Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1914391 / SP
0000364-58.2011.4.03.6113
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
29/04/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/05/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL OU POR TEMPO
DE CONTRIBUIÇÃO. LEI Nº 8.213/1991. ATIVIDADE ESPECIAL. PROVA TÉCNICA.
SIMILARIDADE. RUÍDO. PROVA PERICIAL. SINDICATO PROFISSIONAL CALÇADISTA.
VALIDADE. AGENTE QUÍMICO. TEMPO INSUFICIENTE PARA O BENEFÍCIO ESPECIAL. EC
Nº 20/1998. REQUISITO ETÁRIO NÃO CUMPRIDO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO NÃO CONCEDIDA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PREJUDICADA.
APELAÇÃO DO INSS E REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE PROVIDAS.
1 - Verifica-se que o pedido formulado pela parte autora encontra previsão legal,
especificamente na Lei de Benefícios.
2 - A aposentadoria especial foi instituída pelo artigo 31 da Lei n. 3.807, de 26.08.1960 (Lei
Orgânica da Previdência Social, LOPS). Sobreveio a Lei n. 5.890, de 08.06.1973, que revogou
o artigo 31 da LOPS, e cujo artigo 9º passou regrar esse benefício. A benesse era devida ao
segurado que contasse 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade
profissional, de serviços para esse efeito considerados penosos, insalubres ou perigosos, por
decreto do Poder Executivo.
3 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais.
4 - Logo, até a edição da Lei nº 9.032/95, era possível o reconhecimento da atividade especial:
(a) com base no enquadramento na categoria profissional, desde que a atividade fosse indicada
como perigosa, insalubre ou penosa nos anexos dos Decretos nº 53.831/64 ou 83.080/79
(presunção legal); ou (b) mediante comprovação da submissão do trabalhador,
independentemente da atividade ou profissão, a algum dos agentes nocivos, por qualquer meio
de prova, exceto para ruído e calor.
5 - A apresentação de laudo pericial, Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP ou outro
formulário equivalente para fins de comprovação de tempo de serviço especial, somente passou
a ser exigida a partir de 06.03.1997 (Decreto nº. 2.172/97), exceto para os casos de ruído e
calor, em que sempre houve exigência de laudo técnico para verificação do nível de exposição
do trabalhador às condições especiais.
6 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
7 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
8 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
9 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
10 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
11 - Em sentença, foi reconhecida a especialidade do labor nos períodos de 20/02/1981 a
10/05/1985 (auxiliar de sapateira), de 10/07/1985 a 21/10/1986 (auxiliar de sapateira), de
10/11/1986 a 05/11/1989 (sapateira-pespontadeira), de 01/06/1990 a 11/11/1990
(pespontadeira), de 04/02/1991 a 07/06/1995 (pespontadeira), de 23/01/1996 a 12/03/1999, de
04/08/2000 a 12/11/2004 e de 09/01/2006 a 24/06/2010, com base na prova pericial, por
similaridade, elaborada pelo especialista indicado pelo juízo instrutório, além do laudo técnico
apresentado pela parte autora produzido pelo sindicato da categoria profissional calçadista e
PPP apresentados pela autora.
12 - É pacífico o entendimento desta Turma no sentido da possibilidade de realização de prova
pericial indireta, desde que demonstrada a inexistência da empresa, com a aferição dos dados
em estabelecimentos paradigmas, observada a similaridade do objeto social e das condições
ambientais de trabalho.
13 - Em análise ao laudo técnico produzido (fl. 196/206), verifica-se que este indica que a
autora trabalhou sujeita ao ruído de 82,53dB e agente químico "cola", na empresa "H. Betarello
Curtidora e Calçados Ltda", pelo lapso de 23/01/1996 a 12/03/1999; e, no ínterim de 09/01/2006
a 24/06/2010, laborado em prol do empregador "Fabio Aparecido Andrade EPP", atesta o laudo
que a requerente esteve exposta a fragor de 85,5dB, este último inquestionavelmente superior
ao limite de tolerância do período.
14 - Relativamente ao ínterim de 23/01/1996 a 12/03/1999, importante ressaltar que, conquanto
não seja possível o reconhecimento da nocividade do ruído por todo o interregno, mormente
considerando que o PPP (fls. 75/76) dá conta que a autora estava submetida a ruído de 87dB
de 25/05/1998 a 12/03/1999, é certo que o contato com a cola (tolueno), no exercício da função
de pespontadeira na indústria de calçados, é suficiente para enquadrar a atividade do período
como especial, pelo contato com agente químico previsto como agressivo pela legislação de
regência, como corrobora o laudo pericial elaborado pelo sindicato profissional e conforme será
doravante explanado.
15 - Para comprovar o labor especial exercido nos demais períodos, a parte autora coligiu aos
autos laudo técnico pericial elaborado pelo Sindicato dos Empregados nas Indústrias de
Calçados de Franca/SP, o qual reputa-se válido para comprovar o desempenho de atividade
especial, com base na jurisprudência da 7ª Turma deste E. TRF da 3ª Região.
16 - Registre-se, porque de todo oportuno, que o laudo pericial em questão somente será, aqui,
utilizado, no tocante aos lapsos temporais que não vieram secundados por qualquer Formulário,
Laudo ou PPP fornecidos pela respectiva empregadora, até porque, na hipótese da existência,
nos autos, de documentação válida, esta, por óbvio, prefere àquela, por retratar de forma
individualizada as condições laborais do empregado.
17 - Atestado pelo laudo pericial que a autora, na execução das funções de auxiliar de
sapateira, sapateira pespontadeira e pespontadeira, todas na indústria de calçados, trabalhou
em contato com os compostos químicos agressivos à saúde, tolueno (ou metil-benzeno,
hidrocarboneto) e acetona (cetona), consoante atestado no laudo pericial apresentado. A
exposição a tais substâncias enquadra a atividade desempenhada como especial, conforme o
Decreto nº 53.831/64 (código 1.2.11), Decreto nº 83.080/79 (código 1.2.10) e Decreto 3.048/99
(código 1.0.3).
18 - Somando-se a atividade especial reconhecida nesta demanda, verifica-se que a autora
contava com 20 anos, 10 meses e 23 dias de atividade desempenhada em condições especiais,
por ocasião da data da entrada do requerimento (24/06/2010 - fl. 42), não fazendo jus, portanto,
à concessão da aposentadoria especial vindicada, nos termos do art. 58 da Lei nº 8.213/91.
19 - Acresça-se, ainda, ser possível a conversão do tempo especial em comum,
independentemente da data do exercício da atividade especial, conforme se extrai da
conjugação das regras dos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
20 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,20, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99,
conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
21 - Somando-se os períodos comuns aos especiais, reconhecidos nesta demanda, convertidos
em comuns, verifica-se que a autora alcançou 29 anos, 11 meses e 8 dias de serviço na data
do requerimento administrativo (24/06/2010), no entanto, à época não havia completado o
requisito etário (48 anos) para fazer jus à aposentadoria proporcional por tempo de contribuição,
conforme disposição do art. 9º, §1º, da Emenda Constitucional nº 20/98.
22 - Sagrou-se vitoriosa a autora ao ver reconhecida parte da especialidade vindicada. Por
outro lado, não foi concedida a aposentadoria especial ou por tempo de contribuição, restando
vencedora nesse ponto a autarquia. Desta feita, tem-se honorários advocatícios por
compensados entre as partes, ante a sucumbência recíproca (art. 21 do CPC/73), e sem
condenação de qualquer delas no reembolso das custas, por ser a parte autora beneficiária da
justiça gratuita e o INSS delas isento.
23 - Observa-se que a sentença concedeu a tutela antecipada. Tendo em vista que a eventual
devolução dos valores recebidos por força de tutela provisória deferida neste feito, ora
revogada: a) é matéria inerente à liquidação e cumprimento do julgado, conforme disposição
dos artigos 297, parágrafo único e 520, II, ambos do CPC; b) que é tema cuja análise se
encontra suspensa na sistemática de apreciação de recurso especial repetitivo (STJ, Tema
afetado nº 692), nos termos do § 1º do art. 1.036 do CPC; e c) que a garantia constitucional da
duração razoável do processo recomenda o curso regular do processo, até o derradeiro
momento em que a ausência de definição sobre o impasse sirva de efetivo obstáculo ao
andamento do feito; determina-se que a controvérsia em questão deverá ser apreciada pelo
juízo da execução, de acordo com a futura deliberação do tema pelo E. STJ.
24 - Apelação da autora prejudicada. Remessa necessária e apelação do INSS parcialmente
providas.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à
remessa necessária e à apelação do INSS, para afastar a especialidade do período de
04/08/2000 a 12/11/2004 e julgar improcedente o pedido de concessão de aposentadoria, com
revogação da tutela anteriormente concedida, observando-se o acima expendido quanto à
devolução dos valores recebidos a esse título, bem como para, diante da sucumbência
recíproca, dar os honorários advocatícios por compensados, mantendo, no mais, a sentença de
1º grau, restando prejudicada a apelação da autora, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
