
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5130381-30.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: NELSON DE JESUS TELES MACHADO
Advogado do(a) APELADO: MARCELO BASSI - SP204334-N
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5130381-30.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: NELSON DE JESUS TELES MACHADO
Advogado do(a) APELADO: MARCELO BASSI - SP204334-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), na qual a parte autora busca o reconhecimento de tempo de serviço especial, com vistas à concessão de aposentadoria especial.
A sentença julgou procedente o pedido, para enquadrar como atividade especial os períodos de 03/04/1984 a 30/06/1989, 04/03/2013 a 08/10/2014, 01/09/1995 a 04/06/1996 e 01/12/1999 a 10/10/2012 e determinar a respectiva averbação e concessão da aposentadoria especial, desde a data do requerimento administrativo. Fixados os consectários.
Inconformada, a autarquia interpôs apelação, na qual impugna os enquadramentos efetuados e requer a improcedência dos pedidos. Subsidiariamente, insurge-se contra o termo inicial do benefício. Prequestiona a matéria para fins recursais.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5130381-30.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: NELSON DE JESUS TELES MACHADO
Advogado do(a) APELADO: MARCELO BASSI - SP204334-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter a seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma; Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em 28/02/2008, DJe 07/04/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997, regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial, pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Superior Tribunal de Justiça (STJ), assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial, independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n. 2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do artigo 543-C do CPC/1973, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
Em relação ao Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n. 9.528/1997, este é emitido com base em laudo técnico elaborado pelo empregador, retrata as características do trabalho do segurado e traz a identificação do profissional legalmente habilitado pela avaliação das condições de trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de atividade sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do tempo.
Neste caso, em relação ao interstício de 03/04/1984 a 30/06/1989, a parte autora logrou demonstrar, via PPP e laudo técnico, o exercício das funções de plantio, carpa e colheita de cana-de-açúcar, atividades que comportam o enquadramento perseguido, nos termos do entendimento firmando nesta Nona Turma, em razão da penosidade e exposição a hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, consoante artigo da Revista Brasileira de Medicina do Trabalho (De Abreu, Dirce et al. A produção da cana-de-açúcar no Brasil e a saúde do trabalhador rural. Revista Brasileira de Medicina do Trabalho, v. 9, n. 2, p. 49-61, 2011. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/72967>.).
No tocante ao período de 01/12/1999 a 01/04/2001, o laudo técnico comprova a exposição habitual e permanente a agentes químicos defensivos agrícolas (glifosato - herbicida organofosforado) - situação que autoriza o enquadramento nos códigos 1.2.6 do anexo dos Decretos n. 53.831/1964 e 83.080/1979, e 1.0.12 do anexo do Decreto n. 3.048/1999.
Nesse sentido: TRF3, APELREEX 00019264020134036111, Desembargador Federal Sergio Nascimento – 10ª Turma, e-DJF3: 5/8/2015; APELREEX 00035154020124036002, Desembargadora Federal Tania Marangoni – 8ª Turma, e-DJF3: 29/4/2015.
Sobre o tema, cabe também destacar que os riscos ocupacionais gerados pela exposição a agentes químicos, em especial os hidrocarbonetos, não requerem análise quantitativa e sim qualitativa (TRF-4 - APELREEX: 50611258620114047100 RS 5061125-86.2011.404.7100, Relator: (Auxílio Vânia) PAULO PAIM DA SILVA, Data de Julgamento: 09/07/2014, SEXTA TURMA, Data de Publicação: D.E. 10/07/2014); (TRF-1- AC: 00435736820104013300 0043573-68.2010.4.01.3300, Relator: JUIZ FEDERAL ANTONIO OSWALDO SCARPA, Data de Julgamento: 14/12/2015, 1ª CÂMARA REGIONAL PREVIDENCIÁRIA DA BAHIA, Data de Publicação: 22/01/2016 e-DJF1 P. 281).
Quanto ao período de 02/04/2001 a 10/10/2012, o PPP e laudo técnico acostados aos autos revelam a exposição habitual e permanente ao agente nocivo “ruído” em níveis superiores aos limites previstos nos decretos regulamentares, o que possibilita o reconhecimento da atividade insalutífera.
Ademais, o labor especial não pode ser afastado em razão da metodologia utilizada para a aferição do ruído. Os registros ambientais constantes dos PPPs, expedido por engenheiro ou médico do trabalho, indicam a metodologia usada para medição, sendo que a fidedignidade das informações está sob a responsabilidade do empregador ou de seu representante legal. Nesse sentido, já decidiu a 3ª Seção deste Tribunal: Ap - APELAÇÃO - 5000006-92.2017.4.03.6114, Rel. Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES, julgado em 21/6/2018, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 28/6/2018.
Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
Por outro lado, quanto aos períodos de 04/03/2013 a 08/10/2014, o PPP e o laudo técnico indicam a exposição ao agente nocivo “ruído” em níveis inferiores ao limite previsto nas normas em comento, situação que não autoriza o enquadramento.
Acrescente-se, em relação aos períodos de 01/09/1995 a 04/06/1996 e 04/03/2013 a 08/10/2014, que o fator de risco “radiação não-ionizante” ou “calor” proveniente de fonte natural, assim como outras intempéries, não é suficiente para se considerar a atividade como de natureza especial.
Ainda, quanto à sujeição da parte autora à postura inadequada (riscos ergonômicos) e riscos de acidente de trabalho, trata-se de fatores de risco não previstos nos decretos regulamentadores como aptos a conferirem caráter insalubre à atividade desenvolvida. Inclusive, o agente ergonômico não legitima a caracterização do trabalho como especial, porque o esforço físico é inerente à profissão, que atua sobre o trabalhador em níveis normais, não autorizando a conclusão de que causa danos à saúde.
Em síntese, entre os períodos controversos, prospera o pleito de reconhecimento da atividade especial somente dos interstícios de 03/04/1984 a 30/06/1989 e 01/12/1999 a 10/10/2012.
Nessas circunstâncias, a parte autora não conta 25 (vinte e cinco) anos de trabalho em atividade especial e, desse modo, não faz jus ao benefício de aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 e parágrafos da Lei n. 8.213/1991.
Cumpre salientar que, no caso dos autos, é inviável a reafirmação da DER para a obtenção de aposentadoria especial, pois seria necessário o reconhecimento da especialidade de período posterior à data do requerimento administrativo (DER 12/09/2017), cujo enquadramento não foi requerido pela parte autora na exordial.
Diante de sucumbência recíproca e da vedação à compensação (art. 85, § 14, da Lei n. 13.105/2015), ficam os litigantes condenados a pagar honorários advocatícios, arbitrados em 5% (cinco por cento) sobre o valor atualizado da causa, consoante critérios do artigo 85 do CPC.
Em relação à parte autora, porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
No que concerne ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade alguma à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto, dou parcial provimento à apelação do INSS para, nos termos da fundamentação: (i) delimitar o reconhecimento da especialidade aos interstícios de 03/04/1984 a 30/06/1989 e 01/12/1999 a 10/10/2012 e determinar a averbação respectiva; (ii) julgar improcedente o pedido de aposentadoria especial; (iii) ajustar os honorários sucumbenciais.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE ESPECIAL CORTE DE CANA-DE-AÇÚCAR. RUÍDO. AGENTES QUÍMICOS. AVERBAÇÃO. NÃO PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
- O enquadramento efetuado em razão da categoria profissional é possível somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995).
- Demonstrada a especialidade em razão do exercício de atividades rurais ligadas ao cultivo e corte de corte de cana-de-açúcar, bem como a exposição habitual e permanente a ruído em nível superior ao limite de tolerância, em parte dos períodos, situações que autorizam o enquadramento requerido. Precedentes.
- Laudo técnico revela a exposição habitual e permanente a agentes químicos defensivos agrícolas (glifosato - herbicida organofosforado) - situação que autoriza o enquadramento nos códigos 1.2.6 do anexo dos Decretos n. 53.831/1964 e 83.080/1979, e 1.0.12 do anexo do Decreto n. 3.048/1999.
- Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
- O fator de risco “radiação não-ionizante” ou “calor” proveniente de fonte natural, assim como outras intempéries, não é suficiente para se considerar a atividade de como de natureza especial.
- A parte autora não faz jus ao benefício de aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 e parágrafos da Lei n. 8.213/1991.
- Diante de sucumbência recíproca e da vedação à compensação (art. 85, § 14, da Lei n. 13.105/2015), ficam os litigantes condenados a pagar honorários advocatícios, arbitrados em 5% (cinco por cento) sobre o valor atualizado da causa, consoante critérios do artigo 85 do CPC. Em relação à parte autora, porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
