
| D.E. Publicado em 29/06/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo interno, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juiz Federal Convocado
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0013553-12.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Trata-se de agravo interno interposto pelo INSS em face da decisão monocrática que NEGOU PROVIMENTO A SUA APELAÇÃO.
Requer a reforma do julgado, de modo a ser a matéria reexaminada pela Turma, alegando precipuamente que o benefício assistencial de prestação continuada não pode ser concedido a estrangeiro residente no país, consoante fundamentos que apresenta.
Contraminuta apresentada.
O Ministério Público Federal teve ciência do recurso e nada requereu.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Conheço do recurso, porque presentes os requisitos de admissibilidade, nos termos do artigo 1.021 e §§ do Novo CPC.
No mérito, discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
No caso, a parte autora é de nacionalidade portuguesa (cédula de identidade de estrangeiro à f. 9).
A questão da possibilidade de concessão de benefício de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal a estrangeiro é de relevância crescente, dado o aumento na dimensão do custeio da seguridade social, bem como o aumento a imigração verificado nos últimos anos.
Minha opinião pessoal é no sentido de que o direito positivo brasileiro não admite a concessão do benefício a estrangeiro.
De acordo com o artigo 5º da Constituição Federal é assegurado ao estrangeiro, residente no país, o gozo dos direitos e garantias individuais em igualdade de condição com o nacional. Contudo, o benefício assistencial não está citado no referido artigo 5º, mas no 203 do Texto Magno.
Com efeito, o artigo 203, V, da Constituição da República não faz distinção entre brasileiros e estrangeiros, mas remete a regulamentação do benefício - devido a idosos e pessoas portadoras de deficiência pobres - à legislação infraconstitucional.
A Lei nº 8.742/93, que regulamenta o benefício assistencial, logo no artigo primeiro estabelece que somente os cidadãos terão direito ao benefício. Eis os termos do artigo 1º:
"Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que prove os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas." |
Como somente brasileiros, natos e naturalizados, são considerados cidadãos, lícito é inferir que a lei infraconstitucional exclui os estrangeiros.
Para além, o artigo 7º do Decreto nº 6.215/2007 expressamente exclui os estrangeiros, in verbis:
"Art. 7o É devido o Benefício de Prestação Continuada ao brasileiro, naturalizado ou nato, que comprove domicílio e residência no Brasil e atenda a todos os demais critérios estabelecidos neste Regulamento. (Redação dada pelo Decreto nº 7.617, de 2011)". |
Por outro lado, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ao qual o país assegurou cumprimento por meio do Decreto n° 591, de 6 de julho de 1992, impede a exclusão do estrangeiro , do direito ao gozo de benefício de seguridade. Reza o artigo 9º:
"Os Estados Signatários do presente Pacto reconhecem a toda pessoa o direito à segurança social, inclusive ao seguro social." |
Contudo, não é possível identificar na presente regra a equivalência de significado entre as expressões "segurança social" e "assistência social".
Poder-se-ia vislumbrar sinonímia entre "segurança social" e "seguridade social", mas ainda assim não há previsão expressa relativa ao benefício de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal.
Por via de consequência, forçoso é reconhecer a exclusão do estrangeiro dentre os beneficiários do benefício assistencial de prestação continuada.
Princípios outros encontrados na Constituição Federal não bastam, por si sós, para criarem o direito do estrangeiro, com a correspondente obrigação de a União arcar com o benefício.
Os princípios da solidariedade legal (artigo 3º, I, da CF), da uniformidade (artigo 194, § único, I, da CF), da isonomia (artigo 5º, caput, da CF) não possuem a envergadura apta a contrariar o texto da lei (artigo 1º da Lei nº 8.213/91), porque este é compatível com demais disposições do Texto Magno.
O comumente evocado princípio da universalidade (artigo 194, I, da CF/88) não contém a mesma dimensão na assistência social se comparado com o presente na Saúde (artigo 196, caput, da CF). Aqui todos são beneficiários, lá apenas os desamparados, desde que atendam determinados requisitos.
Não se pode olvidar, afinal, que foi em consonância com a necessidade de obter a nacionalidade brasileira para obtenção do benefício assistencial, o Poder Executivo regulamentou a situação, no artigo 7º do Decreto nº 6.215/2007, repetindo regra já constante do Decreto nº 1.744/95.
Não seria desejável ao Poder Judiciário interferir na esfera de atribuições do Poder Executivo, mormente quando envolve cumprimento de políticas públicas, considerações diplomáticas, planejamento estratégico etc, mormente quando apurado aumento considerável da imigração, dados os avanços brasileiros no enfrentamento da pobreza.
O Brasil tornou-se, nos últimos anos, ator global em termos econômicos e questões como esta, de concessão de benefícios a estrangeiros, devem ser resolvidas nas searas mais democráticas do Poder, cabendo ao Executivo e ao Legislativo sua definição.
As implicações sociais do oferecimento de tal benefício a povos estrangeiros extremamente carentes ainda está por ser melhormente estudada.
Seja como for, e a despeito de meu entendimento, forçoso é reconhecer que a jurisprudência torrencial do egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região é no sentido contrário, como se observa dos precedentes já citados na decisão agravada.
Ademais, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a condição de estrangeiro residente no Brasil não impede o recebimento do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) às pessoas com deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou ter o sustento provido por sua família, desde que atendidos os requisitos necessários para a concessão.
Em julgamento concluído dia 20/4/2017, o Plenário negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 587970, no qual o INSS questionava decisão da Primeira Turma Recursal do Juizado Especial Federal da 3ª Região que o condenou a conceder a uma italiana residente no Brasil há 57 anos o benefício assistencial de um salário mínimo, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal.
O recurso extraordinário tem repercussão geral reconhecida, o que significa que o entendimento firmado hoje pelo STF deve ser aplicado pelas demais instâncias do Poder Judiciário a processos semelhantes.
A tese de repercussão geral aprovada é a seguinte: "Os estrangeiros residentes no país são beneficiários da assistência social prevista no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, uma vez atendidos os requisitos constitucionais e legais".
Em seu voto, o relator do recurso, ministro Marco Aurélio, destacou a contribuição dos estrangeiros na formação da nação brasileira, afirmando que a Constituição Federal não fez distinção entre brasileiro nato ou naturalizado e estrangeiro residente no país quando assegurou assistencial social aos desamparados. "Ao lado dos povos indígenas, o país foi formado por imigrantes, em sua maioria europeus, os quais fomentaram o desenvolvimento da nação e contribuíram sobremaneira para a criação e consolidação da cultura brasileira", afirmou.
"Desde a criação da nação brasileira, a presença do estrangeiro no país foi incentivada e tolerada, não sendo coerente com a história estabelecer diferenciação tão somente pela nacionalidade, especialmente quando a dignidade está em xeque, em momento de fragilidade do ser humano, idade avançada ou algum tipo de deficiência", reforçou.
O relator citou o artigo 5º (caput) da Constituição Federal, que trata do princípio da igualdade e da necessidade de tratamento isonômico entre brasileiros e estrangeiros residentes no país. "São esses os parâmetros materiais dos quais se deve partir na interpretação da regra questionada", observou.
Para o ministro Marco Aurélio, o fato de a Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742/1993) silenciar quanto à concessão de benefícios aos estrangeiros residentes no país não se sobrepõe ao espírito da Constituição. "O texto fundamental estabelece que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, sem restringir os beneficiários somente aos brasileiros natos ou naturalizados", asseverou. "Quando a vontade do constituinte foi de limitar eventual direito ou prerrogativa a brasileiro ou cidadão, não deixou margem para questionamentos".
Segundo o relator, ao delegar ao legislador ordinário a regulamentação do benefício, o texto constitucional o fez tão somente quanto à forma de comprovação da renda e das condições específicas de idoso ou portador de necessidades especiais. "Não houve delegação relativamente à definição dos beneficiários, pois esta definição já está contida no inciso V do artigo 203 da Constituição Federal. No confronto de visões, deve prevalecer aquela que melhor concretiza o princípio constitucional da dignidade humana, de observância prioritária no ordenamento jurídico", concluiu.
Inviável, assim, a pretensão recursal.
Diante do exposto, nego provimento ao agravo interno.
É o voto.
Rodrigo Zacharias
Juiz Federal Convocado
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| Data e Hora: | 13/06/2017 15:11:06 |
