
9ª Turma
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5011186-70.2024.4.03.0000
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
AGRAVANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AGRAVADO: WANDERLEI PIRES DE ARAUJO
Advogado do(a) AGRAVADO: WELLINGTON COELHO DE SOUZA JUNIOR - MS15475-A
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5011186-70.2024.4.03.0000
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
AGRAVANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AGRAVADO: WANDERLEI PIRES DE ARAUJO
Advogado do(a) AGRAVADO: WELLINGTON COELHO DE SOUZA JUNIOR - MS15475-A
R E L A T Ó R I O
Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em face da decisão que, ao julgar parcialmente o mérito, consoante artigo 356 do Código de Processo Civil (CPC), reconheceu: (i) a atividade especial do período de 1º/8/1991 a 20/3/1998; (ii) os períodos apontados na Certidão de Tempo de Contribuição (CTC) e na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), com determinação à autarquia federal de nova simulação, considerando o tempo agora reconhecido, no prazo de 10 (dez) dias, contados da intimação do Setor de Benefícios, e de juntada do resultado aos autos, sob pena de multa de R$ 1.000,00 (mil reais), por dia de atraso.
Em síntese, alega, preliminarmente, a suspensão do feito em razão do RE n. 1.368.225/RS, que discute a possibilidade de reconhecimento de atividades de risco. No mérito, sustenta a impossibilidade do enquadramento efetuado, à míngua de comprovação e, ao final, requer o afastamento da astreinte ou a redução do valor com a dilação do prazo para cumprimento.
O efeito suspensivo foi parcialmente deferido.
Sem contraminuta, os autos retornaram a este Gabinete.
É o relatório.
9ª Turma
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5011186-70.2024.4.03.0000
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
AGRAVANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AGRAVADO: WANDERLEI PIRES DE ARAUJO
Advogado do(a) AGRAVADO: WELLINGTON COELHO DE SOUZA JUNIOR - MS15475-A
V O T O
Recurso conhecido nos termos do artigo 356, § 5º, do Código de Processo Civil.
Discute-se a decisão que, ao julgar parcialmente o mérito, reconheceu a atividade especial do período de 1º/8/1991 a 20/3/1998, em que a parte autora trabalhou exposta ao agente nocivo “eletricidade”.
Inicialmente, afasto a alegação preliminar de suspensão processual em virtude do Tema n. 1.209 do Supremo Tribunal Federal (STF), pois este caso não envolve nocividade da atividade de vigilante.
Conquanto a tese jurídica a ser fixada nesse tema posso refletir nas demais hipóteses referentes ao enquadramento especial em razão da periculosidade da atividade (como é o caso da tensão elétrica ora debatida), a controvérsia delimitada no voto do STF que reconheceu a repercussão geral da questão, refere-se especificamente ao vigilante:
“a possibilidade de concessão de aposentadoria especial, pelo Regime Geral de Previdência Social - RGPS, ao vigilante que comprove exposição a atividade nociva com risco à integridade física do segurado, considerando-se o disposto no artigo 201, § 1º, da Constituição Federal e as alterações promovidas pela Emenda Constitucional 103/2019.”
Nessa esteira, somente em relação a esses casos é que se aplica a suspensão processual determinada pela Suprema Corte.
No mais, o Juízo a quo fundamentou sua decisão no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) e no Laudo Técnico das Condições Ambientais do Trabalho (LTCAT), os quais denotam a exposição habitual à tensão elétrica superior a 250 volts, bem como à periculosidade decorrente do risco à integridade física do agravante.
De fato, segundo o PPP, o agravado trabalhou como “operador de substação I e II”, tendo a atribuição de "operar as usinas e subestações do sistema elétrico da empresa de forma a garantir a qualidade e a continuidade no fornecimento de energia elétrica. Subsidiar o centro de operações do sistema nas ocorrências, etc.”, exposto a tensão acima de 250 Volts.
Por sua vez, no laudo técnico apresentado também consta informação sobre concentração de 13.800 a 34.500 volts e exposição do segurado a essa alta tensão elétrica “durante toda a jornada de trabalho”.
Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o Equipamento de Proteção Individual (EPI) não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
Efetivamente, a legislação não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP), os quais são aptos a comprovação da especialidade da atividade pretendida, consoante artigo 58, §§ 1º e 4º, da Lei n. 8.213/1991 e artigo 68, §§ 8º e 9º, do Decreto n. 3.048/1999.
A propósito, a sujeição a tensão elétrica superior a 250 volts é prevista no código 1.1.8 do anexo do Decreto n. 53.831/1964.
Ademais, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar questão relativa à tensão elétrica superior a 250 volts, sob o regime do artigo 543-C do CPC/1973 (Tema Repetitivo n. 534 - REsp n. 1.306.113), concluiu pela possibilidade do enquadramento especial, mesmo para período posterior a 5/3/1997, desde que amparado em laudo pericial, por ser meramente exemplificativo o rol de agentes nocivos constante do Decreto n. 2.172/1997.
Nesse contexto, é cabível o enquadramento especial dos lapsos debatidos, razão pela qual fica mantida a decisão recorrida nesse aspecto.
Passo a apreciar a questão da fixação de prazo e de multa para cumprimento da ordem judicial.
O cumprimento de ordem judicial é consequência natural e esperada de quem tem a obrigação de assim proceder.
Não obstante, o ordenamento jurídico contempla a fixação de multa diária para as situações de recalcitrância injustificada da parte devedora no cumprimento de decisão judicial.
Efetivamente, é facultado ao magistrado aplicar multa cominatória para compelir o réu a praticar o ato a que é obrigado. Essa multa, também denominada astreintes, não tem caráter de sanção; apenas visa à coerção psicológica para o cumprimento da obrigação.
Na doutrina, é unânime o entendimento de não haver, na referida multa, nenhum caráter punitivo ou indenizatório, apenas constrangimento à colaboração com a execução das decisões liminares ou definitivas de conteúdo mandamental. Tanto é assim que, caso cumprida a ordem, deixa de ser devida.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu:
"AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. ASTREINTES. POSSIBILIDADE. Não se conhece do recurso especial quanto a questões carentes de prequestionamento. Em conformidade com o entendimento assentado em ambas as Turmas da Terceira Seção desta col. Corte de Justiça, o juiz, de ofício ou a requerimento da parte, pode fixar as denominadas astreintes contra a Fazenda Pública, com o objetivo de forçá-la ao adimplemento da obrigação de fazer no prazo estipulado. Agravo regimental a que se nega provimento." (AGA n 476719/RS, 6ª Turma, rel. Min. Paulo Medina, j. 13/5/2003, v.u., DJ 9/6/2003, p. 318)
Ainda, Luiz Guilherme Marinoni, explicando a natureza multa referida nos artigos 461 do CPC e 84 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), assim se manifesta:
"A multa presente em tais normas, desta forma, é apenas um meio processual de coerção indireta voltado a dar efetividade às ordens do juiz: não tem ela, como é óbvio, qualquer finalidade sancionatória ou reparatória. A multa é um meio de coerção indireta que tem por fim propiciar a efetividade das ordens de fazer e não-fazer do juiz, sejam elas impostas na tutela antecipatória ou na sentença." (Tutela específica, São Paulo: RT, 2001, p. 105/106)
Também é pacífico o entendimento do STJ de que "o valor ou a periodicidade da multa cominatória prevista no art. 537 do NCPC pode ser alterado pelo magistrado a qualquer tempo, até mesmo de ofício, quando irrisório ou exorbitante, não havendo falar em preclusão ou ofensa à coisa julgada" (AgInt no REsp 1.891.288/DF, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 7/12/2020, DJe 1º/2/2021).
No mesmo sentido (g. n.):
"PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS RECEBIDOS COMO AGRAVO INTERNO. APRECIAÇÃO DE TODAS AS QUESTÕES RELEVANTES DA LIDE. AUSÊNCIA DE AFRONTA AOS ARTS. 489 E 1.022 DO CPC/2015. HONORÁRIOS. BASE DE CÁLCULO. ASTREINTES. REVISÃO. PRECLUSÃO. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS N. 282 E 356 DO STF. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA N. 83 DO STJ. DECISÃO MANTIDA. 1. De acordo com a jurisprudência do STJ, 'sendo manifesto o intuito infringente dos embargos de declaração opostos, é possível o seu recebimento como agravo interno, desde que determine previamente a intimação da parte recorrente para complementar as razões recursais, nos termos do art. 1.024, § 3º, do CPC/2015' (AgInt no AgInt no AREsp n. 1.655.525/SP, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/2020, DJe 18/12/2020), o que ocorreu. 2. Inexiste afronta aos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015 quando a recorrida pronuncia-se, de forma clara e suficiente, acerca das questões suscitadas nos autos. 3. A simples indicação de dispositivos legais tidos por violados, sem que o tema tenha sido enfrentado pelo acórdão recorrido, obsta o conhecimento do recurso especial, por falta de prequestionamento. (Súmulas n. 282 e 356 do STF). 4. 'A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que o valor ou a periodicidade da multa cominatória prevista no art. 537 do NCPC pode ser alterado pelo magistrado a qualquer tempo, até mesmo de ofício, quando irrisório ou exorbitante, não havendo falar em preclusão ou ofensa à coisa julgada' (AgInt no REsp n. 1.891.288/DF, Relatoria. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 7/12/2020, DJe 1º/2/2021), o que foi observado pela Corte local. 5. Inadmissível o recurso especial quando o entendimento adotado pelo Tribunal de origem coincide com a jurisprudência do STJ (Súmula n. 83/STJ). 6. Agravo interno a que se nega provimento." (AgInt no REsp 1.838.454/DF, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 17/05/2021, DJe 20/5/2021)
Nesse contexto, o magistrado deve garantir que a execução se faça pelo modo menos gravoso para o executado, em cumprimento ao artigo 805 do CPC.
Outra questão relevante a ser ponderada é o comportamento do credor, que tem o dever de ser diligente e informar ao juízo a recalcitrância da Administração no cumprimento da ordem judicial, privilegiando, dessa forma, a boa-fé objetiva e a obrigação de cooperação com o juízo e a outra parte.
É o que textualmente se colhe do seguinte precedente do STJ (g. n.):
“No tocante ao credor, em razão da boa-fé objetiva (NCPC, arts. 5º e 6º) e do corolário da vedação ao abuso do direito, deve ele tentar mitigar a sua própria perda, não podendo se manter simplesmente inerte em razão do descaso do devedor, tendo dever de cooperação com o juízo e com a outra parte, seja indicando outros meios de adimplemento, seja não dificultando a prestação do devedor, impedindo o crescimento exorbitante da multa, sob pena de perder sua posição de vantagem em decorrência da supressio. Nesse sentido, Enunciado n. 169 das Jornadas de Direito Civil do CJF." (AgInt no AgRg no AREsp 738.682/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 17/11/2016, DJe 14/12/2016)
Vale destacar, ainda, que no cumprimento da obrigação de fazer, faz-se necessária a intimação pessoal da parte obrigada para que incida a multa diária pelo descumprimento, configurado este o marco inicial para a incidência das astreintes.
Esse é o sentido e o alcance da Súmula n. 410 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por força da qual "a prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer." (...)
No caso, sem descurar essas premissas, entendo que a redução do valor da multa diária no caso de recalcitrância no cumprimento da ordem judicial para 1/30 do possível benefício a ser apurado cumpre a finalidade da norma inserta no artigo 537, caput, do CPC, em atenção aos valores em conflito e ao princípio da proporcionalidade ampla.
Veja-se o entendimento do STJ sobre a matéria:
"PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL. EXCESSO. REDUÇÃO. A multa pelo descumprimento de decisão judicial não pode ensejar o enriquecimento sem causa da parte a quem favorece, como no caso, devendo ser reduzida a patamares razoáveis. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido." (REsp 793.491/RN, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 26/9/2006, DJ 6/11/2006 p. 337)
Ademais, considerada a complexidade da prática dos atos administrativos e observados os prazos homologados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito do Recurso Extraordinário n. 1.171.152/SC (Tema n. 1.066), especificamente na cláusula sétima do acordo, fixo o prazo de 90 (noventa) dias para averbação dos períodos reconhecidos e apresentação da nova simulação administrativa.
Diante do exposto, dou parcial provimento ao agravo de instrumento, apenas para ajustar a multa cominatória, nos termos da fundamentação supra.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. JULGAMENTO PARCIAL DE MÉRITO. RECONHECIMENTO DE PERÍODO ESPECIAL. TENSÃO ELÉTRICA SUPERIOR A 250 VOLTS. PERICULOSIDADE. ENQUADRAMENTO. PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PREVIDENCIÁRIO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. MULTA. PRAZO EXÍGUO.
- Não se aplica ao caso concreto a questão discutida no Tema n. 1.209, de modo que não se cabe cogitar o sobrestamento.
- Conjunto probatório suficiente para demonstrar a especialidade pretendida (tensão elétrica superior aos limites de tolerância).
- Não há óbice, no ordenamento jurídico, para aplicação da multa fixada por recalcitrância no cumprimento de decisão judicial.
- Com efeito, é facultado ao magistrado aplicar multa cominatória para compelir o réu resistente a praticar o ato a que está obrigado por força de decisão judicial.
- A redução do valor da multa diária no caso de recalcitrância no cumprimento da ordem judicial para 1/30 do possível benefício a ser apurado cumpre a finalidade da norma inserta no artigo 537, caput, do CPC, em atenção aos valores em conflito e ao princípio da proporcionalidade ampla.
- Considerada a complexidade da prática dos atos administrativos e observados os prazos homologados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito do Recurso Extraordinário n. 1.171.152/SC (Tema n. 1.066), especificamente na cláusula sétima do acordo, fixo o prazo de 90 (noventa) dias para averbação dos períodos reconhecidos e apresentação da nova simulação administrativa.
- Agravo de Instrumento parcialmente provido.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADORA FEDERAL
