
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5081158-06.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: OSCAR DA SILVA
Advogados do(a) APELADO: ALESSANDRO BRAS RODRIGUES - SP143006-N, LORRANA KARLA DE OLIVEIRA MOLINA - SP362285-N, SIMONE APARECIDA ROSA MARTINS LAVESSO - SP194599-N
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5081158-06.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: OSCAR DA SILVA
Advogados do(a) APELADO: ALESSANDRO BRAS RODRIGUES - SP143006-N, LORRANA KARLA DE OLIVEIRA MOLINA - SP362285-N, SIMONE APARECIDA ROSA MARTINS LAVESSO - SP194599-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de tempo de atividade especial, com vistas à concessão do benefício de aposentadoria especial ou aposentadoria por tempo de contribuição à pessoa com deficiência.
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido para: (i) enquadrar como atividade especial os intervalos de 23/4/1982 a 9/4/1984, de 23/5/1984 a 28/10/1984, de 1º/6/1986 a 23/10/1986, de 12/5/1987 a 5/11/1987, de 1º/6/1988 a 15/10/1988, de 6/3/1989 a 2/5/1989, de 9/5/1989 a 29/12/1990, de 3/5/1991 a 6/6/1991, de 11/6/1991 a 8/7/1991, de 9/7/1991 a 5/11/1991, de 3/2/1992 a 28/4/1992, de 4/5/1992 a 12/12/1992, de 4/1/1993 a 7/4/1993, de 1º/7/1993 a 10/12/1993, de 1º/2/1994 a 14/11/1994, de 3/5/1995 a 2/11/1995, de 2/5/1996 a 16/11/1996, de 1º/2/1997 a 17/4/1997, de 22/4/1997 a 7/12/1997, de 21/1/1998 a 20/4/1998, de 22/4/1998 a 14/12/1998, de 18/1/1999 a 31/3/1999, de 5/4/1999 a 10/12/1999, de 17/1/2000 a 28/4/2000, de 2/5/2000 a 13/12/2000, de 15/1/2001 a 19/4/2001, de 23/4/2001 a 12/12/2001, de 21/1/2002 a 7/4/2002, de 10/4/2002 a 12/12/2002, de 21/1/2003 a 16/4/2003, de 22/4/2003 a 1º/12/2003, de 21/1/2004 a 15/4/2004, de 19/4/2004 a 8/11/2017; (ii) conceder ao autor o benefício de aposentadoria especial, a partir da data do requerimento administrativo (DER 8/11/2017), facultada a opção pelo benefício mais vantajoso, fixados os consectários legais.
Inconformada, a autarquia interpôs recurso de apelação, no qual aduz, preliminarmente, a suspensão processual em virtude do Tema n. 1.124 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a atribuição do efeito suspensivo ao recurso, a nulidade da perícia judicial, a competência da Justiça do Trabalho para retificar as informações constantes dos formulários de atividades especiais e dos estudos ambientais e a incidência da remessa oficial. No mérito, alega, em síntese, a impossibilidade dos reconhecimentos especiais efetuados e da concessão do benefício. Subsidiariamente, impugna o termo inicial dos efeitos financeiros da condenação e o desconto, de eventual montante retroativo, dos valores já pagos administrativamente ou de qualquer benefício recebido, ou pelo deferimento de valores pagos a título de tutela antecipada. Prequestiona a matéria para fins recursais.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5081158-06.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: OSCAR DA SILVA
Advogados do(a) APELADO: ALESSANDRO BRAS RODRIGUES - SP143006-N, LORRANA KARLA DE OLIVEIRA MOLINA - SP362285-N, SIMONE APARECIDA ROSA MARTINS LAVESSO - SP194599-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
A remessa oficial não deve ser conhecida, por ter sido proferida a sentença na vigência do atual Código de Processo Civil, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos.
No caso, à evidência, esse montante não é alcançado, devendo a certeza matemática prevalecer sobre o teor da Súmula n. 490 do Superior Tribunal de Justiça.
No mais, não merece acolhida a pretensão do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) de suspensão do cumprimento da decisão por esta relatoria, por não configuradas as circunstâncias dispostas no artigo 995 do Código de Processo Civil (CPC).
Quanto à preliminar de nulidade dos laudos periciais, esta deve ser afastada, pois não há vício algum em sua elaboração.
Cumpre acrescentar que as informações dos peritos merecem credibilidade, ou seja, gozam de fé pública (presunção de veracidade), vale dizer, são aceitas como verdadeiras até que se prove o contrário, o que não ocorreu na hipótese.
Assim, devem ser reconhecidas como corretas as perícias, por serem os peritos imparciais e equidistantes dos interesses das partes litigantes e merecerem, sua análise técnica dos ambientes de trabalho do segurado, fé de ofício.
Apesar de a lei dispor acerca da não obrigatoriedade do juiz ficar adstrito ao laudo pericial para formação de sua convicção, da mesma forma também não o impede de se ater ao termos do laudo; facultando-lhe a escolha dos elementos comprobatórios para firmar sua convicção que pode buscar no laudo e/ou nas demais provas dos autos, à luz dos mandamentos legais ensejadores do direito posto em debate.
Não há falar em incompetência da Justiça Federal, uma vez que o pedido formulado pela parte autora consiste no reconhecimento da especialidade de períodos não enquadrados administrativamente, para fins de concessão do benefício de aposentadoria especial ou aposentadoria por tempo de contribuição, e não de retificação de informações contidas em formulário (Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP).
Nesse sentido (g.n.):
“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE INSALUBRE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. INTERESSE DE AGIR. RUÍDO. CALOR. APOSENTADORIA ESPECIAL. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. TERMO INICIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. - O caso em debate não discute a relação entre o segurado e o empregador, visando a desconstituir Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), o que seria da competência da Justiça do Trabalho, mas sim, da apreciação da nocividade da atividade exercida para configuração de direito previdenciário. (...). - Matéria preliminar rejeitada. No mérito, apelação improvida.” (Apelação Cível, ApCiv 5004968-57.2018.4.03.6104, Relator: Desembargador Federal Gilberto Rodrigues Jordan, TRF3 - 9ª Turma, DJEN Data: 24/06/2021).
Desse modo, rejeito a matéria preliminar suscitada pelo INSS.
A preliminar de sobrestamento do feito, em vista do Tema n. 1.124 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), confunde-se com o mérito e com ele será analisada.
Feitas essas considerações, passo à análise apenas das questões ventiladas nas peças recursais.
Da atividade especial
Consoante assente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a caracterização e a comprovação do tempo de atividade exercida sob condições especiais é disciplinada pela lei em vigor à época da prestação laboral.
Ademais, as regras para possível conversão entre tempos de serviço especial e comum é determinada pela legislação vigente na data do preenchimento dos requisitos exigidos à concessão do benefício, independentemente da época de efetivo exercício da atividade.
Nesse sentido, destaco teses fixadas pelo STJ em precedentes vinculantes:
Tema Repetitivo 422: Permanece a possibilidade de conversão do tempo de serviço exercido em atividades especiais para comum após 1998, pois a partir da última reedição da MP n. 1.663, parcialmente convertida na Lei 9.711/1998, a norma tornou-se definitiva sem a parte do texto que revogava o referido § 5º do art. 57 da Lei n. 8.213/1991.
Tema Repetitivo 546: A lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço.
Efetivamente, até a data da promulgação da Emenda Constitucional (EC) n. 103/2019 remanesceu na legislação previdenciária a possibilidade de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum, consoante fatores de conversão indicados no artigo 70 do Decreto n. 3.048/1999 (Regulamento da Previdência Social), com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003.
Entretanto, desde a entrada em vigor dessa Emenda (13/11/2019) está vedada a conversão de tempo especial em comum, consoante regra inserta em seu artigo 25, § 2º:
“Será reconhecida a conversão de tempo especial em comum, na forma prevista na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, ao segurado do Regime Geral de Previdência Social que comprovar tempo de efetivo exercício de atividade sujeita a condições especiais que efetivamente prejudiquem a saúde, cumprido até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, vedada a conversão para o tempo cumprido após esta data.”
De fato, a vedação refere-se tão-somente à conversão de tempo e não há impedimento ao reconhecimento de atividade exercida sob condições especiais depois da vigência da EC n. 103/2019, sobretudo por remanescer a possibilidade de obtenção de aposentadoria especial nos termos do seu artigo 19, § 1º, I.
Assim, retomando a questão acerca da caracterização e da comprovação da atividade exercida em condições especiais, tem-se a seguinte evolução normativa:
a) para o período até 28/4/1995, quando vigente a Lei n. 3.807/1960 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei n. 8.213/1991, em sua redação original (artigos 57 e 58), é possível o reconhecimento da especialidade do trabalho se houver o enquadramento da categoria profissional nos Decretos n. 53.831/1964 (Quadro Anexo - 2ª parte) e 83.080/1979 (Anexo II), ou na legislação especial, ou se demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova (exceto para ruído e calor, casos em que sempre se exigiu a aferição mediante perícia técnica);
b) para o período de 29/4/1995 (data de extinção do enquadramento por categoria profissional) até 5/3/1997 (quando vigentes as alterações introduzidas pela Lei n. 9.032/1995 no artigo 57 da Lei n. 8.213/1991), faz-se necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente a apresentação de formulário-padrão preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030), sem a exigência de embasamento em laudo técnico, salvo ruído e calor;
c) desde 6/3/1997, data da entrada em vigor do Decreto n. 2.172/1997, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da Lei n. 8.213/1991 (Lei de Benefícios) pela Medida Provisória n. 1.523/1996 (convertida na Lei n. 9.528/1997): passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos pela apresentação de formulário-padrão, fundado em laudo técnico, ou mediante perícia técnica;
d) após 1º/1/2004, conforme estabelecido na Instrução Normativa INSS/DC n. 99/2003, artigo 148, o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo artigo 58, § 4º, da Lei n. 9.528/1997, passou a ser indispensável para a análise da atividade especial requerida. Esse documento substituiu os antigos formulários (SB-40, DSS-8030 ou DIRBEN-8030) e, desde que regularmente preenchido, inclusive com a indicação dos profissionais legalmente habilitados (engenheiro ou médico de segurança do trabalho), responsáveis pelos registros ambientais, exime o segurado da apresentação do laudo técnico em juízo.
A propósito, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se no decorrer do tempo.
Do agente nocivo ruído
Especificamente quanto ao agente nocivo ruído, são consideradas insalubres as atividades que expõem o segurado aos seguintes níveis de pressão sonora, consoante previsão dos decretos regulamentadores:
(i) até 5/3/1997 – ruído superior a 80 decibéis (Anexo do Decreto n. 53.831/1964);
(ii) de 6/3/1997 a 18/11/2003 - ruído superior a 90 decibéis (Anexo IV dos Decretos n. 2.172/1997 e 3.048/1999, na redação original);
(iii) desde 19/11/2003 - ruído superior a 85 decibéis (Anexo IV do Decreto n. 3.048/1999, com a alteração introduzida pelo Decreto n. 4.882/2003).
Quanto a esse aspecto, o STJ, em sede de recurso repetitivo (Tema 694), consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para configuração do tempo de serviço especial (REsp Repetitivo n. 1.398.260).
No mais, possível utilização de metodologia diversa não desnatura a especialidade do período, uma vez constatada a exposição a ruído superior ao limite considerado salubre e comprovado por meio de PPP ou laudo técnico, consoante jurisprudência desta Corte (Ap – Apelação Cível - 2306086 0015578-27.2018.4.03.9999, Desembargadora Federal Inês Virgínia – 7ª Turma, e-DJF3 Judicial 1 Data: 7/12/2018; Ap – Apelação Cível - 3652270007103-66.2015.4.03.6126, Desembargador Federal Baptista Pereira – 10ª Turma, e-DJF3 Judicial 1 Data: 19/7/2017).
Dos agentes químicos óleos e graxas
Nos casos da exposição aos agentes químicos óleos e graxas, não se desconhece o julgamento do Tema n. 298 da TNU, no qual houve a deliberação de que a indicação genérica de exposição a esses agentes não é suficiente para caracterizar a especialidade da atividade.
Não obstante, remanesce dissenso na jurisprudência quanto à questão, sendo certo que, no âmbito desta Corte, prevalece a compreensão, a qual adoto, de que óleos e graxas utilizados nos processos industriais são enquadrados como hidrocarbonetos derivados do petróleo, tidos, inclusive, como potencialmente cancerígenos (Portaria Interministerial MTE/MS/MPS n. 9/2014 – LINACH), de maneira a restar caracterizada a nocividade desses agentes para fins de enquadramento especial.
Nesse sentido estão os recentes julgados desta Corte: TRF3, AC 5004102-82.2019.4.03.6114, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, 7ª Turma, Intimação via sistema em 29/4/2022; TRF3, AC 5001395-84.2019.4.03.6133, Relator Desembargador Federal Newton De Lucca, 8ª Turma, Intimação via sistema em 29/4/2022; TRF3, AC 5004815-47.2020.4.03.6106, Relator Desembargador Federal Gilberto Rodrigues Jordan, 9ª Turma, Intimação via sistema em 29/4/2022; TRF3, AC 5278388-95.2020.4.03.9999, Relator Desembargador Federal Paulo Octavio Baptista Pereira, 10ª Turma, Intimação via sistema em 2/8/2022.
Ademais, os riscos ocupacionais gerados pela exposição a agentes químicos, em especial os hidrocarbonetos, não requerem análise quantitativa, senão qualitativa. Nesse sentido: TRF4, APELREEX 50611258620114047100/RS, Rel. (Auxílio Vânia) PAULO PAIM DA SILVA, Julgamento: 09/07/2014, 6T, D.E. 10/07/2014; TRF1, AC 00435736820104013300, Rel. JUIZ FEDERAL ANTONIO OSWALDO SCARPA, Julgamento: 14/12/2015, 1ª CÂMARA REG. PREVID. DA BAHIA, Data de Publicação: 22/01/2016 e-DJF1 P. 281.
Do Equipamento de Proteção Individual - EPI
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com amparo na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, fixou as seguintes teses sobre a questão: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
Da fonte de custeio
Questões afetas ao recolhimento de contribuições específicas para o custeio da aposentadoria especial, não devem, em tese, influir no reconhecimento da atividade exercida sob condições especiais pelo segurado empregado, à vista dos princípios da solidariedade e da automaticidade (artigo 30, I, da Lei n. 8.212/1991), aplicáveis neste enfoque.
Pelos mesmos motivos, não cabe cogitar de violação à regra inscrita no artigo 195, § 5º, da Constituição Federal de 1988 (CF/1988).
A propósito, segundo jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), os benefícios criados diretamente pela própria Constituição, como é o caso do benefício em debate, não se submetem ao comando dessa norma, cuja regra dirige-se à legislação ordinária posterior que venha a criar novo benefício ou a majorar e estender benefício já existente.
Nesse sentido: ADI n. 352-6, Plenário, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, julgada em 30.10.1997; RE n. 220.742-6, Segunda Turma, Rel. Ministro Néri da Silveira, julgado em 03.03.1998; AI n. 614.268 AgR, Primeira Turma, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, julgado em 20.11.2007.
Do caso concreto
Examinados os autos, verifica-se que é possível o enquadramento, como especial, dos interstícios de:
(i) 23/4/1982 a 9/4/1984 (laborado na indústria têxtil) – Laudo técnico pericial (elaborado por similaridade por encontrar-se a empresa inativa) informa exposição de forma habitual e permanente ao agente nocivo ruído em níveis superiores aos limites previstos nas normas de regência.
A perícia por similaridade é aceita pela jurisprudência como meio adequado de fazer prova de condição de trabalho especial na hipótese de a empresa da prestação laboral estar inativa (REsp 1370229/RS, MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/2/2014; RESP 201700371993, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA: 2/5/2017).
(ii) 23/5/1984 a 28/10/1984, de 12/5/1987 a 5/11/1987, de 1º/6/1988 a 15/10/1988, de 9/5/1989 a 29/12/1990, de 11/6/1991 a 8/7/1991, de 9/7/1991 a 5/11/1991, de 3/2/1992 a 28/4/1992 e de 4/5/1992 a 12/12/1992 – Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) demonstra o exercício das funções de plantio, carpa e colheita de cana-de-açúcar, atividades que comportam o enquadramento perseguido, nos termos do entendimento firmando nesta Nona Turma, em razão da penosidade e exposição a hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, consoante artigo da Revista Brasileira de Medicina do Trabalho (De Abreu, Dirce et al. A produção da cana-de-açúcar no Brasil e a saúde do trabalhador rural. Revista Brasileira de Medicina do Trabalho, v. 9, n. 2, p. 49-61, 2011. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/72967>.).
(iii) 1º/6/1986 a 23/10/1986, de 6/3/1989 a 2/5/1989 e de 3/5/1991 a 6/6/1991 - Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) e laudo técnico pericial (de 1º/6/1986 a 23/10/1986) indicam o exercício de atividades em estabelecimento agropecuário, enquadrando-se nos exatos termos do código 2.2.1 do anexo do Decreto n. 53.831/1964.
Nesse sentido: STJ, AINTARESP – Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial - 860631 2016.00.32469-5, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/6/2016; RESP – Recurso Especial - 1309245 2012.00.30818-2, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJE 22/10/2015.
(iv) 9/5/1989 a 29/12/1990 – Perícia técnica judicial (realizado a partir de visita in loco na empresa em que o autor efetivamente trabalhou) informa exposição habitual e permanente ao fator de risco ruído em níveis superiores aos limites de tolerância previstos na legislação previdenciária, bem como a agentes químicos deletérios (hidrocarbonetos aromáticos), o que viabiliza o reconhecimento da atividade insalutífera em conformidade com os códigos 1.2.11 do anexo do Decreto n. 53.831/1964, 1.2.10 do anexo do Decreto n. 83.080/1979 e 1.0.17 dos anexos dos Decretos n. 2.172/1997 e 3.048/1999.
(v) 1º/7/1993 a 10/12/1993, de 1º/2/1994 a 14/11/1994, de 3/5/1995 a 2/11/1995, de 2/5/1996 a 16/11/1996, de 1º/2/1997 a 17/4/1997, de 22/4/1997 a 7/12/1997, de 21/1/1998 a 20/4/1998, de 22/4/1998 a 14/12/1998, de 18/1/1999 a 31/3/1999, de 5/4/1999 a 10/12/1999, de 17/1/2000 a 28/4/2000, de 2/5/2000 a 13/12/2000, de 15/1/2001 a 19/4/2001, de 23/4/2001 a 12/12/2001, de 21/1/2002 a 7/4/2002, de 10/4/2002 a 12/12/2002, de 21/1/2003 a 16/4/2003, de 22/4/2003 a 1º/12/2003, de 21/1/2004 a 15/4/2004, de 19/4/2004 a 8/11/2017 (laborados em empresa “Usina Açucareira Guaíra Ltda.”) – Laudo técnico pericial (realizado in loco na empresa em que o autor efetivamente trabalhou) informa a exposição habitual e permanente ao fator de risco ruído em níveis superiores aos limites de tolerância previstos na legislação previdenciária.
Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
É relevante destacar, ainda, que o reconhecimento da especialidade em relação a somente um agente nocivo já é suficiente para a sua caracterização.
Destarte, prospera o pleito de reconhecimento do caráter especial das atividades executadas nos interregnos supracitados.
Contudo, não prospera a contagem diferenciada em relação ao período de 4/1/1993 a 7/4/1993 (empresa: "Nova Aliança Agrícola Comercial"), no exercício da função de “lavrador", pois tal atividade não encontra previsão nos decretos regulamentadores (enquadramento por categoria profissional até 28/4/1995) e, na hipótese, não há nenhum elemento de convicção que demonstre a sujeição a agentes nocivos.
Em síntese, prospera o pleito de reconhecimento do caráter especial das atividades executadas apenas nos interregnos de de 23/4/1982 a 9/4/1984, de 23/5/1984 a 28/10/1984, de 1º/6/1986 a 23/10/1986, de 12/5/1987 a 5/11/1987, de 1º/6/1988 a 15/10/1988, de 6/3/1989 a 2/5/1989, de 9/5/1989 a 29/12/1990, de 3/5/1991 a 6/6/1991, de 11/6/1991 a 8/7/1991, de 9/7/1991 a 5/11/1991, de 3/2/1992 a 28/4/1992, de 4/5/1992 a 12/12/1992, de 1º/7/1993 a 10/12/1993, de 1º/2/1994 a 14/11/1994, de 3/5/1995 a 2/11/1995, de 2/5/1996 a 16/11/1996, de 1º/2/1997 a 17/4/1997, de 22/4/1997 a 7/12/1997, de 21/1/1998 a 20/4/1998, de 22/4/1998 a 14/12/1998, de 18/1/1999 a 31/3/1999, de 5/4/1999 a 10/12/1999, de 17/1/2000 a 28/4/2000, de 2/5/2000 a 13/12/2000, de 15/1/2001 a 19/4/2001, de 23/4/2001 a 12/12/2001, de 21/1/2002 a 7/4/2002, de 10/4/2002 a 12/12/2002, de 21/1/2003 a 16/4/2003, de 22/4/2003 a 1º/12/2003, de 21/1/2004 a 15/4/2004, de 19/4/2004 a 8/11/2017.
Nessas circunstâncias, a parte autora conta mais de 25 (vinte e cinco) anos de trabalho em atividade especial até a data do requerimento administrativo (DER 8/11/2017) e, desse modo, faz jus à concessão do benefício de aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 e parágrafos da Lei n. 8.213/1991.
À luz dos autos, constata-se, que parte da especialidade restou demonstrada em razão dos laudos técnicos periciais, produzidos no curso da instrução.
Nessas circunstâncias, quanto ao termo inicial dos efeitos financeiros da condenação, a questão foi submetida ao rito dos recursos repetitivos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para resolução da seguinte controvérsia, cadastrada como Tema Repetitivo n. 1.124 (Recursos Especiais n. 1.905.830/SP, 1.912.784/SP e 1.913.152/SP – data da afetação: 17/12/2021):
“Definir o termo inicial dos efeitos financeiros dos benefícios previdenciários concedidos ou revisados judicialmente, por meio de prova não submetida ao crivo administrativo do INSS: se a contar da data do requerimento administrativo ou da citação da autarquia previdenciária.”
Há determinação de suspensão do trâmite de todos os processos em grau recursal (art. 1.037, II, do CPC).
Não obstante, esta Nona Turma tem entendido não haver óbice ao prosseguimento da marcha processual, por ser possível a identificação da parte incontroversa e da parte controvertida da questão afetada, sendo o alcance dos efeitos financeiros uma das consequências da apreciação de mérito, passível de ser tratada na fase de cumprimento do julgado.
Esse entendimento favorece a execução e a expedição de ofício requisitório ou precatório da parte incontroversa do julgado, nos termos do artigo 535, § 4º, do CPC e do Tema n. 28 da Repercussão Geral (RE n. 1.205.530).
Assim, fixo o termo inicial dos efeitos financeiros da condenação (parte incontroversa da questão afetada) na data da citação, observado, na fase de cumprimento de sentença, o que vier a ser estabelecido pelo STJ no julgamento do Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ.
Em relação à prescrição quinquenal, esta não se aplica ao caso concreto, por não ter decorrido, entre o requerimento na via administrativa e o ajuizamento desta ação, período superior a 5 (cinco) anos.
Outrossim, deve ser observada, contudo, a incompatibilidade de continuidade do exercício em atividade especial, sob pena de cessação da aposentadoria especial, na forma do artigo 57, § 8º, da Lei n. 8.213/1991 e nos termos do julgamento do Tema 709 do STF.
No tocante aos honorários advocatícios, diante da impossibilidade de ser estabelecida a extensão da sucumbência nesta fase processual, em razão do quanto deliberado nestes autos sobre o termo inicial dos efeitos financeiros da condenação à luz do que vier a ser definido no Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ, remeto à fase de cumprimento do julgado a fixação dessa verba, a qual deverá observar, em qualquer hipótese, o disposto na Súmula n. 111 do STJ.
Possíveis valores não cumulativos com o benefício deferido ou recebidos a mais em razão de tutela provisória deverão ser compensados na fase de cumprimento do julgado.
No que concerne ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade alguma à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto, dou parcial provimento à apelação do INSS para, nos termos da fundamentação supra: (i) excluir o enquadramento do intervalo de 4/1/1993 a 7/4/1993; (ii) fixar os efeitos financeiros da condenação desde a data da citação (parte incontroversa da questão afetada), observado, na fase de cumprimento de sentença, o que vier a ser estabelecido pelo STJ no julgamento do Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ; (iii) ajustar os critérios de incidência dos honorários advocatícios..
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE ESPECIAL. TRABALHADOR NA LAVOURA DE CANA-DE-AÇÚCAR. TRABALHO EM ESTABELECIMENTO AGROPECUÁRIO. AGENTES QUÍMICOS. RUÍDO. ENQUADRAMENTO. REQUISITOS PREENCHIDOS À CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. TERMO INICIAL.
- A sentença proferida no Código de Processo Civil (CPC) vigente cuja condenação ou proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos não se submete ao duplo grau de jurisdição.
- Não merece acolhida a pretensão do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) de suspensão do cumprimento da decisão por esta relatoria, por não configuradas as circunstâncias dispostas no artigo 995 do Código de Processo Civil (CPC).
- Incabível cogitar de nulidade de perícia elaborada por profissional de confiança do Juízo e equidistante dos interesses das partes, que traz análise técnica dos ambientes de trabalho suficiente ao deslinde da lide.
- Não se trata de relação entre o segurado e o empregador visando a desconstituir o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), o que seria da competência da Justiça do Trabalho, mas da apreciação da nocividade da atividade para configuração de direito previdenciário.
- Conjunto probatório suficiente para o reconhecimento da especialidade de parte dos interregnos controvertidos (exercício de atividades rurais em estabelecimento agropecuário, ligadas ao cultivo e corte de cana-de-açúcar e comprovada a exposição habitual e permanente a agentes químicos deletérios e a ruído em nível superior ao limite de tolerância).
- Termo inicial dos efeitos financeiros da condenação (parte incontroversa da questão afetada) na data da citação, observado, na fase de cumprimento de sentença, o que vier a ser estabelecido pelo STJ no julgamento do Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ.
- Deve ser observada a incompatibilidade de continuidade do exercício em atividade especial, sob pena de cessação da aposentadoria especial, na forma do artigo 57, § 8º, da Lei n. 8.213/1991 e nos termos do julgamento do Tema 709 do STF.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na fase de cumprimento do julgado (consoante a Súmula n. 111 do STJ), diante da impossibilidade de ser estabelecida a extensão da sucumbência nesta fase processual, em razão do quanto deliberado nestes autos sobre o termo inicial dos efeitos financeiros da condenação à luz do que vier a ser definido no Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ.
- Possíveis valores não cumulativos com o benefício deferido ou recebidos a mais em razão de tutela provisória deverão ser compensados na fase de cumprimento do julgado.
- Matéria preliminar arguida pelo INSS rejeitada.
- Apelação autárquica parcialmente provida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADORA FEDERAL
