Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 1569649 / SP
0043615-45.2010.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
27/05/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/06/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO RETIDO NÃO REITERADO. NÃO
CONHECIMENTO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE
RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL IDÔNEA. ATIVIDADE
ESPECIAL. RUÍDO. ÁCIDO FOSFÓRICO. ENXOFRE. CAL VIRGEM. POLÍMERO.
APOSENTADORIA INTEGRAL. TERMO INICIAL. DATA DA CITAÇÃO. CORREÇÃO
MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REMESSA NECESSÁRIA
DESPROVIDA. APELAÇÃO DO AUTOR PROVIDA.
1 - No caso, o INSS foi condenado a reconhecer e averbar, em favor da parte autora, tempo de
serviço exercido na qualidade de rurícola, bem como a proceder a conversão do tempo de
serviço trabalhado pelo autor em atividade especial. Assim, trata-se de sentença ilíquida e
sujeita ao reexame necessário, nos termos do inciso I, do artigo retro mencionado e da Súmula
490 do STJ.
2 - Agravo retido não conhecido, considerando a ausência, pelo INSS, de reiteração de sua
apreciação, a contento do disposto no art. 523, §1º, do então vigente CPC/73.
3 - O art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço
somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida
prova exclusivamente testemunhal. Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça.
4 - A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período
que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser
corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
daquela. Precedentes da 7ª Turma desta Corte e do C. Superior Tribunal de Justiça. Tais
documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de
que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
5 - O C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP nº 1.348.633/SP,
adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil, assentou o entendimento
de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior
àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material,
desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
6 - É pacifico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento das contribuições
para fins de obtenção de benefício previdenciário, desde que a atividade rural tenha se
desenvolvido antes da vigência da Lei nº 8.213/91.
7 - A respeito da idade mínima para o trabalho rural do menor, é histórica a vedação do trabalho
infantil. Com o advento da Constituição de 1967, a proibição passou a alcançar apenas os
menores de 12 anos, em nítida evolução histórica quando em cotejo com as Constituições
anteriores, as quais preconizavam a proibição em período anterior aos 14 anos.
8 - Já se sinalizava, então, aos legisladores constituintes, como realidade incontestável, o
desempenho da atividade desses infantes na faina campesina, via de regra ao lado dos
genitores. Corroborando esse entendimento, se encontrava a realidade brasileira das duas
décadas que antecederam a CF/67, época em que a população era eminentemente rural (64%
na década de 1950 e 55% na década de 1960).
9 - Antes dos 12 anos, porém, ainda que acompanhasse os pais na lavoura e eventualmente os
auxiliasse em algumas atividades, não se mostra razoável supor pudesse o menor exercer
plenamente a atividade rural, inclusive por não contar com vigor físico suficiente para uma
atividade tão desgastante.
10 - Pretende o autor o Reconhecimento do período laborado como rurícola, sem registro em
carteira, de 01/01/1968 a 30/07/1976 e do período laborado em condições especiais, de
21/03/1991 a 31/12/2003, bem como a consequente condenação do INSS à concessão do
benefício de Aposentadoria por Tempo de Serviço/Contribuição, com pedido sucessivo de
proporcional.
11 - Além dos documentos trazidos como início de prova material hábil para comprovar o
exercício de labor rural, foram ouvidas três testemunhas, sendo que duas delas relataram fatos
relativos ao labor rural, e uma, relativos ao labor especial.
12 - A prova oral reforça o labor no campo e amplia a eficácia probatória dos documentos
carreados aos autos; tornando possível o reconhecimento do labor rural, no período de
01/01/1968 a 30/07/1976, exceto para fins de carência.
13 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial (STJ, AgRg no REsp
493.458/RS e REsp 491.338/RS; Súmula nº 13 TR-JEF-3ªR; artigo 70, § 1º, Decreto nº
3.048/1999).
14 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais. Em outras palavras, até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade
laboral pela categoria profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por
qualquer modalidade de prova.
15 - Saliente-se, por oportuno, que a permanência não pressupõe a exposição contínua ao
agente nocivo durante toda a jornada de trabalho, guardando relação com a atividade
desempenhada pelo trabalhador.
16 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
17 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
18 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
19 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
20 - Quanto ao período de 21/03/1991 a 31/05/1992, em que exerceu a atividade de servente
(faxineiro) na empresa Açucareira Vale do Rosário, o autor apresentou o formulário DSS-8030,
datado de 23/12/2002, no qual consta que esteve exposto aos agentes nocivos ruído de 89,4 a
92,1 db, bem como aos agentes químicos ácido fosfórico, enxofre, cal virgem e polímero, de
modo habitual e permanente, não ocasional nem intermitente (fls. 17).
21 - No tocante ao período de 01/06/1992 a 30/04/2000, em que exerceu a atividade de
operador de calagem na empresa Açucareira Vale do Rosário, o autor apresentou o formulário
DSS-8030, datado de 20/01/2004, no qual consta que esteve exposto aos agentes nocivos
ruído de 89,4 a 92,1 db, bem como aos agentes químicos ácido fosfórico, enxofre, cal virgem e
polímero, de modo habitual e permanente, não ocasional nem intermitente (fls. 18).
22 - No que se refere ao período de 01/05/2000 a 20/01/2004, em que exerceu a atividade de
operador de dosagem na empresa Açucareira Vale do Rosário, o autor apresentou o formulário
DSS-8030, datado de 20/01/2004, no qual consta que esteve exposto aos agentes nocivos
ruído de 89,4 a 92,1 db, bem como aos agentes químicos ácido fosfórico, enxofre, cal virgem e
polímero, de modo habitual e permanente, não ocasional nem intermitente (fls. 19).
23 - Oficiada pelo Juízo, em 30/03/2005 a Cia Açucareira Vale do Rosário trouxe aos autos o
Laudo Técnico Pericial (fls. 77/86), datado de 14/02/2005, do qual depreende-se que o autor
esteve exposto, durante todo o exercício (21/03/1991 a 20/01/2004), nas três funções que
desempenhou na empresa (servente, operador de calagem e operador de dosagem), a pressão
sonora acima dos níveis de tolerância (entre 89,8 e 92,10 decibéis) e a agentes químicos (ácido
fosfórico, enxofre, cal virgem e polímero). Cumpre salientar que referido laudo foi assinado por
engenheiro de segurança do trabalho.
24 - Finalmente, ressalte-se que no tocante à exposição aos agentes químicos ácido fosfórico,
enxofre, cal virgem e polímero, possível também o reconhecimento à luz dos itens 1.2.11 do
Decreto nº 53.831/64 e 1.2.10 do Decreto nº 83.080/79, bem como item 1.0.12 dos anexos IV
dos Decretos nº 2.172/97 e 3.048/99. Demais disso, de se frisar que não há, nos autos,
qualquer prova de que o uso de EPI, in casu, tenha neutralizado a insalubridade.
25 - Possível, portanto, o reconhecimento da especialidade do labor no período de 21/03/1991 a
31/12/2003, conforme pedido inicial.
26 - Acerca da conversão do período de tempo especial, deve ela ser feita com a aplicação do
fator 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99, não importando a época em que
desenvolvida a atividade, conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
27 - A aposentadoria por tempo de contribuição encontra-se atualmente prevista no art. 201,
§7º, I, da Constituição Federal, o qual dispõe: § 7º É assegurada aposentadoria no regime geral
de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições: I - trinta e cinco
anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher;
28 - Desta forma, após converter o período especial em tempo comum (21/03/1991 a
31/12/2003), aplicando-se o fator de conversão de 1.4, e somá-lo ao período rural ora
reconhecido (01/01/1968 a 30/07/1976) e aos demais períodos comuns (CTPS de fls. 13/16 e
CNIS); constata-se que na data da EC n° 20/98, o autor contava com 32 anos e 8 meses de
serviço, fazendo, portanto, jus à aposentadoria proporcional por tempo de contribuição, tendo,
portanto, direito adquirido ao benefício de aposentadoria proporcional por tempo de
serviço/contribuição, anteriormente ao advento da EC nº 20/98.
29 - Computando-se os períodos posteriores à EC nº 20/98, verifica-se que o autor perfaz 39
anos, 08 meses e 22 dias de serviço, o que lhe assegura o direito à concessão da
aposentadoria integral por tempo de contribuição.
30 - O termo inicial do benefício deve ser fixado na data da citação (31/05/2004), oportunidade
em que a entidade autárquica tomou conhecimento da pretensão.
31 - Verifica-se, pelas informações obtidas no CNIS que a parte autora recebe o benefício de
aposentadoria por tempo de contribuição desde 01/09/2010. Sendo assim, faculto ao
demandante a opção pela percepção do benefício que se lhe afigurar mais vantajoso, vedado o
recebimento em conjunto de duas aposentadorias, nos termos do art. 124, II, da Lei nº
8.213/91, e, com isso, condiciono a execução dos valores atrasados à opção pelo benefício
concedido em Juízo, uma vez que se permitir a execução dos atrasados concomitantemente
com a manutenção do benefício concedido administrativamente representaria uma
"desaposentação" às avessas, cuja possibilidade - renúncia de benefício - é vedada por lei - art.
18, §2º da Lei nº 8.213/91 -, além do que já se encontra afastada pelo C. Supremo Tribunal
Federal na análise do RE autuado sob o nº 661.256/SC.
32 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
33 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
34 - Os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor das
parcelas devidas até a sentença (Súmula 111, STJ), uma vez que, sendo as condenações
pecuniárias da autarquia previdenciária suportadas por toda a sociedade, a verba honorária
deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente, conforme, aliás, preconizava o §4º, do
art. 20 do CPC/73, vigente à época do julgado recorrido.
35 - Remessa necessária desprovida. Apelação da parte autora provida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer do agravo
retido do INSS, negar provimento à remessa necessária e dar provimento à apelação do autor,
para reconhecer a atividade rural no período de 01/01/1968 a 30/07/1976, e condenar a
Autarquia na implantação e pagamento do benefício aposentadoria proporcional por tempo de
contribuição ou da aposentadoria integral, com data de início de benefício a partir da data da
citação (31/05/2004), sendo que sobre os valores em atraso incidirá correção monetária de
acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até
a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação
do IPCA-E, e juros de mora até a expedição do ofício requisitório, de acordo com o mesmo
Manual, e facultar ao demandante a opção de percepção pelo benefício que lhe for mais
vantajoso, condenando o INSS, ainda, no pagamento dos honorários advocatícios, arbitrados
no montante de 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação
da sentença, mantendo, no mais, o julgado proferido em 1º grau de jurisdição, e, por maioria,
decidiu condicionar a execução dos valores atrasados à necessária opção por aquele cujo
direito foi reconhecido em Juízo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Referência Legislativa
***** STJ SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LEG-FED SUM-111 SUM-149 SUM-490***** CPC-73 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973
LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-523 PAR-1 ART-543C ART-20 PAR-4***** CF-1967
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1967
LEG-FED ANO-1967***** TR-JEF-3R SÚMULA DA TURMA RECURSAL DO JUIZADO
ESPECIAL FEDERAL DA 3ª R
LEG-FED SUM-13***** RPS-99 REGULAMENTO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
LEG-FED DEC-3048 ANO-1999 ART-70 PAR-1LEG-FED DEC-53831 ANO-1964 ITE-
1.2.11***** RBPS-79 REGULAMENTO DOS BENEFÍCIOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
LEG-FED DEC-83080 ANO-1979 ITE-1.2.10LEG-FED LEI-9528 ANO-1997LEG-FED DEC-2172
ANO-1997 ITE-1.0.12***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-201 PAR-7 INC-1LEG-FED EMC-20 ANO-1998***** LBPS-91 LEI DE
BENEFÍCIOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
LEG-FED LEI-8213 ANO-1991 ART-18 PAR-2 ART-124 INC-2LEG-FED LEI-11960 ANO-2009
Veja
STF RE 661.256/SCREPERCUSSÃO GERALTEMA 503;
STF RE 870.947/SEREPERCUSSÃO GERALTEMA 810;
STJ RESP 1.348.633/SPREPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIATEMA 638.
