
| D.E. Publicado em 14/09/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, conhecer do agravo interno e lhe negar provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juiz Federal Convocado
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0041096-87.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Trata-se de agravo interno interposto pela parte autora em face da decisão monocrática que deu provimento à apelação autárquica, para julgar improcedente o pedido de aposentadoria por idade rural, cassando os efeitos da tutela.
Requer a parte autora a reforma do julgado, para fins de concessão de aposentadoria por idade rural, alegando que a decisão do relator não pode prevalecer, pois já possui a idade mínima e que durante toda sua vida trabalhou no campo. Exora fazer jus à não devolução dos valores recebidos a título de benefício previdenciário concedido provisoriamente em tutela de urgência, tendo agido com boa-fé. Requer, diante da relevância dos fundamentos apresentados, a reconsideração da decisão agravada ou a submissão deste agravo à E. Turma.
Contraminuta não apresentada.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Conheço do recurso, porque presentes os requisitos de admissibilidade, segundo os termos do artigo 1.021 e §§ do Novo CPC.
Pretende a agravante, em sede de agravo, rediscutir argumentos já enfrentados pela decisão recorrida.
Vejamos.
A aposentadoria por idade, rural e urbana, é garantida pela Constituição Federal em seu artigo 201, §7º, inciso II, para os segurados do regime geral de previdência social (RGPS), nos termos da lei e desde que obedecidas as seguintes condições:
Discute-se o atendimento das exigências à concessão de aposentadoria por idade ao rurícola, a saber: a comprovação da idade mínima e o desenvolvimento de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento, consoante o disposto na Lei n. 8.213/91.
A questão relativa à comprovação de atividade rural se encontra pacificada no Superior Tribunal de Justiça, que exige início de prova material e afasta por completo a prova exclusivamente testemunhal (Súmula 149 do STJ).
De acordo com o que restou definido quando do julgamento do REsp. 1.321.493/PR, realizado segundo a sistemática de recurso representativo da controvérsia (CPC, art. 543-C), aplica-se a súmula acima aos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", sendo imprescindível a apresentação de início de prova material, corroborada com provas testemunhal, para comprovação de tempo de serviço.
Ressalta-se que o início de prova material, exigido pelo § 3º do artigo 55 da Lei 8.213/91, não significa que o segurado deverá demonstrar mês a mês, ano a ano, por meio de documentos, o exercício de atividade na condição de rurícola, pois isto importaria em se exigir que todo o período de trabalho fosse comprovado documentalmente, sendo de nenhuma utilidade a prova testemunhal para demonstração do labor rural.
Admite-se, contudo, a extensão da qualificação de lavrador de um cônjuge ao outro e, ainda, que os documentos não se refiram precisamente ao período a ser comprovado. Nesse sentido, o REsp n. 501.281, 5ª Turma, j. em 28/10/2003, v.u., DJ de 24/11/2003, p. 354, Rel. Ministra Laurita Vaz.
Em relação às contribuições previdenciárias, é assente o entendimento de serem desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício de atividade no meio rural (STJ, REsp 207.425, 5ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de 25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge Scartezzini; e STJ, RESP n. 502.817, 5ª Turma, j. em 14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz).
Noutro passo, com relação ao art. 143 da Lei 8.213/91, a regra transitória assegurou aos rurícolas o direito de requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante 15 (quinze) anos, contados da vigência da referida Lei, nos seguintes termos:
Assim, o prazo de 15 (quinze) anos do artigo 143 da Lei 8.213/91 expiraria em 25/07/2006.
Entretanto, em relação ao trabalhador rural enquadrado como segurado empregado ou como segurado contribuinte individual, que presta serviços de natureza rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego, o aludido prazo foi prorrogado por mais 02 (dois) anos, estendendo-se até 25/07/2008, em face do disposto na MP 312/06, convertida na Lei 11.368/06.
Posteriormente, a Medida Provisória nº 410/07, convertida na Lei 11.718/08, estabeleceu nova prorrogação para o prazo previsto no artigo 143 da Lei 8.213/91, nos seguintes termos:
Observe-se que, nos termos do artigo 2º da Lei nº 11.718/08, o prazo estabelecido no referido artigo 143 da LBPS passou a vigorar até 31/12/2010. Bizarramente, com flagrante antinomia com o artigo 2º, o artigo 3º da Lei nº 11.718/08 acaba por indiretamente estender o prazo até 31/12/2020, além de criar tempo de serviço ficto.
Abstração feita da hipotética ofensa à Constituição Federal, por falta de relevância e urgência da medida provisória, e por possível ofensa ao princípio hospedado no artigo 194, § único, II, do Texto Magno, o fato é que a Lei nº 11.718/08 não contemplou o trabalhador rural que se enquadra na categoria de segurado especial.
No caso do segurado especial, definido no artigo 11, inciso VII, da Lei 8.213/91, remanesce o disposto no artigo 39 desta última lei. Diferentemente dos demais trabalhadores rurais, trata-se de segurado que mantém vínculo com a previdência social mediante contribuição descontada em percentual incidente sobre a receita oriunda da venda de seus produtos, na forma do artigo 25, caput e incisos, da Lei nº 8.212/91. Vale dizer: após 25/07/2006, a pretensão do segurado especial ao recebimento de aposentadoria por idade deverá ser analisada conforme o disposto no artigo 39, inciso I, da Lei 8.213/91.
Ademais, não obstante o "pseudo-exaurimento" da regra transitória insculpida no artigo 143 da Lei n. 8.213/91, para os empregados rurais e contribuintes individuais eventuais, fato é que a regra permanente do artigo 48 dessa norma continua a exigir, para concessão de aposentadoria por idade a rurícolas, a comprovação do efetivo exercício de "atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido", consoante § 1º e § 2º do referido dispositivo.
A questão já foi apreciada, por ora sem muita profundidade, por nossos tribunais, conforme se infere do seguinte julgado:
No caso em discussão, o requisito etário restou preenchido em 2/4/2014.
Nos autos só há início de prova material em nome marido, pois absolutamente nada consta em termos de documentos em nome da autora.
Juntou cópia da certidão de casamento - celebrado em 14/12/1985 -, na qual o marido foi qualificado como "auxiliar de embalagem" e a autora "rematadeira" (f. 21).
Além disso, CTPS do cônjuge com anotações rurais e urbanas (vide folhas 26 usque 34). Contudo, a rigor, segundo súmula nº 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, tais anotações de trabalho na CTPS não poderiam ser estendidas à autora, pois a relação de emprego pressupõe pessoalidade.
Entendo que, no caso dos empregados rurais, mostra-se impossibilitada a extensão da condição de lavrador do marido à mulher, em vista do caráter individual e específico em tais atividades laborais ocorrem. O trabalho, neste caso, não se verifica com o grupo familiar, haja vista restrito ao próprio âmbito profissional de cada trabalhador. Assim, ao contrário da hipótese do segurado especial, não há de se falar em empréstimo, para fins previdenciários, da condição de lavrador do cônjuge.
Frise-se o fato de que não há outros elementos de convicção, em nome da própria autora, capazes de estabelecer liame entre o oficio rural alegado e a forma de sua ocorrência. Ao contrário, segundo dados do CNIS, a autora só possui vínculos empregatícios urbanos entre os anos de 1977 e 1984, bem como recolhimentos como contribuinte individual desde 2010 (vide CNIS de f. 61).
Os depoimentos das testemunhas não são bastante para patentear o efetivo exercício de atividade rural da autora, sem detalhe algum, não souberam contextualizar temporalmente, nem quantitativamente seu trabalho rural.
Ei-los:
Valdomiro Lanza disse que conhece a autora há uns 20 anos, pois era seu vizinho quando ela morava no sítio Gramado. Afirma que ela trabalhava esporadicamente em várias propriedades, para quem precisasse. Não era sempre que havia serviço, mas esclareceu que a autora nunca trabalhou fora da atividade rural. Dependendo da propriedade, havia plantação de milho, algodão, tomate, lavoura em geral. A autora chegou a trabalhar no sítio da família do depoente. Não sabe dizer se ela trabalhava todos os dias, mas trabalhava bem; trabalhava mais que folgava. Assevera que conhece o marido da autora, que trabalhava registrado no sítio Gramado. Sabe que ele atuou como jardineiro, não sabendo informar se ele trabalhou na roça. A propriedade era de laranja. A autora e o marido viviam da renda da atividade rural deles (f. 98).
Marcelo Lanza afirmou que conhece a requerente há uns 18, 20 anos, que era sua vizinha. A autora sempre trabalhava na roça, inclusive para a família do depoente. Não sabe dizer se ela trabalhava todos os dias, mas trabalhava bem. O marido da autora também trabalhou no sítio registrado e fazia de tudo, inclusive jardinagem (f. 99).
Antenor Benatti conhece a autora desde 1990/1995, quando ela e seu marido mudaram para sítio vizinho. O marido era registrado no sítio onde morava e fazia de tudo, especialmente a parte da roça. A autora trabalhava por diária rural, inclusive chegou a trabalhar no sítio que o depoente tocava. Ao que saiba a autora somente trabalhou com roça, pelo menos até o ano de 2012/2013, quando ela mudou dali. Na propriedade em que o marido trabalhava era plantado laranja, para vender para indústria (f. 100).
A prova oral, quanto mais, indica trabalho eventual da autora no meio rural, sem a habitualidade e profissionalismo necessário à caracterização da sua qualificação profissional como trabalhadora rural.
Vale repisar que para ser trabalhador rural diarista e ter acesso às benesses previdenciárias, não basta a pessoa de forma esporádica, vez ou outra, ter feito uma diária, havendo necessidade de perenidade da atividade, ainda que considerada a situação própria dos trabalhadores campesinos, onde o serviço nem sempre é diário.
No mais, diferentemente de tempos pretéritos, não é razoável que a parte autora não possua alguma anotação de vínculo empregatício em sua CTPS, já que alega que sempre exerceu a profissão de diarista/boia-fria.
Aplica-se ao caso a inteligência do RESP 1.354.908, processado segundo a sistemática de recurso representativo da controvérsia (CPC, art. 543-C), segundo o qual é necessária a comprovação do tempo de atividade rural no período imediatamente anterior à aquisição da idade:
Nesse passo, concluo pelo não preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício pleiteado, sendo impositiva a reforma da r. sentença.
Quanto ao afastamento da incidência do art. 302, I, do CPC c/c REsp nº 1.401.560/MT, entendo que patenteado o pagamento a maior de benefício, o direito de a Administração obter a devolução dos valores é inexorável, ainda que tivessem sido recebidos de boa-fé, à luz do disposto no artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91.
Trata-se de norma cogente, que obriga o administrador a agir, sob pena de responsabilidade. A lei normatizou a hipótese fática controvertida nestes autos e já trouxe as consequências para tanto, de modo que não cabe ao juiz fazer tabula rasa do direito positivo.
O presente caso constitui hipótese de enriquecimento ilícito (ou enriquecimento sem causa ou locupletamento). O Código Civil estabelece, em seu artigo 876, que, tratando-se de pagamento indevido, "Todo aquele que recebeu o que não era devido fica obrigado a restituir".
Além disso, deve ser levado em conta o princípio geral do direito, positivado como regra no atual Código Civil, consistente na proibição do enriquecimento ilícito. Assim reza o artigo 884 do Código Civil:
Como se vê, a lei dispensa o elemento subjetivo (ou seja, a presença de má-fé) para a caracterização do enriquecimento ilícito e do surgimento do dever de restituir a quantia recebida.
Para além, não há previsão de norma (regra ou princípio) no direito positivo brasileiro determinando que, por se tratar de verba alimentar, o benefício é irrepetível. Por isso mesmo, a construção jurisprudencial inicial, que havia resultado na irrepetibilidade das rendas recebidas a título de benefício previdenciário, por constituírem verba alimentar, pode incorrer em negativa de vigência à norma do artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91.
E as regras acima citadas, previstas na lei e regulamentadas no Decreto nº 3.048/99, não afrontam a Constituição Federal. Logo, são válidas e eficazes.
Há inúmeros precedentes no sentido da necessidade de devolução dos valores indevidamente recebidos da seguridade social, inclusive oriundos do Superior Tribunal de Justiça. Por exemplo, o REsp 1.384.418/SC, de relatoria do ministro Herman Benjamin. "Não é suficiente, pois, que a verba seja alimentar, mas que o titular do direito o tenha recebido com boa-fé objetiva, que consiste na presunção da definitividade do pagamento", ponderou o relator.
Em outro precedente do Superior Tribunal de Justiça (REsp 988.171), o ministro Napoleão Nunes Maia Filho elucidou a questão da seguinte forma: "embora possibilite a fruição imediata do direito material, a tutela não perde a sua característica de provimento provisório e precário, daí porque a sua futura revogação acarreta a restituição dos valores recebidos em decorrência dela".
Como se vê do item quarto do parágrafo anterior, dispensa-se o elemento subjetivo (ou seja, a presença de má-fé) para a caracterização do enriquecimento ilícito e do surgimento do dever de restituir a quantia recebida.
Noutro passo, não há previsão de norma (regra ou princípio) no direito positivo brasileiro determinando que, por se tratar de verba alimentar, o benefício é irrepetível.
A construção jurisprudencial, que resultou no entendimento da irrepetibilidade das rendas recebidas a título de benefício previdenciário, por constituírem verba alimentar, pode incorrer em negativa de vigência à norma do artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91.
E as regras acima citadas, previstas na lei e regulamentadas no Decreto nº 3.048/99, não afrontam a Constituição Federal. Logo, são válidas e eficazes.
A alegada hipossuficiência da parte autora não constitui razão plausível para a não repetição do indébito, mesmo porque o INSS representa, em última instância, a coletividade de hipossuficientes.
A súmula nº 51 da TNU contrasta com a jurisprudência da Corte Superior, como se verá adiante.
Para além, razoável é a limitação do abatimento a 30%, na forma estabelecido no artigo 154, § 3º, do regulamento.
A Justiça, a propósito, avançou na análise das questões relativas à repetibilidade de prestações previdenciárias.
Com efeito, quanto aos casos de revogação da tutela antecipada, há inúmeros precedentes na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que abordaram a questão.
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, uniformizou o entendimento quanto à necessidade de devolução, consoante se observa da análise da seguinte ementa:
Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, em recurso repetitivo, consolidou o entendimento de que, em casos de cassação de tutela antecipada, a lei determina a devolução dos valores recebidos, ainda que se trate de verba alimentar e ainda que o beneficiário aja de boa-fé:
Registro que o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, em regime de recurso repetitivo, prevalece sobre o teor da ACP nº 0005906-07.2012.40.6183, a teor do artigo 16 da Lei nº 7.347/85 e da legislação processual já referida, a despeito dos relevantes fundamentos que a embasaram.
Aliás, os mais renomados doutrinadores do processo civil, em vários cursos de atualização de Processo Civil realizados na EMAG desta 3ª Região, defendem a necessidade de restituição dos valores recebidos em liminar ou tutela provisória, mesmo em causas de natureza previdenciária.
Assim, a decisão agravada está suficientemente fundamentada e abordou todas as questões suscitadas e orientou-se pelo entendimento jurisprudencial dominante.
Pretende o agravante, em sede de agravo, rediscutir argumentos já enfrentados pela decisão recorrida, de modo que não padece de nenhum vício formal que justifique sua reforma.
Outrossim, segundo entendimento firmado nesta Corte, a decisão do relator não deve ser alterada quando fundamentada e nela não se vislumbrar ilegalidade ou abuso de poder que resulte em dano irreparável ou de difícil reparação para a parte. Menciono julgados pertinentes ao tema: AgRgMS n. 2000.03.00.000520-2, Primeira Seção, Rel. Des. Fed. Ramza Tartuce, DJU 19/6/01, RTRF 49/112; AgRgEDAC n. 2000.61.04.004029-0, Nona Turma, Rel. Des. Fed. Marisa Santos, DJU 29/7/04, p. 279.
Diante do exposto, conheço do agravo interno e lhe nego provimento.
É o voto.
Rodrigo Zacharias
Juiz Federal Convocado
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| Data e Hora: | 29/08/2017 17:58:44 |
