o preenchimento dos requisitos
necessários à aposentadoria especial, concluiu que não ficou demonstrada a especialidade das
atividades desenvolvidas pela parte autora nos períodos pleiteados, uma vez que "não
apresentou o autor na esfera administrativa ou em juízo qualquer documento apto a comprovar o
exercício de trabalho em condições especiais".
Salientou ainda o magistrado sentenciante que "embora dada oportunidade ao autor para trazer
documentos nesse sentido ou para informar a impossibilidade de apresentar os documentos [...],
requereu a expedição de ofícios sem, contudo, comprovar a negativa das empresas em fornecer
a documentação".
Anotou por fim que "não consta ter o autor interposto agravo em face da decisão que indeferiu o
pleito de prova pericial e de expedição de ofício".
De outra parte, verifica-se que a decisão interlocutória que indeferiu a produção da prova pericial,
a oitiva de testemunhas e a expedição de ofícios às empresas para obtenção de documentos (Id
90316134/185), foi fundamentada nos seguintes termos:
"Indefiro o requerimento de produção de prova pericial técnica, bem como oitiva de testemunhas,
uma vez que a prestação do serviço e a natureza da atividade deverão ser provadas por
documentos.
Indefiro também a expedição de ofícios às empresas para obtenção dos documentos requeridos,
uma vez que não cabe ao Juiz substituir o advogado na obtenção/regularização de documentos
nas empresas em que o autor laborou, cabendo, inclusive, ações específicas para tanto.
Entretanto, concedo à parte autora o prazo de 15 (quinze) dias, para a juntada de eventuais
documentos que ainda não tenham sido trazidos aos autos".
A partir da leitura da decisão, fica patente a não ocorrência do alegado cerceamento de defesa
nos autos subjacentes, nem tampouco de qualquer embaraço ao regular direito de ação pela
parte autora.
Com efeito, não se pode olvidar que cabe ao juiz, no uso do seu poder instrutório, em decisão
fundamentada, indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias, hipótese em que se
faculta à parte prejudicada servir-se dos meio apropriados à impugnação pretendida.
Se, após a decisão que lhe foi desfavorável, a parte permaneceu inerte, não pode, após isso, vir a
sustentar que foi tolhida no seu direito de defesa, haja vista a não utilização do instrumento
recursal que lhe era assegurado para demonstrar sua irresignação, com o que restou operada a
preclusão para a discussão sobre a matéria.
Não se reconhece, portanto, a existência de violação manifesta de norma jurídica no julgado, em
razão da estrita observância dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla
defesa.
No tocante à prova emprestada, afirma a parte autora que os laudos colacionados, produzidos na
Justiça Comum Federal e na Justiça do Trabalho, em ações movidas por outros empregados das
mesmas empresas para as quais prestou serviços, demonstram, por intermédio de paradigmas,
que o ambiente de trabalho e a função em que o autor se ativava estavam sujeitos a condições
insalubres. Refere-se aos laudos elaborados nas datas de 20/12/2018 e 23/01/2019 (Id 90314531
e Id 90316133).
É de se salientar que, embora não mencionado na inicial, o autor juntou também os PPP's
fornecidos pelas empresas INFRAERO - Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária e
Concessionária do Aeroporto de Guarulhos S.A., emitidos nas respectivas datas de 04/07/2019 e
16/02/2013 (Id 90314530/01-06 e Id 90316132).
Ressalte-se que nenhum desses documentos foram apresentados anteriormente, seja na via
administrativa, seja na via judicial, o que impõe a análise sobre a sua admissibilidade como prova
nova para fins rescisórios, em consonância com o princípio da mihi facto, dabo tibi jus, segundo o
qual o magistrado deve aplicar o direito ao fato, ainda que aquele não tenha sido invocado (STJ-
RTJ 21/340).
Sobre essa hipótese de rescindibilidade, dispõe o Art. 966, VII, do CPC, que a sentença de mérito
transitada em julgado pode ser rescindida quando, depois da decisão de mérito transitada em
julgado, o autor obtiver prova nova, cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso,
capaz, por si só, de lhe assegurar um pronunciamento favorável.
O atual Código de Processo Civil, ao preferir o termo "prova nova", em substituição ao
"documento novo", constante no estatuto processual revogado, alargouo seu espectro de
abrangência para o fim de admitir qualquer outra espécie de prova, além da documental.
Sobre o assunto, ressalta Humberto Theodoro Junior, que:
"O dispositivo atual, embora tenha ampliado a possibilidade de recorrer a provas novas, conserva
a exigência de que (i) sua existência fosse ignorada pela parte; ou (ii) mesmo sendo de seu
conhecimento, não lhe tenha sido possível utilizá-las antes do trânsito em julgado da sentença
rescindenda. Logo, não será lícito pretender completar a força de convencimento do documento
novo com outras provas cuja produção se intente realizar, originariamente, nos autos da ação
rescisória".
(in: Curso de Direito Processual Civil. v. III. 53 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020)
Por outro ângulo, assinala o mesmo autor:
"Não se deve conservar o entendimento de que a prova constituída após a sentença não se
presta para a rescisória. O que não se tolera é o não uso tempestivo da prova disponível, quando
nada impedia a parte de produzi-la na instrução da causa, a tempo de influir no respectivo
julgamento".
Outrossim, conforme ensina J.E. Carreira Alvim, a previsão de que a prova nova deve ter sido
obtida posteriormente ao trânsito em julgado não possui o caráter restritivo que aparenta, uma
vez que o documento pode ter se tornado conhecido antes do trânsito em julgado, "mas num
momento em que já não tem mais utilidade para a parte que pretende utilizá-lo, por haver, por
exemplo, se encerrado a instrução da causa" (in: Ação rescisória no novo CPC: de acordo com as
reformas introduzidas pelas Leis 13.256/2016, 13.363/2016 e 13.465/2017. 2ª ed. Curitiba: Juruá,
2018).
Ressalte-se, por oportuno, que a prova nova deve ter a necessária aptidão para garantir um
melhor resultado para o autor da ação rescisória, devendo reportar-se a fato já alegado
anteriormente mas não suficientemente demonstrado, por circunstâncias alheias à vontade da
parte a quem aproveita.
Nesse sentido, assinala a doutrina:
"É necessário que a prova nova trazida à baila seja suficiente para a alteração da decisão
rescindenda, ou seja, na demanda rescisória, tenha um resultado favorável.
A prova confeccionada ou constituída após finalizado o processo rescindendo, uma vez findo o
seu desiderato cognitivo, não se revestirá da necessária novidade para efeitos rescisórios. A
prova nova para a ação rescisória não poderá ser constituída em um fato novo, produzido após a
decisão rescindenda, quiçá após o trânsito em julgado material. Portanto, até mesmo o fato novo
afasta o cabimento da ação rescisória.
O fato que autoriza a ação rescisória é aquele que foi alegado tempestivamente no processo em
que proferida a decisão rescindenda, porém em que restou ausente a respectiva prova. A
novidade da prova afasta a tentativa da parte desidiosa de propor a rescisão, ou seja, será ônus
do autor demonstrar que não teve oportunidade de acesso a tal prova antes da sentença ou
acórdão.
E mais, a parte interessada deve demonstrar existência ignorada até então da prova ou, se
conhecida, a impossibilidade da apresentação, no processo rescindendo. Não o fazendo, de
futuro, a ação rescisória não será admitida".
(SOARES, Marcelo Negri; RORATO, Izabella Freschi; "Petição Inicial: Generalidades", p. 115 -
178. In: Ação Rescisória. São Paulo: Blucher, 2019).
Inafastável a conclusão de que os laudos periciais e PPP's apresentados não se qualificam como
prova nova, por serem posteriores à formação da coisa julgada ou por não haver justicativa
plausível para a sua não utilização no momento oportuno.
A respeito disso, é de se salientar que o requerimento de expedição de ofícios às empregadoras
do autor, formulado nos autos da ação originária, em 24/10/2018, baseou-se, unicamente, na
notícia da ausência de resposta aos ofícios por ele enviados diretamente às empresas, na data
de 09/10/2018, com vista ao fornecimentos dos PPP's, fato que entendeu como recusa (Id
90316134/172-178). Ocorre que essa circunstância, por si só, não se presta a evidenciar sua
impossibilidade de acesso aos documentos, vez que não comprovada a existência de diligências
anteriores no mesmo sentido, as quais, tendo restado frustradas, confeririam maior credibilidade
ao teor das suas alegações, mormente quando se considera o curto prazo facultado para a
resposta das empregadoras.
Destarte, por qualquer ângulo que se analise, a improcedência do pedido inicial é medida que se
impõe, arcando a autoria com honorários advocatícios de 10% sobre o valor atualizado dado à
causa, que ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade, a teor do Art. 98, § 3º, do CPC, por
se tratar de beneficiário da gratuidade da justiça.
Ante o exposto, rejeito amatéria preliminare, no mérito, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de
rescisão do julgado.
É o voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 966, V, DO CPC. PREVIDENCIÁRIO.
APOSENTADORIA ESPECIAL. REQUERIMENTO DE PRODUÇÃO DAS PROVAS
TESTEMUNHAL E PERICIAL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO CONTRA A DECISÃO
INDEFERITÓRIA. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA DE MÉRITO JULGANDO
IMPROCEDENTE O PEDIDO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. USO DO
PODER INSTRUTÓRIO FACULTADO AO MAGISTRADO. PROVA EMPRESTADA
APRESENTADA NOS PRESENTES AUTOS. ANÁLISE À LUZ DA HIPÓTESE DE PROVA NOVA
(ART. 966, VII, DO CPC). IMPOSSIBILIDADE DE GARANTIR UM PRONUNCIAMENTO
FAVORÁVEL.
1. As preliminares de carência da ação e de incidência da Súmula 343/STF confundem-se com o
mérito, âmbito em que devem ser analisadas.
2. A teor do disposto no § 2º, do Art. 68, do Decreto 3.048/99, "A comprovação da efetiva
exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário denominado perfil
profissiográfico previdenciário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social,
emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do
trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho."
3. Cabe ao juiz, no uso do seu poder instrutório, desde que fundamentada a decisão, indeferir as
diligências inúteis ou meramente protelatórias, hipótese em que se faculta à parte que se sentir
prejudicada os meios apropriados à impugnação pretendida.
4. Não se reconhece a existência de violação manifesta de norma jurídica no julgado, em razão
da estrita observância dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla
defesa.
5. Os laudos periciais apresentados a título de prova emprestada, bem como os PPP's juntados
pelo autor, ainda que analisados sob o prisma da "prova nova" (Art. 966, VII, do CPC), não se
mostram capazes de garantir um pronunciamento favorável, por serem posteriores à formação da
coisa julgada ou por não haver justicativa plausível para a sua não utilização no momento
oportuno.
6. Rejeitada a matéria preliminar. Julgado improcedente o pedido de rescisão do julgado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Seção, por
unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, julgar improcedente o pedido de
rescisão do julgado, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
