Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2216432 / SP
0001134-23.2017.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
23/09/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/10/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO RETIDO. NÃO CONHECIMENTO. ART. 523, §1º, DO
CPC/1973. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO CONFIGURADO.
BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO. ART. 34, PARÁGRAFO
ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA. PRECEDENTES
JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA). STF.
DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.472/93,
SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE
DA MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. SITUAÇÃO DE RISCO
COMPROVADA. RENDA INEXISTENTE. NÚCLEO FAMILIAR FORMADO POR 3 (TRÊS)
PESSOAS, DAS QUAIS UMA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA E OUTRA ADOLESCENTE.
DEMANDANTE DIAGNOSTICADA COM SURDEZ BILATERAL. GENITORA
IMPOSSIBILITADA DE DESENVOLVER ATIVIDADE LABORAL. MÍNIMO EXISTENCIAL NÃO
GARANTIDO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DEMONSTRADA. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL RESTABELECIDO. DIB. DATA DA CESSAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA.
JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 111 DO STJ. AGRAVO
RETIDO DO INSS NÃO CONHECIDO. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA.
SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.
1 - Não conhecido o agravo retido do INSS, eis que não requerida sua apreciação em sede de
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
contrarrazões, conforme determinava o art. 523, §1º, do CPC/1973, vigente à época da
interposição do recurso.
2 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o
pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
3 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a
concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que
comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
4 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho,
em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do
art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
5 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de
miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a
manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do
Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
6 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle
concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
7 - Pleiteia a autora a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é
incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua
família.
8 - O profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em exame realizado em 08 de
julho de 2011 (fls. 80/81), consignou o seguinte: "A pericianda trouxe laudo e exames que
provam que apresenta surdez bilateral. Em exame pericial, constatei a queixa (...) Há
incapacidade no momento da perícia, ela é parcial e permanente".
9 - Apesar do impedimento parcial constatado, se afigura pouco crível que, quem seja portadora
de "surdez bilateral" e conviva no ambiente socioeconômico da autora, no qual muitas pessoas
com deficiência são marginalizadas pela comunidade, sofrendo com os constrangimentos,
preconceitos e estigmas que giram em torna do mal, vá conseguir, após reabilitação,
capacitação e treinamento, colocação profissional.
10 - Dessa forma, tem-se que a demandante é incapaz e totalmente insusceptível de
reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, sobretudo, em virtude
do seu contexto socioeconômico e da patologia de que é portadora, restando configurado o
impedimento de longo prazo.
11 - Análise do contexto social e econômico, por analogia, com base na Súmula 47 da Turma
Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais e da jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça: STJ - AgRg no Ag: 1270388 PR 2010/0010566-9, Relator: Ministro JORGE
MUSSI, Data de Julgamento: 29/04/2010, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe
24/05/2010.
12 - O estudo social, elaborado com base em visita realizada na moradia da autora, em 21 de
outubro de 2013 (fls. 117/118), informou que o núcleo familiar é formado por esta, sua genitora
e irmã. Residem em imóvel próprio, segundo a assistente.
13 - Não possuem renda fixa, fora o beneplácito assistencial percebido pela demandante, em
virtude de antecipação dos efeitos da tutela nestes autos. Sobrevivem, sem aquele, da ajuda
esporádica de terceiros.
14 - Informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, as quais
seguem anexas aos autos, corroboram o relato contido no estudo, de que a família não aufere
outros rendimentos. Tanto a irmã da requerente, como sua mãe, não tem qualquer vínculo
previdenciário registrado em seus nomes.
15 - Alie-se, como elemento de convicção, acerca da vulnerabilidade social, o fato de que o
núcleo familiar, na época do estudo, era formado por 3 (três) pessoas, das quais uma é
portadora de "surdez bilateral" - autora - e a outra, adolescente, o que gera gastos elevados.
16 - A demandante necessita do auxílio permanente da sua genitora, para fins de comunicação,
dentre outras atividades, de modo que esta última se encontra impedida de laborar. Daí a
imprescindibilidade do benefício no caso em apreço.
17 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que o
núcleo familiar se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, fazendo,
portanto, a autora, jus ao beneplácito assistencial.
18 - Acerca do termo inicial do benefício, firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá
na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência
(AgRg no REsp 1532015/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado
em 04/08/2015, DJe 14/08/2015). Tendo em vista a persistência do impedimento de longo prazo
e da hipossuficiência econômica, quando da cessação do benefício assistencial (NB:
105.876.620-9), a DIB deve ser fixada no momento do seu cancelamento indevido, já que
desde a data de entrada do requerimento (DER) até a sua cessação (DCB: 01/09/2007 - fl. 23),
a autora efetivamente estava protegida pelo Sistema da Seguridade Social, percebendo
benefício.
19 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
20 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
21 - Saliente-se que, não obstante tratar-se de benefício assistencial, deve ser observado o
tópico do Manual atinente aos benefícios previdenciários, a teor do disposto no parágrafo único
do art. 37 da Lei nº 8.742/93.
22 - Relativamente aos honorários advocatícios, consoante o disposto na Súmula nº 111, STJ,
estes devem incidir somente sobre o valor das parcelas devidas até a prolação da sentença,
ainda que reformada. E isso se justifica pelo princípio constitucional da isonomia. Na hipótese
de procedência do pleito em 1º grau de jurisdição e sucumbência da autarquia previdenciária, o
trabalho do patrono, da mesma forma que no caso de improcedência, perdura enquanto não
transitada em julgado a decisão final. O que altera são, tão somente, os papéis exercidos pelos
atores judicias que, dependendo da sorte do julgamento, ocuparão polos distintos em relação
ao que foi decidido. Portanto, não se mostra lógico e razoável referido discrímen, a ponto de
justificar o tratamento diferenciado, agraciando com maior remuneração profissionais que
exercem suas funções em 1º e 2º graus com o mesmo empenho e dedicação. Imperiosa, assim,
a incidência da verba honorária até a data do julgado recorrido, em 1º grau de jurisdição, e
também, na ordem de 10% (dez por cento), eis que as condenações pecuniárias da autarquia
previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual deve, por imposição legal,
ser fixada moderadamente, o que resta atendido com o percentual supra.
23 - Agravo retido do INSS não conhecido. Apelação da parte autora provida. Sentença
reformada. Ação julgada procedente.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer do agravo
retido do INSS e dar provimento à apelação da parte autora para reformar a r. sentença e, com
isso, julgar procedente o pedido deduzido na inicial, a fim de condenar o ente autárquico no
restabelecimento e no pagamento dos atrasados de benefício assistencial de prestação
continuada, desde a data da sua cessação indevida, em 01/09/2007, sendo que sobre os
valores em atraso incidirá correção monetária de acordo com o Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e juros de mora até a
expedição do ofício requisitório, de acordo com o mesmo Manual, além de condená-lo no
pagamento de honorários advocatícios na ordem de 10% (dez por cento) sobre o valor das
parcelas vencidas até a data da prolação da sentença de 1º grau de jurisdição, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
