
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002217-59.2017.4.03.6128
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA ANA LÚCIA IUCKER
APELANTE: ADILSON REAL
Advogado do(a) APELANTE: ANDRE LUIZ DE LIMA - SP370691-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002217-59.2017.4.03.6128
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA ANA LÚCIA IUCKER
APELANTE: ADILSON REAL
Advogado do(a) APELANTE: ANDRE LUIZ DE LIMA - SP370691-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXMA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA ANA LÚCIA IUCKER (RELATORA):
Trata-se de ação concessória de aposentadoria para reconhecimento de períodos comuns e especiais distribuída em 11/11/2017. O feito foi julgado parcialmente procedente por sentença proferida pela(o) Magistrada(o) da 1ª Vara Federal de Jundiaí em 21/02/2018 (id. 3296306). Houve interposição de apelação pela parte autora para reconhecer o caráter especial da atividade exercida nos interregnos entre 23/06/1977 a 15/02/1994, 23/12/1991 a 01/09/1994 e de 23/09/2013 a 03/02/2015 e condenar o INSS a implementar o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, desde a primeira DER em 02/12/2013 ou subsidiariamente desde a segunda 05/12/2016, sendo os autos distribuídos nesta Corte em 13/06/2018 (id. 3296308).
A decisão monocrática deu parcial provimento ao recurso de apelação da parte autora para reconhecer o caráter especial da atividade exercida no período entre 23/06/1977 a 15/02/1994, 23/12/1991 a 01/09/1994 e de 23/09/2013 a 03/02/2015 e condenar o INSS a implementar o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, desde a primeira DER em 02/12/2013 (id. 130792884).
O INSS alega, em síntese, que não cabe o julgamento monocrático no caso em apreço e que não é possível o reconhecimento de tempo de serviço especial para fins de contagem recíproca (id. 131996545).
Requer a retratação da r. decisão monocrática, ou que seja submetida ao colegiado, nos termos do art. 1.021, §2º, do Código de Processo Civil.
Em contrarrazões a parte agravada pugna pela manutenção da decisão monocrática (id. 132928579).
É o relatório.
DECLARAÇÃO DE VOTO
A Exma. Sra. Desembargadora Federal Daldice Santana: trata-se de agravo interno interposto pelo INSS em face da decisão monocrática, que deu parcial provimento à apelação da parte autora para reconhecer a especialidade dos intervalos de 23/06/1977 a 15/02/1994 de 23/12/1991 a 01/09/1994 e de 23/09/2013 a 03/02/2015, e conceder o benefício de aposentadoria por tempo de serviço proporcional.
Não obstante os judiciosos fundamentos expostos no voto da nobre Relatora, deles ouso divergir parcialmente pelas seguintes razões.
A possibilidade de contagem de tempo de contribuição entre regimes de previdência social distintos (contagem recíproca) é assegurada no artigo 201, § 9º, da Constituição Federal vigente, nos seguintes termos:
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a:
(...)
§ 9º Para fins de aposentadoria, será assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição entre o Regime Geral de Previdência Social e os regimes próprios de previdência social, e destes entre si, observada a compensação financeira, de acordo com os critérios estabelecidos em lei.”
Nessa esteira, segundo se depreende do artigo 94 da Lei n. 8.213/1991, a contagem recíproca do tempo de contribuição a regimes distintos de previdência social pressupõe que o sistema no qual o interessado estiver filiado ao requerer o benefício seja compensado financeiramente pelos demais sistemas aos quais já esteve vinculado.
Sobre a questão ensinam Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Junior:
“... a simples reflexão sobre a existência de regimes previdenciários distintos induz a conclusão de que cada regime deverá certificar o tempo no qual o interessado esteve nele filiado, pois somente quem possui os assentos funcionais é que poderá promover a apuração do tempo de serviço público, sendo procedida a contagem recíproca apenas no momento em que o interessado requer o benefício, no regime em que será deferido, nos termos do disposto no art. 99 da Lei de Benefícios. Assim, não cabe ao INSS reconhecer o tempo de serviço ou de contribuição prestado em outros regimes." (in: Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 14ª edição. São Paulo: Atlas, 2016, p. 523)
Efetivamente, somente ao órgão de origem cabe reconhecer a nocividade da atividade exercida em período a ele vinculado, competindo-lhe, ainda, ressarcir financeiramente o outro sistema em razão de possível contagem diferenciada decorrente desse reconhecimento.
Ademais, a Súmula Vinculante n. 33 garantiu textualmente que as regras do regime geral sobre a aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, III, da CF/1988, aplicam-se ao servidor público, no que couber:
"Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do Regime Geral de Previdência Social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, parágrafo 4º, inciso III, da Constituição Federal, até edição de lei complementar específica.”
No mesmo sentido é a tese jurídica fixada no julgamento do Tema n. 942 da Repercussão Geral, a qual dispõe que as regras do regime geral sobre conversão de tempo especial em comum aplicam-se ao servidor público:
"Até a edição da Emenda Constitucional nº 103/2019, o direito à conversão, em tempo comum, do prestado sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física de servidor público decorre da previsão de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a jubilação daquele enquadrado na hipótese prevista no então vigente inciso III do § 4º do art. 40 da Constituição da República, devendo ser aplicadas as normas do regime geral de previdência social relativas à aposentadoria especial contidas na Lei 8.213/1991 para viabilizar sua concretização enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora da matéria. Após a vigência da EC n.º 103/2019, o direito à conversão em tempo comum, do prestado sob condições especiais pelos servidores obedecerá à legislação complementar dos entes federados, nos termos da competência conferida pelo art. 40, § 4º-C, da Constituição da República." (STF, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Redator para o acórdão Min. EDSON FACHIN, Leading Case (RE 1014286), DATA DE PUBLICAÇÃO DJe 24/09/2020, ATA Nº 160/2020, DJe nº 235, divulgado em 23/09/2020)
Nessa toada, a Portaria MPS n. 154/2008 garante a contagem recíproca de atividades especiais entre regimes de previdência distintos, conforme a seguinte disposição (g.n.):
"Art. 5º O setor competente da União, do Estado, do Distrito Federal e do Município deverá promover o levantamento do tempo de contribuição para o RPPS à vista dos assentamentos funcionais do servidor.
Parágrafo único. Até que leis complementares federais disciplinem as aposentadorias especiais previstas no § 4º do art. 40 da Constituição Federal, a informação na CTC sobre o tempo de contribuição reconhecido como tempo especial está restrita às hipóteses de: (Incluído pela Portaria MF nº 393, de 31/08/2018).
I - servidor com deficiência, com amparo em decisão judicial; (Incluído pela Portaria MF nº 393, de 31/08/2018)
II - exercício de atividades de risco, conforme Lei Complementar nº 51, de 20 de dezembro de 1985, ou com amparo em decisão judicial; e (Incluído pela Portaria MF nº 393, de 31/08/2018)
III - exercício de atividades sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, nos limites da Súmula Vinculante nº 33 ou com amparo em decisão judicial. (Incluído pela Portaria MF nº 393, de 31/08/2018)"
Portanto, as atividades especiais exercidas no RGPS ou no RPPS deverão estar expressamente dispostas na Certidão de Tempo de Contribuição (CTC).
Quanto à conversão da atividade especial em comum, o artigo 96, IX, da Lei n. 8.213/1991 dispõe:
“Art. 96. O tempo de contribuição ou de serviço de que trata esta Seção será contado de acordo com a legislação pertinente, observadas as normas seguintes:
I - não será admitida a contagem em dobro ou em outras condições especiais;
II - é vedada a contagem de tempo de serviço público com o de atividade privada, quando concomitantes;
III - não será contado por um sistema o tempo de serviço utilizado para concessão de aposentadoria pelo outro;
IV - o tempo de serviço anterior ou posterior à obrigatoriedade de filiação à Previdência Social só será contado mediante indenização da contribuição correspondente ao período respectivo, com acréscimo de juros moratórios de zero vírgula cinco por cento ao mês, capitalizados anualmente, e multa de dez por cento.
V - é vedada a emissão de Certidão de Tempo de Contribuição (CTC) com o registro exclusivo de tempo de serviço, sem a comprovação de contribuição efetiva, exceto para o segurado empregado, empregado doméstico, trabalhador avulso e, a partir de 1º de abril de 2003, para o contribuinte individual que presta serviço a empresa obrigada a arrecadar a contribuição a seu cargo, observado o disposto no § 5º do art. 4º da Lei nº 10.666, de 8 de maio de 2003;
VI - a CTC somente poderá ser emitida por regime próprio de previdência social para ex-servidor;
VII - é vedada a contagem recíproca de tempo de contribuição do RGPS por regime próprio de previdência social sem a emissão da CTC correspondente, ainda que o tempo de contribuição referente ao RGPS tenha sido prestado pelo servidor público ao próprio ente instituidor;
VIII - é vedada a desaverbação de tempo em regime próprio de previdência social quando o tempo averbado tiver gerado a concessão de vantagens remuneratórias ao servidor público em atividade;
IX - para fins de elegibilidade às aposentadorias especiais referidas no § 4º do art. 40 e no § 1º do art. 201 da Constituição Federal, os períodos reconhecidos pelo regime previdenciário de origem como de tempo especial, sem conversão em tempo comum, deverão estar incluídos nos períodos de contribuição compreendidos na CTC e discriminados de data a data.”
O artigo 125, § 1º, do Decreto n. 3.048/1999 e o artigo 11 da Portaria MPS n. 154/2008 dispõem da mesma forma (g.n.):
"Art. 125. Para efeito de contagem recíproca, hipótese em que os diferentes sistemas de previdência social ou proteção social se compensarão financeiramente, fica assegurado: (Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020)
I - o cômputo do tempo de contribuição na administração pública e de serviço militar exercido nas atividades de que tratam os art. 42, art. 142 e art. 143 da Constituição, para fins de concessão de benefícios previstos no RGPS, inclusive de aposentadoria em decorrência de tratado, convenção ou acordo internacional; e (Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020)
(...)
§ 1º Para os fins deste artigo, é vedada: (Redação dada pelo Decreto nº 8.145, de 2013)
I - conversão do tempo de contribuição exercido em atividade sujeita à condições especiais, nos termos do disposto no art. 66;"
"Art. 11. É vedada a emissão de CTC: (Redação dada pela Portaria MF nº 567, de 18/12/2017)
I - com contagem de tempo de contribuição de atividade privada com a de serviço público ou de mais de uma atividade no serviço público, quando concomitantes; (Redação dada pela Portaria MF nº 567, de 18/12/2017)
II - em relação a período que já tiver sido utilizado para a concessão de aposentadoria em qualquer regime de previdência social; (Redação dada pela Portaria MF nº 567, de 18/12/2017)
III - com contagem de tempo fictício; (Redação dada pela Portaria MF nº 567, de 18/12/2017); e
IV - com conversão de tempo de serviço exercido sob condições especiais em tempo de contribuição comum; (Redação dada pela Portaria MF nº 567, de 18/12/2017)"
Como se nota, na CTC devem estar indicados os períodos de atividade especial, mas é vedado constar a conversão do tempo de serviço especial em comum.
Compete, assim, ao órgão de destino da CTC a análise de possível conversão de tempo.
É o que deliberou a Turma Nacional de Uniformização (TNU) ao apreciar o Tema n. 278:
"I – O(A) segurado(a) que trabalhava sob condições especiais e passou, sob qualquer condição, para regime previdenciário diverso, tem direito à expedição de certidão desse tempo identificado como especial, discriminado de data a data, ficando a conversão em comum e a contagem recíproca à critério do regime de destino, nos termos do art. 96, IX, da Lei n.º 8.213/1991;
II – Na contagem recíproca entre o Regime Geral da Previdência Social – RGPS e o Regime Próprio da União, é possível a conversão de tempo especial em comum, cumprido até o advento da EC n.º 103/2019."
Em resumo, a CTC deve ser expedida pelo regime de previdência de origem com indicação do tempo especial, sem a conversão do período. A forma de utilização desse tempo especial, como a possível conversão desse tempo em comum, contudo, compete ao regime instituidor da aposentadoria.
No tocante ao intervalo em debate, de 23/6/1977 a 15/2/1994, a parte autora, como policial militar, estava vinculada a regime próprio de previdência e, dessa maneira, não compete à autarquia previdenciária o exame da especialidade aventada, senão ao próprio ente federativo no qual desenvolveu as atribuições vinculadas ao regime próprio de previdência social (RPPS) atestar a insalubridade.
Ademais, nas hipóteses de controvérsia da especialidade de serviço prestado sob regime próprio, deve o requerente aforar a contenda na Justiça Estadual bandeirante em face órgão ao qual estava vinculado, a fim de fazer valer o direito invocado (TRF/3ª Região; APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0002678-03.2004.4.03.9999/SP; 2004.03.99.002678-7/SP; RELATORA: Des. Federal EVA REGINA; D.E. Publicado em 14/2/2011).
Com efeito, somente ao órgão de origem do servidor compete o reconhecimento da nocividade da atividade exercida em período a ele vinculado, forte inclusive no Tema 942 do STF, bem como o respectivo ressarcimento ao sistema destinatário em razão de possível contagem diferenciada decorrente desse enquadramento.
Assim, desponta a ilegitimidade passiva do INSS no tocante ao reconhecimento da especialidade do período de 23/6/1977 a 15/2/1994, uma vez que o trabalho supostamente exercido sob condições especiais não ocorreu sob as normas do Regime Geral da Previdência Social, mas sob as do Regime Próprio de Previdência.
Desse modo, impõe-se a extinção do processo, sem resolução de mérito, no tocante ao pedido de reconhecimento do caráter especial da atividade vinculada ao RPPS, exercida no período de 23/06/1977 a 15/02/1994, nos termos do artigo 485, inciso VI, do CPC.
Por conseguinte, desconsiderada a especialidade do referido interregno, a parte autora não preenche os requisitos para a concessão da aposentadoria deferida.
Em virtude da sucumbência recíproca e da vedação à compensação (art. 85, § 14, da Lei n. 13.105/2015), os honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, serão distribuídos igualmente entre os litigantes, ficando, porém, em relação à parte autora, suspensa a exigibilidade, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita (art. 98, § 3º, do CPC).
Diante do exposto, dou provimento ao agravo interno do INSS, para: (i) extinguir o processo, sem resolução de mérito, no tocante ao pedido de reconhecimento do caráter especial da atividade vinculada ao RPPS, no período de 23/6/1977 a 15/2/1994; (ii) deixar de condenar o INSS ao pagamento do benefício de aposentadoria por tempo de serviço proporcional; (iii) fixar a sucumbência recíproca.
É o voto.
Desembargadora Federal DALDICE SANTANA
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002217-59.2017.4.03.6128
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA ANA LÚCIA IUCKER
APELANTE: ADILSON REAL
Advogado do(a) APELANTE: ANDRE LUIZ DE LIMA - SP370691-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXMA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA ANA LÚCIA IUCKER (RELATORA):
Trata-se de agravo interno interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS em face de decisão monocrática que deu parcial provimento à apelação interposta pela parte autora e condenou o INSS a averbar a atividade exercida nos períodos entre 23/06/1977 a 15/02/1994; 23/12/1991 a 01/09/1994 e de 23/09/2013 a 03/02/2015 e a implementar o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, desde a primeira DER em 02/12/2013.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Ao instituir a possibilidade do julgamento monocrático, o Código de Processo Civil intensifica a necessidade de observância dos princípios constitucionais da celeridade e efetividade da prestação jurisdicional.
De acordo com a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça, ao proferir decisão monocrática, o relator não viola o princípio da colegialidade, ante a previsão do agravo interno para submissão do julgado ao Órgão Colegiado. Nesse sentido:"...Consoante a jurisprudência deste STJ, a legislação processual (art. 932 do CPC c/c a Súmula nº 568 do STJ) permite ao relator julgar monocraticamente recurso inadmissível ou, ainda, aplica a jurisprudência consolidada deste Tribunal. Ademais, a possibilidade de interposição de recurso ao órgão colegiado afasta qualquer alegação de ofensa ao princípio da colegialidade. Precedentes... (STJ, AgInt no REsp n. 1.831.566/PR, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 12/9/2022, DJe de 14/9/2022.)
Quanto ao mérito, a agravante argumenta que é impossível a conversão de tempo de serviço especial em comum para fins de contagem recíproca.
No período de 23/06/1977 a 01/09/1994, em que exerceu atividade de Soldado da Polícia Militar, o requerente esteve submetido a regime próprio de previdência (estatutário).
Como é cediço, a legislação previdenciária assegura a Contagem Recíproca de Tempo de Serviço entre regimes previdenciários, de modo que o servidor abrangido por Regime Próprio de Previdência Social possa aproveitar períodos trabalhados no Regime Geral de Previdência Social para aposentação e fruição de vantagens naquele regime (Art. 201, parágrafo 9º da CRFB/1988).
Em que pese a Ordem Constitucional outorgue tal garantia ao Administrado, se extrai da expressão contida no citado dispositivo “(...) de acordo com os critérios estabelecidos em lei” que a Carta da República o faz como norma de eficácia contida, isto é, confere a legislação ordinária a possibilidade de restringir hipóteses certificação e aproveitamento entre regimes.
Nesta tocada, considerando que os regimes previdenciários possuem critérios de concessão de benefícios e controle financeiro e atuarial distintos entre si, e, sobretudo ante a pluralidade de Regimes Próprios existentes, é que a legislação infraconstitucional vedou expressamente a certificação de períodos de contagem “em dobro ou em outras condições especiais”, conforme giza o artigo 96, inciso I da Lei 8.213/91.
Outrossim, o artigo 515, parágrafo único da Instrução Normativa INSS/PRES 128, de 28/03/2022 dispõe que os períodos reconhecidos pelo INSS como de tempo de atividade exercida em condições especiais deverão ser incluídos na CTC e discriminados de data a data, sem conversão em tempo comum.
Não obstante a regulamentação trazida pela legislação ordinária, é de se sopesar que por ocasião do julgamento do Mandado de Injunção nº 721/DF, o C. STF firmou o entendimento de que, prosperando mora legislativa quando aos parâmetros de aposentação especial para servidores submetidos ao regime estatutário de certos Entes da Administração, devem prevalecer as regras aplicáveis aos filiados ao Regime Geral de Previdência Social, quais sejam, os critérios de análise e conversão previstos na Lei 8.213/91 e no Decreto 3.048/99.
Nesse contexto, não se reveste de razoabilidade que o filiado a Regime Jurídico Estatutário e Regime Próprio de Previdência Social, tenha que demandar duplamente, primeiro em face da própria Administração a qual esteve vinculado a fim de lograr obter acréscimo de tempo contributivo de tempo especial nos estritos moldes do decidido no MI 721/DF, e, em segundo momento, judicializar novamente em face do próprio INSS, como ora filiado ao Regime Geral, para impor que o tempo especial convertido sejam assim utilizado neste regime.
Assim, sopesando o contexto geral das normas inerentes à análise de períodos especiais e compensação recíproca existentes no ordenamento, é de privilegiar a interpretação sistemática das normas nele contidas em detrimento da exegese puramente gramatical, maximizando sua eficácia no mundo dos fatos, já que, considerando que devem ser utilizadas as normas inerentes ao RGPS para caracterização da atividade especial de servidores do RPPS, não se mostra razoável que a avaliação de especialidade não possa ser feita pela própria Autarquia administradora daquele Regime de Previdência, legitimando-a ao polo passivo da lide.
Nessa ordem de ideias, a atividade exercida pelo autor como soldado da polícia militar entre 23/06/1977 a 01/09/1994, cuja compensação recíproca ao RGPS foi demonstrada nos autos pela exibição de Certidão de Tempo de Contribuição (id. 3296305 - pág. 59) expedida pelo regime previdenciário a que esteve vinculado o servidor, comporta enquadramento especial, pois se coteja às atividades realizadas por vigias e guardas e, nesta condição, enquadra-se no item 2.5.7 do Decreto nº 53.831/64 (TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5003410-02.2021.4.03.6183, Rel. Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN, julgado em 18/09/2024, DJEN DATA: 24/09/2024).
A decisão agravada, merece, contudo, ser retificada quando ao tempo especial a ser considerado neste interregno. Consoante a citada Certidão de Tempo de Contribuição, o autor soma 728 dias de licença fruídas nos anos de 1992, 1993 e 1994, que não comporta contagem como tempo comum e nem especial. Dessa forma, a data fim a ser considerada relativa a este contrato é 03/09/1992. Não há, contudo, prejuízo ao tempo contributivo apurado pelo primeiro grau, já que existe período concomitante no próprio RGPS também reconhecido como especial, consoante será objeto de exposição adiante.
Não se cogita ainda em falar em suspensão da lide pela incidência da matéria nele tratada com o Tema 1.209 do C. STF, já que o reconhecimento de especialidade levado a efeito nestes autos se dá por categoria profissional e a temática em referência alude ao enquadramento por exposição à agentes nocivos.
Em relação ao interregno de 23/12/1991 a 01/09/1994 o autor encontrava-se exposto ao agente agressivo ruído, em índice de 88,5 dB(A) e no período de 23/09/2013 a 03/02/2015 encontrava-se exposto ao agente agressivo ruído, em índice de 88 dB(A), conforme perfil profissiográfico previdenciário (id. 3296289 e id 3296290).
Em relação à exposição ao ruído, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos Temas 534, 694 e 1083, definiu que a especialidade em razão da exposição a tal agente é regida pela legislação vigente à época da prestação do serviço.
Dessa forma, com fulcro no Decreto n. 53.831/1964, item 1.1.6. do Quadro Anexo, e do Decreto n. 83.080/1979, item 1.1.5. do Anexo I, considera-se especial a atividade exercida, até 05/03/1997, com exposição a ruídos iguais ou superiores a 80 decibéis.
Após essa data, com a publicação do Decreto 2.172/1997, item 2.0.1. do Anexo IV, o nível de ruído considerado prejudicial, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003, passou a ser igual ou superior a 90 decibéis. Com a entrada em vigor do Decreto 4.882, em 19/11/2003, o limite de tolerância ao agente físico ruído foi reduzido para 85 decibéis.
A respeito dos picos de ruído, o STJ fixou, por meio do REsp 1886795/RS e do REsp 1890010/RS, representativos de controvérsia repetitiva (Tema 1083), a seguinte tese jurídica:
"O reconhecimento do exercício de atividade sob condições especiais pela exposição ao agente nocivo ruído, quando constatados diferentes níveis de efeitos sonoros, deve ser aferido por meio do Nível de Exposição Normalizado (NEN). Ausente essa informação, deverá ser adotado como critério o nível máximo de ruído (pico de ruído), desde que perícia técnica judicial comprove a habitualidade e a permanência da exposição ao agente nocivo na produção do bem ou na prestação do serviço".
Portanto, possível o reconhecimento de atividade especial quando há exposição a picos de ruído superiores aos limites legais.
Assim, ratifica-se o reconhecimento da especialidade de todos os períodos controvertidos, a saber, 23/06/1977 a 15/02/1994; 23/12/1991 a 01/09/1994 e de 23/09/2013 a 03/02/2015.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO ao agravo interno do INSS nos termos da fundamentação.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL NO RPPS. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS À APOSENTADORIA PROPORCIONAL. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. RECURSO PROVIDO.
- A Certidão de Tempo de Contribuição (CTC) deve ser expedida pelo regime de previdência de origem com indicação do tempo especial.
- A forma de utilização desse tempo especial, como a possível conversão desse tempo em comum, contudo, compete ao regime instituidor da aposentadoria.
- Desponta a ilegitimidade passiva do INSS no tocante ao reconhecimento da especialidade durante trabalho sob normas de Regime Próprio de Previdência Social (RPPS). Precedente.
- Processo extinto, sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485, inciso VI, do CPC, com relação ao pedido de enquadramento de trabalho prestado em Regime Próprio de Previdência Social (RPPS).
- Conjunto probatório apto a demonstrar a exposição habitual e permanente a ruído em níveis superiores aos limites de tolerância previstos nas normas regulamentares nos períodos de atividade debatidos vinculados ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
- Desconsiderada a especialidade do interregno vinculado à RPPS, a parte autora não preenche os requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de serviço proporcional deferida.
- Diante da sucumbência recíproca e da vedação à compensação (art. 85, § 14, da Lei n. 13.105/2015), os honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, serão distribuídos igualmente entre os litigantes, ficando, porém, em relação à parte autora, suspensa a exigibilidade, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita (art. 98, § 3º, do CPC).
- Agravo interno do INSS provido.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADORA FEDERAL
