Experimente agora!
VoltarHome/Jurisprudência Previdenciária

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA. ARTIGO 1. 021 DO NOVO CPC. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ARTIGO 20, § 1º, DA LOAS. INCAPAC...

Data da publicação: 16/07/2020, 04:36:29

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA. ARTIGO 1.021 DO NOVO CPC. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ARTIGO 20, § 1º, DA LOAS. INCAPACIDADE PARCIAL. PRINCÍPIOS DA SELETIVIDADE E DISTRIBUTIVIDADE. ARTIGO 201, I, DA CF/88. COBERTURA DOS EVENTOS "DOENÇA" E "INVALIDEZ". SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL. DEFICIÊNCIA NÃO CONFIGURADA. PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO. RECURSO DESPROVIDO. - Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011. - Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. - Segundo o laudo pericial, a parte autora encontra-se parcialmente incapaz para o trabalho por conta de mal na coluna (CID 10 M54.4), podendo realizar trabalhos assaz leves, como de ascensorista de elevador ou porteiro de prédio, encontrando-se impossibilidade de realizar sua atividade principal de pintor. - In casu, assim, tal condição não implica limitação na participação social, de modo que não resta satisfeito o requisito do artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.7423/93, à luz da atual legislação. Ou seja, as dificuldades, no caso, encontram-se no campo exclusivo do trabalho, mas ainda assim permitem a realização de diversos serviços não pesados. - A parte autora sofre de doenças, geradora de incapacidade parcial para o trabalho, risco social coberto pela previdência social até o advento da Lei nº 13.146/2013, cuja cobertura depende do pagamento de contribuições, na forma dos artigos 201, caput e inciso I, da Constituição Federal, que têm a seguinte dicção (g.n.): "Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)" - Entendimento contrário também implicará ofensa aos princípios da seletividade e distributividade (artigo 194, § único, III, da Constituição Federal), pois implicará atribuir à Assistência Social eventos que devem ser cobertos pela Previdência Social, mediante pagamento de contribuições. - O benefício assistencial não pode ser concebido como um substituto de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, de modo que se torna debalde a evocação do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da CF/88). Tal princípio, assaz importante, mas banalizado pela sua lembrança em quaisquer tipos de pretensões previdenciárias, não basta, à evidência, para a concessão de benefícios sem que se atendam aos requisitos legais. - O princípio da proibição do retrocesso, jamais positivado e impertinente à realidade econômica atual no Brasil e no mundo, é inaplicável ao presente caso, já que não está em debate a questão da possibilidade de alterações legislativas em desfavor dos necessitados. - No mais, em estudos mais recentes, J. J. Gomes Canotilho foi bastante claro em sua manifestação contrária a uma concepção rígida e inflexível do princípio da vedação do retrocesso, em claro rompimento com a tese antes defendida por ele próprio: "O rígido princípio da 'não reversibilidade' ou, formulação marcadamente ideológica, o 'princípio da proibição da evolução reaccionária' pressupunha um progresso, uma direcção e uma meta emancipatória e unilateralmente definidas: aumento contínuo de prestações sociais. Deve relativizar-se este discurso que nós próprios enfatizámos noutros trabalhos. 'A dramática aceitação de 'menos trabalho e menos salário, mas trabalho e salário e para todos', o desafio da bancarrota da previdência social, o desemprego duradouro, parecem apontar para a insustentabilidade do princípio da não reversibilidade social." (Estudos sobre Direitos Fundamentais. Coimbra: Almedina, p. 111). - Agravo interno improvido. (TRF 3ª Região, NONA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2182205 - 0027540-18.2016.4.03.9999, Rel. JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS, julgado em 26/06/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:10/07/2017 )


Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 11/07/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0027540-18.2016.4.03.9999/SP
2016.03.99.027540-6/SP
RELATOR:Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias
INTERESSADO(A):Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
PROCURADOR:SP206215 ALINE ANGELICA DE CARVALHO
ADVOGADO:SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
AGRAVANTE:EDINOR DE ARAUJO SILVA
ADVOGADO:SP329543 FERNANDA MATESSA DA SILVA
No. ORIG.:13.00.00170-3 2 Vr JOSE BONIFACIO/SP

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA. ARTIGO 1.021 DO NOVO CPC. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ARTIGO 20, § 1º, DA LOAS. INCAPACIDADE PARCIAL. PRINCÍPIOS DA SELETIVIDADE E DISTRIBUTIVIDADE. ARTIGO 201, I, DA CF/88. COBERTURA DOS EVENTOS "DOENÇA" E "INVALIDEZ". SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL. DEFICIÊNCIA NÃO CONFIGURADA. PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO. RECURSO DESPROVIDO.
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
- Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- Segundo o laudo pericial, a parte autora encontra-se parcialmente incapaz para o trabalho por conta de mal na coluna (CID 10 M54.4), podendo realizar trabalhos assaz leves, como de ascensorista de elevador ou porteiro de prédio, encontrando-se impossibilidade de realizar sua atividade principal de pintor.
- In casu, assim, tal condição não implica limitação na participação social, de modo que não resta satisfeito o requisito do artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.7423/93, à luz da atual legislação. Ou seja, as dificuldades, no caso, encontram-se no campo exclusivo do trabalho, mas ainda assim permitem a realização de diversos serviços não pesados.
- A parte autora sofre de doenças, geradora de incapacidade parcial para o trabalho, risco social coberto pela previdência social até o advento da Lei nº 13.146/2013, cuja cobertura depende do pagamento de contribuições, na forma dos artigos 201, caput e inciso I, da Constituição Federal, que têm a seguinte dicção (g.n.): "Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)"
- Entendimento contrário também implicará ofensa aos princípios da seletividade e distributividade (artigo 194, § único, III, da Constituição Federal), pois implicará atribuir à Assistência Social eventos que devem ser cobertos pela Previdência Social, mediante pagamento de contribuições.
- O benefício assistencial não pode ser concebido como um substituto de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, de modo que se torna debalde a evocação do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da CF/88). Tal princípio, assaz importante, mas banalizado pela sua lembrança em quaisquer tipos de pretensões previdenciárias, não basta, à evidência, para a concessão de benefícios sem que se atendam aos requisitos legais.
- O princípio da proibição do retrocesso, jamais positivado e impertinente à realidade econômica atual no Brasil e no mundo, é inaplicável ao presente caso, já que não está em debate a questão da possibilidade de alterações legislativas em desfavor dos necessitados.
- No mais, em estudos mais recentes, J. J. Gomes Canotilho foi bastante claro em sua manifestação contrária a uma concepção rígida e inflexível do princípio da vedação do retrocesso, em claro rompimento com a tese antes defendida por ele próprio: "O rígido princípio da 'não reversibilidade' ou, formulação marcadamente ideológica, o 'princípio da proibição da evolução reaccionária' pressupunha um progresso, uma direcção e uma meta emancipatória e unilateralmente definidas: aumento contínuo de prestações sociais. Deve relativizar-se este discurso que nós próprios enfatizámos noutros trabalhos. 'A dramática aceitação de 'menos trabalho e menos salário, mas trabalho e salário e para todos', o desafio da bancarrota da previdência social, o desemprego duradouro, parecem apontar para a insustentabilidade do princípio da não reversibilidade social." (Estudos sobre Direitos Fundamentais. Coimbra: Almedina, p. 111).
- Agravo interno improvido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo interno, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 26 de junho de 2017.
Rodrigo Zacharias
Juiz Federal Convocado


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): RODRIGO ZACHARIAS:10173
Nº de Série do Certificado: 2DBCF936DB18581E
Data e Hora: 27/06/2017 16:48:15



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0027540-18.2016.4.03.9999/SP
2016.03.99.027540-6/SP
RELATOR:Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias
INTERESSADO(A):Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
PROCURADOR:SP206215 ALINE ANGELICA DE CARVALHO
ADVOGADO:SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
AGRAVANTE:EDINOR DE ARAUJO SILVA
ADVOGADO:SP329543 FERNANDA MATESSA DA SILVA
No. ORIG.:13.00.00170-3 2 Vr JOSE BONIFACIO/SP

RELATÓRIO


O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Trata-se de agravo interno interposto pela parte autora em face da decisão monocrática que DEU PROVIMENTO À APELAÇÃO, para julgar improcedente o pedido.

Alega que está incapaz para o trabalho e faz jus ao benefício, evocando os princípios da dignidade da pessoa humana e da proibição do retrocesso social.

Dada ciência ao INSS.

Contraminuta não apresentada.

É o relatório.


VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Conheço do recurso, porque presentes os requisitos de admissibilidade, nos termos do artigo 1.021 e §§ do Novo CPC.

No mérito, discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.

Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.

Primordialmente, reitera-se que, tal qual o pretérito 557 do CPC de 1973, a regra do artigo 932, IV e V, do Novo CPC reveste-se de plena constitucionalidade, ressaltando-se que alegações de descabimento da decisão monocrática ou nulidade perdem o objeto com a mera submissão do agravo ao crivo da Turma (mutatis mutandis, vide STJ-Corte Especial, REsp 1.049.974, Min. Luiz Fux, j. 2.6.10, DJ 3.8910).

Ficam reiterados todos os fundamentos contidos às f. 160/163, frente, com os acréscimos a seguir apresentados.

A controvérsia limita-se à questão da deficiência, que de fato não está presente.

Segundo o laudo pericial, a parte autora encontra-se parcialmente incapaz para o trabalho por conta de mal na coluna (CID 10 M54.4), podendo realizar trabalhos assaz leves, como de ascensorista de elevador ou porteiro de prédio, encontrando-se impossibilidade de realizar sua atividade principal de pintor.

In casu, assim, tal condição não implica limitação na participação social, de modo que não resta satisfeito o requisito do artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.7423/93, à luz da atual legislação.

À vista do conjunto probatório, infere-se ser indevida a concessão do benefício, porque a parte autora é doente, não propriamente deficiente para fins assistenciais.

Ou seja, as dificuldades, no caso, encontram-se no campo exclusivo do trabalho, não podendo o benefício assistencial ser concedido como substituto de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.

Enfim, por conta de sua condição de saúde, a parte autora não sofre segregação típica das pessoas com deficiência.

Trata-se de caso a ser tutelado pelo seguro social (artigo 201 da CF) ou pela saúde (artigo 196 da CF).

A parte autora sofre de doenças, geradora de incapacidade parcial para o trabalho, risco social coberto pela previdência social até o advento da Lei nº 13.146/2013, cuja cobertura depende do pagamento de contribuições, na forma dos artigos 201, caput e inciso I, da Constituição Federal, que têm a seguinte dicção (g.n.):

"Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)"

Entendimento contrário também implicará ofensa aos princípios da seletividade e distributividade (artigo 194, § único, III, da Constituição Federal), pois implicará atribuir à Assistência Social eventos que devem ser cobertos pela Previdência Social, mediante pagamento de contribuições.

"Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:

I - universalidade da cobertura e do atendimento;

II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;

III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

(...)"

Pela seletividade, o intérprete deve, na interpretação das normas que compõem seguridade social, atender à distinção entre os subsistemas da previdência social, assistência social e saúde.

Pela distributividade, caberá ao legislador ordinário estabelecer a dimensão da cobertura e do atendimento, nos exatos termos estabelecidos na Constituição Federal.

No presente caso, a pretensão recursal do Ministério Público Federal esbarra aqui, pois, ao atribuir à assistência social a cobertura dos eventos "doença" e "invalidez", ofende as normas constitucionais acima referidas, e ainda mais diretamente maltrata a regra hospedada no artigo 201, I, da CF/88 (vide supra).

Em suma: o benefício assistencial não pode ser concebido como um substituto de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, de modo que se torna debalde a evocação do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da CF/88). Tal princípio, assaz importante, mas banalizado pela sua lembrança em quaisquer tipos de pretensões previdenciárias, não basta, à evidência, para a concessão de benefícios sem que se atendam aos requisitos legais.

No concernente ao princípio da proibição do retrocesso, entremostra-se ainda mais despropositado, pois sequer é aplicável ao presente caso, já que não está em debate a questão da possibilidade de alterações legislativas em desfavor dos necessitados.

Não se pode negar que esse "princípio", em determinado momento histórico, sobretudo na Alemanha e em Portugal, desempenhou importante função garantidora da permanência das conquistas sociais consagradas pelo ordenamento jurídico.

Concebeu-se a cláusula de proibição do retrocesso manifesta-se como um princípio de proteção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural. Para alguns, configura uma proteção ao "núcleo essencial" da existência mínima, devida em razão da dignidade da pessoa humana (art. 1o, III, da Constituição Federal). Violações a esse núcleo essencial acarretam inconstitucionalidade.

Nesse sentido, o ensinamento de José Joaquim Gomes Canotilho:

"A ' proibição de retrocesso social' nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fática), mas o princípio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.: segurança social, subsídio de desemprego, prestações de saúde), em clara violação do princípio da protecção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana. O reconhecimento desta proteção de <>, subjectivamente adquiridos, constitui um limite jurídico do legislador e, ao mesmo tempo, uma obrigação de prossecução de uma política congruente com os direitos concretos e as expectativas subjectivamente alicerçadas. A violação dos núcleo essencial efectivado justificará a sanção de inconstitucionalidade relativamente a normas manifestamente aniquiladoras da chamada <>. Assim, por ex., será inconstitucional uma lei que extinga o direito a subsídio de desemprego ou pretenda alargar desproporcionalmente o tempo de serviço necessário para a aquisição do direito à reforma (...). De qualquer modo, mesmo que se afirme sem reservas a liberdade de conformação do legislador nas leis sociais, as eventuais modificações destas leis devem observar os princípios do Estado de direito vinculativo da actividade legislativa e o núcleo essencial dos direitos sociais. O princípio da proibição do retrocesso pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efectivado através de medidas legislativas ('lei da segurança social', 'lei do subsídio desemprego', 'lei do serviço de saúde') deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa 'anulação', 'revogação' ou 'aniquilação' pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade de conformação do legislador e inerente auto-reversibilidade têm como limite o núcleo essencial já realizado (destaques no original)". (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 326-327).

Todavia, o momento histórico por que passa o mundo - Brasil e Portugal inclusivamente - de grande dificuldade dos países de custear os sistemas de seguridade social, faz-nos questionar a própria existência desse princípio no ordenamento jurídico.

De fato, em estudos mais recentes, J. J. Gomes Canotilho foi bastante claro em sua manifestação contrária a uma concepção rígida e inflexível do princípio da vedação do retrocesso, em claro rompimento com a tese antes defendida por ele próprio:

"O rígido princípio da 'não reversibilidade' ou, formulação marcadamente ideológica, o 'princípio da proibição da evolução reaccionária' pressupunha um progresso, uma direcção e uma meta emancipatória e unilateralmente definidas: aumento contínuo de prestações sociais. Deve relativizar-se este discurso que nós próprios enfatizámos noutros trabalhos. 'A dramática aceitação de 'menos trabalho e menos salário, mas trabalho e salário e para todos', o desafio da bancarrota da previdência social, o desemprego duradouro, parecem apontar para a insustentabilidade do princípio da não reversibilidade social." (Estudos sobre Direitos Fundamentais. Coimbra: Almedina, p. 111).

Nem poderia ser diferente. Hoje não apenas a Europa, mas o Brasil experimentam contextos de grande dificuldade de custear seus sistemas de seguridade social, exsurgindo necessidade premente de redimensionar o grau de proteção social que pode ser oferecido a seus cidadãos.

E tal redimensionamento dar-se-á por meio de alterações legislativas, eventualmente restritivas ou revogadoras de direitos sociais previstos em lei ordinária.

A propósito do princípio da vedação do retrocesso , na primeira vez em que o Supremo Tribunal Federal analisou essa questão, na ADI 3.105 (rel. min. Cezar Peluso, j. 18/08/2004), o Supremo Tribunal Federal considerou constitucional a Emenda 41, que autorizou a instituição de contribuição previdenciária sobre os proventos dos servidores inativos.

Em outros feitos levados a julgamento no STF, o princípio da proibição do retrocesso também teve relevância: ARE nº 745745 AgR/MG; ARE nº 727864 AgR (Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, j. 04/11/2014, DJe-223, 12-11-2014); ARE nº 639.337-AgR (Rel. Min. Celso de Mello, j. 23-8-2011, Segunda Turma, DJE de 15-9-2011); RE nº 398.041 (Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 30-11-2006, Plenário, DJE de 19-12-2008).

Ademais, ao Supremo Tribunal Federal caberá o julgamento das ADI 5.246 e da ADI 5.230 concernente à edição das Medidas Provisórias 664 e 665, ambas editadas em 30 de dezembro de 2014, que trazem uma série de alterações no regime jurídico de benefícios da seguridade social, previstos em favor dos servidores públicos e dos trabalhadores em geral, a exemplo do seguro-desemprego, da pensão por morte, do abono salarial, do auxílio-defeso e do auxílio-doença.

De qualquer maneira, não se concebe, nos dias de hoje, que o referido princípio possa impedir o legislador de realizar reformas necessárias, para adequar a dimensão da proteção social oferecida pelo Estado aos seus cidadãos à vista das reais possibilidades econômicas do sistema, desde que respeitado um nível mínimo ou razoável de proteção constitucional e legal.

Nesse diapasão, a lição bastante lúcida de Marcelo Casseb Continentino, no sentido de que "a não existência do princípio da vedação do retrocesso não implica conceder carta branca ao legislador para suprimir ou para restringir livremente qualquer direito social já assegurado em favor dos cidadãos. Não. Há parâmetros constitucionais que continuam a viger, dentre eles a noção de "desrazoabilidades legislativas", as quais hão de se submetidas ao juízo de proporcionalidade.

Da mesma forma, essa forma de interpretação constitucional preserva a margem de conformação das leis do legislador, o que lhe permite, em casos específicos e sensíveis, restringir ou condicionar determinado padrão normativo já consolidado, desde que não se retroceda a um patamar inferior ao do "nível mínimo" de proteção constitucionalmente requerido e não se ofenda o princípio da proibição da proteção insuficiente.

Em conclusão, o que nos parece verdadeiramente fundamental é que não se possa aprioristicamente tratar qualquer lei ou emenda à Constituição como inconstitucional porque, de alguma maneira, tenha reduzido ou, até mesmo, suprimido determinado benefício social já assegurado. É necessário, isso sim, aprofundar o exame e desenvolver uma reflexão mais apurada de acordo com as situações específicas de cada caso concreto e dos benefícios em questão, a exemplo da aferição das pessoas diretamente atingidas, dos fins originalmente estabelecidos pelo legislador ao benefício, do efetivo atingimento das metas colimadas e assim por diante.

Não podemos nos esquecer, ademais, da preciosa lição de Friedrich Müller, segundo quem a interpretação constitucional decorre de um processo de interação dialética entre a norma e o fato; não pode, pois, ser empreendida sem considerar-se a realidade subjacente. Daí que não concordarmos com ideia de que o princípio da proibição do retrocesso social seja utilizado como trunfo contra toda e qualquer medida legislativa ou administrativa de restrição, de condicionamento ou de supressão de direitos sociais, por princípio. (in " proibição do retrocesso social está na pauta do Supremo Tribunal Federal", artigo publicado no Conjur em 11/4/2015).

Enfim, pode-se obtemperar que o pior retrocesso social que pode ser imposto à população necessitada será aquele decorrente da não existência de um sistema de proteção social, ou mesmo seu amesquinhamento para as futuras gerações, à vista do agigantamento das necessidades sociais e das restrições de custeio decorrentes das crises cíclicas do país e do próprio envelhecimento da população.

Enfim, a situação fática prevista neste processo não permite a incidência da regra do artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93 (vide tópico IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA).

Diante do exposto, nego provimento ao agravo interno.

É o voto.


Rodrigo Zacharias
Juiz Federal Convocado


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): RODRIGO ZACHARIAS:10173
Nº de Série do Certificado: 2DBCF936DB18581E
Data e Hora: 27/06/2017 16:48:12



O Prev já ajudou mais de 140 mil advogados em todo o Brasil.Faça cálculos ilimitados e utilize quantas petições quiser!

Experimente agora