
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006202-26.2021.4.03.6183
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANTONIO ALVES DE OLIVEIRA
Advogado do(a) APELADO: IVETE QUEIROZ DIDI - SP254710-A
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006202-26.2021.4.03.6183
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANTONIO ALVES DE OLIVEIRA
Advogado do(a) APELADO: IVETE QUEIROZ DIDI - SP254710-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação ajuizada em 25/05/2021, que tem por objeto a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença previdenciários, a partir do requerimento administrativo (17/10/2019), com pedido de tutela de urgência.
O feito foi sentenciado em 18/05/2023. O pedido foi julgado parcialmente procedente, para conceder auxílio-doença ao autor, a partir do requerimento administrativo (04/02/2021). Sobre as prestações em atraso determinou-se a incidência de correção monetária nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal e de juros de mora, na forma da Lei nº 11.960/2009. Honorários advocatícios foram arbitrados em 20% sobre o valor da condenação. Não se condenou o INSS em custas judiciárias. Deferiu-se ao autor tutela provisória de evidência para a imediata implantação do benefício.
O INSS interpôs apelação. Nas razões desfiadas, sustenta não ter ficado comprovada incapacidade de acordo com a conclusão pericial. Aponta a ausência de fundamentação adequada da sentença. Subsidiariamente, requer a observância da prescrição quinquenal; que a parte autora seja intimada a firmar e juntar aos autos a autodeclaração de não cumulação prevista no anexo I da Portaria INSS nº 450/2020 e EC nº 103/2019; a intimação do autor para que renuncie ao que exceder do valor de alçada do Juizado Especial; a modificação nos honorários advocatícios da sucumbência; a isenção de custas e outras taxas judiciárias; o desconto dos valores pagos administrativamente a título de benefício inacumulável e deferimento da cobrança de valores pagos por força de tutela antecipada revogada.
Sem contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006202-26.2021.4.03.6183
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANTONIO ALVES DE OLIVEIRA
Advogado do(a) APELADO: IVETE QUEIROZ DIDI - SP254710-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Não se conhece de alegações recursais totalmente divorciadas dos termos da decisão atacada, lançadas genericamente e sem correspondência ao que foi decidido (isenção de custas, v.g.), ao abrigo de pretensa eventualidade, porque descumprem o disposto no artigo art. 1.010, III, do CPC.
Dessa maneira, conhece-se parcialmente do recurso.
Passo ao seu exame, relativamente à parte conhecida.
Inicialmente, dos autos não se extrai a propalada nulidade da sentença por ausência de fundamentação.
A sentença adotou as conclusões do laudo pericial, uma e outro fundamentados, como exige o artigo 93, IX, da CF e art. 489 do CPC. Não se confunde fundamentação sucinta com ausência de fundamentação. Discordância da parte quanto à fundamentação adotada na sentença não é o mesmo que ausência de fundamentação (STJ, EDcl no REsp 1.816.457/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, DJe de 18/05/2020; AREsp 1.362.670/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, DJe de 31/10/2018; REsp 801.101/MG, Rel. Ministra Denise Arruda, DJe de 23/04/2008).
No mais, insurge-se o INSS, aos influxos do presente recurso, contra o auxílio-doença em primeiro grau.
O artigo 59 da Lei nº 8.213/91 dá regramento à matéria, nos seguintes termos:
“Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos” (grifos apostos).
A EC 103/2019 rebatizou o benefício que se tem em apreço, passando a chamá-lo de auxílio por incapacidade temporária.
Eis, portanto, os requisitos que no caso se exigem: (i) qualidade de segurado; (ii) carência de doze contribuições mensais (artigo 25, I, da Lei nº 8.213/91), salvo quando legalmente inexigida; (iii) incapacidade parcial ou temporária para o exercício de atividade profissional e (iv) surgimento da patologia após a filiação do segurado ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS, exceto se, cumprido o período de carência, a incapacidade advier de agravamento ou progressão de doença ou lesão (§1º do preceptivo legal transcrito).
Percebo que o autor, nascido em 16/08/1963 (ID 277626381 – Pág. 1), esteve em gozo de sucessivos auxílios-doença previdenciários nos períodos compreendidos entre 16/04/2003 e 07/07/2003, de 25/01/2006 a 24/11/2006, de 05/03/2007 a 09/01/2008, de 29/05/2008 a 29/05/2008, de 08/07/2009 a 18/07/2011, de 04/08/2011 a 10/02/2012 e de 02/03/2014 a 30/04/2015. Desfrutou também de auxílio-doença por acidente do trabalho entre 19/06/2012 e 20/06/2018 (ID 277626402 e 277626416).
Perícias médicas feitas pelo INSS constataram no autor as seguintes enfermidades: “dorsalgia – CID M54”, “outros transtornos especificados de discos intervertebrais – CID M518”, “transtornos de discos torácicos, toracolombares e lombossacros – CID M51”, “outras espondiloses com mielopatia – CID M471”, “transtorno de disco cervical com mielopatia – CID M500”, “mielopatia – CID G99.2”, “dor lombar baixa – CID M545”, “transtornos de discos lombares e de outros discos intervertebrais com radiculopatia – CID M511”, “lumbago com ciática – CID M544”, “síndrome do manguito rotador – CID M751” (ID 277626414). O INSS fixou DIDs em 1º/01/2002 e 20/04/2003 e a DII em 25/01/2006, 05/03/2007, 29/05/2008, 08/07/2009, 04/08/2011, 19/06/2012 e 02/03/2014.
O autor aviou novos pedidos de benefício por incapacidade previdenciário em 17/10/2019 e 04/02/2021. Aludidos pleitos foram indeferidos, porquanto inverificada incapacidade do autor para o trabalho ainda na seara administrativa (ID’s 277626391 e 277626418).
Inconformado, o autor intentou a presente ação em 25/05/2021. Em suas dobras, observado o devido processo legal, exame médico-pericial foi levado a efeito em 05/11/2021 (ID 277626451), por especialista em Medicina do Trabalho e Pediatria, consoante consulta ao sítio eletrônico do Conselho Federal de Medicina.
Os achados revelam que o autor – ajudante de expedição em frigorífico e com escolaridade correspondente ao ensino médio incompleto – padece de lombociatalgia (CID M54-4), outros transtornos degenerativos de discos intervertebrais (CID M51.9), poliartrose (CID M15-0), osteofitose (M25-7) e bursite no ombro (CID M75-5).
No exame físico, a perícia não encontrou anormalidades. Nela ficou anotado:
“EXAME CLÍNICO ESPECÍFICO CONFORME ALEGAÇÕES NA LIDE:
-EXAME FÍSICO ESPECIAL DOS MEMBROS SUPERIORES: -REGIÃO Ombro/Braço: Inspeção -sem aumento de volume das articulações acrômio-clavicular, sem desvios, , pele de textura normal , Postura normal, sem atrofias, sem assimetrias – - Sem Cicatrizes -Palpação: Temperatura normal , sem nódulos , COM Crepitação da articulação acrômio-clavicular dos ombros bilateralmente. -Clavícula: normal. Acrômio: normal -Grande tuberosidade do úmero: normal. Axila: normal. -Bolsa sub-acromial: sem dores referidas à pressão da Bursa. -Deltóide: normal. Palpação do epicôndilo lateral do úmero nl. Palpação do epicôndilo medial do úmero nl. Palpação da porção longa do tríceps nl. Palpação da porção medial do tríceps nl. Palpação do bíceps nl. -Movimentos: normais dos Ombros à: Abdução, Adução, Flexão, Extensão, Rotação interna, Rotação externa. -QUEDA DOS BRAÇOS: negativo (sem ruptura do manguito rotador). - Força muscular dos braços bilateralmente: Normal. Manobras dos Ombros: todas negativas à(ao): -Teste de Neer -Teste de Patte: -Manobra de Yocum - -Teste de Apley –- -Teste de Colisão - -Teste de Jobe – -Teste de Guerber -Teste de Yergason.
EXAME ESPECIAL DA COLUNA VERTEBRAL: 1-Inspeção -Estática : coluna vertebral desalinhada, com desvio na região tóraco-lombar -Marcha – dinâmica normal. -Postura normal -Outros Segmentos vertebrais (cervical, e sacral) – Sem alterações, Sem Deformidades. 2-Palpação -Amplitude de movimentos: ativo e passivo; normais -Hiperestesia ou Hipoestesia – ausentes. -Tônus muscular – normal. -Percussão e palpação INDOLOR em todo o trajeto da coluna vertebral. -Sem contratura paravertebral -Exame da Coluna cervical: -Inspeção: sem aumento de volume, SEM DEFORMIDADES, sem cicatrizes, pele de textura normal. -Palpação: temperatura normal, sem nódulos. -Músculo esternocleidomastoideo: sem anormalidades. -Ligamento nucal posterior: sem anormalidades. -Musculo trapézio: sem anormalidades. -Movimentos da Coluna cervicalFlexão: normal. Extensão: normal. Rotação: normal. Lateralização: Direita: normal. Esquerda: normal. -Manobra de Spurling – -Manobra de Valsalva.
– Exame da Coluna Lombar: -INSPEÇÃO – Retificação da coluna lombar. Sem Cicatriz. -INSPEÇÃO DINÂMICA – -Flexão – normal. -Teste De Schober – aumento de 6 cm na flexão máxima, tendo como parâmetro a vértebra L5. (Normal maior que 6 cm). -Extensão Normal. -Inclinação lateral Normal. -Rotação Normal. -MANOBRAS ESPECIAIS: todas negativas à(ao): -Sinal de Laségue – -Teste de elevação da perna reta – -Teste de Braggard: -Teste sentado de Lasegue : -Teste de Milgran -Manobra de Valsalva: -Sinal de Hoover – -Elevação bilateral dos membros – sem dor lombar a 60°. -Circunferência das panturrilhas- sem assimetrias. -Circunferência das Coxas – sem assimetrias. -Não se observa atrofias importantes de um membro em relação ao outro. -Escanometria: Comprimento dos membros inferiores: sem assimetrias REFLEXOS NEURAIS: -Patelar – presente bilateralmente. -Aquileu – presente bilateralmente. -Reflexo Cutâneo Abdominal – presente bilateralmente. -Reflexo Plantar normal. -Sensibilidade normal em ambos os MMIIs -Força muscular – normal.
EXAME FÍSICO ESPECIAL DOS JOELHOS – 1-Inspeção dos Membros Inferiores: Sem Atrofias Sem Deformidades Sem Cicatrizes. 2-Palpação: sem sinais flogísticos nas faces medial, lateral, anterior e posterior dos joelhos; sem crepitação; sem edemas. 3-Mobilidade (amplitude dos movimentos). -Sem Dor à manipulação. -Flexão – sem restrição. -Extensão – sem restrição. 4- Manobras específicas nos Joelhos: -Teste de agachamento (condromalacia) – negativo. -Teste de força – normal. ASSIM, NÃO SE evidenciam ao exame físico pericial, alterações funcionais OU limitantes nos OMBRO; nem na COLUNA VERTEBRAL CERVICAL, TORÁCICA, e LOMBAR E NEM NOS MEMBROS INFERIORES do(a) Autor(a) – (Vide laudo: EXAME CLÍNICO ESPECÍFICO CONFORME AS ALEGAÇÕES NA INICIAL)” (ID 277626451 – Págs. 6/9).
Explicou o senhor Perito:
“Na atualidade, não se verificou, durante o exame médico pericial, a existência de limitações físicas nem prejuízos funcionais. Encontra-se em independência completa, e todas as atividades lhe são possíveis sem qualquer ajuda externa, com segurança e em temo razoável em comparação com uma pessoa hígida de mesma faixa etária. Consegue locomover-se, alimentar-se, higienizar-se, banhar-se, cuida da própria aparência, veste-se, usa sanitário e tem pleno controle urinário e fecal. Integra-se socialmente, compreende e se expressa, resolve problemas e tem memória preservada. Não há, nas cópias dos prontuários médicos acostados, documentação médico-legal objetiva que permita fazer outras considerações” (ID 277626451 – Pág. 9).
“A Perícia Médica Judicial, por sua vez, seguiu os desdobramentos apontados neste laudo, assim concluindo: -QUE O(A) AUTOR(A) APRESENTOU QUADRO DE ALTERAÇÕES OSTEOMUSCULARES INCAPACITANTES NOS PERÍODOS DE CONCESSÃO DE BENEFICIOS PREVIDENCIÁRIOS -DESTA FEITA SEU QUADRO MÉDICO ATUAL, NÃO O(A) IMPEDE DE EXERCER REGULARMENTE SUA ATIVIDADE PROFISSIONAL ESPECÍFICA, OU AQUELA QUE ABRANGE DIVERSAS ATIVIDADES PROFISSIONAIS CORRELATAS. -NÃO HÁ INCAPACIDADE LABORATIVA DO AUTOR NESTA LIDE, NÃO FAZENDO JUS À QUALQUER BENEFICIO PREVIDENCIÁRIO DE ACORDO COM CLASSIFICAÇÃO NA LEI ACIDENTÁRIA VIGENTE, E NEM A CONVERSÃO PARA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ” (ID 277626451 – Pág. 10).
Razão pela qual concluiu:
“A DOENÇA DO(A) AUTOR(A) NÃO ESTÁ RELACIONADA AO TRABALHO E NÃO PROMOVE INCAPACIDADE LABORAL AO AUTOR. (...) Na atualidade, não se verificou, durante o exame médico pericial, a existência de limitações físicas nem prejuízos funcionais” (ID 277626451 – Pág. 9).
Pesem embora as conclusões médico-periciais, o quadro de patologias ortopédicas que acometem o autor e que geraram os 8 (oito) auxílios-doença anteriores no período entre 2003 e 2018 é exuberante.
Não suficiente, o autor trouxe a lume atestados médicos emitidos por especialista em Ortopedia e Traumatologia, passados em 19/06/2018, 03/09/2020, 25/02/2021, 06/04/2021 e 03/05/2021 (ID 277626408), sugerindo afastamento do trabalho por tempo indeterminado, visto estar a padecer de lumbago com ciática (CID M544), transtorno não especificado de disco intervertebral (CID M519), osteoartrose primária generalizada (CID M150), osteofito (CID M257), mialgia (CID M79.1), epicondilite lateral (CID M77.1), síndrome do manguito rotador (CID M75.1), bursite no ombro (CID M75.5), artrose primária de outras articulações (CID M190), transtorno não especificado de disco intervertebral (CID M519), transtornos de discos lombares e de outros discos intervertebrais com radiculopatia (CID M51.1), ciática (CID M54.3) e dor na coluna torácica (CID M54.6).
Dispõe o art. 479 do CPC que “O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito”.
Colhe-se com proveito, a esse respeito, jurisprudência desta Corte:
"PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA PARCIAL DE INTERESSE RECURSAL. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO CONFIGURADO. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA). STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.472/93, SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE DA MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. SITUAÇÃO DE RISCO COMPROVADA. RENDA FAMILIAR TIDA COMO INEXISTENTE. RENDA PER CAPITA DE FATO INFERIOR À METADE DO SALÁRIO MÍNIMOS. RENDIMENTOS TOTAIS DE FATO NO LIMITE DOS DISPÊNDIOS. NÚCLEO FAMILIAR FORMADO POR TRÊS PESSOAS, DAS QUAIS DUAS COM MAIS DE SESSENTA ANOS E UMA CRIANÇA. CONDIÇÕES DE HABITABILIDADE INSATISFATÓRIAS. MÍNIMO EXISTENCIAL NÃO GARANTIDO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DEMONSTRADA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DEVIDO. DIB. DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. PRECEDENTE. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 85, §11, CPC. APELAÇÃO DO INSS CONHECIDA EM PARTE E, NA PARTE CONHECIDA, DESPROVIDA. ALTERAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE APLICAÇÃO DA CORREÇÃO MONETÁRIA E DOS JUROS DE MORA E MAJORAÇÃO DA VERBA DE ADVOGADO DE OFÍCIO. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE.
(...)
8 - A profissional médica indicada pelo Juízo a quo, com base em exame realizado em 12 de dezembro de 2020, quando a demandante possuía 65 (sessenta e cinco) anos, a diagnosticou com “tendinopatia de ombro”. Assim sintetizou o laudo: “Mediante o estudo do processo e evidências do exame pericial, conclui-se que a periciada apresenta uma incapacidade parcial e definitiva para atividades laborativas de esforço e sobrecarga, com início da incapacidade constatada nesta data de consulta pericial”.
9 - O juiz não está adstrito ao laudo pericial, nos termos do que dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
10 - Ainda que o laudo tenha indicado que a autora poderia exercer atividades de natureza leve, se afigura pouco crível, à luz das máximas da experiência, subministradas pelo que ordinariamente acontece no dia a dia (art. 375, CPC), que, quem sempre desempenhou trabalhos domésticos (“dona de casa”), e que contava, à época da DER, com mais de 63 (sessenta e três) anos de idade, iria conseguir, após reabilitação, capacitação e treinamento, recolocação profissional em outras funções.
11 - Inequívoco, portanto, o preenchimento do requisito impedimento de longo prazo".
(...)
(TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5034926-04.2022.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO, julgado em 22/03/2023, Intimação via sistema DATA: 23/03/2023)
De fato, embora nas demandas previdenciárias em que se vise a benefício por incapacidade o laudo pericial constitua prova de capital importância, o juízo não está vinculado a suas conclusões, podendo embasar seu convencimento nas demais provas constantes dos autos, nos moldes dos artigos 479 e 371 do CPC, mencionados.
Do conjunto da prova tira-se que faz muito o autor encontra-se incapacitado para suas atividades habituais, segundo o INSS mesmo chegou a reconhecer ao lhe conceder sucessivos auxílios-doença entre 2003 e 2018.
Como visto, o autor (atualmente com 61 anos de idade) vem doente desde 2003 (primeira concessão do auxílio-doença). Não se recuperou dos transtornos discais com radiculopatia (para esta, segundo a literatura médica, os sintomas incluem dor severa e constante, dormência e formigamento extensos, fraqueza muscular severa e possível perda de função dos membros afetados). Dita enfermidade, ao contrário, só se agravou. É ela francamente incompatível com o exercício das ocupações de ajudante de expedição em frigorífico, cujas atividades consistem em despachar mercadorias (separação, empacotamento e carregamento de produtos para transporte) e motorista (informado na última perícia do INSS - ID 277626414 - Pág. 47), atividades que demandam esforço e posições contraindicadas para a coluna cervical e lombar.
O fato de o autor acusar recolhimentos, como contribuinte individual e facultativo, nos períodos de 1º/08/2012 a 30/09/2012, 1º/04/2013 a 31/03/2014, 1º/01/2020 a 30/06/2020, 1º/07/2020 a 31/07/2020, 1º/08/2020 a 31/12/2020, 1º/01/2021 a 31/03/2021 (consulta ao CNIS) e ter renovado a CNH em 14/12/2020 (ID 277626381), não exclui incapacidade. Não raro acode a necessidade de sobrevivência e o segurado se entrega ao trabalho para supri-la, sacrificando a saúde e agravando sua doença.
Não custa sublinhar que os requisitos qualidade de segurado e carência, que se achavam presentes para o pleito e deferimento dos benefícios por incapacidade anteriores, não se esvaneceram, de vez que conserva qualidade de segurado quem se acha no gozo de benefício (artigo 15, I, da Lei nº 8.213/91) e não a perde por ausência de contribuições quem está incapacitado (STJ, AgRg no REsp n. 1.245.217/SP, 5ª. Turma, Rel. o Min. Gilson Dipp, p. de 20/06/2012).
Desta sorte, o auxílio-doença concedido na sentença, que bem sopesou o caderno probatório, deve ser mantido.
A data de início do auxílio-doença deve recair em 04/02/2021, dia em que foi apresentado o requerimento administrativo do NB 633.911.831-7, uma vez que o plexo probatório produzido conforta essa retroação (STJ, AgInt nos EDcl no REsp nº 2080867 / PB, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, j. 08/04/2024, DJe 11/04/2024; REsp nº 1910344/GO, Segunda Turma, j. 04/10/2022, DJe 10/10/2022, RSTJ vol. 267, p. 358).
Prescrição quinquenal não há, nos termos do artigo 103, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91, se a presente ação foi movida em 25/05/2021, postulando efeitos patrimoniais a partir de 04/02/2021.
Infere-se do CNIS concomitância entre o benefício por incapacidade que se defere e a situação de contribuinte obrigatório ativo, ao longo do período que vai de 1º/01/2021 a 31/03/2021 (recolhimentos como contribuinte individual).
A esse respeito deve ser observado o Tema nº 1.013 do STJ, que deixou assente a “Possibilidade de recebimento de benefício por incapacidade do Regime Geral de Previdência Social de caráter substitutivo da renda (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez) concedido judicialmente em período de abrangência concomitante ao que o segurado estava trabalhando e aguardando o deferimento do benefício”.
Na mesma linha, ainda, preconiza a Súmula 72 da TNU: "é possível o recebimento de benefício por incapacidade durante período em que houve exercício de atividade remunerada quando comprovado que o segurado estava incapaz para as atividades habituais na época em que trabalhou".
Ajusto e esclareço a incidência dos acréscimos legais.
Ao autor serão pagas, de uma única vez, as prestações vencidas desde a data de início do benefício fixada neste julgado, descontando-se o período em que tenha comprovadamente recebido benefício inacumulável, acrescidas de correção monetária, calculada na forma da Lei nº 6.899/81 e legislação superveniente, aplicadas as diretrizes do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
Juros de mora correm da citação, no percentual de 0,5% (meio por cento) ao mês, até a entrada em vigor da Lei nº 10.406/2002 e, a partir de então, à razão de 1% (um por cento) ao mês (artigo 406 do Código Civil). Desde de julho de 2009, incide a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE nº 870.947), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE nº 579.431.
A contar do mês de promulgação da Emenda Constitucional nº 113, de 8/12/2021, a apuração do débito se dará unicamente pela Taxa SELIC, mensalmente e de forma simples, nos termos do disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência da Taxa SELIC cumulada com juros e correção monetária.
Não prospera a alegação do INSS quanto à necessidade de apresentação da “Autodeclaração” prevista no Anexo I, da Portaria INSS nº 450, de 03/04/2020 e artigo 24, §§1º e 2º, da EC nº 103/2019, por se tratar de procedimento a ser realizado unicamente na seara administrativa.
A renúncia expressa aos valores que excedam o teto de 60 (sessenta) salários mínimos na hipótese da Lei nº 9.099/95 não se aplicam ao presente feito, porque tramitou perante a 1ª Vara Previdenciária Federal de São Paulo/SP.
Não é caso de devolução de valores decorrentes de tutela de evidência, porquanto não é caso de revogá-la.
A verba honorária da sucumbência deve ser reduzida a 10% (dez por cento) do valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, consoante § 2º do artigo 85 do CPC, orientação desta Turma e redação da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Considerado o parcial provimento ao recurso interposto pela autarquia, não incide, neste caso, a regra do artigo 85, §§ 1º e 11, do CPC, que determina a majoração dos honorários de advogado em instância recursal (Tema nº 1059 do STJ).
Todavia, na fase de execução, o percentual da verba honorária deverá ser reduzido, se o valor da condenação ou do proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (artigo 85, §§ 3º, I, e 4º, II, do CPC).
Anoto no fecho que, conforme consulta atualizada ao CNIS, o autor está em gozo de auxílio-doença previdenciário NB 635.931.368-9, com DIB em 09/06/2021, por força da tutela de evidência concedida na sentença (ID 277626482).
Ante o exposto, não conheço de parte da apelação do INSS e, na parte admitida, dou-lhe parcial provimento para fixar a verba honorária nos termos da fundamentação.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO PARCIALMENTE CONHECIDA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. LIVRE CONVENCIMENTO. AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE TOTAL E TEMPORÁRIA. TERMO INICIAL. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. AUTODECLARAÇÃO DO INSS. RENÚNCIA AO TETO DO JUIZADO ESPECIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- Não se conhece de alegações recursais totalmente divorciadas dos termos da decisão atacada, lançadas genericamente e sem correspondência ao que foi decidido (isenção de custas, v.g.), ao abrigo de pretensa eventualidade, porque descumprem elas o disposto no artigo art. 1.010, III, do CPC.
- Dos autos não se extrai a propalada nulidade da sentença por ausência de fundamentação. A sentença adotou as conclusões do laudo pericial, uma e outro fundamentados, como exige o artigo 93, IX, da CF e art. 489 do CPC. Discordância da parte quanto à fundamentação adotada na sentença não é o mesmo que ausência de fundamentação (STJ, EDcl no REsp 1.816.457/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, DJe de 18/05/2020; AREsp 1.362.670/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, DJe de 31/10/2018; REsp 801.101/MG, Rel. Ministra Denise Arruda, DJe de 23/04/2008).
- Segundo o artigo 59 da Lei n° 8.213/91, a concessão do benefício de auxílio-doença depende da comprovação dos seguintes requisitos: (i) qualidade de segurado; (ii) carência de doze contribuições mensais (artigo 25, I, da Lei nº 8.213/91), salvo quando legalmente inexigida; (iii) incapacidade temporária para o exercício de atividade profissional e (iv) surgimento da patologia após a filiação do segurado ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS, exceto se, cumprido o período de carência, a incapacidade advier de agravamento ou progressão de doença ou lesão (§1º do preceptivo legal transcrito).
- As conclusões do laudo pericial não vinculam necessariamente o juiz, se este localizar nos autos outros elementos que o persuadam a desconsiderá-las (art. 479 do CPC).
- Malgrado as considerações técnicas lançadas no laudo pericial confeccionado, ficou demonstrado que o autor, vem doente desde 2003, segundo exuberante prova que aportou nos autos. Não se recuperou do transtorno discal, moléstia que, ao revés, vem-se agravando.
- Auxílio-doença concedido na sentença mantido.
- A data de início do auxílio-doença deve recair em 04/02/2021, dia em que foi apresentado o requerimento administrativo do NB 633.911.831-7, uma vez que o plexo probatório produzido nos autos conforta essa retroação (STJ, AgInt nos EDcl no REsp nº 2080867 / PB, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, j. 08/04/2024, DJe 11/04/2024; REsp nº 1910344/GO, Segunda Turma, j. 04/10/2022, DJe 10/10/2022, RSTJ vol. 267, p. 358).
- Prescrição quinquenal não há, nos termos do artigo 103, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91, se a presente ação foi movida em 25/05/2021, postulando efeitos patrimoniais a partir de 04/02/2021.
- Deve-se render observância ao Tema nº 1.013 do STJ e Súmula 72 da TNU.
- Ao autor serão pagas, de uma única vez, as prestações vencidas desde a data de início do benefício fixada neste julgado, descontando-se o período em que tenha comprovadamente recebido benefício inacumulável, acrescidas de correção monetária, calculada na forma da Lei nº 6.899/81 e legislação superveniente, aplicadas as diretrizes do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
- Juros de mora correm da citação, no percentual de 0,5% (meio por cento) ao mês, até a entrada em vigor da Lei nº 10.406/2002 e, a partir de então, à razão de 1% (um por cento) ao mês (artigo 406 do Código Civil). Desde de julho de 2009, incide a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE nº 870.947), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE nº 579.431.
- A contar do mês de promulgação da Emenda Constitucional nº 113, de 8/12/2021, a apuração do débito se dará unicamente pela Taxa SELIC, mensalmente e de forma simples, nos termos do disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência da Taxa SELIC cumulada com juros e correção monetária.
- Acréscimos legais ajustados e esclarecidos.
- Não prospera a alegação do INSS quanto à necessidade de apresentação da “Autodeclaração” prevista no Anexo I, da Portaria INSS nº 450, de 03/04/2020 e artigo 24, §§1º e 2º, da EC nº 103/2019, por se tratar de procedimento a ser realizado unicamente na seara administrativa.
- A renúncia expressa aos valores que excedam o teto de 60 (sessenta) salários mínimos na hipótese da Lei nº 9.099/95 não se aplicam ao presente feito, porque tramitou perante a 1ª Vara Previdenciária Federal de São Paulo/SP.
- Não é caso de devolução de valores decorrentes de tutela de urgência, porquanto não é caso de desconfirmá-la.
- Verba honorária da sucumbência reduzida a 10% (dez por cento) do valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, consoante § 2º do artigo 85 do CPC, orientação desta Turma e redação da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça.
- Considerado o parcial provimento ao recurso interposto pela autarquia, não incide, neste caso, a regra do artigo 85, §§ 1º e 11, do CPC, que determina a majoração dos honorários de advogado em instância recursal (Tema nº 1059 do STJ).
- Todavia, na fase de execução, o percentual da verba honorária deverá ser reduzido, se o valor da condenação ou do proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos.
- Apelação do INSS que se conhece em parte e, na parte admitida, parcialmente provida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
