
| D.E. Publicado em 31/10/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, de ofício, anular a r. sentença de 1º grau, por se tratar de sentença condicional e, com supedâneo no art. 1.013, §3º, II, do Código de Processo Civil, julgo parcialmente procedente a ação, para reconhecer o labor especial nos períodos de 05/05/1977 a 07/07/2001, 09/08/2001 a 03/04/2003 e 16/04/2003 a 02/07/2008, bem como para condenar a autarquia na revisão da renda mensal inicial do benefício (NB 146.494.421-8) a partir da postulação administrativa (08/08/2008), sendo que sobre os valores em atraso incidirá correção monetária de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e juros de mora até a expedição do ofício requisitório, de acordo com o mesmo Manual, condenando, ainda, a autarquia no pagamento da verba honorária, fixada em 10% sobre o valor das parcelas vencidas, contadas estas até a data de prolação da sentença, restando prejudicada a análise da apelação interposta pelo INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009842-73.2009.4.03.6109/SP
RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação ajuizada por FRANCISCO FEITOSA DA SILVA, objetivando o reconhecimento de labor especial, com a consequente revisão da "aposentadoria por tempo de serviço/contribuição" anteriormente lhe concedida.
A r. sentença prolatada, parcialmente reparada por força de embargos de declaração opostos pela parte autora (fls. 62/66, 79/80 e 82 e verso), julgou parcialmente procedente a ação, acolhendo a especialidade do intervalo de 05/05/1977 a 08/08/2008, determinando ao INSS que o considere em novo somatório junto aos períodos já reconhecidos na esfera administrativa, procedendo à revisão do benefício do autor (desde 08/08/2008, com incidência de juros de mora e correção monetária sobre os atrasados), se preenchidos os requisitos legais. Estabeleceu-se a verba honorária, a ser suportada pelo INSS, em 10% sobre o valor atribuído à causa (R$ 1.000,00), e custas ex lege. Antecipados os efeitos da tutela jurisdicional.
Descontente com o resultado do julgamento, o INSS apelou (fls. 69/75 e 76/77), requerendo a reforma do decisum, sob alegação de que os documentos carreados ao processo, além de se mostrarem extemporâneos, não teriam demonstrado a intensidade dos agentes nocivos (a fim de caracterizar a insalubridade do labor), sendo que, ademais disso, não se houvera a juntada de laudo específico para fins de confirmação do ruído apontado, de modo que não se comprovara exposição além dos limites toleráveis. Arguiu, por fim, a utilização de EPI eficaz, e a impossibilidade de conversão (de especial para comum) de períodos em que percebido "auxílio-doença". Noutra hipótese, espera pela reparação do julgado quanto aos juros de mora fixados.
Devidamente processado o recurso, foram ofertadas contrarrazões pelo autor (fls. 91/93).
Na sequência, ascenderam os autos a esta Corte Federal, sobrevindo comprovação do cumprimento da tutela, pelo INSS, com a reavaliação da benesse do autor (fl. 99).
É o relatório.
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Enfatizo que a propositura da presente demanda dera-se em 25/09/2009 (fl. 02), com a posterior citação da autarquia em 13/11/2009 (fl. 42) e a prolação da r. sentença aos 17/09/2010 (fl. 66), sob a égide, portanto, do Código de Processo Civil de 1973.
Conforme narrada na inicial, a pretensão do autor resume-se ao reconhecimento do intervalo laborativo especial de 05/05/1977 a 08/08/2008, para efeito de reanálise dos critérios de concessão da aposentadoria anteriormente lhe concedida, aos 08/08/2008 (aposentadoria por tempo de contribuição, sob NB 146.494.421-8, apurados àquela ocasião 34 anos e 06 dias de tempo de serviço - fl. 18). Pleiteia a elevação da renda mensal inicial (RMI), além do pagamento das diferenças apuradas e integralizadas ao benefício.
Da nulidade da r. sentença.
Inicialmente, saliente-se que, fixados os limites da lide pela parte autora, veda-se ao magistrado decidir além (ultra petita), aquém (citra petita) ou diversamente do pedido (extra petita), consoante art. 492 do CPC/2015.
Em sua decisão, a d. Juíza a quo condicionou a providência revisional à presença de requisitos a serem averiguados pelo próprio INSS.
Desta forma, está-se diante de sentença condicional, eis que, deveras, não foi analisado o pedido formulado na inicial, restando violado o princípio da congruência, insculpido no art. 460 do CPC/73, atual art. 492 do CPC/2015.
O caso, entretanto, não é de remessa dos autos à 1ª instância, uma vez que a legislação autoriza expressamente o julgamento imediato do processo quando presentes as condições para tanto. É o que se extrai do art. 1.013, § 3º, II, do Código de Processo Civil em vigor:
Considerando que a causa encontra-se madura para julgamento - presentes os elementos necessários ao seu deslinde - e que o contraditório e a ampla defesa restaram assegurados - com a citação válida do ente autárquico - e, ainda, amparado pela legislação processual aplicável, passo ao exame do mérito da demanda.
Verifico que o pedido formulado pela parte autora encontra previsão legal, especificamente na Lei de Benefícios.
Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial, e em obediência ao aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial (STJ, AgRg no REsp 493.458/RS e REsp 491.338/RS; Súmula nº 13 TR-JEF-3ªR; artigo 70, § 1º, Decreto nº 3.048/1999).
Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
O Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/64, código 1.1.6, fixou o nível mínimo em 80 dB. Por força do Quadro I do Anexo do Decreto nº 72.771/73, de 06/09/1973, esse nível foi elevado para 90 dB.
O Quadro Anexo I do Decreto nº 83.080/79, mantido pelo Decreto nº 89.312/84, considera insalubres as atividades que expõem o segurado a níveis de pressão sonora superiores a 90 decibéis, de acordo com o Código 1.1.5. Essa situação foi alterada pela edição dos Decretos nºs 357, de 07/12/1991 e 611, de 21/07/1992, que incorporaram, a um só tempo, o Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24/01/1979, que fixou o nível mínimo de ruído em 90 dB e o Anexo do Decreto nº 53.831, de 25/03/1964, que fixava o nível mínimo de 80dB, de modo que prevalece este, por ser mais favorável.
De 06/03/1997 a 18/11/2003, na vigência do Decreto nº 2.172/97, e de 07/05/1999 a 18/11/2003, na vigência do Decreto nº 3.048/99, o limite de tolerância voltou a ser fixado em 90 dB.
A partir de 19/11/2003, com a alteração ao Decreto nº 3.048/99, Anexo IV, introduzida pelo Decreto nº 4.882/03, o limite de tolerância do agente nocivo ruído caiu para 85 dB.
Observa-se que no julgamento do REsp 1398260/PR (Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 14/05/2014, DJe 05/12/2014), representativo de controvérsia, o STJ reconheceu a impossibilidade de aplicação retroativa do índice de 85dB para o período de 06/03/1997 a 18/11/2003, devendo ser aplicado o limite vigente ao tempo da prestação do labor, qual seja, 90dB.
Assim, temos o seguinte quadro:
Importante ressaltar que o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em condições especiais.
Saliente-se, mais, e na esteira de entendimento deste E. TRF, "a desnecessidade de que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que exercida a atividade insalubre, em face de inexistência de previsão legal para tanto, e desde que não haja mudanças significativas no cenário laboral" (TRF-3, APELREEX 0004079-86.2012.4.03.6109, OITAVA TURMA, Rel. Des. Fed. TANIA MARANGONI, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 15/05/2015). No mesmo sentido: TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1423903 - 0002587-92.2008.4.03.6111, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO DOMINGUES, julgado em 24/10/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/11/2016).
Por derradeiro, no que se refere ao uso de equipamento de proteção individual, verifica-se que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 664.335/SC, em sede de repercussão geral, fixou duas teses:
Destarte, a desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
Acresça-se, ainda, ser possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do exercício da atividade especial, conforme se extrai da conjugação das regras dos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
Observa-se que o fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99, conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
Do caso concreto.
Dentre a documentação que secunda a petição inicial, observam-se PPP (fls. 23/27) e laudo técnico (fls. 28/36) fornecidos pela empresa Serviço Municipal de Água e Esgoto de Piracicaba - SEMAE, detalhando as tarefas preteritamente desenvolvidas pelo autor entre 05/05/1977 e 02/07/2008 (data de emissão do PPP) - ora como operário, ora como encanador - exposto habitual e permanentemente a riscos biológicos - materiais infectocontagiosos e à umidade, sendo que, concomitantemente, a ruído de 83 a 95 dB(A) (de 24/12/1999 a 04/11/2003) e a ruído de 77,6 dB(A) (de 05/11/2003 a 02/07/2008).
No tocante à variação de ruído, apenas se diga que, até então, vinha aplicando o entendimento no sentido da impossibilidade de reconhecimento da especialidade da atividade, na hipótese de submissão do empregado a nível de pressão sonora de intensidade variável, em que aquela de menor valor fosse inferior ao limite estabelecido pela legislação vigente.
Ao revisitar os julgados sobre o tema, tormentoso, percebe-se nova reflexão jurisprudencial, a qual adiro, para admitir a possibilidade de se considerar, como especial, o trabalho desempenhado sob sujeição a ruído em sua maior intensidade, na medida em que esta acaba por mascarar a de menor intensidade, militando em favor do segurado a presunção de que uma maior pressão sonora prevalecia sobre as demais existentes no mesmo setor.
Registre-se, a esse respeito, precedente do C. Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual "não sendo possível aferir a média ponderada, deve ser considerado o maior nível de ruído a que estava exposto o segurado, motivo pelo qual deve ser reconhecida a especialidade do labor desenvolvido pelo segurado no período, merecendo reforma, portanto, a decisão agravada que considerou equivocadamente que o labor fora exercido pelo segurado com exposição permanente a ruído abaixo de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003" (AgRg no REsp nº 1.398.049/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, decisão monocrática, DJe 13/03/2015).
Esta 7ª Turma, em caso análogo, assim já decidiu:
Em conclusão: admite-se o labor como especial, na forma dos itens 1.1.3, 1.1.6 e 1.3.2 do Decreto nº 53.831/64; 1.1.5 e 1.3.4 do Decreto nº 83.080/79; 2.0.1 e 3.0.1 do Decreto nº 2.172/97; e 2.0.1 e 3.0.1 do Decreto nº 3.048/99.
Apenas um elemento objeta o efetivo aproveitamento de todo o período supra destacado: noticiada a percepção de "auxílio-doença" pela parte autora, de 08/07/2001 a 08/08/2001 (sob NB 121.471.154-2, fl. 76) e 04/04/2003 a 15/04/2003 (sob NB 504.075.634-4, fl. 77), referidos interregnos refogem do reconhecimento de prestação laborativa especial, haja vista a falta de sujeição, notadamente, a agentes agressivos.
E diante do reconhecimento da especialidade laboral (à exceção dos intervalos vinculados à concessão de "benefícios por incapacidade"), não pode ser outra a conclusão senão a de que a parte autora tem, sim, direito à revisão da renda mensal inicial de sua aposentadoria, com espeque no art. 53, II, da Lei nº 8.213/91.
Vale ressaltar que os intervalos laborativos ditos incontroversos (não discutidos na presente demanda) integram tabela confeccionada pelo INSS (fls. 20/21).
O termo inicial dos efeitos financeiros advindos da revisão do benefício deve ser estabelecido na data do pedido originário do benefício (08/08/2008), momento em que, embora resistida a pretensão, já merecia reconhecimento o labor ora examinado.
Na execução do julgado, deve haver a compensação dos valores pagos a título do benefício originário de "aposentadoria por tempo de contribuição".
A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.
A verba advocatícia fica estabelecida em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas devidas até a sentença, nos exatos termos da Súmula nº 111 do C. STJ, uma vez que, sendo as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária suportadas por toda a sociedade, a verba honorária deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente, conforme, aliás, preconizava o §4º, do art. 20 do CPC/73, vigente à época do julgado recorrido.
Isenta-se a Autarquia Securitária do pagamento de custas processuais.
Ante o exposto, de ofício, anulo a r. sentença de 1º grau, por se tratar de sentença condicional e, com supedâneo no art. 1.013, §3º, II, do Código de Processo Civil, julgo parcialmente procedente a ação, para reconhecer o labor especial nos períodos de 05/05/1977 a 07/07/2001, 09/08/2001 a 03/04/2003 e 16/04/2003 a 02/07/2008, bem como para condenar a autarquia na revisão da renda mensal inicial do benefício (NB 146.494.421-8) a partir da postulação administrativa (08/08/2008), sendo que sobre os valores em atraso incidirá correção monetária de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e juros de mora até a expedição do ofício requisitório, de acordo com o mesmo Manual, condenando, ainda, a autarquia no pagamento da verba honorária, fixada em 10% sobre o valor das parcelas vencidas, contadas estas até a data de prolação da sentença, restando prejudicada a análise da apelação interposta pelo INSS.
Defiro a prioridade de tramitação requerida à fls. 102/104, ex vi do disposto nos arts. 1.048, I, do Código de Processo Civil e 71 da Lei nº 10.741/03 (Estatuto do Idoso), devendo a Serventia proceder à identificação dos autos e anotação no sistema processual.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
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