Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 1870656 / SP
0003159-37.2011.4.03.6113
Relator(a) para Acórdão
DESEMBARGADOR FEDERAL TORU YAMAMOTO
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
27/05/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/06/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL OU POR TEMPO
DE CONTRIBUIÇÃO. LEI Nº 8.213/91. ATIVIDADE ESPECIAL. RUÍDO. AGENTE QUÍMICO.
LAUDO PERICIAL. SIDICATO PROFISSIONAL CALÇADISDA. VALIDADE. BENEFÍCIO
PROPORCIONAL CONCEDIDO. EC Nº 20/1998. DATA DE INÍCIO. CORREÇÃO MONETÁRIA.
JUROS DE MORA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA CONHECIDA E PARCIALMENTE
PROVIDA. REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE E AGRAVO RETIDO DO AUTOR
DESPROVIDOS.
1 - No caso, o INSS foi condenado a reconhecer labor especial em decorrência da exposição a
ruído excessivo na forma da legislação em vigor à época da prestação de serviço. Assim, não
havendo como se apurar o valor da condenação, trata-se de sentença ilíquida e sujeita ao
reexame necessário, nos termos do inciso I, do artigo retro mencionado e da Súmula 490 do
STJ.
2 - Agravo retido interposto pela parte autora e reiterado em preliminar de apelação, nos termos
do art. 523, CPC/73, conhecido. No mérito, entretanto, verifica-se não assistir razão ao
agravante, ora apelante, por não vislumbrar a ocorrência do alegado cerceamento de defesa.
Antecedendo o indeferimento da prova pericial, foi determinado pelo d. Juízo a quo que a parte
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
autora comprovasse nos autos a impossibilidade fática de consecução, junto às empregadoras,
de documentos relativos à atividade laborativa especial, eis que tal fornecimento tem caráter
obrigatório para as empresas. E nada, neste sentido, foi demonstrado nos autos, apenas sendo
reiterado o pedido já formulado de produção de prova pericial, cabendo destacar, nesta
oportunidade, que seria da parte autora o ônus de provar o fato constitutivo do seu direito (art.
333, I, do CPC/73, art. 373, I, do CPC/2015). Assim, negado provimento ao agravo retido.
3 - Verifica-se que o pedido formulado pela parte autora encontra previsão legal,
especificamente na Lei de Benefícios.
4 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
5 - Em período anterior à da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a conversão
do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da categoria
profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de março
de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, ratificados pelo
art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou, inicialmente, a Lei de
Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva exposição aos agentes
agressivos, exceto para ruído e calor.
6 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios,
alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição
do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e
permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da
atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a
possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial. Precedentes do STJ.
7 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais. Com o advento da Lei nº 6.887/1980, ficou claramente explicitado na
legislação a hipótese da conversão do tempo laborado em condições especiais em tempo
comum, de forma a harmonizar a adoção de dois sistemas de aposentadoria díspares, um
comum e outro especial, o que não significa que a atividade especial, antes disso, deva ser
desconsiderada para fins de conversão, eis que tal circunstância decorreria da própria lógica do
sistema.
8 - Posteriormente, a Medida Provisória nº 1.523, de 11/10/1996, sucessivamente reeditada até
a Medida Provisória nº 1.523-13, de 25/10/1997, convalidada e revogada pela Medida
Provisória nº 1.596-14, de 10/11/1997, e ao final convertida na Lei nº 9.528, de 10/12/1997,
modificou o artigo 58 e lhe acrescentou quatro parágrafos. A regulamentação dessas regras
veio com a edição do Decreto nº 2.172, de 05/03/1997, em vigor a partir de sua publicação, em
06/03/1997, que passou a exigir laudo técnico das condições ambientais de trabalho, expedido
por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
9 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria
profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de
prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação
profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de
10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de
condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico
previdenciário (PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação
dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que
constitui instrumento hábil para a avaliação das condições laborais.
10 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
11 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
12 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
13 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
14 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
15 - Pretende o autor o reconhecimento da especialidade do labor nos períodos de 02/09/1968
a 16/02/1971 (auxiliar de sapateiro), 01/10/1971 a 26/05/1972 (plancheador), 01/02/1973 a
13/09/1973 (auxiliar de sapateiro), 14/09/1973 a 15/03/1974 (sapateiro), 01/04/1974 a
19/07/1974 (sapateiro), 01/04/1975 a 03/06/1975 (plancheador), 22/09/1975 a 15/03/1976
(sapateiro), 04/05/1976 a 08/09/1976 (plancheador), 13/09/1976 a 21/12/1977 (sapateiro),
14/03/1978 a 10/07/1978 (chefe de seção), 01/11/1978 a 09/09/1981 (chefe de seção),
07/04/1982 a 28/05/1982 (subgerente), 01/07/1982 a 23/11/1982 (chefe de seção), 06/06/1983
a 03/06/1984 (revisor), 01/07/1984 a 05/02/1987 (avaliador comercial e industrial), 01/04/1987 a
01/01/1988 (chefe de plancheamento), 04/01/1988 a 02/05/1989 (avaliador comercial e
industrial), 28/09/1989 a 23/10/1990 (reviso de qualidade), 02/01/1991 a 15/07/1991 (revisor de
qualidade), 22/06/1993 a 24/06/1995 (revisor de qualidade), 05/11/1997 a 04/12/1997 (revisor),
13/07/1999 a 31/05/2001 (plancheador), 01/10/2002 a 29/10/2002 (chefe de plancheamento),
01/03/2004 a 28/12/2004 (revisor de qualidade), 17/05/2005 a 23/12/2005 (enfumaçador),
13/03/2006 a 26/12/2006 (plancheador), 02/06/2008 a 29/07/2008 (esfumaçador) e 03/09/2008
a 10/02/2010 (plancheador).
16 - De acordo com os Perfis Profissiográficos Previdenciários - PPP (fls. 135/141), o autor
trabalhava exposto a níveis sonoros superiores aos previstos pela legislação de regência dos
respectivos períodos (22/06/1993 a 24/06/1995, 17/05/2005 a 23/12/2005, 13/03/2006 a
26/12/2006 e 03/09/2008 a 10/02/2010), consoante constatado pelo Juízo a quo.
17 - Para comprovar o labor especial exercido nos demais períodos, a parte autora coligiu aos
autos laudo técnico pericial elaborado pelo Sindicato dos Empregados nas Indústrias de
Calçados de Franca/SP, o qual reputo válido para comprovar o desempenho de atividade
especial, com base na jurisprudência da 7ª Turma deste E. TRF da 3ª Região, revendo o
entendimento anteriormente firmado.
18 - Registre-se, porque de todo oportuno, que o laudo pericial em questão somente será, aqui,
utilizado, no tocante aos lapsos temporais que não vieram secundados por qualquer Formulário,
Laudo ou PPP fornecidos pela respectiva empregadora, até porque, na hipótese da existência,
nos autos, de documentação válida, esta, por óbvio, prefere àquela, por retratar de forma
individualizada as condições laborais do empregado.
19 - Atestado pelo laudo pericial que autor, na execução das funções de aprendiz de sapateiro,
plancheador, auxiliar de sapateiro, sapateiro, plancheador, chefe de seção, subgerente, revisor,
chefe de plancheamento, revisor de qualidade e esfumaçador, todas na indústria de calçados,
trabalhou em contato com os compostos químicos agressivos à saúde, tolueno (ou metil-
benzeno, hidrocarboneto) e acetona (cetona), de acordo com os itens 1.2.11, Quadro Anexo do
Decreto nº 53.831/64, 1.2.10, Anexo I do Decreto nº 83.080/79 e 1.0.3, Anexo IV, do Decreto nº
3.048/99.
20 - Somando-se a atividade especial reconhecida nesta demanda, verifica-se que o autor
contava com 21 anos, 9 meses e 12 dias de atividade desempenhada em condições especiais,
por ocasião da data da entrada do requerimento administrativo (10/02/2010) portanto, tempo
insuficiente para fazer jus à aposentadoria especial , nos termos do artigo 57 da Lei nº.
8.213/1991.
21 - Acresça-se, ainda, ser possível a conversão do tempo especial em comum,
independentemente da data do exercício da atividade especial, conforme se extrai da
conjugação das regras dos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
22 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99,
conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
23 - Somando-se os períodos comuns aos especiais, reconhecidos nesta demanda, convertidos
em comuns, verifica-se que o autor alcançou 34 anos, 5 meses e 3 dias de serviço na data do
requerimento administrativo (10/02/2010). Ademais, à época já havia completado o requisito
etário (53 anos) e o "pedágio" (31 anos 4 meses e 6 dias). Portanto, fazendo jus à
aposentadoria proporcional por tempo de contribuição, conforme disposição do art. 9º, §1º, da
Emenda Constitucional nº 20/98.
24 - O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo.
25 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente quando da
elaboração da conta, com aplicação do IPCA-E nos moldes do julgamento proferido pelo C.
STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE) e com efeitos
prospectivos.
26 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
27 - Esclareço que se sagrou vitorioso o autor ao ter deferida a aposentadoria proporcional ao
tempo de contribuição postulada. Por outro lado, foi indeferido o pleito de indenização por
danos morais, restando vencedora nesse ponto a autarquia. Desta feita, dou os honorários
advocatícios por compensados entre as partes, ante a sucumbência recíproca (art. 21 do
CPC/73), e deixo de condenar qualquer delas no reembolso das custas e despesas
processuais, por ser a parte autora beneficiária da justiça gratuita e o INSS delas isento.
28 - Agravo retido do autor e remessa necessária desprovida. Apelação da parte autora
parcialmente provida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao
agravo retido e à remessa necessária, tida por interposta, e dar parcial provimento à apelação
do autor, sendo que o Des. Federal Toru Yamamoto, o Des. Federal Paulo Domingues e o Des.
Federal Luiz Stefanini davam parcial provimento à apelação da parte autora em maior extensão,
a fim de fixar o termo inicial do benefício na data do requerimento administrativo.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
