
| D.E. Publicado em 11/07/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juiz Federal Convocado
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0028021-49.2014.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Trata-se de agravo interno interposto pela Procuradoria Regional da República em face da decisão monocrática que DEU PROVIMENTO À APELAÇÃO E À REMESSA OFICIAL, tida por interposta, para julgar improcedente o pedido.
Requer o ilustre órgão do Ministério Público Federal a reforma do julgado, de modo a ser a matéria reexaminada pela Turma, sustentando, precipuamente, que: a) a regra do artigo 20, § 2º, da LOAS não distingue a origem (causa) da deficiência; b) a vocação generalista da norma visa a alcançar a maioria dos casos.
Dada ciência ao INSS.
Contraminuta não apresentada.
É o relatório.
VOTO
Conheço do recurso, porque presentes os requisitos de admissibilidade, nos termos do artigo 1.021 e §§ do Novo CPC.
No mérito, discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Primordialmente, reitera-se que, tal qual o pretérito 557 do CPC de 1973, a regra do artigo 932, IV e V, do Novo CPC reveste-se de plena constitucionalidade, ressaltando-se que alegações de descabimento da decisão monocrática ou nulidade perdem o objeto com a mera submissão do agravo ao crivo da Turma (mutatis mutandis, vide STJ-Corte Especial, REsp 1.049.974, Min. Luiz Fux, j. 2.6.10, DJ 3.8910).
Noutro passo, por obséquio à brevidade e à sustentabilidade ambiental, deixo de copiar e transcrever o inteiro teor da decisão monocrática agravada, limitando-me a abordar o caso concreto.
Ficam reiterados todos os fundamentos contidos às f. 160/163, frente, com os acréscimos a seguir apresentados.
A controvérsia limita-se à questão da deficiência, que de fato não está presente.
No laudo médico, o perito refere que a parte autora, lavradora, é portadora de lombalgia e tendinite, estando incapacitada para o trabalho braçal que vinha exercendo. Concluiu o experto pela incapacidade parcial e temporária (f. 53/57), deixando claro que os males não são irreversíveis, frisando que a autora não estava sendo submetida a tratamento, nem usando medicamentos.
Entendo, todavia, indevida a concessão do benefício em tais circunstâncias, porque a parte autora é doente, não propriamente deficiente para fins assistenciais. Trata-se de doenças assaz comuns na população, que não a impedem de trabalhar em serviços leves.
Infelizmente, parece que, em muitos julgamentos, não se dá a devida atenção entre a diferença entre incapacidade e deficiência. Por outro lado, a questão da incapacidade para o trabalho não esgota a análise da deficiência, como exaustivamente já apontado no item pertinente, mas compõe o quadro geral a ser levado em conta para análise da deficiência.
Aqui, as dificuldades encontram-se no campo exclusivo do trabalho e não são barreiras, mas limitações, já que a parte autora não se encontra inválida. Trata-se de caso a ser tutelado pelo seguro social (artigo 201 da CF) ou pela saúde (artigo 196 da CF).
Dessarte, a autora sofre de doenças, geradora de incapacidade parcial e temporária para o trabalho, risco social coberto pela previdência social até o advento da Lei nº 13.146/2013, cuja cobertura depende do pagamento de contribuições, na forma dos artigos 201, caput e inciso I, da Constituição Federal, que têm a seguinte dicção:
"Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)"
Noutro passo, assiste razão ao nobre Procurador Regional da República quando pondera que a lei não faz distinção entre as causas da deficiência. O artigo 20, § 1º, da LOAS realmente não faz distinção entre as causas da deficiência.
No entanto, a pretendida ampliação do espectro da norma do artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93 encontra óbice na própria Constituição da República, segundo a qual caberá à Previdência Social a cobertura dos eventos "doença" e "invalidez" (artigo 201, I).
No caso sub judice, forçoso é reconhecer que esse tipo de mal do qual padece a autora (lombalgia e tendinite) é assaz diferente de outros males estigmatizantes, do ponto de vista da integração social (vide item "IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA", às f. 161/162) e da segregação.
Diversamente do alegado pelo recorrente, não se pode extrair da regra do artigo 20, § 2º, da LOAS a máxima abrangência, sem levar em conta o aspecto da integração social (Luiz Alberto David Araújo, in A Proteção Constitucional das Pessoas Portadoras de Deficiência. Brasília: Ministério da Justiça, 1997, p. 18-22 - vide f. 161v/162,) e da vulnerabilidade em relação à segregação social.
Entendimento contrário implicará ofensa aos princípios da seletividade e distributividade (artigo 194, § único, III, da Constituição Federal), assim dispostos no Texto Magno:
"Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:
I - universalidade da cobertura e do atendimento;
II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;
III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;
(...)"
Pela seletividade, o intérprete deve, na interpretação das normas que compõem seguridade social, atender à distinção entre os subsistemas da previdência social, assistência social e saúde.
Pela distributividade, caberá ao legislador ordinário estabelecer a dimensão da cobertura e do atendimento, nos exatos termos estabelecidos na Constituição Federal.
No presente caso, a pretensão recursal do Ministério Público Federal esbarra aqui, pois, ao atribuir à assistência social a cobertura dos eventos "doença" e "invalidez", ofende as normas constitucionais acima referidas, e ainda mais diretamente maltrata a regra hospedada no artigo 201, I, da CF/88 (vide supra).
Ademais, a pretendida "universalidade da cobertura e do atendimento" (artigo 194, § único, I) nem mesmo na previdência social pode ser lida com sua maior abrangência, pois limitada pela "seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços".
Se se pensar que a assistência social é ainda mais limitada às possibilidades financeiras do sistema, não se afigurará possível atribuir a ela a hercúlea atribuição de custear o sustento de todos que possuírem limitações à saúde advindas do trabalho e idade avançada, comuns a todos os seres humanos.
Também releva anotar que o legislador ordinário estabeleceu regras específicas para a população mais pobre, de modo a lhes possibilitar o ingresso e a manutenção na Previdência Social, como é o caso da Lei nº 12.470/2011, que dispõe sobre o Plano de Custeio da Previdência Social, para estabelecer alíquota diferenciada de contribuição para o microempreendedor individual e do segurado facultativo sem renda própria que se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencente a família de baixa renda.
E assim exsurge a pergunta: com a ampliação pretendida da abrangência da norma do artigo 20, § 2º, da LOAS, não será interessante para ninguém contribuir para o custeio da previdência social, nem mesmo nos termos da Lei nº 12.470/2011. E assim as donas de casa e todos os outros segurados facultativos simplesmente perderão o interesse, pois haverá a cobertura dos eventos mais comuns (doença, invalidez e idade avançada) na própria Assistência Social. Enfim, perder-se-á toda a racionalidade do sistema.
Sem falar que aparecerão efeitos colaterais muito sérios, sociais e econômicos, pois com o tempo as pessoas não terão interesse em trabalhar e em contribuir para a previdência social, pois a assistência social desempenhará protagonismo inconstitucional, de modo a se forjar uma mentalidade assistencialista que menospreza a importância do trabalho enquanto agente transformador e gerador de renda.
E sobrecarregar-se-á a função da assistência social, que agigantar-se-á em suas funções subsidiárias, o que, com a máxima vênia, pode gerar consequências gravíssimas, hoje e amanhã, de modo a prejudicar o objetivo do desenvolvimento nacional (artigo 3º, II, da Constituição Federal) em várias facetas, sobretudo por conta das inevitáveis dificuldades de custeio.
Em suma: o benefício assistencial não pode ser concebido como um substituto de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
Enfim, a situação fática prevista neste processo não permite a incidência da regra do artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93 (vide tópico IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA).
Diante do exposto, nego provimento ao agravo.
É o voto.
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| Data e Hora: | 27/06/2017 16:48:18 |
