Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5000130-20.2017.4.03.6100
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
16/12/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 20/12/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA.
DEVOLUÇÃO DE VALORES. ERRO ADMINISTRATIVO. TEMA 979 DO STJ.
- A Administração Pública goza de prerrogativas, dentre as quais o controle administrativo, sendo
dado rever os atos de seus próprios órgãos, anulando aqueles eivados de ilegalidade, bem como
revogando os atos cuja conveniência e oportunidade não mais subsistam.
- Evidenciado erro administrativo na concessão de benefício, remanesce a obrigação da parte
beneficiária devolver os valores, nos termos delineados no Tema n. 979 do STJ.
- Como o ajuizamento desta ação é anterior a 23/4/2021, deixa-se de determinar a devolução dos
valores em razão da modulação dos efeitos definida pelo STJ no julgamento desse tema.
- Agravo interno desprovido.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000130-20.2017.4.03.6100
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: MARIA CRISTINA PEREIRA
REPRESENTANTE: LOURDES FELISBERTO ROBERTO POLVORA
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000130-20.2017.4.03.6100
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: MARIA CRISTINA PEREIRA
REPRESENTANTE: LOURDES FELISBERTO ROBERTO POLVORA
R E L A T Ó R I O
Trata-se de agravo interno interposto pela autarquia federal em face de decisão monocrática
que, aonegarprovimento à sua apelação, mantevea sentença que julgou improcedentes
opedidopara declarara inexigibilidade da quantia de R$ 40.605,00, referente ao amparo social
ao deficiente NB 87/120.501.351-0, no período de 1º/8/2004 a 31/10/2009, deixando, porém, de
fixar condenação em verbas de sucumbência.
OInstituto Nacional do Seguro Social (INSS) requer a reforma do julgado, de modo que a
matéria sejareexaminada pela Turma, sustentando que o recebimento indevido de benefício
deve ser ressarcido independentementeda boa-fé da parte, pouco importando sea concessão
tenha advindo de erro administrativo ou não, visto que háexpressa previsão legal de restituição
no artigo 115, II, da Lei n. 8.213/1991.
Contrarrazões não apresentadas.
Em seguida, foi determinada a suspensão do processo, nos termos do Tema 979 do Superior
Tribunal de Justiça.
Apreciado tema repetitivo relacionado a este processo, a suspensão foi levantada e os autos
encaminhados ao Ministério Público Federal que, por sua vez, opinou desprovimento do agravo
interno.
Os autos voltaram conclusos.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000130-20.2017.4.03.6100
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: MARIA CRISTINA PEREIRA
REPRESENTANTE: LOURDES FELISBERTO ROBERTO POLVORA
V O T O
Conheço do recurso, porque presentes os requisitos de admissibilidade, segundo os termos do
artigo 1.021 do CPC.
A Administração Pública goza de prerrogativas, dentre as quais o controle administrativo,
sendo-lhe dado rever os atos de seus próprios órgãos, anulando aqueles eivados de ilegalidade
(art. 37 da Constituição Federal/1988), bem como revogando os atos cuja conveniência e
oportunidade não mais subsistam.
Trata-se do poder de autotutela administrativo, enunciado nas Súmulas n. 346 e 473 do STF,
tendo como fundamento os princípios constitucionais da legalidade, da moralidade
administrativa e da supremacia do interesse público, desde que obedecidos os regramentos
constitucionais do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, LIV e LV, da CF), além da Lei n.
9.784/1999, aplicável à espécie:
"A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos."
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem
ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência e
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos a apreciação
judicial."
Por sua vez, à luz do Código Civil (art. 876), percebe pagamento indevido todo "aquele que
recebeu o que não era devido" e, por consequência, "fica obrigado a restituir".
Ademais, deve ser levado em consideração o princípio geral do direito, positivado como regra
no atual Código Civil, consistente na proibição do enriquecimento ilícito ou sem causa.
É o que textualmente estabelece o artigo 884 do Código Civil:
"Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é
obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na
época em que foi exigido."
Na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores pagos
indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II, da Lei
n. 8.213/1991.
Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio legislador
reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas
alimentares, são repetíveis em quaisquer circunstâncias.
Nesse sentido: TRF 3ª Região, NONA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1028622 - 0021597-
06.2005.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL MARISA SANTOS, julgado em
24/05/2010, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/07/2010 PÁGINA: 1303; TRF 3ª Região, SÉTIMA
TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1627788 - 0016651-78.2011.4.03.9999, Rel.
DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, julgado em 02/10/2017, e-DJF3
Judicial 1 DATA:16/10/2017.
A propósito, especificamente sobre devolução de valores recebidos de boa-fé em razão de erro
da Administração, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sede de recurso repetitivo (Tema
979), assim deliberou sobre a matéria:
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO.
PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991.
DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E
MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO.
POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS
ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA
PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada
ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à
hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio
também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou
assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e
similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à
suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991.
2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte
tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por
força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência
Social.
3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má
aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má
aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque
também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser
aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a
sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução
dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível
que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a
presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela
administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum
compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.
4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração
previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos
objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale
dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro,
necessário se faz a devolução dos valores ao erário.
5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n.
3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou
indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de
erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o
devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com
desconto no beneficio no percentual de até 30% (trinta por cento).
6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados
decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação
errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o
seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal,
ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé
objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento
indevido.
7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste
representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável
interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a
centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os
processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste
acórdão.
8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a
cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se
estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de
simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na
exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos
benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da
vedação ao princípio do enriquecimento sem causa. Entretanto, em razão da modulação dos
efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar os descontos dos valores recebidos indevidamente
pelo segurado.
9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.
Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.”
(REsp 1.381.734/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
10/03/2021, DJe 23/04/2021)
Desse julgamento é possível extrair as seguintes conclusões:
(i) o pagamento indevido decorrente de interpretação errônea ou má aplicação da lei pela
Administração Previdenciária não é suscetível de repetição;
(ii) o pagamento indevido decorrente de erro material ou operacional da Administração
Previdenciária é repetível, salvo se o segurado demonstrar que não lhe era possível constatar o
erro (boa-fé objetiva);
(iii) a hipótese de repetição em razão de erro da Administração Previdenciária atinge somente
os processos distribuídos desde 23/4/2021 (modulação dos efeitos);
(iv) admitida a repetição, é permitido o desconto do percentual de até 30% do valor mensal do
benefício do segurado.
Sobre a boa-fé objetiva, nos dizeres da Ministra Nancy Andrighi, “esta se apresenta como uma
exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-
dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria uma
pessoa honesta, escorreita e leal” (STJ, REsp n. 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
Por sua vez, a boa-fé subjetiva está relacionada a intenção do agente, contrapondo-se à má-fé
(pressuposto do ilícito civil), a qual não se presume e deve ser demonstrada.
Efetivamente, somente cabe cogitar de aplicação do Tema n. 979 se afastada a discussão
sobre a má-fé do agente.
Neste caso, o INSS pretende o ressarcimento dos valores pagos à parte ré a título de benefício
de amparo social ao deficiente (NB 87/120.501.351-0), no valor de R$ 40.605,00, referente ao
período de 1º/8/2004 a 31/10/2009, sob o fundamento de ter sido constatado o recebimento no
mesmo grupo familiar da ré de mais de um amparo social (NB 88/134.395.551-0 e
87/118.980.687-9).
Dessa forma, entende o INSS que a ré não preenchia os requisitos necessários à concessão e
manutenção do benefício, faltando-lhe a miserabilidade.
Enfim, em conformidade com as provas colacionadas aos autos, está claro
erroadministrativopelo não cumprimento dadeterminação legal, prevista no artigo21 da Lei n.
8.742/1993 (LOAS), de rever o benefício assistencial a cada 2 (dois) anos, para avaliação da
continuidade das condições que lhe deram origem.
Em decorrência desse erro, remanesceria a obrigação da beneficiária devolver os valores, nos
termos delineados no Tema n. 979 do STJ.
Não obstante, como o ajuizamento desta ação é anterior a 23/4/2021, deixa-se de determinar a
devolução dos valores em razão da modulação dos efeitos definida pelo STJ no julgamento
desse tema.
Em decorrência, impõe-se a manutenção da sentença, mas por fundamento diverso.
Diante do exposto, nego provimento ao agravo interno.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA.
DEVOLUÇÃO DE VALORES. ERRO ADMINISTRATIVO. TEMA 979 DO STJ.
- A Administração Pública goza de prerrogativas, dentre as quais o controle administrativo,
sendo dado rever os atos de seus próprios órgãos, anulando aqueles eivados de ilegalidade,
bem como revogando os atos cuja conveniência e oportunidade não mais subsistam.
- Evidenciado erro administrativo na concessão de benefício, remanesce a obrigação da parte
beneficiária devolver os valores, nos termos delineados no Tema n. 979 do STJ.
- Como o ajuizamento desta ação é anterior a 23/4/2021, deixa-se de determinar a devolução
dos valores em razão da modulação dos efeitos definida pelo STJ no julgamento desse tema.
- Agravo interno desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento ao agravo interno, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
