
| D.E. Publicado em 03/10/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, conhecer do agravo interno e lhe negar provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juiz Federal Convocado
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000152-09.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Trata-se de agravo legal interposto em face da decisão monocrática que deu provimento à apelação, para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido.
Requer a parte autora a reforma do julgado, de modo a submeter o caso ao julgamento da Nona Turma. Alega a impossibilidade de cobrança ou devolução dos valores recebidos pelo autor a título de benefício de amparo social, antes da revisão administrativa efetuada pelo réu em 30/11/2014.
Contraminuta não apresentada.
Manifestou-se o MPF pelo provimento do recurso, ante a ausência de indícios de má-fé ou fraude.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Conheço do recurso, porque presentes os requisitos de admissibilidade, nos termos do artigo 1.021 e §§ do Novo CPC.
Tratando-se de agravo interno, calha desde logo estabelecer que, segundo entendimento firmado nesta Corte, a decisão do relator não deve ser alterada quando fundamentada e nela não se vislumbrar ilegalidade ou abuso de poder que resulte em dano irreparável ou de difícil reparação para a parte. Menciono julgados pertinentes ao tema: AgRgMS n. 2000.03.00.000520-2, Primeira Seção, Rel. Des. Fed. Ramza Tartuce, DJU 19/6/01, RTRF 49/112; AgRgEDAC n. 2000.61.04.004029-0, Nona Turma, Rel. Des. Fed. Marisa Santos, DJU 29/7/04, p. 279.
A decisão monocrática deve ser integralmente mantida pelas razões que passo a expor.
A parte autora recebeu benefício assistencial de prestação continuada NB 87/133.478.248-0 com DIB 25/3/2004.
Porém, o INSS observou, em 2014, em revisão regular determinada pela lei, que a parte autora não fazia jus ao benefício porque a renda familiar per capita era superior à declarada no requerimento do benefício.
Com isso, fez cessar o pagamento do benefício e efetuou a cobrança das prestações ilegalmente concedidas, dentro do período prescricional de cinco anos.
LEGALIDADE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO
Por primeiro, ressalta-se a ausência de direito adquirido ou ato jurídico perfeito do segurado à manutenção da renda mensal inicial, porque a Administração tem o dever de fiscalização dos seus atos administrativos.
A Administração Pública goza de prerrogativas, entre as quais o controle administrativo, sendo dado rever os atos de seus próprios órgãos, anulando aqueles eivados de ilegalidade, bem como revogando os atos cuja conveniência e oportunidade não mais subsista.
Trata-se do poder de autotutela administrativo, enunciado nas Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal, tendo como fundamento os princípios constitucionais da legalidade e supremacia do interesse público, desde que obedecidos os regramentos constitucionais do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, LIV e LV, da CF), além da Lei nº 9.784/99, aplicável à espécie.
A Administração pode rever seus atos. Ao final das contas, a teor da Súmula 473 do E. STF "A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos a apreciação judicial".
Deve o INSS observar as regras constitucionais, sob pena de ver seus atos afastados por intervenção do Poder Judiciário. Com efeito, a garantia do inciso LV do artigo 5º da Constituição da República determina que em processos administrativos também deve ser observado o contraditório regular.
Pela análise dos autos, não se verifica ofensa ao devido processo administrativo por parte da autoridade administrativa.
Especificamente no caso de benefícios previdenciários, o artigo 11 da Lei nº 10.666/2003 tem a seguinte dicção:
"Art. 11. O Ministério da Previdência Social e o INSS manterão programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dos benefícios da Previdência Social, a fim de apurar irregularidades e falhas existentes. |
§ 1º Havendo indício de irregularidade na concessão ou na manutenção de benefício, a Previdência Social notificará o beneficiário para apresentar defesa, provas ou documentos de que dispuser, no prazo de dez dias. |
§ 2º A notificação a que se refere o § 1º far-se-á por via postal com aviso de recebimento e, não comparecendo o beneficiário nem apresentando defesa, será suspenso o benefício, com notificação ao beneficiário. |
§ 3º Decorrido o prazo concedido pela notificação postal, sem que tenha havido resposta, ou caso seja considerada pela Previdência Social como insuficiente ou improcedente a defesa apresentada, o benefício será cancelado, dando-se conhecimento da decisão ao beneficiário." |
Sobre essa garantia do contraditório e da ampla defesa, prelecionou Vicente Greco Filho: "...o inc. LV assegura aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Consideram-se meios inerentes à ampla defesa: a) ter conhecimento claro da imputação; b) poder apresentar alegações contra a acusação; c) poder acompanhar a prova produzida e fazer contraprova; d) ter defesa técnica por advogado, cuja função, aliás, agora, é essencial à Administração da Justiça (art. 133); e e) poder recorrer da decisão desfavorável.
Acrescente-se que, em se tratando de benefício assistencial de prestação continuada, a revisão deve dar-se, ope legis, a cada dois anos. Nesse sentido, o artigo 21 da Lei nº 8.742/93:
"Art. 21. O benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem." |
Isso não significa, à evidência, que o INSS não possa realizar suas fiscalizações e auditorias necessárias antes do referido prazo, a teor do entendimento solidificado nas súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
Lícito é acrescentar que a relação jurídica continuativa entre segurado e previdência social não admite a perpetuação de ilegalidades, que é o que ocorre com a determinação da continuidade do pagamento, indevido a olhos vistos.
Enfim, devida é a cessação dos pagamentos do benefício ilegalmente recebida pela parte impetrante.
DEVOLUÇÃO DOS VALORES
Diante disso, o INSS, então, nada mais fez do que aplicar as normas vigentes, constantes da legislação, procedendo à cobrança do valor indevido pago.
Quando patenteado o pagamento a maior de benefício, o direito de a Administração obter a devolução dos valores é inexorável, ainda que recebidos de boa-fé, à luz do disposto no artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91.
O Código Civil estabelece, em seu artigo 876, que, tratando-se de pagamento indevido, "Todo aquele que recebeu o que não era devido fica obrigado a restituir".
Além disso, deve ser levado em conta o princípio geral do direito, positivado como regra no atual Código Civil, consistente na proibição do enriquecimento ilícito ou sem causa.
Assim reza o artigo 884 do Código Civil:
"Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. |
Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido." |
Segundo César Fiuza, em texto intitulado "O princípio do enriquecimento sem causa e seu regramento dogmático", publicado no site arcos.gov.br, esses são os requisitos para a sua configuração:
"1º) Diminuição patrimonial do lesado. |
2º) Aumento patrimonial do beneficiado sem causa jurídica que o justifique. A falta de causa se equipara à causa que deixa de existir. Se, num primeiro momento, houve causa justa, mas esta deixou de existir, o caso será de enriquecimento indevido. O enriquecimento pode ser por aumento patrimonial, mas também por outras razões, tais como, poupar despesas, deixar de se empobrecer etc., tanto nas obrigações de dar, quanto nas de fazer e de não fazer. |
3º) Relação de causalidade entre o enriquecimento de um e o empobrecimento de outro. Esteja claro, que as palavras "enriquecimento" e "empobrecimento" são usadas, aqui, em sentido figurado, ou seja, por enriquecimento entenda-se o aumento patrimonial, ainda que diminuto; por empobrecimento entenda-se a diminuição patrimonial, mesmo que ínfima. |
4º) Dispensa-se o elemento subjetivo para a caracterização do enriquecimento ilícito. Pode ocorrer de um indivíduo se enriquecer sem causa legítima, ainda sem o saber. É o caso da pessoa que, por engano, efetua um depósito na conta bancária errada. O titular da conta está se enriquecendo, mesmo que não o saiba. Evidentemente, os efeitos do enriquecimento ocorrido de boa-fé, não poderão ultrapassar, por exemplo, a restituição do indevidamente auferido, sem direito a indenização." |
Como se vê do item quarto do parágrafo anterior, dispensa-se o elemento subjetivo (ou seja, a presença de má-fé) para a caracterização do enriquecimento ilícito e do surgimento do dever de restituir a quantia recebida.
Por outro lado, não há norma (regra ou princípio) no direito positivo brasileiro determinando que, por se tratar de verba alimentar, o benefício é irrepetível.
A construção jurisprudencial, que resultou no entendimento da irrepetibilidade das rendas recebidas a título de benefício previdenciário, por constituírem verba alimentar, pode implicar negativa de vigência aos artigos 876 e 884 do Código Civil e ao artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91, normas válidas e eficazes.
A Justiça, a propósito, avançou na análise das questões relativas à repetibilidade de prestações previdenciárias, ainda que recebidas de boa-fé.
Com efeito, quanto aos casos de revogação da tutela antecipada, há inúmeros precedentes na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que abordaram a questão.
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, uniformizou o entendimento quanto à necessidade de devolução, consoante se observa da análise da seguinte ementa:
"PREVIDENCIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. REVOGAÇÃO. RESTITUIÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS. VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR RECEBIDA DE BOA-FÉ PELA PARTE SEGURADA. REPETIBILIDADE. A Primeira Seção, em 12.6.2013, por maioria, ao julgar o Resp 1.384.418/SC, uniformizou o entendimento no sentido de que é dever do titular de direito patrimonial devolver valores recebidos por força de tutela antecipada posteriormente revogada. Nesse caso, o INSS poderá fazer o desconto em folha de até dez por cento da remuneração dos benefícios previdenciários recebidos pelo segurado, até a satisfação do crédito. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes. Recurso (EDcl no AgRg no AREsp 321432 / DF, EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL, 2013/0092073-0, Relator(a) Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, Data do Julgamento, 05/12/2013, Data da Publicação/Fonte, DJe 16/12/2013, RDDP vol. 132 p. 136) |
Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, em recurso repetitivo, consolidou o entendimento de que, em casos de cassação de tutela antecipada, a lei determina a devolução dos valores recebidos, ainda que se trate de verba alimentar e ainda que o beneficiário aja de boa-fé:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. REJULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL DETERMINADO PELO STF. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE CASSADA. POSSIBILIDADE. MATÉRIA DECIDIDA EM RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. 1. Rejulgamento do feito determinado pelo Supremo Tribunal Federal, ante o reconhecimento de violação ao art. 97 da Constituição Federal e à Súmula Vinculante 10 do STF. 2. A Primeira Seção desta Corte, no julgamento do Resp 1.401.560/MT, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, pacificou o entendimento de que é possível a restituição de valores percebidos a título de benefício previdenciário, em virtude de decisão judicial precária posteriormente revogada, independentemente da natureza alimentar da verba e da boa-fé do segurado. 3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido" (REsp 995852 / RS, RECURSO ESPECIAL, 2007/0242527-4, Relator(a) Ministro GURGEL DE FARIA, Órgão Julgador, T5 - QUINTA TURMA, Data do Julgamento, 25/08/2015, Data da Publicação/Fonte, DJe 11/09/2015). |
Evidentemente, o presente caso não trata de devolução de prestações obtidas em tutela provisória de urgência, mas os precedentes citados servem para demonstrar que não se pode simplesmente evocar a natureza alimentar do benefício para se eximir os litigantes e segurados de suas obrigações legais.
Ora, autor declarou, em 16/3/2004 (documento de f. 19), que a família era composta por ele e a mãe e que ela não recebia qualquer rendimento.
Porém, apurou-se que a mãe do autor, Vera Lucia Gizzi Rocha, é empregada do Município de Jaboticabal/SP desde 15/4/1992 até 12/2008, quando se aposentou (vide CNIS à f. 45).
Quando da fiscalização realizada em 2014, a mãe do autor novamente declarou não possuir rendimentos (declaração à f. 50), mas o INSS apurou que ela estava recebendo aposentadoria como servidora inativa do Município (f. 62).
Resta, por demais evidente, a ausência de boa-fé, desde o nascimento da relação jurídica espúria forjada pelo autor. E reiterada quando da fiscalização.
Custa a crer, portanto, que o MMº Juízo a quo tenha considerado como não provada uma situação de flagrante má-fé
No caso tratado neste feito, a parte autora recebeu prestações do benefício quando não se encontrava em situação de hipossuficiência jurídica, infelizmente conduta ilícita assaz comum país afora, geradora de graves prejuízos às contas da seguridade social.
Assim sendo, considerando que foi o próprio beneficiário quem se beneficiou da conduta ilícita, deve restituir os valores ao INSS.
De qualquer forma, como explicado acima, nem o artigo 884 do Código Civil, nem o artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91 exigem - para a devolução do indevido - comprovação de dolo do beneficiado, que no caso está patenteado, de qualquer maneira.
A regra interpretativa utilizada na r. sentença, de fazer prevalecer a proteção do segurado em detrimento à previdência social, não pode prevalecer, por vários motivos.
Pessoalmente entendo que a pretensão do autor importa inversão de valores. Com efeito, acolher a pretensão do autor acaba por beneficiar quem agiu contrariamente às regras previdenciárias, invertendo a lógica do direito enquanto mecanismo civilizatório, que é premiar as boas ações e punir as condutas ilícitas.
Oportuno não deslembrar que, diferentemente da lide trabalhista, nas ações previdenciárias não há litígio entre hipossuficiente e parte mais forte, mas conflito entre hipossuficiente e a coletividade de hipossuficientes, corporificada esta última na autarquia previdenciária, notoriamente deficitária.
Cumpre registrar, ainda, que o princípio da moralidade administrativa, conformado no artigo 37, caput, da Constituição da República, obriga a autarquia previdenciária a efetuar a cobrança dos valores indevidamente pagos, na forma do artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91, ainda que tenha demorado anos a perceber a ilegalidade praticada pelo segurado.
Enfim, a devolução é imperativa, mesmo porque se apurou a ausência de boa-fé objetiva (artigo 422 do Código Civil).
Diga-se de passagem que não calha a alegação, de moralidade questionável, de que o INSS não pode receber as prestações devidas porque não fez a fiscalização que deveria ter feito, prevista no artigo 21 da Lei nº 8.742/93.
E mais, o fato de ter havido demora na fiscalização não justifica a conduta ilícita do autor (que prestou declaração ideologicamente falsa ao requerer o benefício), nem legitima outorgar-lhe o privilégio da não devolução ao arrepio da legislação. Trata-se de raciocínio perverso, que gera inversão de valores, que não pode receber o beneplácito da justiça.
De qualquer forma, como explicado acima, nem o artigo 884 do Código Civil, nem o artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91 exigem - para a devolução do indevido - comprovação de dolo do beneficiado, que no caso está patenteado, de qualquer maneira.
A regra interpretativa utilizada na r. sentença, de fazer prevalecer a proteção do segurado em detrimento à previdência social, não pode prevalecer, por vários motivos.
Diante do exposto, nego provimento ao agravo interno.
É o voto.
Rodrigo Zacharias
Juiz Federal Convocado
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