
| D.E. Publicado em 03/05/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora para reconhecer o labor rural desempenhado no período de 14/02/1969 a 30/08/1986, dando os honorários advocatícios por compensados entre as partes, ante a sucumbência recíproca, mantendo, no mais, íntegra a r. sentença de 1º grau de jurisdição, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000723-54.2006.4.03.6122/SP
RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta por JOÃO BATISTA DE LIMA, em ação previdenciária movida em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando, alternativamente, a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição/serviço, mediante o reconhecimento de trabalho rural exercido, sem registro em CTPS, mais períodos de trabalho urbano, incontroversos, ou aposentadoria por invalidez ou, então, benefício de amparo social.
A r. sentença de fls. 311/315 julgou improcedentes os pedidos. Deixou de condenar o autor, por ser beneficiário da justiça gratuita, ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, bem como periciais. Custas ex lege.
Em razões recursais de fls. 327/335, pugna a parte autora pela reforma da sentença, pela procedência da ação, para que seja reconhecido, em favor do requerente, o período de labor rural - tal como pretendido na exordial, de 01/09/1954 a 30/08/1986 - sob o fundamento de que há provas - tanto materiais quanto testemunhais - para tanto nos autos. Por conseguinte, requer a aposentadoria por tempo de serviço/contribuição. Demais disso, alega, ainda, ter também implementado todos os requisitos legais necessários à aposentadoria por invalidez ou ao auxílio-doença. Por fim, pede pela inversão do ônus da sucumbência, condenando-se o INSS ao pagamento de honorários advocatícios, da ordem de 20% (vinte por cento) sobre o valor total da condenação.
Contrarrazões da Autarquia Securitária às fls. 339/340.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal, pelo desprovimento do apelo (fls. 348/350).
É o relatório.
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
De início, em sede preliminar, destaco que a discussão na presente esfera deve-se ater aos limites estabelecidos no recurso interposto, que versou apenas sobre (i) pedido de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, com o consequente reconhecimento de período de trabalho rural, e (ii) pedido de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença.
Da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição:
Primeiramente, de se frisar também que, quanto a este tópico, a matéria controvertida nestes autos se refere ao período de labor rural do autor, a ser reconhecido (ou não), nos termos da exordial (de 01/09/1954 a 30/08/1986), bem como se o apelante faz ou não jus, por conseguinte, ao benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição.
De se notar, ademais, que os períodos previamente reconhecidos em sede administrativa, pela Autarquia requerida, ora apelada, como de trabalho campesino, quais sejam: a-) de 01/01/1960 a 31/12/1960; b-) de 01/01/1962 a 31/12/1962 e c-) de 01/01/1965 a 31/12/1965 (fls. 177/180), desde já são considerados incontroversos, devendo ser, portanto, devidamente averbados em favor do autor, para todos os efeitos, com exceção de cômputo de prazo de carência, já que não há registro de contribuições previdenciárias.
Quanto a tal questão, o recurso da parte autora comporta conhecimento e parcial provimento. Senão, vejamos:
O art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal. Nesse sentido foi editada a Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça:
A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade daquela. Esse o raciocínio que prevalece nesta Eg. 7ª Turma e no Colendo STJ:
Observo, ainda, que tais documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
Consigne-se, também, que o C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP nº 1.348.633/SP, adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil, assentou o entendimento de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material, desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
É pacifico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento das contribuições para fins de obtenção de benefício previdenciário, desde que a atividade rural tenha se desenvolvido antes da vigência da Lei nº 8.213/91, como se pode observar nos seguintes precedentes:
Do compulsar dos autos, pois, verifico que constitui início razoável de prova material da atividade campesina exercida pelo requerente:
a-) Cópia de Título Eleitoral do autor, emitido em 13/06/1960, em que consta qualificado como "lavrador" (fl. 106);
b-) Cópia de sua Certidão de Casamento, ocorrido em 06/01/1962, em que aparece qualificado como "lavrador" (fl. 105);
c-) Cópia de Certidão de Nascimento de Geremias Pereira de Lima, filho do ora apelante, de 23/08/1965, em que este último também resta qualificado como "lavrador" (fl. 107);
d-) Cópia de Certidão de Nascimento de Gislaine Pereira de Lima, filha do interessado, de 29/05/1970, em que este último também resta qualificado como "lavrador" (fl. 108);
e-) Cópia de Certidão de Nascimento de Levi Pereira de Lima, filho do ora apelante, de 27/03/1977, em que este último também resta qualificado como "lavrador" (fl. 109);
f-) Cópia de Certidão emitida pela Secretaria de Negócios da Fazenda do Estado de SP, em que consta o nome do apelante como "produtor rural", a partir de 24/05/1971 (fl. 113);
g-) Notas fiscais de produtor rural em nome do autor, de 01/06/1971 (fl. 114) e de 23/02/1972 (fl. 115);
h-) Cópia de Certificado de Dispensa de Incorporação, datado de 14/01/1971, em que também o autor consta como "lavrador" (fl. 116); e
i-) Título de "Prêmio de Produtividade Rural", recebido pelo autor, em 20/09/1983, "pelo seu desempenho no setor agropecuário." (fl. 117).
Desta feita, há indícios suficientes, in casu, à configuração do exigido início de prova material, parcialmente corroborada por idônea e segura prova testemunhal, colhida em audiência realizada em 26/09/2007.
Alexandrino Feitosa Torres, primeira testemunha do autor, às fls. 292/293, quando inquirido em Juízo, respondeu: "conheço o autor desde 1969, de Queiroz/SP, ele se mudou para Queiroz vindo da região de Arco-Íris/SP, ele morava na fazenda Recreio, eu era administrador da fazenda Sta. Izabel, distante 14 quilometros... ...na fazenda Recreio o autor tocava lavoura de amendoim e algodão, em arrendamento... ...ficou mais ou menos 7, 8 anos nessa fazenda e se mudou para o sítio São José, em Queiroz/SP; trabalhava com arrendamento de amendoim, milho e algodão... ...daí se mudou para a cidade, trabalhando como boia fria, não sei dizer para quais patrões o autor trabalhou." (g.n.)
José Francisco da Silva, inquirido às fls. 294/295, por derradeiro, disse: "conheço o autor desde 1969, ele trabalhava na fazenda Recreio; eu trabalhava como barbeiro na cidade e ele cortava cabelo comigo; na fazenda Recreio o autor plantava amendoim, feijão e milho, não sei dizer em que regime de trabalho, mas sei que ele trabalhava na roça; o autor falava que trabalhava só, com a ajuda da esposa, não tinha empregados; o autor ficou por 07 anos e se mudou para o Sítio São José, onde permaneceu por 10 anos; o autor plantava lavoura de milho e feijão; não tinha empregados; eu cheguei a passar em frente às fazendas, que ficam à beira da estrada e vi o autor trabalhando; depois o autor veio morar em Queiroz; em Queiroz ele trabalhou como boia fria e na Prefeitura..."
Como se vê, portanto, a prova oral reforça o labor campesino durante grande parte do período pleiteado na exordial, podendo-se, destarte, reconhecer parcialmente o pleito do requerente, ora apelante, desde 14/02/1969 (quando alega ter iniciado os trabalhos campesinos na fazenda Recreio, em Queiroz/SP) até 30/08/1986 (termo final, conforme requerido na peça vestibular).
Assim sendo, à vista do conjunto probatório juntado aos autos, reconheço o labor rural desempenhado no período de 14/02/1969 a 30/08/1986.
Nesta senda, conforme planilha anexa, somando-se o interregno de labor rural ora reconhecido (de 14/02/1969 a 30/08/1986) ao tempo de atividade incontroverso nestes autos, verifica-se que até a data do requerimento administrativo (10/08/2005 - fl. 177), o autor contava somente com 26 anos e 08 meses e 17 dias de serviço, tempo este insuficiente para o implemento da aposentadoria por tempo de serviço.
Ainda, como se não bastasse, de se fazer por ora menção ao r. parecer do membro do Parquet oficiante no feito (fls. 349/350), in verbis: "Com relação ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, observa-se, igualmente, que não logrou o autor comprovar o preenchimento de um dos requisitos necessários à sua concessão, qual seja, o do cumprimento do período de carência mínimo (artigo 25, II, da Lei nº 8.213/91). Dos 180 meses de contribuição previstos em lei, de acordo com o documento de fls. 171, foram vertidas menos de 70 contribuições."
Da aposentadoria por invalidez/auxílio-doença:
A cobertura do evento invalidez é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II da Seguridade Social, no art. 201, I, da Constituição Federal.
Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário da aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que tiver cumprido o período de carência exigido de 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência.
Ao passo que o auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência, que tiver cumprido o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
O ato de concessão ou de reativação do auxílio-doença deve, sempre que possível, fixar o prazo estimado de duração, e, na sua ausência, será considerado o prazo de 120 (cento e vinte) dias, findo o qual cessará o benefício, salvo se o segurado postular a sua prorrogação (§11 do art. 60 da Lei nº 8.213/91, incluído pela Medida Provisória nº 767, de 2017).
Independe de carência a concessão dos benefícios nas hipóteses de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
Cumpre salientar que a patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime, não impede o deferimento dos benefícios se tiver decorrido a inaptidão de progressão ou agravamento da moléstia.
Ademais, é necessário para o implemento dos beneplácitos em tela, revestir-se do atributo de segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a sua situação, nos termos do art. 15 da Lei, a saber:
É de se observar, ainda, que o §1º do artigo supra prorroga por 24 (vinte e quatro) meses tal lapso de graça aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses.
Por fim, saliente-se que havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar com 6 (seis) contribuições mensais, a partir da nova filiação à Previdência Social, para efeitos de carência, para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez (art. 27-A da Lei nº 8.213/91, incluído pela Lei nº 13.457, de 2017).
Do caso concreto.
No que tange à incapacidade, o profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em exame pericial realizado em 03 de maio de 2007 (fls. 268/283), consignou o seguinte:
"O autor tem 66 anos de idade, baixa escolaridade, é hipertenso, em tratamento ambulatorial há dois anos, e portador de déficit visual (olho direito). Veio à consulta sozinha, não aparentando dificuldades maiores para o exercício das atividades cotidianas. Locomove-se sem dificuldades, sem a ajuda de terceiros. Do ponto de vista clínico, não foram detectados maiores problemas maiores, além de Hipertensão Arterial Sistêmica, que ainda não apresenta alterações significativas sobre os chamados órgãos-alvo (cérebro, rins e coração).
A perda ou o déficit da acuidade visual de apenas um olho incapacita o individuo, mas não o torna inválido. É de domínio público o reconhecimento deste fato. A história registra de maneira incontestável esta afirmação. Piratas, comandantes de exército, homens públicos, trabalhadores nas mais diversas áreas, podem e devem continuar exercendo atividades laborativas. É claro que não se espera destes indivíduos que sejam pilotos de jatos comerciais, motoristas de ônibus, atiradores de elite, etc.
Feitas estas considerações, pode-se considerar o autor parcial e definitivamente incapaz para algumas atividades laborativas específicas" (sic).
Assevero que da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames ou quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão, salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
Saliente-se que a perícia médica foi efetivada por profissional inscrito no órgão competente, o qual respondeu aos quesitos elaborados e forneceu diagnóstico com base na análise de histórico da parte e de exames complementares por ela fornecidos, bem como efetuando demais análises que entendeu pertinentes, e, não sendo infirmado pelo conjunto probatório, referida prova técnica merece confiança e credibilidade.
Em consonância com a prova técnica, tenho que o demandante pode realizar diversas atividades laborais, dentre as quais, inclusive, aquelas que já desempenhou ao longo de sua vida: "rurícola" e "assessor de planejamento" (fl. 27).
Dessa forma, não reconhecida a incapacidade absoluta para o labor, requisito indispensável à concessão de aposentadoria por invalidez e de auxílio-doença, como exigem os já citados artigos 42 e 59 da Lei 8.213/91, também resta inviabilizada a concessão destes beneplácitos.
Com relação ao ônus sucumbencial, constata-se que a parte autora se sagrou vitoriosa de parte do seu pedido de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição (reconhecimento de trabalho rural). Por outro lado, com relação à concessão do benefício em si, bem como da aposentadoria por invalidez e de benefício assistencial, a demanda foi julgada improcedente, restando nesses pontos vencedora a autarquia.
Assim, de rigor a compensação dos honorários advocatícios entre as partes, nos termos do art. 21 do CPC/1973, vigente à época de sua prolação, bem como a não condenação de qualquer delas no reembolso das custas e despesas processuais, já que a parte autora é beneficiária da justiça gratuita e o INSS delas isento.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação da parte autora para reconhecer o labor rural desempenhado no período de 14/02/1969 a 30/08/1986, dando os honorários advocatícios por compensados entre as partes, ante a sucumbência recíproca, mantendo, no mais, íntegra a r. sentença de 1º grau de jurisdição.
É como voto.
Desembargador Federal
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