
10ª Turma
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5004742-55.2023.4.03.0000
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
AGRAVANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AGRAVADO: ANTONIO LUCAS, HELENA LUCCA BARBOSA ANTUNES, CARMEM BARBOZA, MARIA JOSE LUCAS, MARIA APARECIDA BARBOSA HEREDIA, ALINE MARIA LUCAS ROSA, ANA CRISTINA LUCAS
SUCEDIDO: JESUINO LUCAS BARBOSA, JOSE MARIA LUCAS
Advogados do(a) SUCEDIDO: CESAR AUGUSTO MAZZONI NEGRAO - SP144566-A, JOSE AFONSO ROCHA JUNIOR - SP160513-N
Advogados do(a) AGRAVADO: CESAR AUGUSTO MAZZONI NEGRAO - SP144566-A, JOSE AFONSO ROCHA JUNIOR - SP160513-N
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5004742-55.2023.4.03.0000
RELATOR: Gab. 36 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS MOREIRA
AGRAVANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AGRAVADO: ANTONIO LUCAS, HELENA LUCCA BARBOSA ANTUNES, CARMEM BARBOZA, MARIA JOSE LUCAS, MARIA APARECIDA BARBOSA HEREDIA, ALINE MARIA LUCAS ROSA, ANA CRISTINA LUCAS
SUCEDIDO: JESUINO LUCAS BARBOSA, JOSE MARIA LUCAS
Advogados do(a) SUCEDIDO: CESAR AUGUSTO MAZZONI NEGRAO - SP144566-A, JOSE AFONSO ROCHA JUNIOR - SP160513-N
Advogados do(a) AGRAVADO: CESAR AUGUSTO MAZZONI NEGRAO - SP144566-A, JOSE AFONSO ROCHA JUNIOR - SP160513-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social em face de decisão que, em sede de cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública, aplicou à autarquia sanção por litigância de má-fé, no montante equivalente a 10% do valor da causa atualizado.
Sustenta que, ao impugnar os cálculos de contador judicial, não excedeu os limites do direito à ampla defesa e ao contraditório, mediante dolo ou má-fé processual. Explica que não houve anuência anterior ao laudo do contabilista do Juízo, a ponto de se tornar protelatória a impugnação posterior.
Alega que a interposição do Agravo de Instrumento nº 5014104-18.2022.4.03.0000 é a prova de embasamento legal da impugnação dos cálculos judiciais, com foco na proteção do erário.
Em função da ausência de perigo da demora, o pedido de efeito suspensivo ao agravo foi indeferido.
O agravado apresentou resposta ao recurso.
É o relatório.
10ª Turma
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5004742-55.2023.4.03.0000
RELATOR: Gab. 36 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS MOREIRA
AGRAVANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AGRAVADO: ANTONIO LUCAS, HELENA LUCCA BARBOSA ANTUNES, CARMEM BARBOZA, MARIA JOSE LUCAS, MARIA APARECIDA BARBOSA HEREDIA, ALINE MARIA LUCAS ROSA, ANA CRISTINA LUCAS
SUCEDIDO: JESUINO LUCAS BARBOSA, JOSE MARIA LUCAS
Advogados do(a) SUCEDIDO: CESAR AUGUSTO MAZZONI NEGRAO - SP144566-A, JOSE AFONSO ROCHA JUNIOR - SP160513-N
Advogados do(a) AGRAVADO: CESAR AUGUSTO MAZZONI NEGRAO - SP144566-A, JOSE AFONSO ROCHA JUNIOR - SP160513-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente, o objeto do agravo de instrumento está restrito ao comportamento processual da autarquia durante a fase de liquidação de sentença; a discussão sobre a própria validade material das contas de liquidação – ponderação do valor do salário-mínimo no momento do cálculo da renda mensal inicial de aposentadoria ou no do reajustamento do benefício – integrou os limites do Agravo de Instrumento nº 5014104-18.2022.4.03.0000, já julgado pela Décima Turma nos seguintes termos:
PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIARIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. VALOR DA EXECUÇÃO. COISA JULGADA. CONTADORIA JUDICIAL. RMI. SALÁRIOS MÍNIMOS. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ARTIGO 7º, IV, DA CF. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CABÍVEIS. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. A observância da coisa julgada constitui matéria de ordem pública, cognoscível de ofício pelo juiz, independentemente de iniciativa das partes (artigo 509, §4º, do CPC). O cumprimento rigoroso do título executivo, além de garantir a efetividade de decisão de mérito já proferida, sob o impacto do princípio da cooperação (artigo 6º do CPC), mantém a pacificação social e a segurança jurídica, enquanto valores associados ao exercício da jurisdição.
2. O auxílio do contador judicial, nessa conjuntura, visa justamente a delimitar os elementos da condenação, sem que se tenha por parâmetro os valores apresentados pelo exequente e pelo executado. A não ser que o credor renuncie expressamente a uma parcela do crédito, a definição do objeto da execução não pode ficar presa ao requerimento das partes, envolvendo questão técnica controvertida, indisponível, e tutelando interesses que transcendem o pedido do credor – eficácia da coisa julgada e de todos os valores nela materializados.
3. Vale dizer que, em sede de execução, a fixação do valor devido deve obedecer os limites estabelecidos no título executivo.
4. Não há falar em aplicação da Súmula 519 do STJ para fins de afastar a condenação do INSS em honorários advocatícios, porquanto tal enunciado era aplicável quando vigente o CPC/73. Atualmente, há previsão expressa no artigo 85, §§ 1º e 7º, sobre o cabimento de condenação em verba honorária em sede de cumprimento de sentença impugnado.
5. Agravo de instrumento não provido.
A responsabilidade por litigância de má-fé pressupõe o descumprimento deliberado ou gravemente precipitado dos deveres processuais previstos nos artigos 77 e 80 do CPC, de redação idêntica à dos artigos 14 e 17 do CPC de 73:
Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:
I - expor os fatos em juízo conforme a verdade;
II - não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento;
III - não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito;
IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação;
V - declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva;
VI - não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso.
VII - informar e manter atualizados seus dados cadastrais perante os órgãos do Poder Judiciário e, no caso do § 6º do art. 246 deste Código, da Administração Tributária, para recebimento de citações e intimações.
(...)
Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:
I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;
II - alterar a verdade dos fatos;
III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
VI - provocar incidente manifestamente infundado;
VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.
Embora a parte tenha o direito à ampla defesa e ao contraditório, deve exercê-lo nos limites legais e éticos, sob pena de abuso do direito, catalogado expressamente pela lei como ato ilícito (artigo 187 do CC).
O Superior Tribunal de Justiça tem previsto como elemento subjetivo da responsabilidade processual o dolo ou culpa grave da parte:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO.
QUESTÃO SUSCITADA NA IMPUGNAÇÃO AO AGRAVO INTERNO NÃO EXAMINADA NO
ACÓRDÃO EMBARGADO. OMISSÃO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ POR PARTE DA AGRAVANTE, ORA EMBARGADA. NÃO CARACTERIZAÇÃO.
1. De acordo com a norma prevista no artigo 1.022 do CPC, são cabíveis embargos de declaração nas hipóteses de obscuridade, contradição, omissão da decisão recorrida ou erro material.
2. Caso concreto em que o acórdão embargado omitiu-se em apreciar o pedido formulado na impugnação apresentada ao agravo interno, no sentido de que fosse o ora embargado, então agravante, condenado por litigância de má-fé, nos termos dos arts. 80, VII, 81, caput, e 1.021, § 4º, do CPC/2015.
3. É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que, "em regra, descabe a imposição da multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015, em razão do mero improvimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação" (AgInt no REsp n. 1.693.071/RJ, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/9/2020, DJe de 1º/10/2020).
4. Da mesma forma, este Superior Tribunal entende que "o exercício do direito de recorrer não implica, necessariamente, no abuso de tal direito e, para a configuração da litigância de má-fé (arts. 17, VII e 18, § 2º, do Código de Processo Civil de 1973 e 80, IV e VII, e 81 do estatuto processual civil de 2015), é preciso a caracterização de culpa grave ou dolo por parte do recorrente, não podendo ser presumida a atitude maliciosa" (AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.485.298/SP, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 12/2/2020).
5. Na espécie, não se revelou intenção manifestamente protelatória da ora embargada na interposição de seu pretérito agravo interno, na medida em que, como ressai do acórdão embargado, limitou-se ela a exercer seu legítimo de direito de recorrer de decisão judicial que lhe foi desfavorável.
6. Embargos de declaração de Elektro Redes S.A. acolhidos para sanar a omissão no julgado, mas sem efeitos infringentes.(Edcl no AgInt no Pdist no AResp 1383407, Primeira Turma, DJ 02/04/2024).
O INSS, na fase de liquidação de sentença, especificamente após a exigência de crédito suplementar de revisão de aposentadoria, agiu maliciosamente ou, no mínimo, de forma bem distante do dever de cuidado objetivo, atentando contra fato incontroverso, alterando a verdade dos fatos e opondo resistência injustificada ao andamento do processo, mediante manobras protelatórias e repetitivas.
Em primeiro lugar, independentemente da interpretação a ser dada ao título executivo que restou formado, o INSS não impugnou a primeira conta de liquidação (ID 24093074, página 124, dos autos de origem), na qual o perito judicial apurou o crédito exequendo mediante recálculo da renda mensal inicial de aposentadoria segundo o número de salário-mínimo de cada contribuição recolhida à Previdência Social.
Conquanto nova conta de liquidação haja surgido, em referência a valor complementar do crédito exequendo, o critério de cálculo da revisão de aposentadoria restou consolidado na primeira oportunidade, sem que a autarquia tivesse manifestado qualquer resistência.
Ademais, no último esclarecimento prestado pelo novo perito judicial, que confirmou o critério de cálculo da renda mensal inicial, o INSS deixou de se manifestar, em prejuízo da análise enriquecida e aprofundada da questão, contribuindo para a homologação judicial da conta, em termos formais (ID 246613378).
A omissão, nas duas oportunidades, deu a aparência de estabilização das contas de liquidação e impulsionou o procedimento executivo, de modo que as impugnações apresentadas depois de cada silêncio causaram o retardamento indevido da relação processual e um quadro de insatisfação de crédito alimentar, cuja execução se iniciou em dezembro de 1992 – o segurado, inclusive, faleceu em 2007, num momento bem distante da postulação de revisão de aposentadoria.
Restou descumprido, dessa forma, o dever processual previsto nos artigos 77, III, e 80, IV, do CPC.
A própria interpretação dada pela autarquia ao título executivo também se revela abusiva, a ponto de atrair litigância de má-fé.
A sentença que veio a materializar o título executivo previu expressamente que o autor tinha direito de recalcular a renda mensal inicial de aposentadoria de acordo com o número de salário-mínimo de cada contribuição recolhida à Previdência Social. Constou expressamente da fundamentação que, se o segurado contribuía sobre três salários-mínimos, também deveria receber sobre a mesma base de cálculo o benefício previdenciário, enquanto prestação substitutiva do rendimento do trabalho, em prejuízo da regra tradicional de contagem conforme a média aritmética simples dos 36 últimos salários de contribuição:
“Os reajustes dos proventos não podem ficar ao sabor de cálculos que não encontram respaldos no ordenamento de natureza legislativa, pois se Requerente pagou durante tempo legal sobre determinado número de salários mínimos, deverá receber benefício baseado nesse valor, nem mais nem menos, sem se esquecer que o cálculo deverá seguir sempre o parâmetro norteado pelo art. 202 da Constituição Federal.
Logo, há que se fazer algumas ressalvas ao pedido formulado da forma com que foi apresentado, colide com o direito pertinente. Assim, não se pode falar em número de salários mínimos integrais, visto que o Autor não se aposentou após 35 anos de serviço, mas sim com 25 anos, 03 meses e 10 dias, ensejando coeficiente para cálculo de 95%.”
Resta incontroverso que o salário-mínimo foi usado para o cálculo do salário de benefício e da renda mensal inicial de aposentadoria, em típico cenário de revisão, e não para o reajuste do benefício, que, para as prestações concedidas antes da CF de 88, seguia a variação do INPC pelo sistema de faixas salariais definidas em número de salário-mínimo, sem vinculação direta com a própria variação dele (artigo 2º da Lei nº 6.708/1979), resultando na edição da Súmula 260 do Tribunal Federal de Recursos – TFR para a definição da exegese aplicável à forma de reajustamento:
“No primeiro reajuste do benefício previdenciário deve-se aplicar o índice integral do aumento verificado, independentemente do mês da concessão, considerando nos reajustes subsequentes, o salário-mínimo então atualizado.”
A clareza dos elementos da sentença que veio a materializar o título em execução obrigava o INSS, em caso de inconformismo, a recorrer da decisão até o final do processo de conhecimento – não houve recurso de acórdão do TRF – ou a propor ação rescisória, no prazo decadencial de dois anos. Não pode, no decorrer do processo de execução, questionar a própria relação de direito material decidida em juízo, invocando súmula aplicável apenas ao reajustamento de benefício previdenciário, sem qualquer relação imaginável com o cálculo de renda mensal inicial.
As sucessivas impugnações, assim, do INSS recaíram sobre fato incontroverso e verdadeiro, forçando a análise de questão já consolidada desde o trânsito em julgado, em termos claros e lineares, sem margem para qualquer alegação de incerteza ou iliquidez do título executivo. Os deveres previstos nos artigos 77, I, e 80, I e II, do CPC restaram violados, numa insistência condizente com má-fé processual e culpa grave.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.
É o voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SANÇÃO POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. CABIMENTO. DESCUMPRIMENTO DE DEVERES PROCESSUAIS. RECURSO DESPROVIDO.
1. A responsabilidade por litigância de má-fé pressupõe o descumprimento deliberado ou gravemente precipitado dos deveres processuais previstos nos artigos 77 e 80 do CPC.
2. O INSS, na fase de liquidação de sentença, especificamente após a exigência de crédito suplementar de revisão de aposentadoria, agiu maliciosamente ou, no mínimo, de forma bem distante do dever de cuidado objetivo, atentando contra fato incontroverso, alterando a verdade dos fatos e opondo resistência injustificada ao andamento do processo, mediante manobras protelatórias e repetitivas.
3. Agravo de instrumento a que se nega provimento.
