Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2072292 / SP
0023300-20.2015.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
21/10/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/11/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL OU POR TEMPO
DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTE BIOLÓGICO. AUXILIAR E TÉCNICA
DE ENFERMAGEM. MICRORGANISMOS. RECONHECIMENTO. TEMPO INSUFICIENTE.
BENEFÍCIO ESPECIAL NÃO CONCEDIDO. BENEFÍCIO INTEGRAL NÃO CONCEDIDO.
APELAÇÃO DO INSS E REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE PROVIDAS.
1 - No caso, o INSS foi condenado a reconhecer labor especial, além de implantar em favor da
autora o benefício de aposentadoria especial. Assim, não havendo como se apurar o valor da
condenação, trata-se de sentença ilíquida e sujeita ao reexame necessário, nos termos do
inciso I, do artigo 475 do CPC/73 e da Súmula 490 do STJ.
2 - Verifico que o pedido formulado pela parte autora encontra previsão legal, especificamente
na Lei de Benefícios. Assim, devidamente inserido no Sistema Previdenciário, não há que se
falar em ausência de custeio, desde que preenchidos os requisitos previstos na vasta legislação
aplicável à matéria.
3 - A aposentadoria especial foi instituída pelo artigo 31 da Lei n. 3.807, de 26.08.1960 (Lei
Orgânica da Previdência Social, LOPS). Sobreveio a Lei n. 5.890, de 08.06.1973, que revogou
o artigo 31 da LOPS, e cujo artigo 9º passou regrar esse benefício. A benesse era devida ao
segurado que contasse 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade
profissional, de serviços para esse efeito considerados penosos, insalubres ou perigosos, por
decreto do Poder Executivo.
4 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
5 - Em período anterior à da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a conversão
do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da categoria
profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de março
de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, ratificados pelo
art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou, inicialmente, a Lei de
Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva exposição aos agentes
agressivos, exceto para ruído e calor.
6 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios,
alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição
do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e
permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da
atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a
possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial. Precedentes do STJ.
7 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais. Com o advento da Lei nº 6.887/1980, ficou claramente explicitado na
legislação a hipótese da conversão do tempo laborado em condições especiais em tempo
comum, de forma a harmonizar a adoção de dois sistemas de aposentadoria díspares, um
comum e outro especial, o que não significa que a atividade especial, antes disso, deva ser
desconsiderada para fins de conversão, eis que tal circunstância decorreria da própria lógica do
sistema.
8 - Posteriormente, a Medida Provisória nº 1.523, de 11/10/1996, sucessivamente reeditada até
a Medida Provisória nº 1.523-13, de 25/10/1997, convalidada e revogada pela Medida
Provisória nº 1.596-14, de 10/11/1997, e ao final convertida na Lei nº 9.528, de 10/12/1997,
modificou o artigo 58 e lhe acrescentou quatro parágrafos. A regulamentação dessas regras
veio com a edição do Decreto nº 2.172, de 05/03/1997, em vigor a partir de sua publicação, em
06/03/1997, que passou a exigir laudo técnico das condições ambientais de trabalho, expedido
por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
9 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria
profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de
prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação
profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de
10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de
condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico
previdenciário (PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação
dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que
constitui instrumento hábil para a avaliação das condições laborais.
10 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
11 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
12 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
13 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
14 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
15 - Vale frisar que a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o
reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução
da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível
de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso
concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
16 - Controvertida, na demanda, a especialidade nos períodos de 22/03/1989 a 11/07/1989,
29/04/1995 a 29/05/1995, 01/04/1998 a 31/03/1999 e 01/07/2000 a 05/12/2014.
17 - Durante o trabalho na "Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Jacarei", no intervalo de
22/03/1989 a 11/07/1989, o Perfil Profissiográfico Previdenciário (fls. 22/27), informa a
exposição ao agente biológico "microorganismo", no desempenho da função de atendente de
enfermagem, sem uso de EPI.
18 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário de fls. 28/32, com identificação dos responsáveis
pelos registros ambientais, aponta também a submissão a "microorganismos", no exercício dos
encargos de atendente e auxiliar de enfermagem e encarregada de setor, nos lapsos de
29/04/1995 a 29/05/1995, 01/04/1998 a 31/03/1999 e 01/07/2000 a 20/10/2006 (data de
assinatura do PPP).
19 - Importante esclarecer que, nos casos em que resta comprovada a exposição a agente
biológico nocivo pela sujeição a vírus e bactérias, a natureza das atividades exercidas já revela,
por si só, que mesmo nos casos de utilização de equipamentos de proteção individual, tido por
eficazes, não é possível afastar a insalubridade a que fica sujeito o profissional.
20 - Destarte, possível o enquadramento da atividade como especial pelos lapsos de
22/03/1989 a 11/07/1989, 29/04/1995 a 29/05/1995, 01/04/1998 a 31/03/1999 e 01/07/2000 a
20/10/2006, com base no código 2.1.3 do Decreto nº 53.831/64 e do anexo II do Decreto nº
83.080/79 e código 3.0.1 dos Decretos nº 2.172/97 e nº 3.048/99.
21 - Conforme planilha anexa, considerando a atividade especial reconhecida nesta demanda e
a admitida em sede administrativa (fl. 40/41 e 53), verifica-se que a autora contava com 18
anos, 7 meses e 20 meses de atividade desempenhada em condições especiais, até a data do
requerimento administrativo (23/11/2012 - fl. 11), não fazendo jus, portanto, à concessão da
aposentadoria especial, deferida na origem.
22 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do
exercício da atividade especial, consoante o disposto nos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º,
da Lei nº 8.213/91.
23 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,20, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99,
conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
24 - Conforme planilha anexa, somando-se o tempo de serviço comum e especial incontroverso
(resumo de documentos - fls. 40/41 e Acórdão CRPS - fl. 51/53) ao especial, reconhecido nesta
demanda, convertido em comum, verifica-se que a autora alcançou 29 anos, 10 meses e 18
dias de serviço na data do requerimento administrativo (23/11/2012 - fl. 11), não fazendo jus à
aposentadoria integral pleiteada sucessivamente.
25 - Consigne-se que, na exordial, a parte autora foi estrita ao requer apenas o benefício
especial ou aposentadoria por tempo de contribuição na forma integral, sem interesse na
aposentadoria proporcional, portanto.
26 - Sagrou-se vitoriosa a autora ao ver reconhecida parte da especialidade vindicada. Por
outro lado, não foi concedida a aposentadoria especial ou por tempo de contribuição, restando
vencedora nesse ponto a autarquia. Desta feita, dá-se os honorários advocatícios por
compensados entre as partes, ante a sucumbência recíproca (art. 21 do CPC/73), e deixa-se de
condenar qualquer delas no reembolso das custas e despesas processuais, por ser a parte
autora beneficiária da justiça gratuita e o INSS delas isento.
27 - Apelação do INSS e remessa necessária parcialmente providas.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à
apelação do INSS e à remessa necessária, tida por interposta, para afastar a especialidade do
intervalo de 21/10/2006 a 05/12/2014 e, por conseguinte, julgar improcedente a aposentadoria
especial, concedida na origem, bem como reconhecer a sucumbência recíproca, mantendo, no
mais, a douta decisão de primeiro grau, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Referência Legislativa
***** CPC-73 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973
LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-475 INC-1 ART-21***** STJ SÚMULA DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LEG-FED SUM-490LEG-FED LEI-5890 ANO-1973 ART-9***** LOPS-60 LEI ORGÂNICA DA
PREVIDÊNCIA SOCIAL
LEG-FED LEI-3807 ANO-1960 ART-31LEG-FED LEI-9032 ANO-1995LEG-FED DEC-611 ANO-
1992 ART-292LEG-FED LEI-9032 ANO-1995***** LBPS-91 LEI DE BENEFÍCIOS DA
PREVIDÊNCIA SOCIAL
LEG-FED LEI-8213 ANO-1991 ART-57 PAR-4 PAR-5 ART-58LEG-FED DEC-53831 ANO-1964
ITE-2.1.3***** RBPS-79 REGULAMENTO DOS BENEFÍCIOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
LEG-FED DEC-83080 ANO-1979 ITE-2.1.3LEG-FED LEI-6887 ANO-1980LEG-FED MPR-1523
ANO-1996
REENDIÇÕES ATÉ A EDIÇÃO 13LEG-FED MPR-1596 ANO-1997
EDIÇÃO 14LEG-FED DEC-2172 ANO-1997 ITE-3.0.1LEG-FED LEI-9528 ANO-1997***** RPS-
99 REGULAMENTO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
LEG-FED DEC-3048 ANO-1999 ITE-3.0.1 ART-70LEG-FED LEI-9711 ANO-1998 ART-28
