
3ª Seção
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5019157-77.2022.4.03.0000
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
AUTOR: JOSE BALBINO DOS REIS
Advogado do(a) AUTOR: FABIO ROGERIO BARBOZA SANTOS - SP344746-A
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5019157-77.2022.4.03.0000
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
AUTOR: JOSE BALBINO DOS REIS
Advogado do(a) AUTOR: FABIO ROGERIO BARBOZA SANTOS - SP344746-A
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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R E L A T Ó R I O
Rescisória ajuizada em 18/7/2022 pelo autor do feito subjacente, com fulcro nos incisos V e VIII do art. 966 do Código de Processo Civil, objetivando a desconstituição de sentença proferida pelo juízo da 3.ª Vara Federal Previdenciária de São Paulo/SP nos autos de reg. n.º 5000023-76.2021.4.03.6183, transitada em julgado em 2/6/2022, que não reconheceu a especialidade do período de trabalho, como maquinista, “pela energia elétrica”, no interregno “de 06.03.1997 a 08.01.2014 (CPTM Cia. Paulista de Trens Metropolitanos, considerando que o intervalo de 26.10.1984 a 05.03.1997 já foi enquadrado na via administrativa, por exposição a ruído” (Id. 260717375), e, por decorrência, nem sequer o direito à almejada conversão do benefício por tempo de contribuição percebido pelo segurado em aposentadoria especial.
Alega-se que “essa decisão estava absolutamente equivocada, e infelizmente veio a transitar em julgado, não cabendo modificação. A decisão foi manifestamente contrária às provas contidas nos autos, que demonstravam labor habitual com exposição ao agente energia elétrica acima de 250V, além de ir contra decisão do C. STF e desse E. Tribunal Regional, que pacificaram que para esse agente perigoso, energia elétrica, basta a habitualidade, independentemente de ser a exposição permanente ou não”.
Sustenta-se, também, que, “no caso, é evidente que a r. decisão foi equivocada e fundada tanto em erro de fato como por violar manifestamente norma jurídica, uma vez que tanto o juiz deduziu que a especialidade não era permanente (apesar de o documento feito in loco e com fé pública dizer o contrário), como viola manifestamente norma jurídica, qual seja, julgamento em sede de demandas repetitivas que pacificou o tema. Dessa forma, faz jus o recorrente à possibilidade de rescisão da sentença, para que posa ter seu direito previdenciário garantido, tal qual lhe é devido”.
Refere-se, mais, que “esse entendimento, data máxima vênia, é absolutamente equivocado, e prejudicou o segurado em relação ao gozo do direito à aposentadoria especial”, já que “a análise da profissiografia demonstra que o autor tem direito ao reconhecimento da especialidade pela energia elétrica acima de 250V, conforme o próprio PPP confirma”, “independente de comprovar a permanência ou não de suas atividades”.
Aduz-se, ainda, que “a situação em tela configura nítido erro de julgamento do magistrado prolator da sentença, de modo que a ação rescisória é plenamente cabível”.
Conclui-se, no pressuposto de que “não há como aceitar essa injustiça”, que “o autor preenche todos os requisitos que autorizam o deferimento da conversão da aposentadoria pleiteada, sendo evidente o erro de fato/violação manifesta de norma jurídica, na sentença rescindenda referindo-se ao período especial, inclusive comprovada por documentos que não foram devidamente analisados pelo MM. Juízo prolator da decisão”, razão pela qual “a rescisão da sentença, com reconhecimento do período especial postulado, e consequente revisão para substituição da aposentadoria comum pela especial é medida que se impõe”.
Requer-se “que a presente demanda seja julgada TOTALMENTE PROCEDENTE, com consequente RESCISÃO da sentença proferida no processo n. 5000023-76.2021.4.03.6183, e que tramitou na 3ª Vara Previdenciária Federal de São Paulo, com consequente revisão da aposentadoria NB 167.401.037-8, com o reconhecimento dos períodos especiais abaixo identificados e consequente substituição da aposentadoria comum concedida (B42) pela aposentadoria especial (B46)”, ou, “caso não seja possível a conversão da aposentadoria comum em especial, requer, como pedido subsidiário, a conversão do período especial reconhecido em comum, com consequente averbação e revisão da aposentaria deferida ao autor (NB 167.401.037- 8)”.
Contestação em que “requer o INSS a rejeição liminar do pedido de rescisão do julgado em razão de violação a norma jurídica, ante a inépcia do pedido inicial; ou, a extinção do feito, sem julgamento de mérito, tendo em vista a ausência de interesse processual por parte do Autor; ou, a rejeição do pedido de rescisão do julgado em razão de violação a norma jurídica, em razão da incidência do entendimento jurisprudencial cristalizado no teor da Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal; ou, superadas as preliminares arguidas, o que se admite apenas a título de argumentação, seja a presente demanda rejeitada pelo mérito, pelas razões acima expostas, condenando-se o Autor em custas, honorários e demais cominações de estilo. De modo sucessivo, procedentes os pedidos, requer-se seja determinada a compensação das quantias pagas na via administrativa, reconhecendo-se o lustro prescricional. Ainda de modo sucessivo, requer-se seja fixando o termo inicial dos efeitos financeiros da revisão pleiteada e da fluência dos juros de mora na data da citação; fixando-se a verba honorária em R$ 1.000,00 ou em 10% do valor das prestações vencidas até a data da sentença proferida na lide primitiva”.
Decorrido o prazo sem manifestação autoral sobre a resposta do ente autárquico e promovido o saneamento do processamento do feito nos termos do decisum de Id. 265648512, dispensando-se a abertura de vista às partes para razões finais, sobreveio parecer no sentido de que, “considerando que os presentes autos não se enquadram em nenhuma das situações descritas acima, o Ministério Público Federal deixa de se manifestar, pugnando pelo prosseguimento do feito” (Id. 267598295).
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5019157-77.2022.4.03.0000
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
AUTOR: JOSE BALBINO DOS REIS
Advogado do(a) AUTOR: FABIO ROGERIO BARBOZA SANTOS - SP344746-A
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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V O T O
Os aspectos arguidos nas teses defensivas invocadas pelo INSS, em sua resposta, a título de preliminares, exigem o exame minucioso dos argumentos expendidos na exordial, dizendo respeito, na verdade, ao mérito do pedido, confundindo-se com o iudicium rescindens propriamente dito, razão pela qual comportam ser com ele verificados.
A rescisória é ação que objetiva derrubar a coisa julgada já formada. Busca impugnar decisão atingida pela coisa julgada material. Passada em julgado e a salvo de qualquer recurso. Sua finalidade não é rescindir todo e qualquer julgado. As hipóteses são restritas e taxativas, por se estar diante da autoridade da coisa julgada, de decisão que produziu, a todas as luzes, eficácia completa, no dizer de Pontes de Miranda, "como se não fosse rescindível" (In: Comentários ao código de processo civil, t. VI. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 177).
Medida excepcional e cabível apenas dentro das hipóteses restritas trazidas pela lei processual (Ada Pellegrini Grinover, Ação rescisória e divergência de interpretação em matéria constitucional, Revista de Processo 87/37), porquanto esgotados os recursos, chega-se à imutabilidade da decisão de mérito, sem que se possa declará-la justa ou injusta, daí exsurgindo, no dizer de Sálvio de Figueiredo Teixeira, "um imperativo da própria sociedade para evitar o fenômeno da perpetuidade dos litígios, causa de intranqüilidade social que afastaria o fim primário do Direito, que é a paz social" (In: Ação rescisória, Apontamentos, RT 646/7).
In casu, a parte autora indicou o inciso V do art. 966 do Código de Processo Civil como fundamento para a desconstituição do julgado, mas deixou de apontar as razões jurídicas propriamente ditas em que amparada sua pretensão, restringindo-se a questionar a justiça da decisão no feito subjacente, como se observa do teor da petição inicial da rescisória, em que até mesmo a referência à legislação é genérica, sem que se tenha dito qual norma teria sido ofendida pelo julgado rescindendo bem como, sobretudo, o porquê, mais assemelhando-se, isto sim, a um recurso.
O art. 966, inciso V, do Código de Processo Civil, firma a possibilidade de se julgar procedente o pleito rescisório na hipótese em que a decisão sob análise "violar manifestamente norma jurídica".
Para a maciça doutrina processual, violar norma jurídica significa desbordar por inteiro do texto e do contexto legal, importando flagrante desrespeito à lei, em ter a sentença de mérito sido proferida com extremo disparate, completamente desarrazoada.
José Frederico Marques referia-se a "afronta a sentido unívoco e incontroverso do texto legal" (Manual de Direito Processual Civil, vol. III, Bookseller, 1ª edição, p. 304). Vicente Greco Filho, a seu turno, que "a violação de lei para ensejar a rescisória deve ser frontal e induvidosa" (Direito Processual Civil Brasileiro, 2º vol., Saraiva, 5ª edição, p. 385).
Constata-se também o fato de o dispositivo resguardar não apenas a literalidade da norma, mas seu sentido, sua finalidade, muitas vezes alcançados mediante métodos de interpretação (Sérgio Rizzi, Ação Rescisória, São Paulo, RT, 1979, p. 105-107).
José Carlos Barbosa Moreira, criticando a expressão "literal disposição de lei", ponderava, sob o Código de 1973: "O ordenamento jurídico evidentemente não se exaure naquilo que a letra da lei revela à primeira vista. Nem é menos grave o erro do julgar na solução da quaestio iuris quando afronte norma que integra o ordenamento sem constar literalmente de texto algum" (Comentários ao código de processo civil. 11.ª ed., vol. V. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 130).
Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery (Código de Processo Civil Comentado, 18.ª ed., São Paulo: RT, 2019, p. 2.024), não sem antes consignarem que “a substituição de ‘lei’ por ‘norma jurídica’ não alterou substancialmente o sentido do inciso, em relação a seu correspondente no CPC/1973”, assim repercutem para o ponto: “a decisão de mérito transitada em julgado que não aplicou a lei ou a aplicou incorretamente é rescindível com fundamento no CPC 966 V, exigindo-se agora, de forma expressa, que tal violação seja visível, evidente – ou, como certa vez se manifestou o STJ a respeito, pressupõe que ‘é a decisão de tal modo teratológica que consubstancia o desprezo do sistema de normas pelo julgado rescindendo’ (STJ, 3.ª Seção, AR 2625-PR, rel. Min. Sebastião Reis Junior, rel. p/ acórdão Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 11.9.2013, DJUE 1.º.10.2013)”.
Conclui-se ser inadmissível a desconstituição do julgado com base em mera injustiça, em interpretações controvertidas, embora fundadas.
A rescisória não se confunde com nova instância recursal. Exige-se mais, que o posicionamento adotado desborde do razoável, que agrida a literalidade ou o propósito da norma.
Aqui, pese embora tenha sido feita referência ao inciso V do art. 966 do CPC na petição inicial, não se formulou alegação própria para essa hipótese ou argumentação específica, não se desincumbindo a parte autora do ônus de fundamentar apropriadamente seu pedido desconstitutivo, conferindo tratamento como se de apelação estivesse a estruturar.
E a ação rescisória, frise-se, não se presta à rediscussão do julgado quando a questão tenha sido apreciada no processo originário, não se permitindo seu manejo, com amparo no inciso V do art. 966 do CPC, com o intento do mero reexame de provas, não ensejando a desconstituição sua má apreciação, apesar de injusta (TRF 3ª Região, 3.ª Seção, AR n.º 0017374-24.2011.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Leila Paiva, julgado em 01/12/2020).
No mais, conquanto no âmbito desta Seção especializada encontre-se cada vez mais alargada, no julgamento de rescisórias, a máxima de que "ao formular suas postulações ou defesas, a parte tem o ônus absoluto de alegar os fatos em que se fundam, sob pena de, em princípio, não poderem ser, ou ao menos não serem levados em conta pelo juiz ao decidir. Não têm porém um ônus da mesma intensidade quanto às normas legais aplicáveis ou sobre a interpretação correta dos textos constitucionais ou legais, porque o juiz tem o dever de conhecer bem o direito e aplicá-lo corretamente ainda quando as partes não hajam invocado normal alguma ou hajam invocado uma norma de modo impróprio. Na teoria da substanciação, acatada pelo sistema processual brasileiro, o juiz está vinculado aos fatos narrados na petição inicial, não podendo decidir com fundamento em outros, mas é sempre livre para aplicar o direito conforme seu entendimento - porque jura novit curia", convém não olvidar que "essa regra é mitigada quando se cuida do recurso extraordinário ou do especial, qualificados como recursos de direito, bem como da ação rescisória por violação a literal disposição de lei (CPC, art. 485, inc. V), nos quais a parte tem o ônus de indicar o preceito constitucional ou legal alegadamente transgredido, para que o tribunal decida sobre a ocorrência ou não de uma infidelidade a ele" (Cândido Rangel Dinamarco, Vocabulário do processo civil. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 352).
Válidas a esse propósito, outrossim, as anotações na obra de Theotonio Negrão (Código de processo civil e legislação processual em vigor, 45ª edição, p. 610), no sentido de que "'a indicação que se dispensa é a do art. 485, V; pouco importa que o autor, na inicial, deixe de menciona-lo, ou que, por engano, mencione texto diverso. Precisa ele, ao contrário, indicar a norma (ou as normas) que, a seu ver, a sentença rescindenda violou, como elemento(s) que é (ou são) da sua causa de pedir' (RSTJ 47/181; a citação é do voto do relator, reproduzindo lições de Barbosa Moreira)"; e "A ação rescisória não pode ser julgada procedente com base em violação a disposição de lei outra que a indicada na petição inicial: 'Se a ação rescisória é ajuizada com fundamento em violação de literal disposição de lei, não cabe ao julgador acolher o pedido e afastar a autoridade da coisa julgada ao argumento de que violada disposição diversa daquela que alegada pelo autor' (RSTJ 181/231)".
A jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça empresta força ao entendimento em questão, valendo a menção ao precedente abaixo ementado, didático ao extremo para compreensão do tema em discussão:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. EXCEPCIONALIDADE. HIPÓTESES. TAXATIVIDADE. EXAURIMENTO DE INSTÂNCIA. PRESCINDIBILIDADE. ART. 485, V, DO CPC/73. LITERAL VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO LEGAL. INDICAÇÃO DA NORMA VIOLADA. ÔNUS DO AUTOR. CAUSA DE PEDIR. TRIBUNAL. VINCULAÇÃO. JULGAMENTO ANTECIPADO. PRODUÇÃO DE PROVA. INDEFERIMENTO MOTIVADO. REAPRECIAÇÃO. INVIABILIDADE. JUÍZO RESCINDENTE. LIMITES. EXTRAPOLAÇÃO. SUCEDÂNEO RECURSAL. CARACTERIZAÇÃO.
1. Ação rescisória, pautada no art. 485, V, do CPC/ 73, por meio da qual, por alegada violação literal dos arts. 332, 382 e 397 do CPC/73, se pretende desconstituir sentença que julgou parcialmente procedente ação adjudicatória de imóvel, objeto de contrato de compra e venda.
2. Recurso especial interposto em: 10/11/2016; conclusos ao gabinete em: 20/12/2017; aplicação do CPC/15.
3. A correção de vícios por meio da ação rescisória é medida excepcional, cabível nos limites das hipóteses taxativas de rescindibilidade previstas no art. 485 do CPC/73, em homenagem à proteção constitucional à coisa julgada e ao princípio da segurança jurídica. Precedente.
4. Como se trata de via processual própria para a desconstituição da coisa julgada, que corresponde à preclusão máxima do sistema processual, o exaurimento de instância no processo rescindendo não é um dos pressupostos para a ação rescisória, tampouco a preclusão consumativa é obstáculo ao seu processamento. Precedente.
5. Ainda que, na hipótese concreta, a requerente não tenha interposto apelação da sentença rescindenda - que, julgou antecipadamente a lide e indeferiu a produção de prova por ela requerida -, essa circunstância, por si mesma, não representa óbice ao cabimento da ação rescisória.
6. A rescisória fundada no art. 485, V, do CPC/73, pressupõe a demonstração clara e inequívoca de que a decisão de mérito impugnada contrariou a literalidade do dispositivo legal suscitado, atribuindo-lhe interpretação jurídica absurda, teratológica ou insustentável, não alcançando a reapreciação de provas ou a análise da correção da interpretação de matéria probatória.
7. A indicação do dispositivo de lei violado é ônus do requerente, haja vista constituir a causa de pedir da ação rescisória, vinculando, assim, o exercício da jurisdição pelo órgão competente para sua apreciação.
8. Não é possível ao Tribunal, a pretexto da iniciativa do autor, reexaminar toda a decisão rescindenda, para verificar se nela haveria outras violações à lei não alegadas pelo demandante, mesmo que se trate de questão de ordem pública.
9. O juiz é o destinatário final das provas, a quem cabe avaliar sua efetiva conveniência e necessidade, advindo daí a possibilidade de indeferimento fundamentado das diligências inúteis ou meramente protelatórias, em juízo cuja revisão demanda a reapreciação do conjunto fático dos autos. Precedentes.
10. Na hipótese dos autos, o juízo rescindente promovido pelo Tribunal de origem ultrapassou os limites das causas de pedir deduzidas pelo autor na presente ação rescisória, além de não ter observado que o indeferimento da produção probatória e o julgamento antecipado da lide foi devidamente fundamentado.
11. O acolhimento da pretensão de desconstituição da sentença transitada em julgado acarretou, portanto, a utilização da ação rescisória como sucedâneo recursal.
12. Recurso especial provido.
(REsp 1663326/RN, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/02/2020, DJe 13/02/2020)
A circunstância referenciada não passou desapercebida ao INSS, que, em sua resposta, assim veio a se pronunciar a esse respeito:
Consoante dispõem os artigos 330, inciso I e 968, §3º, ambos do Código de Processo Civil, a petição inicial da ação rescisória será indeferida quando for inepta.
Já, o inciso I, parágrafo primeiro do mencionado artigo 330 do Estatuto de Ritos estipula que será considerada inepta a petição inicial quando ausente a causa de pedir ou o pedido.
É o que se dá aqui.
Do exame da peça postulatória apresentada pelo Autor percebe-se que, ausente a causa de pedir, no que diz respeito ao pedido de rescisão do julgado em razão de violação a norma jurídica.
Isto porque, segundo a melhor doutrina processualista, a causa de pedir é o conjunto de fatos suscetíveis de produzir, por si só, o efeito jurídico pretendido pelo autor.
No caso em apreço, conjunto de fatos narrados pelo Autor não são suficientes para produzir o efeito jurídico que se deseja ao se ajuizar demanda rescisória no que diz respeito a desconstituição da coisa julgada em razão de violação a norma jurídica.
É que o Autor sequer menciona os dispositivos legais tidos por violados, deixando, ainda, de demonstrar como se deu a alegada violação.
Sendo assim, não houve, na exordial, exposição dos fatos e fundamentos jurídicos do pedido em relação a esse ponto.
Não houve, a delimitação da tutela jurisdicional, impedindo o amplo exercício do direito de defesa do Réu, nesse particular.
Dessa forma, a exordial deixou de apresentar causa de pedir, quanto ao pedido de rescisão do julgado em razão de violação a norma jurídica, devendo ser rejeitada de plano, nos termos do disposto no artigo 330 e seu parágrafo primeiro, inciso I e 968, parágrafo terceiro, do Código de Processo Civil.
Nada obstante, com boa vontade e razoável esforço interpretativo, possível o exame do pleito de rescisão do julgado, na esteira de julgados paradigmas desta 3.ª Seção, citando-se, a propósito, o encaminhamento conferido por ocasião da apreciação, em 27/5/2021, da Ação Rescisória n.º 5022205-83.2018.4.03.0000, sob relatoria do Desembargador Federal Newton de Lucca (“Note-se que, embora sem indicar um a um os artigos de lei destacados, há na petição inicial tópico dedicado a esclarecer que o rol do Decreto nº 2.172/97 é exemplificativo, o que permite que a atividade prestada com exposição a eletricidade seja reconhecida como especial (doc. nº 5.930.948, p. 12/16). Outrossim, conforme esclarece José Carlos Barbosa Moreira, ‘O autor precisa indicar, na inicial, a norma a seu ver infringida, embora se deva prescindir, desde que claramente identificável o conteúdo, da referência a número de artigo ou de parágrafo, e a fortiori relevar o eventual equívoco na menção.’ (in Comentários ao Código de Processo Civil, Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, vol. V: arts. 476 a 565, 15ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 132)”.
Seja como for, ao autor não assiste razão, in casu, acerca da alegada ocorrência do fundamento disposto no inciso V do art. 966 do CPC.
Isso porque, conforme motivado no decisum rescindendo – e diferentemente do precedente acima referenciado, em que estabelecidas exigências que não encontram ressonância na legislação previdenciária, daí a conclusão a que se chegou, naquele acórdão, porquanto “descabida a exigência de exposição habitual e permanente com relação ao fator periculosidade”, de que “caracterizada a existência de violação aos dispositivos legais que regulamentam o reconhecimento da especialidade com relação a atividades perigosas (art. 201, § 1º, CF, art. 57, § 3º da Lei nº 8.213/91, Decreto nº 2.172/97 e Decreto nº 3.048/99)” –, não se desconsiderou, absolutamente, a possibilidade, em tese, de reconhecimento da especialidade do trabalho desenvolvido, nos moldes cogitados na pretensão autoral, alinhando-se a sentença à posição jurisprudencial consolidada em precedente qualificado, como se observa do seguinte excerto reproduzido (Id. 260717375):
DO AGENTE NOCIVO ELETRICIDADE.
O Superior Tribunal de Justiça dirimiu a questão do cômputo de tempo especial pela exposição a eletricidade (tensão superior a 250 volts), após o Decreto n. 2.172/97, em sede de recurso representativo da controvérsia (REsp 1.306.113/SC):
RECURSO ESPECIAL. [...] Atividade especial. Agente eletricidade. Supressão pelo Decreto 2.172/1997 (Anexo IV). Arts. 57 e 58 da Lei 8.213/1991. Rol de atividades e agentes nocivos. Caráter exemplificativo. Agentes prejudiciais não previstos. Requisitos para caracterização. Suporte técnico médico e jurídico. Exposição permanente, não ocasional nem intermitente [...] . 1. [...] Recurso Especial interposto pela autarquia previdenciária com o escopo de prevalecer a tese de que a supressão do agente eletricidade do rol de agentes nocivos pelo Decreto 2.172/1997 (Anexo IV) culmina na impossibilidade de configuração como tempo especial (arts. 57 e 58 da Lei 8.213/1991) de tal hipótese a partir da vigência do citado ato normativo. 2. À luz da interpretação sistemática, as normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991). [...] 3. No caso concreto, o Tribunal de origem embasou-se em elementos técnicos (laudo pericial) e na legislação trabalhista para reputar como especial o trabalho exercido pelo recorrido, por consequência da exposição habitual à eletricidade, o que está de acordo com o entendimento fixado pelo STJ. 4. [...] Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC [de 1973] e da Resolução 8/2008 do STJ. (REsp 1.306.113/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 14.11.2012, DJe 07.03.2013)
São pertinentes, ainda, algumas considerações sobre os equipamentos de proteção individual (EPIs) contra a descarga de energia elétrica e suas consequências.
Os riscos ocupacionais associados à exposição a tensões elétricas elevadas são de três espécies: (a) o choque elétrico, caracterizado quando o corpo torna-se condutor da corrente elétrica; (b) o arco elétrico, resultante da ruptura dielétrica do ar – ou seja, o campo elétrico excede o limite de rigidez dielétrica do meio que, em condições normais, seria isolante, causando sua ionização e permitindo o fluxo de corrente elétrica – acompanhada da descarga de grande quantidade de energia; e (c) o fogo repentino, reação de combustão acidental extremamente rápida na presença de materiais combustíveis ou inflamáveis, desencadeada pela liberação de uma fagulha ou de energia térmica. Como é cediço, acidentes com eletricidade podem causar queimaduras severas e parada cardíaca, bem como induzir o óbito, sendo imperativa a adoção de medidas de proteção que imponham um conjunto de barreiras ao contato com esse agente nocivo.
No Manual de orientação para especificação das vestimentas de proteção contra os efeitos térmicos do arco elétrico e do fogo repentino, editado pelo Departamento de Segurança e Saúde do Trabalho da Secretaria de Inspeção do Trabalho (DSST/SIT) do Ministério do Trabalho e Emprego (disponível em <http://acesso.mte.gov.br/data/files/8A7C816A31F92E6501321734945907BD/manual_vestimentas.pdf>), ao tratar-se das medidas coletivas, administrativas e individuais de proteção ao trabalhador exposto à eletricidade, é frisado que os EPIs não neutralizam os riscos relacionados à energia térmica liberada num acidente com arco elétrico ou fogo repentino:
“Importante salientar que o fato de ser a última medida na hierarquia das medidas de proteção não significa que o EPI seja menos importante que as demais medidas (coletivas e administrativas). Ressalte-se que o principal motivo para priorizar outros tipos de medidas de proteção é o fato de que as medidas de proteção individual pressupõem uma exposição direta do trabalhador ao risco, sem que exista nenhuma outra barreira para eliminar ou diminuir as conseqüências do dano caso ocorra o acidente. Nestas circunstancias, se o EPI falhar ou for ineficaz, o trabalhador sofrerá todas as conseqüências do dano. [...] O EPI não elimina o risco, sendo apenas uma das barreiras para evitar ou atenuar a lesão ou agravo à saúde decorrente do possível acidente ou exposição ocasionados pelo risco em questão. Assim, a utilização de EPI de forma alguma pode se constituir em justificativa para a não implementação de medidas de ordem geral (coletivas e administrativas), observação de procedimentos seguros e gerenciamento dos riscos presentes no ambiente de trabalho, a fim de que possam ser mitigados. [...] 4.4 Limitações do EPI. Evidencia-se novamente que o EPI, no caso as vestimentas, não são salvo conduto para a exposição do trabalhador aos riscos originados do efeito térmico proveniente de um arco elétrico ou fogo repentino. Como já mencionado, todo e qualquer EPI não atua sobre o risco, mas age como uma das barreiras para reduzir ou eliminar a lesão ou agravo decorrente de um acidente ou exposição que pode sofrer o trabalhador em razão dos riscos presentes no ambiente laboral. Desta forma, deve-se buscar a excelência no gerenciamento desses riscos, adotando medidas administrativas e de engenharia nas fases de projeto, montagem, operação e manutenção das empresas e seus equipamentos prioritariamente, de forma a evitar que as barreiras sejam ultrapassadas e o acidente se consume.”
Contudo, no caso concreto, avaliou-se que a parte autora não era detentora do direito alegado, nesses termos (Id. 260717375), valendo os destaques sublinhados:
Fixadas essas premissas, analiso o caso concreto, à vista da documentação trazida aos autos.
Há registro e anotações em CTPS (doc. 43815513, p. 3 et seq.), a indicar que o autor foi admitido na CPTM Cia. Paulista de Trens Metropolitanos em 26.10.1984, no cargo de auxiliar de maquinista especial, passando posteriormente a maquinista. Consta de PPPs (doc. 43815516 -- expedido nos termos de sentença trabalhista -- e doc. 43815525, p. 59/67), acompanhados de laudo técnico (doc. 43815518) e de laudo pericial produzido na reclamação trabalhista n. 3.312/99 (40ª Vara do Trabalho de São Paulo, Capital) (n. 1001289-30.2019.5.02.0607):
(...)
O nível de ruído não excede os limites de tolerância vigentes.
Em que pese a conclusão do perito do juízo trabalhista no sentido de que o trabalho é desenvolvido em sistemas elétricos de potência (cf. regramento do adicional de periculosidade para os empregados do setor de energia elétrica, composto da Lei n. 7.369/85 e dos Decretos n. 92.212/85 e n. 93.412/86), não vislumbro a existência de riscos permanentes envolvendo tensões elétricas superiores a 250 volts, considerando as atividades desenvolvidas pelo maquinista. Com efeito, o trabalho é ordinariamente realizado no interior das cabines de operação dos trens, ambiente apartado das subestações de transmissão de energia e das linhas eletrificadas. A citada operação de partida e aceleração do compressor, por sua vez, é realizada em caixaria de baixa tensão. Noutro ponto, em que pese a descrição dos painéis instalados nas cabines de operação, é certo que o maquinista não fica habitual ou diretamente exposto aos componentes eletrificados existentes no interior desses painéis.
Na própria produção das Turmas previdenciárias desta Corte já se decidiu de forma assemelhada:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO. E APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. POLICIAL MILITAR. REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS. VIGILANTE. ARMA DE FOGO. JULGAMENTO DO TEMA 1031 PELO STJ. PRÉVIA FONTE DE CUSTEIO. EXPOSIÇÃO A RUÍDO E À TENSÃO ELÉTRICA. NÍVEIS ABAIXO DOS LIMITES LEGAIS. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. REVOGAÇÃO.
I - A jurisprudência dessa E. Corte entende que o INSS não tem legitimidade passiva para reconhecimento de atividade especial em que o segurado esteve submetido a Regime Próprio de Previdência Social, ainda que o intuito seja viabilizar a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição junto ao RGPS.
II - Segundo a decisão agravada, a atividade de guarda patrimonial é considerada especial, uma vez que se encontra prevista no Código 2.5.7 do Decreto 53.831/64, do qual se extrai que o legislador a presumiu perigosa, não havendo exigência legal de utilização de arma de fogo durante a jornada de trabalho.
III - No julgamento do Tema 1031, o E. Superior Tribunal de Justiça reconheceu a atividade especial de vigilante, exercida após a edição da Lei nº 9.032/95 e do Decreto nº 2.172/97, com ou sem o uso de arma de fogo.
IV - Devem ser mantidos os termos da decisão agravada, que reconheceu o exercício de atividades sob condição especial no período de 26.08.1996 a 23.07.2000, dado o exercício de funções análogas às de guarda/segurança patrimonial para a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos - CPTM. O autor realizava atividades de segurança e guarda de segurança patrimonial, com risco à sua integridade física.
V - Como a tese já foi fixada pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema 1031, inviável o sobrestamento do feito.
VI - Os artigos 57 e 58 da Lei 8.213/91, que regem a matéria relativa ao reconhecimento de atividade especial, garantem a contagem diferenciada para fins previdenciários ao trabalhador que exerce atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física e não vinculam o ato concessório do benefício previdenciário a eventual pagamento de encargo tributário.
VII - Conforme formulário, laudo técnico e PPP, o autor trabalhou na Companhia Paulista de Trens Metropolitanos - CPTM no período de 24.07.2000 a 10.10.2016, tendo ocupado o cargo de maquinista, cujas atividades consistiam em conduzir composições no transporte de passageiros, além de inspecionar equipamentos elétricos, eletrônicos, mecânicos e pneumáticos, ressaltando-se que, a partir de 01.01.2004, operava trens nas modalidades automático, semi-automático e manual.
VIII - As provas demonstram que o demandante, no período de 24.07.2000 a 31.12.2003, esteve exposto a ruído de 85 e 83,4 decibéis e, no intervalo de 01.01.2004 a 10.10.2016, esteve exposto a ruído de 83,4 e 82,4 decibéis. Tendo em vista que o autor esteve exposto a ruído em níveis abaixo dos limites previstos na legislação, mantenho os termos da decisão agravada que considerou o período de 24.07.2000 a 10.10.2016 como tempo comum.
IX - Não obstante a possibilidade de reconhecimento de atividade especial por exposição à tensão elétrica superior a 250 volts (Resp nº 1.306.113-SC, julgado em 14.11.2012, DJe 07.03.2013, rel. Ministro Herman Benjamin), o laudo pericial judicial produzido em ação trabalhista movida pelo Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias de São Paulo, coincidentemente, avaliou as atividades do autor como paradigma (além de outros funcionários, consta o seu nome no laudo) e concluiu que não havia exposição à eletricidade. Não foram encontrados trabalhos de manutenção por parte dos maquinistas, bem como não existem contatos diretos com equipamentos energizados - nos locais onde há acionamentos em condição de energização, estes são de baixíssima tensão contínua (tensão de bateria).
X - No que tange ao benefício da justiça gratuita, diferentemente dos valores indicados nos holerites desatualizados (fls. 425/427), a consulta ao CNIS demonstra que o demandante recebe remuneração mensal superior a 05 (cinco) salários mínimos, decorrente de atividade laborativa (mar/2021 - R$12.282,55; abr/2021 - R$8.759,54).
XI - O autor apresentou documentos (fl. 397/427), como cópia de contrato de compromisso de compra e venda, comprovantes de pagamento de IPTU, contas de água e de luz e notas fiscais que indicam despesas com medicamento. Contudo, os documentos não demonstraram a alegada insuficiência de recursos tendo em vista a renda mensal do autor. Portanto, o autor apresenta renda incompatível com o benefício, razão pela qual deve ser mantida a decisão agravada no tocante à revogação dos benefícios da justiça gratuita.
XII - Agravos internos (art. 1.021, CPC) interpostos pelas partes improvidos.
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5007232-38.2017.4.03.6183, Rel. Juiz Conv. RAPHAEL JOSE DE OLIVEIRA SILVA, julgado em 02/12/2021, Intimação via sistema DATA: 03/12/2021)
Sob outras palavras, nos termos da fundamentação constante da decisão transitada em julgado, as provas coligidas aos autos originários foram expressamente valoradas, refutando-se, contudo, a viabilidade do reconhecimento da especialidade do labor, pelo que cogitar da ocorrência de afronta a dispositivos legais, mesmo que não invocados na inicial da rescisória, implicaria no revolvimento de provas, manifestamente inviável.
Com efeito, a se envolver discussão acerca da demonstração da exposição ao agente nocivo invocado (eletricidade), precipuamente ligada à valoração dos elementos probatórios apresentados na demanda originária, seria possível inquinar o conteúdo decisório, no máximo, de injusto, sem que se possa vislumbrar, contudo, ofensa direta à redação de texto legal tido por violado.
Não sendo possível avançar no tocante ao modelo de rescisão explicitado no inciso V do art. 966 do CPC, porquanto nem ao menos possível extrair da petição inicial, remarque-se, fundamentação concretamente desenvolvida e pertinente à desconstituição com base nessa hipótese, pretendendo-se, a valer, a utilização desta via para reverter o insucesso colhido na decisão originária, de resto não recorrida, sobreleva reconhecer impossível a revisão almejada, dado “o caráter excepcional da ação rescisória, que não se presta simplesmente a corrigir injustiça da decisão, tampouco se revelando simples abertura de uma nova instância recursal, ainda que de direito" (Flávio Luiz Yarshell, Ação Rescisória: juízos rescindente e rescisório, São Paulo, Malheiros, 2005, p. 323).
Enfim, não verificada a ocorrência efetiva do fundamento invocado, é de rigor o reconhecimento do insucesso da pretensão formulada.
Por sua vez, na análise da hipótese de rescisão concernente ao inciso VIII do art. 966 do Código de Processo Civil, acerca do “erro de fato verificável do exame dos autos”, dispõe o § 1.º do artigo em comento que “há erro de fato quando a decisão rescindenda admitir fato inexistente ou quando considerar inexistente fato efetivamente ocorrido, sendo indispensável, em ambos os casos, que o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o juiz deveria ter se pronunciado”.
Válido, a esse respeito, o ensinamento de José Carlos Barbosa (Comentários ao Código de Processo Civil, 10ª Edição, Volume V, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2002, pp. 148-149), ao identificar, abordando idêntica hipótese no Código de Processo Civil de 1973, a necessidade dos seguintes pressupostos para que o erro de fato dê causa à rescindibilidade: "a) que a sentença nele seja fundada, isto é, que sem ele a conclusão do juiz houvesse de ser diferente; b) que o erro seja apurável mediante o simples exame dos documentos e mais peças dos autos, não se admitindo de modo algum, na rescisória, a produção de quaisquer outras provas tendentes a demonstrar que não existia o fato admitido pelo juiz, ou que ocorrera o fato por ele considerado inexistente; c) que 'não tenha havido controvérsia' sobre o fato (§2º); d) que sobre ele tampouco tenha havido 'pronunciamento judicial' (§ 2º)".
Segundo anotado por Eduardo Talamini, valendo-se inclusive de jurisprudência das Cortes Superiores e da doutrina clássica sobre o assunto – “Conforme já decidiu o STF: ‘O erro de fato, fundamento da ação rescisória, deve ser apurado mediante simples exame da prova dos autos, não se admitindo a produção de quaisquer outras para demonstrá-lo’ (RE 90.816-SP, 1ª T., v.u., rel. Min Soares Munõz, j. 30.10.1979, DJU 23.11.1979). Cf. ainda: STF, RTJ 132/1.119; STJ, REsp 147.796-MS, 4.ª T.,, v.u., rel. Min. Sálvio Teixeira, j. 25.05.1999, DJU 28.06.1999; Bueno Vidigal, Comentários, v. 6, n. 3 ao art. 485, IX, p. 151; Frederico Marques, Manual, v. 3, n. 709, p. 263; Rizzi, Ação Rescisória, n. 70, p. 118 – entre outros” –, no pressuposto de que “o erro de fato ensejador da rescisória é aquele diretamente verificável, manifesto, evidente, a partir do mero reexame dos autos do processo ou dos documentos nele contidos”, ou seja, “o parâmetro para a aferição desse erro é sempre um elemento interno aos autos”, o certo é que “a invocação do ‘erro de fato’ não permite a pura e simples reavaliação de prova que tenha sido efetivamente exercida pelo juiz, ainda que a apreciação tenha sido errada. Não cabe o reexame da prova nem a complementação da instrução probatória” (Coisa julgada e sua revisão, obra citada, p. 189).
Do mesmo modo, o apontamento categórico de Flávio Luiz Yarshell, ao registrar que “tratando-se de típico erro de juízo, o reconhecimento do erro de fato não autoriza – nem mesmo em nome das garantias do devido processo legal, ampla defesa e contraditório – a reabertura de dilação probatória, porque o fato não controvertido e ‘saltado’ pelo julgamento de mérito rescindendo há que resultar do processo originário, nada havendo, ao menos em princípio, que acrescer. Em certo sentido, o erro de fato assemelha-se ao erro material, mas dele se distingue na medida em que a consideração do fato inexistente ou a desconsideração do fato existente integram, ainda que indiretamente, o raciocínio desenvolvido pelo juiz” (Ação Rescisória: Juízos Rescindente e Rescisório, Malheiros, p. 341).
Resumidamente, o fato sobre o qual recai a hipótese de rescindibilidade do inciso VIII é aquele evidente e também incontroverso, sobre o qual, por consequência, o julgador não se pronunciou, muito embora tenha integrado seu raciocínio.
Não é disso que se está a tratar no presente caso, pois a argumentação do autor nesta rescisória é toda voltada à comprovação da especialidade de sua atividade laboral, fato controverso no feito subjacente e que foi objeto de pronunciamento pelo julgador.
Em conclusão: as hipóteses de rescindibilidade aqui levantadas não permitem utilização da rescisória como mais um recurso ou mesmo instrumento de correção de injustiça, a fim de se obter nova avaliação do pleito que, como visto, diante da fragilidade dos elementos instrutórios apresentados no feito subjacente, restou rejeitado em sentença.
Elemento imunizador dos efeitos que a sentença ou acórdão projetam para fora do processo, a utilidade da res iudicata "consiste em assegurar estabilidade a esses efeitos, impedindo que voltem a ser questionados depois de definitivamente estabelecidos por sentença não mais sujeita a recurso", pois "a garantia constitucional e a disciplina legal da coisa julgada recebem legitimidade política e social da capacidade, que têm, de conferir segurança às relações jurídicas atingidas pelos efeitos da sentença" (Candido Rangel Dinamarco, Instituições de Direito Processual Civil. 3ª edição, vol. II, São Paulo, Malheiros Editores, 2003, p. 194).
Verdadeiramente, o que se pretende é nova análise do caso, o que não se pode admitir, sob pena de se ter utilizada a presente demanda fora de seus trilhos legais, porquanto recurso com prazo alargado de 2 (dois) anos a rescisória não é.
No sentido de todo o exposto, em precedente recentíssimo em que abordada casuística bastante assemelhada à aqui trazida a desate, abarcando ambos os fundamentos aqui alegados – como consta do relatório que precedeu aquele julgamento, “Alega que o V. Aresto transitou em julgado em 27/10/2020 e que, em 20/11/2020, obteve “prova nova”, consistente em cópia do processo trabalhista que moveu em face da empregadora CPTM - Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, o qual atende ao disposto no art. 966, inc. VII, do CPC. Registra que o prazo para a obtenção da prova nova é de 5 anos, contados do trânsito em julgado da decisão que lhe foi desfavorável. Afirma que, na ação originária, deixaram de ser reconhecidos como especiais os períodos de 06/03/1997 a 13/12/1998 e de 01/01/2004 a 19/02/2013, sendo que a empregadora CPTM - Companhia Paulista de Trens Metropolitanos emitiu PPP “mentiroso”, o qual não continha informações corretas a respeito dos agentes nocivos, além de não mencionar que a exposição a estes ocorria de forma habitual e permanente. Sustenta que a “decisão que não reconheceu os períodos como especial, também foi equivocada, já que conforme documentos novos durante a função do autor, o mesmo era exposto de modo HABITUAL e PERMANENTE, motivo pelo qual também requer novo julgamento haja vista a infringência do artigo 966, inc V, VII e VIII do CPC, mais precisamente neste caso ao inciso VIII do CPC.” (ID 221.914.556, p. 10). Explica que, por força de decisão proferida no processo trabalhista n° 1002119-32.2017.5.02.0068, a empregadora foi condenada a efetuar a retificação do laudo, bem como do PPP de todo o período contratual. Destaca, ainda, que na referida demanda houve a produção de prova pericial, cujo laudo atestou que o autor mantinha contato habitual e permanente com rede elétrica, cuja tensão era superior a 250 volts. Registra que as atividades eram prestadas em condições de periculosidade, na forma descrita no Quadro Anexo ao Decreto 93.412/86 e NR 16. No que tange ao art. 966, inc. V, do CPC, sustenta que ocorreu “violação do direito à seguridade social, direito este garantido pela Carta Magna no art. 201, §7º, I e II e do art. 57 da Lei n. 8.213/91.” (ID 221.914.556, p. 13), bem como que a decisão rescindenda incorreu em error in judicando. Conclui que, com o reconhecimento da especialidade dos períodos destacados, terá direito à obtenção de aposentadoria especial com início no ano de 2012.”) –, assim se pronunciou este colegiado:
AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. VIOLAÇÃO MANIFESTA À NORMA. INEXISTÊNCIA. PROVA NOVA. IMPOSSIBILIDADE DE SUPRIR DEFICIÊNCIA INSTRUTÓRIA. ERRO DE FATO. INOCORRÊNCIA. RESCISÓRIA IMPROCEDENTE.
I- Para os fins do art. 966, inc. VII, do CPC, a “prova nova” constitui elemento probatório que, por circunstâncias alheias à vontade do autor, não pôde ser oportunamente apresentado durante o curso da ação originária. Outrossim, consoante entendimentos doutrinário e jurisprudencial pacíficos, “prova nova” é aquela que já existia ao tempo do julgamento originário, não se admitindo a confecção de provas até então inexistentes, com a finalidade de suprir eventual insuficiência probatória verificada no processo subjacente.
II- Não se encontra caracterizada a hipótese do art. 966, inc. VII, do CPC, uma vez que as provas apresentadas como “novas” foram emitidas posteriormente à prolação do V. Acórdão rescindendo. É notório o objetivo de suprir a deficiência instrutória do processo originário.
III- Não há como acolher a alegação de que a “prova nova” apresentada é apta a demonstrar a existência de violação à norma. A rescisória fundada no art. 966, inc. V, do CPC somente pode ser examinada quanto à aplicação do direito, afastando-se eventual reexame de fatos ou provas.
IV- O V. Acórdão rescindendo não incorreu em violação ao art. 201, §7º, I e II, da CF e ao art. 57, da Lei n. 8.213/91, uma vez que o autor invocou de forma genérica os mencionados dispositivos legais, sem demonstrar, concretamente, qual seria o desacerto do julgador ao interpretar a norma.
V- O art. 966, inc. VIII, do CPC é expresso ao afirmar que o erro de fato deve ser analisado a partir dos elementos já existentes nos autos de origem, descabendo a juntada de “prova nova” para a sua caracterização.
VI- Rescisória improcedente.
(TRF 3ª Região, 3ª Seção, AR - AÇÃO RESCISÓRIA - 5030753-92.2021.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal HERBERT CORNELIO PIETER DE BRUYN JUNIOR, julgado em 29/11/2022, DJEN DATA: 01/12/2022)
Isso tudo considerado, julgo improcedente o pedido de desconstituição do julgado, formulado nesta demanda.
Condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, delimitado na petição inicial em R$ 188.848,91 (cento e oitenta e oito mil, oitocentos e quarenta e oito reais e noventa e um centavos), suspendendo-se a determinação à vista da concessão, nos presentes autos, da gratuidade da justiça.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTE NOCIVO ELETRICIDADE. VIOLAÇÃO MANIFESTA À NORMA JURÍDICA E ERRO DE FATO NÃO CONFIGURADOS.
- Para a maciça doutrina processual, violar norma jurídica significa desbordar por inteiro do texto e do contexto legal, importando flagrante desrespeito à lei, em ter a sentença de mérito sido proferida com extremo disparate, completamente desarrazoada.
- Pese embora tenha sido feita referência ao inciso V do art. 966 do CPC na petição inicial, não se formulou alegação própria para essa hipótese ou argumentação específica, não se desincumbindo a parte autora do ônus de fundamentar apropriadamente seu pedido desconstitutivo, conferindo tratamento como se de apelação estivesse a estruturar.
- E a ação rescisória, frise-se, não se presta à rediscussão do julgado quando a questão tenha sido apreciada no processo originário, não se permitindo seu manejo, com amparo no inciso V do art. 966 do CPC, com o intento do mero reexame de provas, não ensejando a desconstituição sua má apreciação, apesar de injusta (TRF 3ª Região, 3.ª Seção, AR n.º 0017374-24.2011.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Leila Paiva, julgado em 01/12/2020).
- Não se desconsiderou, absolutamente, a possibilidade, em tese, de reconhecimento da especialidade do trabalho desenvolvido, nos moldes cogitados na pretensão autoral, alinhando-se a sentença à posição jurisprudencial consolidada em precedente qualificado.
- Nos termos da fundamentação constante da decisão transitada em julgado, as provas coligidas aos autos originários foram expressamente valoradas, refutando-se, contudo, a viabilidade do reconhecimento da especialidade do labor, pelo que cogitar da ocorrência de afronta a dispositivos legais, mesmo que não invocados na inicial da rescisória, implicaria no revolvimento de provas, manifestamente inviável.
- A se envolver discussão acerca da demonstração da exposição ao agente nocivo invocado (eletricidade), precipuamente ligada à valoração dos elementos probatórios apresentados na demanda originária, seria possível inquinar o conteúdo decisório, no máximo, de injusto, sem que se possa vislumbrar, contudo, ofensa direta à redação de texto legal tido por violado.
- O fato sobre o qual recai a hipótese de rescindibilidade do inciso VIII é aquele evidente e também incontroverso, sobre o qual, por consequência, o julgador não se pronunciou, muito embora tenha integrado seu raciocínio.
- Argumentação na rescisória voltada à comprovação da especialidade da atividade laboral, fato controverso no feito subjacente e que foi objeto de pronunciamento pelo julgador.
