
| D.E. Publicado em 30/08/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer do agravo interno do Ministério Público Federal, conhecer do agravo interno da autora e lhe negar provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juiz Federal Convocado
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0033362-51.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias:Trata-se de agravos internos interpostos em face da decisão monocrática que deu provimento à apelação, para julgar improcedente o pedido de concessão de benefício assistencial e cassar a tutela provisória de urgência.
Requerem, nos agravos interpostos pela parte autora e pelo Ministério Público Federal, a reforma do julgado, de modo a ser a matéria reexaminada pela Turma, porquanto se subsume na condição de pessoa com deficiência, aduzindo se incabível a decisão monocrática.
Dada ciência ao INSS.
Contraminuta não apresentada.
É o relatório.
VOTO
Conheço do recurso da parte autora porque presentes os requisitos de admissibilidade, nos termos do artigo 1.021 e §§ do Novo CPC.
Todavia, não conhece do agravo interposto pelo MPF.
Com efeito, passei a entender que o Ministério Público não tem legitimidade para recorrer em favor da parte autora, capaz para os atos da vida civil e devidamente representada por advogado.
Trata-se de direito disponível, falecendo, ao final das contas, legitimidade ao Parquet, quando age como "custos legis", para substituir a parte na insurgência recursal, em hipótese de legitimação extraordinária não admitida na lei processual e, principalmente, na Constituição Federal.
Nesse diapasão:
AGRAVO INTERNO. PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RESCISÓRIA. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. ILEGITIMIDADE RECURSAL. RENÚNCIA A BENEFÍCIO PARA OBTENÇÃO DE OUTRO MAIS VANTAJOSO. JULGADO RESCINDIDO. INEXIGIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS. BOA-FÉ. AGRAVO DO MPF. NÃO CONHECIDO. AGRAVO DO RÉU. PROVIDO. 1. Embora personalíssimo, o direito a benefício previdenciário é disponível. O segurado, embora pessoa idosa, é capaz e se encontra devidamente representado por advogado constituído, não se evidenciando interesse público, social ou individual indisponível a justificar a intervenção recursal do Ministério Público Federal. 2. Há orientação firmada por esta 3ª Seção no sentido de que, exceto comprovada má-fé, é indevida a devolução dos valores recebidos a maior pelo segurado em decorrência do cumprimento de provimento judicial transitado em julgado que venha a ser rescindido. 3. Agravo interno do Ministério Público Federal não conhecido. 4. Agravo interno do réu provido para, em reforma da monocrática exarada, julgar improcedente o pedido para devolução dos valores recebidos por força do julgado rescindido, restando revogada a autorização para desconto dos valores recebidos por força do julgado rescindido e determinada a devolução dos valores eventualmente já descontados do segurado, acrescidos de juros de mora, contados da data deste julgamento, e correção monetária, desde a data de cada vencimento, calculados de acordo com o Manual de Cálculos e Procedimentos da Justiça Federal, naquilo em que não conflitar com o decidido pelo Plenário do e. Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário n.º 870.947/SE (AR 00068598520154030000, AR - AÇÃO RESCISÓRIA - 10332, Relator(a), DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO, TRF3, TERCEIRA SEÇÃO, Fonte e-DJF3 Judicial 1 DATA:01/12/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO). |
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DECLARATÓRIOS EM EMBARGOS DECLARATÓRIOS OPOSTOS EM FACE DE EMBARGOS INFRINGENTES. OMISSÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. ILEGITIMIDADE RECURSAL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS REJEITADOS. I - A parte embargante alega omissão no tocante à apreciação de artigos da Constituição Federal e da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso). II - O v. acórdão embargado proferido por esta C. 3ª Seção de Julgamentos, à unanimidade, não conheceu de embargos de declaração anteriormente opostos pelo Ministério Público Federal, sob fundamento de carecer o órgão ministerial de legitimidade para interpor referido recurso. III - No caso em tela, o Parquet Federal não é parte no processo e a discussão em foco envolve direito patrimonial disponível, não se verificando quaisquer das situações elencadas no artigo 82 do CPC e na Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), de modo que configurada sua ilegitimidade recursal. IV - Embargos declaratórios rejeitados (EI 00057476420124036183, EI - EMBARGOS INFRINGENTES - 1833095, Relator(a) JUIZ CONVOCADO VALDECI DOS SANTOS, TRF3, TERCEIRA SEÇÃO, Fonte e-DJF3 Judicial 1 DATA:10/06/2015). |
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LEGITIMIDADE RECURSAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. FALECIMENTO DO AUTOR APÓS O JULGAMENTO DA AÇÃO. INCORPORAÇÃO DE DIREITOS AO PATRIMÔNIO JURÍDICO DA PARTE AUTORA. PRETENSÃO DOS SUCESSORES DE RECEBEREM OS VALORES DEVIDOS. DECRETO 6.214/2007, ART. 23, PARÁGRAFO ÚNICO. HABILITAÇÃO DE HERDEIROS. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. - Ilegitimidade do Ministério Público para agir em nome da herdeira, pleiteando sua habilitação e pagamento dos valores devidos ao falecido. - Legitimidade do Ministério Público, tão somente, para requerer a regularização processual. - Prejudicial de conhecimento do recurso afastada. - Inconteste na hipótese dos autos o direito dos herdeiros em receber os valores devidos ao de cujus, por força da decisão transitada em julgado. - Nos termos do art. 23, do Decreto nº 6.214/2007, o benefício de prestação continuada é intransferível, não gerando direito à pensão por morte aos herdeiros ou sucessores. - Porém, permanece a pretensão dos sucessores de receberem os valores eventualmente devidos, a teor do que dispõe o parágrafo único, do art. 23, do Decreto nº 6.214/2007. Precedentes. - Quanto à regularização processual, com a morte do beneficiário representado cessa a legitimidade do Ministério Público, devendo ser aplicado extensivamente à hipótese o disposto no art. 43 e 265, I, do Código de Processo Civil. - Nos termos dos arts. 1056, I, e 1060, I, do Código de Processo Civil, a habilitação pode ser requerida pela parte, em relação aos sucessores do falecido, procedendo-se nos autos da causa principal e independente de sentença quando promovida por herdeiros necessários. - Preliminar rejeitada. Apelação parcialmente provida (AC 00010831320014036106, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1029315, Relator(a) DESEMBARGADORA FEDERAL DIVA MALERBI, TRF3, DÉCIMA TURMA, Fonte e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/11/2010 PÁGINA: 1533 ..FONTE_REPUBLICACAO). |
Quanto à decisão monocrática, tal qual o pretérito 557 do CPC de 1973, a regra do artigo 932, IV e V, do Novo CPC reveste-se de plena constitucionalidade, ressaltando-se que alegações de descabimento da decisão monocrática ou nulidade perdem o objeto com a mera submissão do agravo ao crivo da Turma (mutatis mutandis, vide STJ-Corte Especial, REsp 1.049.974, Min. Luiz Fux, j. 2.6.10, DJ 3.8910).
No mérito, discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Primeiramente, reitera-se aqui, todos os fundamentos contidos às f. 120/234.
O benefício foi cassado porquanto não configurada a condição de pessoa com deficiência.
É que, no caso vertente, segundo o laudo pericial, a parte autora, não foi considerada inválida, mas temporariamente incapacitada, por ser portadora de epilepsia.
Segundo as informações constantes da perícia, a autora sofre da doença desde os 2 (dois) anos de idade. Tem o ensino médio incompleto e nunca trabalhou.
O exame tomográfico do crânio da autora não indicou anormalidades (f. 120).
O médico neurologista (f. 122) declarou tratar a autora desde agosto de 2011 até agosto de 2014, sendo que a partir de então a autora permaneceu 2 (dois) anos assintomática, tendo voltado a apresentar crises em setembro de 2016.
O fato de a incapacidade ter temporária, ou mesmo eventual, afasta a condição de pessoa portadora de deficiência, pois não há falar-se em barreiras de longo prazo.
Trata-se de típico caso que requer melhor tratamento médico e não uma prestação praticamente eterna do Estado, para uma pessoa jovem que tem restrições parciais no mercado de trabalho.
Cito, por pertinente, o texto a respeito do assunto, de autoria de Sandro Soares, com grifos meus:
"O PORTADOR DE EPILEPSIA É INCAPAZ PARA O TRABALHO? |
As síndromes epilépticas caracterizam-se fundamentalmente, por uma condição na qual o indivíduo é susceptível de ataques convulsivos, de alterações mais ou menos específicas do registro eletroencefalográfico e de moderada ou nenhuma alteração do comportamento. |
O estudo da problemática dos epilépticos no ambito do trabalho envolve a análise de situações interligadas e inseparáveis referentes à epilepsia em si, ao indivíduo epiléptico e ao comportamento do próprio mercado de trabalho. |
As diversas formas de epilepsia, com suas múltiplas etiologias, tem em comum a crise epileptica e o estigma. Embora a epilepsia possa ser contestada como entidade clínica definida - uma vez que alguns autores a consideram uma síndrome - seu caráter estigmatizante é undubitavelmente por todos reconhecido e jamais questionado. |
Ao epiléptico é imputada uma incapacidade e, deste modo, o estigma da epilepsia - questão cultural tecida por mitos e crenças - reduz suas aspirações de vida, aumentando tanto suas auto exigencias quanto sua auto depreciação. |
O trabalho ocupa lugar central na dinâmica da sociedade moderna. Dessa forma, os controles culturais desfavoráveis ao ajustamento do epiléptico dificultam-lhe o acesso ao mercado de trabalho, a ascenção social, contribuindo para seu isolamento e exarcebando ou desencadeando patologias psicossociais. |
Algumas ocupações são de praxe consideradas impróprias para os epilépticos: |
bombeiros, policiais, vigias solitários, instrutor de natação e salva-vidas, babás, enfermagem, cirurgia, dirigir veículos motorizados, serviçoes militares, trabalhos em altitudes entre outras. |
Vários são os motivos frequentemente alegados por alguns empregadores ao recusarem os epilépticos: |
- medo de que as crises causem acidentes; |
- suposição de que os epilepticos tem menor capacidade de trabalho, e baixa produtividade; |
- crença de que o absenteísmo é maior entre os epilépticos; |
- receio de que as crises no local de trabalho gerem intranquilidade nos demais empregados; |
Em última instancia, é o peso do estigma que se faz presente, nesses casos, no momento de decidir a contratação e a demissão dos epilépticos. |
A respeito desse tema, o ilustre professor Dr. Genival Veloso de França, bacharel em Direito, professor titular de Medicina Legal nos cursos de Medicina e Direito da UFPB, e de quem tive a honra de ser aluno nos anos 80 assim se refere: |
"quando se afirma que um epilético não é uma pessoa inválida, quando se lhe nega a condição de inimputável ou quando se clama pela sua potencialidade laborativa, é para resgatar sua dignidade e sua cidadania, no conjunto dos homens e das mulheres quase naufragados na luta desesperada pela sobrevivencia, mas que não abrem mão dos seus anseios e dos seus sonhares. |
Restituir-lhes a dignidade, para que os jovens trabalhadores e para os que estão saindo de nossas Universidades, mesmo sendo portadores de crises convulsivas, não sejam discriminados nesse mercado de trabalho tão estreiro e tão ávaro. Toda discriminação é injusta e grave. |
Os ataques de convulsão acabrunham, deprimem e magoam, principalmente ante a repugnância ostensiva ou o afastamento disfarçado. Mas, o epiléptico vai ter de assumir essa condição e entender que as crises não são diferentes se ocorrerem no banheiro de suas casas, na via pública ou no local de trabalho. Bastará uma tomada de consciencia. O epiléptico não é uma pessoa nem melhor nem pior que as outras. Tem as mesmas qualidades e os mesmos defeitos. |
A epilepsia, principalmente a de crises esporádicas, não é caso de invalidez nem de aposentadoria definitiva". |
Esse belo raciocínio, próprio dos gênios, está contido no livro "PARECERES", do ilustre mestre. |
É pena ver no cotidiano atitudes tão distantes desse pensamento. Pessoas com epilepsia controlada querem a todo custo ser consideradas incapazes para receberem benefícios da PREVIDENCIA SOCIAL. E muitas vezes com aval de alguns médicos (http://www.sertaoinformado.com.br/conteudo.php?id=29173&sec=COLABORADORES&cat=Sandro%20Soares)." |
Enfim, somente em caso de trabalhos de risco, com manuseio de instrumentos cortantes, trabalho de motorista ou em ambiente de altura, há vedação ao trabalho.
A autora é pessoa jovem e tem tempo e oportunidade para terminar seus estudos e buscar uma ocupação compatível com sua condição.
A situação da autora, assim, não se subsume à regra do artigo 20, § 2º, da LOAS (vide tópico IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, supra).
Numa sociedade sedenta de prestações sociais do Estado, mas sem mínima vontade de contribuir para o custeio do sistema de seguridade social, é preciso realmente discriminar quais são os casos que configuram "necessidades sociais".
Pois a assunção desmedida, pelo Estado, de atribuições cabíveis à própria sociedade, vai de encontro ao objetivo de garantir o desenvolvimento nacional (artigo 3º, II, da Constituição Federal), à medida que ocorre o extravasamento dos limites das possibilidades financeiras do sistema de seguridade social, gerando toda sorte de distorções.
Diante do exposto, não conheço do agravo interno interposto pelo MPF, conheço do agravo interno da parte autora e lhe nego provimento.
É o voto.
Rodrigo Zacharias
Juiz Federal Convocado
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| Data e Hora: | 16/08/2018 19:06:29 |
