Processo
ApReeNec - APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO / MS
5001594-85.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
06/01/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 16/01/2020
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO RETIDO. NÃO CONHECIMENTO. ART. 523, §1º, DO
CPC/1973. SENTENÇA NÃO SUJEITA À REMESSA NECESSÁRIA. ART. 496, §3º, DO CPC.
CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO IDOSO E À
PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPEDIMENTO DE
LONGO PRAZO INCONTROVERSO. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO.
EXCLUSÃO. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR
ANALOGIA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA). STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20
DA LEI Nº 8.472/93, SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO
ISOLADA. ANÁLISE DA MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES.
AFASTADA SITUAÇÃO DE RISCO. RENDA PER CAPITA FAMILIAR SUPERIOR À METADE DE
UM SALÁRIO MÍNIMO. OMISSÃO DE INFORMAÇÕES. AUTOR PROPRIETÁRIO DE UM BAR.
FILHO QUE RECEBE DIÁRIA. VALORES NÃO DISCRIMINADOS. GASTOS COM CONSULTAS
MÉDICAS PARTICULARES. IMÓVEL PRÓPRIO. MÍNIMO EXISTENCIAL GARANTIDO.
HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA NÃO DEMONSTRADA. AGRAVO RETIDO DO INSS NÃO
CONHECIDO. REMESSA NECESSÁRIA NÃO CONHECIDA. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA.
SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. REVOGAÇÃO DA TUTELA
ANTECIPADA. INVERSÃO DOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA, COM SUSPENSÃO DOS
EFEITOS. DEVER DE PAGAMENTO SUSPENSO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
1 - Não conhecido o agravo retido do INSS, eis que não requerida sua apreciação em sede de
apelo, conforme determinava o art. 523, §1º, do CPC/1973, vigente à época da sua interposição.
2 - Não cabimento de remessa necessária no presente caso. A sentença submetida à apreciação
desta Corte foi proferida em 19/04/2017, sob a égide, portanto, do Código de Processo Civil de
2015. No caso, o pedido foi julgado procedente para condenar o INSS na concessão e no
pagamento dos atrasados de benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, desde a data
do requerimento administrativo, que se deu em 07/03/2012 (ID 1806661, p. 16).
2 - Constata-se, portanto, que desde o termo inicial do benefício (07/03/2012) até a data da
prolação da sentença - 19/04/2017 - passaram-se pouco mais de 61 (sessenta e um) meses,
totalizando assim 61 (sessenta e uma) prestações no valor de um salário mínimo, que, mesmo
que devidamente corrigidas e com a incidência dos juros de mora e verba honorária, ainda se
afigura inferior ao limite de alçada estabelecido na lei processual.
3 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o
pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
4 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a
concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que
comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
5 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a
redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
6 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de
miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a
manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do
Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
7 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento
da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de
constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
8 - Pleiteia o autor a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é incapaz
e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.
9 - O impedimento de longo prazo restou incontroverso, na medida em que o INSS não impugnou
o capítulo da sentença que o atestou, nem foi conhecida a remessa necessária.
10 - Os estudos sociais, elaborados em 22 de novembro de 2013 (ID 1806661, p. 80/84) e em 03
de maio de 2016 (ID 1806661, p. 140/144), informaram que o núcleo familiar é formado pelo
demandante, sua esposa e 3 (três) filhos. Residem em casa própria, de conjunto habitacional,
composta por "05 (cômodos) sendo 3 (três) quartos, 01 (uma) sala, 01 (uma) cozinha. A casa da
família é de alvenaria, telha cerâmica, de contra piso, sem forro, sem azulejo nas paredes do
banheiro e cozinha, sem acabamento, piso de quintal de terra, não possui garagem e possui uma
pequena varanda no fundo, a casa é simples sem infraestrutura (...) No momento da visita tanto a
casa quanto o quintal estavam em condição de higiene e limpeza, a casa um pouco
desorganizada por falta de espaço e de mobília”.
11 - A renda do núcleo familiar, na época do segundo estudo e conforme o informado à
assistente, decorria dos proventos de aposentadoria da esposa do demandante, EDITE BENÍCIO
TAVARES, no importe de um salário mínimo, e da remuneração de sua filha, LUCIANA
TAVARES DA SILVA, no valor de R$950,00.
12 - As despesas, envolvendo gastos com alimentação, água e energia, cingiam a
aproximadamente a R$880,00.
13 - Nota-se que, apenas com as quantias informadas, a renda da família superaria o valor de
suas despesas.
14 - Informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, as quais
encontram-se acostadas aos autos (ID 1806661, p. 157), dão conta que LUCIANA recebeu em
maio de 2016 a quantia de R$1.515,16 (competência 04/2016). Assim sendo, a renda per capita
também já seria superior à metade de um salário mínimo, padrão jurisprudencial de
miserabilidade.
15 - Entretanto, os rendimentos familiares certamente eram maiores do que os ganhos já
discriminados. Isso porque o requerente era proprietário de um bar no centro da municipalidade
(a despeito de informar que não tinha lucro) e seu filho, JULIANO TAVARES DA SILVA, recebia
diárias, cujos valores também não foram discriminados.
16 - Alie-se, como elemento de convicção, a afastar a alegação de vulnerabilidade social, o fato
de que a família despendia valores com consultas médicas particulares. Tal dado, por si só, não é
indicativo de riqueza, porém, infirma a situação de miséria absoluta aventada.
17 - A última assistente social arremata que “a família possui condições financeiras suficientes
para as despesas mensais, dos cinco membros que a constitui, com o salário de Luciana e a
aposentadoria de Edite, não tendo indício de miserabilidade”.
18 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que o
núcleo familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não fazendo,
portanto, o autor, jus ao benefício assistencial.
19 - É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação
continuada é auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in
extremis, ou seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem
como se e quando a situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao
pouco deixado pelo legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
20 - Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada pela parte autora e
compadeça-se com a horripilante realidade a que são submetidos os trabalhadores em geral, não
pode determinar à Seguridade a obrigação de pagamento de benefício, que independe de
contribuição, ou seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições
previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram preenchidos, sob pena de criar
perigoso precedente que poderia causar de vez a falência do já cambaleado Instituto Securitário.
21 - O benefício assistencial de prestação continuada existe para auxiliar a sobrevivência das
pessoas portadoras de incapacidade, por idade avançada, ou outras restrições físicas ou
psíquicas para o trabalho e que não possuam parentes próximos em condições de lhes prover o
sustento. O dever, portanto, é, em primeiro lugar, da família.
22 - O benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da
renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir
faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade
precípua prover a subsistência daquele que o requer.
23 - Inversão do ônus sucumbencial, com condenação da parte autora no ressarcimento das
despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como no pagamento
dos honorários advocatícios, arbitrados no percentual mínimo do §3º do artigo 85 do CPC, de
acordo com o inciso correspondente ao valor atribuído à causa, devidamente atualizado (CPC,
art. 85, §2º), observando-se o previsto no §3º do artigo 98 do CPC
24 - Agravo redito do INSS não conhecido. Remessa necessária não conhecida. Apelação do
INSS provida. Sentença reformada. Ação julgada improcedente. Revogação da tutela antecipada.
Inversão dos ônus de sucumbência, com suspensão dos efeitos. Dever de pagamento suspenso.
Gratuidade da justiça.
Acórdao
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº5001594-85.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: OSVALDO MENDES DA SILVA
PROCURADOR: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO NO ESTADO DO MATO GROSSO DO
SUL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº5001594-85.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: OSVALDO MENDES DA SILVA
PROCURADOR: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO NO ESTADO DO MATO GROSSO DO
SUL
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de remessa necessária e apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL - INSS, em ação ajuizada por OSVALDO MENDES DA SILVA, objetivando a
concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
Contra decisão que nomeou o perito médico (ID 1806661, p. 24), o INSS interpôs recurso de
agravo retido (ID 1806661, p. 34/36).
A r. sentença, integrada por sentença proferida em sede embargos declaratórios (ID 1806661, p.
177/179), julgou procedente o pedido deduzido na inicial, condenando o INSS na concessão e no
pagamento dos atrasados de beneplácito assistencial, desde a data apresentação do
requerimento administrativo, que se deu em 07/03/2012 (ID 1806661, p. 16). Fixou correção
monetária e juros de mora nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal. Condenou o INSS, ainda, no pagamento de honorários advocatícios,
arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas em atraso, contabilizadas até a
data da sua prolação. Por fim, determinou a imediata implantação do benefício, deferindo o
pedido de tutela antecipada (ID 1806661, p. 158/163).
Em razões recursais, o INSS pugna pela reforma da sentença, ao fundamento de que a parte
autora não demonstrou ser hipossuficiente para a concessão do benefício ora vindicado.
Subsidiariamente, requer a fixação da DIB na data da juntada do estudo social aos autos, bem
como a alteração dos critérios de aplicação da correção monetária e dos juros de mora e, por fim,
requer seja afastada sua condenação no pagamento de custas processuais (ID 1806661, p.
186/201).
A parte autora apresentou contrarrazões (ID 1806661, p. 207/225).
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal (ID 2103289), no sentido do provimento do apelo
autárquico.
É o relatório.
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº5001594-85.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: OSVALDO MENDES DA SILVA
PROCURADOR: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO NO ESTADO DO MATO GROSSO DO
SUL
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
De início, não conheço do agravo retido do INSS, eis que não requerida sua apreciação em sede
de apelo, conforme determinava o art. 523, §1º, do CPC/1973, vigente à época da sua
interposição.
Ainda em sede preliminar, destaco o não cabimento de remessa necessária no presente caso.
A sentença submetida à apreciação desta Corte foi proferida em 19/04/2017, sob a égide,
portanto, do Código de Processo Civil de 2015.
De acordo com o artigo 496, §3º do CPC/2015:
"Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de
confirmada pelo tribunal, a sentença:
I - proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas
autarquias e fundações de direito público;
II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal.
§ 1º Nos casos previstos neste artigo, não interposta a apelação no prazo legal, o juiz ordenará a
remessa dos autos ao tribunal, e, se não o fizer, o presidente do respectivo tribunal avocá-los-á.
§ 2º Em qualquer dos casos referidos no § 1o, o tribunal julgará a remessa necessária.
§ 3º Não se aplica o disposto neste artigo quando a condenação ou o proveito econômico obtido
na causa for de valor certo e líquido inferior a:
I - 1.000 (mil) salários-mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito
público;
II - 500 (quinhentos) salários-mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as respectivas
autarquias e fundações de direito público e os Municípios que constituam capitais dos Estados;
III - 100 (cem) salários-mínimos para todos os demais Municípios e respectivas autarquias e
fundações de direito público.
§ 4º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em:
I - súmula de tribunal superior;
II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em
julgamento de recursos repetitivos;
III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de
competência;
IV - entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do
próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa."
No caso, o pedido foi julgado procedente para condenar o INSS na concessão e no pagamento
dos atrasados de benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, desde a data do
requerimento administrativo, que se deu em 07/03/2012 (ID 1806661, p. 16).
Constata-se, portanto, que desde o termo inicial do benefício (07/03/2012) até a data da prolação
da sentença - 19/04/2017 - passaram-se pouco mais de 61 (sessenta e um) meses, totalizando
assim 61 (sessenta e uma) prestações no valor de um salário mínimo, que, mesmo que
devidamente corrigidas e com a incidência dos juros de mora e verba honorária, ainda se afigura
inferior ao limite de alçada estabelecido na lei processual.
Passo à análise do mérito.
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem
como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da
Silva, consiste em:
"um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o
direito à vida. 'Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos
fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa
humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-
constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido
da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de
direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da personalidade individual,
ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana. Daí decorre que a ordem
econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará a
realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo
para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como
indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.'"
(Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 106-107).
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da
Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como
moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social
e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
"A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à
seguridade social, e tem por objetivos:
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei."
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia
da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de
dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e,
posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu
decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam:
ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de
prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi
reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003,
mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência,
família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos
de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com
uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em
igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada
pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo
de 2 (dois) anos (§10).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a
execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente
de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou
ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro
Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377),
oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida
laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da
ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do
benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação
continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de
locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97,
transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o
conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo
teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art.
20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro,
os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e
enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle
concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
“Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V,
da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem não
possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º
da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal
na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a
manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita
seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela lei teve
sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente
miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto
constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo
Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como
instrumento de (re)interpretação da decisão proferida em controle de constitucionalidade abstrato.
Preliminarmente, arguido o prejuízo da reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos
extraordinários 580.963 e 567.985, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O
STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de
qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade,
incidentalmente, de normas tidas como fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na
reclamação. Isso decorre da própria competência atribuída ao STF para exercer o denominado
controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de
reapreciação das decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com
mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo
hermenêutico típico da reclamação - no "balançar de olhos" entre objeto e parâmetro da
reclamação - que surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no
controle de constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF,
o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E,
inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação, se
entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a
interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos
preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei
permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único
estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes
idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais
elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que
criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à
Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder
Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de
renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões
monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do
critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de
notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações
legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros
benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6. Reclamação
constitucional julgada improcedente. (Rcl 4374, GILMAR MENDES, STF)"
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a
renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado
comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros
meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência
econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por
meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva
assim ementado:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
(...)
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo. 6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento
motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual
essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de
prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do
Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(REsp nº 1.112.557/MG, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, DJ
20/11/2009). (grifos nossos)
No que pertine à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial
percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, referido
tema revelou-se polêmico, por levantar a discussão acerca do discrímen em se considerar
somente o benefício assistencial para a exclusão referida, e não o benefício previdenciário de
qualquer natureza, desde que de igual importe; sustentava-se, então, que a ratio legis do artigo
em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado e, bem por isso, não
havia justificativa plausível para a discriminação.
Estabelecido o dissenso inclusive perante o Superior Tribunal de Justiça, o mesmo se resolveu no
sentido, enfim, de se excluir do cálculo da renda familiar todo e qualquer benefício de valor
mínimo recebido por pessoa maior de 65 anos, em expressa aplicação analógica do contido no
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
Refiro-me, inicialmente, à Petição nº 7203/PE (Incidente de Uniformização de Jurisprudência),
apreciada pela 3ª Seção do STJ em 10 de agosto de 2011 (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis
Moura) e, mais recentemente, ao Recurso Especial nº 1.355.052/SP, processado segundo o rito
do art. 543-C do CPC/73 e que porta a seguinte ementa:
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA.
IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO
VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor
de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício
de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito
do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso
(Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com
deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário
mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de
Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.
(REsp nº 1.355.052/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Seção, j. 25/02/2015, DJe
05/11/2015). (grifos nossos)
Do caso concreto.
Pleiteia o autor a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é incapaz e
não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.
O impedimento de longo prazo restou incontroverso, na medida em que o INSS não impugnou o
capítulo da sentença que o atestou, nem foi conhecida a remessa necessária.
Os estudos sociais, elaborados em 22 de novembro de 2013 (ID 1806661, p. 80/84) e em 03 de
maio de 2016 (ID 1806661, p. 140/144), informaram que o núcleo familiar é formado pelo
demandante, sua esposa e 3 (três) filhos.
Residem em casa própria, de conjunto habitacional, composta por "05 (cômodos) sendo 3 (três)
quartos, 01 (uma) sala, 01 (uma) cozinha. A casa da família é de alvenaria, telha cerâmica, de
contra piso, sem forro, sem azulejo nas paredes do banheiro e cozinha, sem acabamento, piso de
quintal de terra, não possui garagem e possui uma pequena varanda no fundo, a casa é simples
sem infraestrutura (...) No momento da visita tanto a casa quanto o quintal estavam em condição
de higiene e limpeza, a casa um pouco desorganizada por falta de espaço e de mobília”.
A renda do núcleo familiar, na época do segundo estudo e conforme o informado à assistente,
decorria dos proventos de aposentadoria da esposa do demandante, EDITE BENÍCIO TAVARES,
no importe de um salário mínimo, e da remuneração de sua filha, LUCIANA TAVARES DA SILVA,
no valor de R$950,00.
As despesas, envolvendo gastos com alimentação, água e energia, cingiam a aproximadamente
a R$880,00.
Nota-se que, apenas com os valores informados, a renda da família superaria o valor de suas
despesas.
Informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, as quais encontram-
se acostadas aos autos (ID 1806661, p. 157), dão conta que LUCIANA recebeu em maio de 2016
a quantia de R$1.515,16 (competência 04/2016). Assim sendo, a renda per capita já seria
superior à metade de um salário mínimo, padrão jurisprudencial de miserabilidade.
Entretanto, os rendimentos familiares certamente eram maiores do que os ganhos já
discriminados. Isso porque o requerente era proprietário de um bar no centro da municipalidade
(a despeito de informar que não tinha lucro) e seu filho, JULIANO TAVARES DA SILVA, recebia
diárias, cujos valores também não foram discriminados.
Alie-se, como elemento de convicção, a afastar a alegação de vulnerabilidade social, o fato de
que a família despendia valores com consultas médicas particulares. Tal dado, por si só, não é
indicativo de riqueza, porém, infirma a situação de miséria absoluta aventada.
A última assistente social arremata que “a família possui condições financeiras suficientes para as
despesas mensais, dos cinco membros que a constitui, com o salário de Luciana e a
aposentadoria de Edite, não tendo indício de miserabilidade”.
Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que o núcleo
familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não fazendo,
portanto, o autor, jus ao benefício assistencial.
É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação continuada é
auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja,
nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a
situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo
legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada pela parte autora e
compadeça-se com a horripilante realidade a que são submetidos os trabalhadores em geral, não
pode determinar à Seguridade a obrigação de pagamento de benefício, que independe de
contribuição, ou seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições
previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram preenchidos, sob pena de criar
perigoso precedente que poderia causar de vez a falência do já cambaleado Instituto Securitário.
O benefício assistencial de prestação continuada existe para auxiliar a sobrevivência das pessoas
portadoras de incapacidade, por idade avançada, ou outras restrições físicas ou psíquicas para o
trabalho e que não possuam parentes próximos em condições de lhes prover o sustento. O dever,
portanto, é, em primeiro lugar, da família.
Repito que o benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação
da renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir
faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade
precípua prover a subsistência daquele que o requer.
Ante o exposto, não conheço da remessa necessária e do agravo retido do INSS e dou
provimento à sua apelação para reformar a r. sentença de 1º grau de jurisdição e, com isso, julgar
improcedente o pedido deduzido na inicial.
Inverto, por conseguinte, o ônus sucumbencial, condenando a parte autora no ressarcimento das
despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como no pagamento
dos honorários advocatícios, os quais arbitro no percentual mínimo do §3º do artigo 85 do CPC,
de acordo com o inciso correspondente ao valor atribuído à causa, devidamente atualizado (art.
85, §2º, do CPC).
Havendo a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto no §3º
do artigo 98 do CPC, ficará a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a
situação de insuficiência de recursos que a fundamentou.
Revogo a tutela antecipada.
Oficie-se ao INSS.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO RETIDO. NÃO CONHECIMENTO. ART. 523, §1º, DO
CPC/1973. SENTENÇA NÃO SUJEITA À REMESSA NECESSÁRIA. ART. 496, §3º, DO CPC.
CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO IDOSO E À
PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPEDIMENTO DE
LONGO PRAZO INCONTROVERSO. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO.
EXCLUSÃO. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR
ANALOGIA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA). STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20
DA LEI Nº 8.472/93, SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO
ISOLADA. ANÁLISE DA MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES.
AFASTADA SITUAÇÃO DE RISCO. RENDA PER CAPITA FAMILIAR SUPERIOR À METADE DE
UM SALÁRIO MÍNIMO. OMISSÃO DE INFORMAÇÕES. AUTOR PROPRIETÁRIO DE UM BAR.
FILHO QUE RECEBE DIÁRIA. VALORES NÃO DISCRIMINADOS. GASTOS COM CONSULTAS
MÉDICAS PARTICULARES. IMÓVEL PRÓPRIO. MÍNIMO EXISTENCIAL GARANTIDO.
HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA NÃO DEMONSTRADA. AGRAVO RETIDO DO INSS NÃO
CONHECIDO. REMESSA NECESSÁRIA NÃO CONHECIDA. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA.
SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. REVOGAÇÃO DA TUTELA
ANTECIPADA. INVERSÃO DOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA, COM SUSPENSÃO DOS
EFEITOS. DEVER DE PAGAMENTO SUSPENSO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA.
1 - Não conhecido o agravo retido do INSS, eis que não requerida sua apreciação em sede de
apelo, conforme determinava o art. 523, §1º, do CPC/1973, vigente à época da sua interposição.
2 - Não cabimento de remessa necessária no presente caso. A sentença submetida à apreciação
desta Corte foi proferida em 19/04/2017, sob a égide, portanto, do Código de Processo Civil de
2015. No caso, o pedido foi julgado procedente para condenar o INSS na concessão e no
pagamento dos atrasados de benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, desde a data
do requerimento administrativo, que se deu em 07/03/2012 (ID 1806661, p. 16).
2 - Constata-se, portanto, que desde o termo inicial do benefício (07/03/2012) até a data da
prolação da sentença - 19/04/2017 - passaram-se pouco mais de 61 (sessenta e um) meses,
totalizando assim 61 (sessenta e uma) prestações no valor de um salário mínimo, que, mesmo
que devidamente corrigidas e com a incidência dos juros de mora e verba honorária, ainda se
afigura inferior ao limite de alçada estabelecido na lei processual.
3 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o
pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
4 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a
concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que
comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
5 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a
redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
6 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de
miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a
manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do
Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
7 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento
da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de
constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
8 - Pleiteia o autor a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é incapaz
e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.
9 - O impedimento de longo prazo restou incontroverso, na medida em que o INSS não impugnou
o capítulo da sentença que o atestou, nem foi conhecida a remessa necessária.
10 - Os estudos sociais, elaborados em 22 de novembro de 2013 (ID 1806661, p. 80/84) e em 03
de maio de 2016 (ID 1806661, p. 140/144), informaram que o núcleo familiar é formado pelo
demandante, sua esposa e 3 (três) filhos. Residem em casa própria, de conjunto habitacional,
composta por "05 (cômodos) sendo 3 (três) quartos, 01 (uma) sala, 01 (uma) cozinha. A casa da
família é de alvenaria, telha cerâmica, de contra piso, sem forro, sem azulejo nas paredes do
banheiro e cozinha, sem acabamento, piso de quintal de terra, não possui garagem e possui uma
pequena varanda no fundo, a casa é simples sem infraestrutura (...) No momento da visita tanto a
casa quanto o quintal estavam em condição de higiene e limpeza, a casa um pouco
desorganizada por falta de espaço e de mobília”.
11 - A renda do núcleo familiar, na época do segundo estudo e conforme o informado à
assistente, decorria dos proventos de aposentadoria da esposa do demandante, EDITE BENÍCIO
TAVARES, no importe de um salário mínimo, e da remuneração de sua filha, LUCIANA
TAVARES DA SILVA, no valor de R$950,00.
12 - As despesas, envolvendo gastos com alimentação, água e energia, cingiam a
aproximadamente a R$880,00.
13 - Nota-se que, apenas com as quantias informadas, a renda da família superaria o valor de
suas despesas.
14 - Informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, as quais
encontram-se acostadas aos autos (ID 1806661, p. 157), dão conta que LUCIANA recebeu em
maio de 2016 a quantia de R$1.515,16 (competência 04/2016). Assim sendo, a renda per capita
também já seria superior à metade de um salário mínimo, padrão jurisprudencial de
miserabilidade.
15 - Entretanto, os rendimentos familiares certamente eram maiores do que os ganhos já
discriminados. Isso porque o requerente era proprietário de um bar no centro da municipalidade
(a despeito de informar que não tinha lucro) e seu filho, JULIANO TAVARES DA SILVA, recebia
diárias, cujos valores também não foram discriminados.
16 - Alie-se, como elemento de convicção, a afastar a alegação de vulnerabilidade social, o fato
de que a família despendia valores com consultas médicas particulares. Tal dado, por si só, não é
indicativo de riqueza, porém, infirma a situação de miséria absoluta aventada.
17 - A última assistente social arremata que “a família possui condições financeiras suficientes
para as despesas mensais, dos cinco membros que a constitui, com o salário de Luciana e a
aposentadoria de Edite, não tendo indício de miserabilidade”.
18 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que o
núcleo familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não fazendo,
portanto, o autor, jus ao benefício assistencial.
19 - É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação
continuada é auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in
extremis, ou seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem
como se e quando a situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao
pouco deixado pelo legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
20 - Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada pela parte autora e
compadeça-se com a horripilante realidade a que são submetidos os trabalhadores em geral, não
pode determinar à Seguridade a obrigação de pagamento de benefício, que independe de
contribuição, ou seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições
previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram preenchidos, sob pena de criar
perigoso precedente que poderia causar de vez a falência do já cambaleado Instituto Securitário.
21 - O benefício assistencial de prestação continuada existe para auxiliar a sobrevivência das
pessoas portadoras de incapacidade, por idade avançada, ou outras restrições físicas ou
psíquicas para o trabalho e que não possuam parentes próximos em condições de lhes prover o
sustento. O dever, portanto, é, em primeiro lugar, da família.
22 - O benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da
renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir
faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade
precípua prover a subsistência daquele que o requer.
23 - Inversão do ônus sucumbencial, com condenação da parte autora no ressarcimento das
despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como no pagamento
dos honorários advocatícios, arbitrados no percentual mínimo do §3º do artigo 85 do CPC, de
acordo com o inciso correspondente ao valor atribuído à causa, devidamente atualizado (CPC,
art. 85, §2º), observando-se o previsto no §3º do artigo 98 do CPC
24 - Agravo redito do INSS não conhecido. Remessa necessária não conhecida. Apelação do
INSS provida. Sentença reformada. Ação julgada improcedente. Revogação da tutela antecipada.
Inversão dos ônus de sucumbência, com suspensão dos efeitos. Dever de pagamento suspenso.
Gratuidade da justiça. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu não conhecer da remessa necessária e do agravo retido do INSS e dar
provimento à sua apelação para reformar a r. sentença de 1º grau de jurisdição e, com isso, julgar
improcedente o pedido deduzido na inicial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
