
| D.E. Publicado em 21/05/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, julgar procedente o pedido formulado na presente demanda rescisória para desconstituir o v. acórdão da 10ª desta Corte, proferido na Apelação Cível nº 2011.03.99.002791-7, e, em juízo rescisório, julgar parcialmente procedente o pedido formulado na demanda subjacente, condenando o INSS a conceder o benefício de amparo social a partir da DER em 23.10.2007 até 06.12.2009, dia anterior ao encarceramento, descontando-se os valores referentes ao benefício no período em que a parte ré exerceu atividade remunerada, de 12.11.2008 a 22.12.2008, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0008129-13.2016.4.03.0000/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de ação rescisória ajuizada pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, com fundamento no artigo 966, incisos V, do Código de Processo Civil/2015, visando a rescisão do v. acórdão proferido nos autos da Apelação Cível n. 2011.03.99.002791-7, que negou provimento ao agravo, mantendo a decisão monocrática que deu provimento à apelação da parte autora, determinando a concessão do benefício assistencial desde a DER (23.10.2007).
Sustenta o INSS, em síntese, que o julgado rescindendo "infringiu disposição literal do art. 20 da Lei n. 8.742/93 ao determinar a concessão de amparo assistencial ao portador de deficiência à pessoa reclusa, que é instituidora de auxílio-reclusão" (fl. 05).
O pedido de antecipação dos efeitos da tutela foi deferido para determinar a suspensão do benefício assistencial, bem como de qualquer pagamento proveniente da ação judicial subjacente (fl. 270).
Citada, a parte ré apresentou contestação (fls. 290/292), sustentando, em síntese, que o benefício de amparo social é exclusivo da requerida, sendo o benefício de auxílio-reclusão é destinado a seus dependentes, não tendo recebido nada "a título do Benefício Assistencial, que somente seria requerido após a cessação do Benefício de Auxílio-Reclusão" (fl. 291). Pugna, pois, pela improcedência do pedido.
O Ministério Público Federal opinou pelo conhecimento da ação rescisória, nos termos do art. 966, inc. V e VIII, do CPC/2015, e pela procedência do pedido para, em juízo rescisório, reconhecer que a ora ré não tem direito ao benefício assistencial de prestação continuada (fls. 296/301).
O despacho de fl. 307 concedeu a gratuidade da justiça à parte ré.
Réplica à fl. 307v.
Alegações finais do INSS (fl. 311v) e da parte ré (fls. 313/314).
Manifestação do Ministério Público Federal ratificando o parecer anteriormente apresentado (fl. 316).
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): De início, verifico que não houve o transcurso do prazo decadencial de 02 (dois) anos para a propositura da ação rescisória, previsto no artigo 495 do Código de Processo Civil/1973, tendo em vista o trânsito em julgado do acórdão rescindendo em 22.09.2015 (fl. 256) e o ajuizamento do feito em 27.04.2016.
Preliminarmente, acolho a manifestação do Ministério Público Federal, na medida em que, conquanto a parte autora tenha fundamentado expressamente o ajuizamento da ação somente no inciso V do art. 966, do Código de Processo Civil/2015, não tendo, contudo, mencionado em suas razões a existência de "erro de fato", extrai-se da causa de pedir explicitada na exordial, também essa alegação, nos termos do inciso VIII do mesmo dispositivo legal.
A viabilidade da ação rescisória em casos semelhantes é reconhecida pela E. Terceira Seção desta Corte Regional:
Passo à análise do mérito.
I - Do alegado erro de fato
Para efeito de rescisão do julgado, entende-se configurado o erro de fato (art. 966, VIII, do CPC/2015) quando o julgador não percebe ou tem falsa percepção acerca da existência ou inexistência de um fato incontroverso e essencial à alteração do resultado da decisão. Não se cuida, portanto, de um mero erro de julgamento, mas de uma falha no exame do processo a respeito de um ponto decisivo para a solução da lide.
Considerando o previsto no citado dispositivo é, ainda, indispensável para o exame da rescisória com fundamento em erro de fato, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato, e que o erro se evidencie nos autos do feito em que foi proferida a decisão rescindenda, sendo inaceitável a produção de provas para demonstrá-lo na ação rescisória.
No presente caso, o julgado rescindendo, ao conceder o benefício de amparo social com DIB em 23.10.1997, não considerou o fato de a parte ora ré ser instituidora de auxílio-reclusão deferido em 04.01.2010, com DIB em 07.12.2009. Conforme ressaltado pelo Ministério Público Federal, "a prisão da ora ré foi noticiada nos autos da ação ordinária, constando expressamente no estudo social (fls. 77/80) e na petição de fls. 86/87, em que se requereu escolta para que ela comparecesse à perícia médica" (fl. 299).
Logo, considerou inexistente um fato efetivamente ocorrido, incidindo assim no alegado erro de fato que viabilizaria a rescisão da decisão passada em julgado.
II - Da alegada violação a literal disposição de lei
Quanto a esta alegação, dispunha o art. 485, V, do Código de Processo Civil/1973:
Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil/2015, a matéria está disciplinada no art. 966, inc. V, assim redigido:
A viabilidade da ação rescisória fundada no artigo 966, inciso V, do CPC/2015 decorre da não aplicação de uma determinada lei ou do seu emprego de tal modo aberrante que viole frontalmente o dispositivo legal, dispensando-se o reexame dos fatos da causa originária.
O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art. 203, V, da Constituição da República, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim de condições de tê-las providas pela família:
Até a regulamentação do citado dispositivo constitucional, ocorrida com a edição da Lei 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social), a proteção ao deficiente e ao idoso hipossuficientes era objeto da Lei 6.179/1974, a qual instituiu o benefício denominado "amparo previdenciário" destinado a pessoas maiores de 70 (setenta) anos ou inválidas, consistente no pagamento mensal de renda vitalícia equivalente à metade do salário mínimo vigente no país. A partir do advento da Constituição de 1988, o valor do benefício foi elevado para 1 (um) salário mínimo, à vista do disposto no art. 139, § 2º, da Lei 8.231/1991.
A renda mensal vitalícia em referência foi extinta pelo art. 40 da Lei 8.742/1993, sendo estabelecido em seu lugar o benefício assistencial de prestação continuada previsto no art. 20 do mesmo diploma legal.
Atualmente, a disciplina legal do instituto encontra-se formatada pelas Leis 9.720/1998 12.435/2011, 12.470/2011 e 13.146/2015, as quais promoveram alterações substanciais nos arts. 20 e 21 da Lei Orgânica da Assistência Social.
No tocante aos beneficiários, dispõe o art. 20 da Lei 8.231/1991:
Em relação ao idoso, cumpre registrar que originariamente o dispositivo em análise estabelecia a idade mínima de 70 (setenta) anos como requisito para a obtenção do benefício, sendo estabelecida, ao mesmo tempo, regra de transição no art. 38 do mesmo estatuto legal, pela qual o critério etário deveria ser reduzido gradativamente, passando a 67 (sessenta e sete) anos contados 24 (vinte e quatro) meses e 65 (sessenta e cinco) anos em 48 (quarenta e oito) meses, respectivamente. Contudo, a Lei 9.720/1998, objeto de conversão da Medida Provisória 1599-50/1998, fixou a idade limite em 67 (sessenta e sete) anos a partir de 1º de janeiro de 1998.
Com o advento do Estatuto do Idoso, mediante a edição da Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003, acabou-se por eleger a idade de 65 (sessenta e cinco) anos como critério etário para a percepção do benefício assistencial, nos seguintes termos:
Finalmente, a Lei 12.435/2011 promoveu a atualização do art. 20 da Lei 8.742/1993, prevendo a idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos, e, de outro lado, revogou o art. 38, na redação dada pela Lei 9.720/1998.
Assim, a pessoa maior de 65 (sessenta e cinco) anos de idade, a partir do início da vigência do Estatuto do Idoso, desde que exposta à situação de hipossuficiência material, pode ser amparada pela Seguridade Social por meio do benefício assistencial de prestação continuada.
No que concerne à pessoa com deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social evidenciam tendência evolutiva na consideração da sua conceituação legal. Originariamente, a deficiência encontrava-se relacionada à incapacidade para a vida independente e para o trabalho. Posteriormente, a Lei 12.435/2011 incluiu no dispositivo em análise a definição contida no art. 1º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 30.03.2007, incorporada ao ordenamento jurídico interno pelo Decreto n. 6.949/2009, de acordo com a qual:
Entretanto, ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. Note-se que a jurisprudência já vinha suavizando a interpretação sobre o alcance da aludida incapacidade, como se extrai da seguinte decisão:
A propósito do tema, confira-se ainda o teor da Súmula n. 29 da Turma Nacional de Uniformização - TNU dos Juizados Especiais:
Em compasso com a evolução interpretativa promovida pela jurisprudência, a Lei 12.470/2011 abandonou o parâmetro consubstanciado na incapacidade para a vida independente e para o trabalho, preservando a definição consagrada na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a qual explicitou a definição legal de pessoa com deficiência:
Ademais, cumpre assinalar que o § 10, do mesmo dispositivo, incluído pela Lei 12.470/2011, considera por longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
No tocante à situação socioeconômica do beneficiário, consta do § 3º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, com a redação dada pela Lei 12.435/2001:
Inicialmente, o dispositivo em referência teve a constitucionalidade afirmada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado na ADIn nº 1.232-1 (Rel. Min. Ilmar Galvão, por redistribuição, DJU, 26 maio 1995, p. 15154). Entretanto, a pretexto da ocorrência de processo de inconstitucionalização oriundo de alterações de ordem fática (políticas, econômicas e sociais) e jurídica (estabelecimento de novos patamares normativos para concessão de benefícios assistenciais em geral), o Supremo Tribunal Federal reviu o anterior posicionamento, declarando a inconstitucionalidade parcial do dispositivo, sem pronúncia de nulidade, em julgado assim ementado:
Consequentemente, foi rechaçada a aferição da miserabilidade unicamente pelo critério objetivo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993, passando-se a admitir o exame das reais condições sociais e econômicas do postulante ao benefício, como denota a seguinte decisão:
É importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça já admitia outros meios de prova para aferir a hipossuficiência do postulante ao amparo assistencial, além do montante da renda per capita, reputando a fração estabelecida no § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993 como parâmetro abaixo do qual a miserabilidade deve ser presumida de forma absoluta. Nesse sentido, a seguinte decisão prolatada em sede de recurso especial representativo de controvérsia:
No mesmo sentido tem se orientado a jurisprudência desta Corte:
Atualmente encontra-se superada a discussão em torno da renda per capita familiar como único parâmetro de medida do critério socioeconômico, pois, com a inclusão pela Lei 13.146/2015 do § 11 no art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, passou a constar previsão legal expressa autorizando a utilização de outros elementos probatórios para a verificação da miserabilidade e do contexto de vulnerabilidade do grupo familiar exigidos para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada.
Cumpre, então, examinar o preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício pleiteado no caso vertente.
Verifica-se pelos dados constantes dos autos que a parte ré foi recolhida à prisão em 07.12.2009, tendo inclusive gerado o benefício de auxílio-reclusão, com data de início - DIB na data do encarceramento, o qual permaneceu ativo até 06.09.2017 (CNIS em anexo), motivo pelo qual não há que se falar em recebimento do benefício de assistencial nesse período, uma vez que durante o período em que esteve recolhida à prisão permaneceu sob a custódia do Estado, não necessitando prover por meios próprios sua subsistência. Nesse sentido, transcrevo os seguintes julgados provenientes desta E. Corte:
Verifico, ainda, que a parte ré exerceu atividade remunerada no período de 12.11.2008 a 22.12.2008, em razão do vínculo mantido com a empresa "Raizen Energia S.A.", de forma quem também não faz jus ao recebimento do benefício assistencial nesse período.
Portanto, o benefício de amparo social é devido a partir da data do requerimento administrativo (23.10.2007), momento em que o INSS tomou ciência da pretensão da parte autora, até a data de 06.12.2009, dia anterior ao início do encarceramento, descontando-se valores referentes ao benefício concedido no período trabalhado.
Nada obsta, entretanto, que a parte ré venha requerer o benefício assistencial novamente, uma vez cessado o encarceramento.
Com relação aos honorários advocatícios, tendo decaído em maior parte, condeno a parte ré ao pagamento dos honorários advocatícios que arbitro em 10% sobre o valor da causa, nos termos do art. 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja execução observará o disposto no art. 98, § 3º, do citado diploma legal.
Diante do exposto, julgo procedente o pedido formulado na presente demanda rescisória para desconstituir o v. acórdão da 10ª Turma desta Corte, proferido na Apelação Cível nº 2011.03.99.002791-7, e, em juízo rescisório, julgar parcialmente procedente o pedido formulado na demanda subjacente, condenando o INSS a conceder o benefício de amparo social a partir da DER em 23.10.2007 até 06.12.2009, dia anterior ao início do encarceramento, descontando-se os valores referentes ao benefício no período em que a parte ré exerceu atividade remunerada, de 12.11.2008 a 22.12.2008.
É o voto.
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