
| D.E. Publicado em 11/04/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora, para reconhecer, como especial, o período laborado pelo autor entre 02/05/85 e 31/10/86; e dar parcial provimento à apelação do INSS, para afastar a especialidade do interregno de 06/03/1997 a 18/11/2003; mantendo-se no mais, por seus próprios fundamentos, a r. sentença de primeiro grau, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0035041-62.2012.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelações interpostas pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, réu, e por JOSÉ GERALDO SANTOS, nos autos da ação movida por este último, objetivando o reconhecimento de períodos de trabalho especial e a concessão de aposentadoria por tempo de serviço.
A r. sentença de fls. 142/144 julgou parcialmente procedente o pedido inicial, reconhecendo, como especial, o interregno de 06/03/1997 a 26/05/2010, condenando a Autarquia Previdenciária à averbação de tal período, em favor do autor, para todos os efeitos previdenciários. Dada a sucumbência recíproca, cada parte arcará com os honorários do respectivo patrono.
Em razões recursais de fls. 147/157v., pugna a Autarquia Previdenciária, preliminarmente, pela extinção do feito sem resolução de mérito, dada a falta de interesse de agir do demandante, e, no mérito, pela improcedência da ação, sob o argumento de que não há, nos autos, prova da especialidade para o período pretendido, bem como que, mesmo se houvesse, ainda assim o requerente a ela não faria jus, visto que houve a utilização de EPI, in casu. Demais disso, não houve exposição habitual e permanente ao fator insalubre "ruído". Requer, por fim, o prequestionamento da matéria.
Por sua vez, a parte autora recorreu (fls. 159/170), pedindo a total procedência do feito, aduzindo a especialidade do período rural trabalhado (02/05/1985 a 31/10/1986).
Contrarrazões ofertadas pelo autor (fls. 174/178).
Devidamente processado o recurso, sem contrarrazões do INSS, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Primeiramente, com relação à arguição preliminar da Autarquia Previdenciária, de se vislumbrar que esta se confunde com o meritum causae, sendo, de molde, apreciado. No mais, verifico, por oportuno, que o pedido formulado na exordial encontra previsão legal, notadamente na Lei de Benefícios. Nesta senda, passo ao exame do mérito recursal propriamente dito.
Quanto ao período laborado na empresa "Servita Serviços e Empreitadas Rurais S/C Ltda." entre 02/05/1985 a 31/10/1986, a CTPS (fl. 22) e o Perfil Profissiográfico Previdenciário (fls. 38/39) comprovam que a parte autora trabalhou na área rural, em empresa rural, mais especificamente, no corte de cana e colheita de café, habitual e permanentemente, pelo período de oito horas diárias, ficando exposto a intempéries, nos termos do Decreto 53.831/64.
Cumpre salientar que em período anterior à da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da categoria profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de março de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, ratificados pelo art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou, inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído e calor.
Ou seja, a Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios, alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial.
Sobre o tema, precedentes do Colendo Superior Tribunal de Justiça: 6ª Turma, REsp nº 440955, Rel. Min. Paulo Gallotti, j. 18/11/2004, DJ 01/02/2005, p. 624; 6ª Turma, AgRg no REsp nº 508865, Rel. Min. Paulo Medina, j. 07/08/2003, DJ 08/09/2003, p. 374.
O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a agentes nocivos.
Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais, agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os grupos profissionais.
Com o advento da Lei nº 6.887/1980, ficou claramente explicitado na legislação a hipótese da conversão do tempo laborado em condições especiais em tempo comum, de forma a harmonizar a adoção de dois sistemas de aposentadoria díspares, um comum e outro especial, o que não significa que a atividade especial, antes disso, deva ser desconsiderada para fins de conversão, eis que tal circunstância decorreria da própria lógica do sistema.
Posteriormente, a Medida Provisória nº 1.523, de 11/10/1996, sucessivamente reeditada até a Medida Provisória nº 1.523-13, de 25/10/1997, convalidada e revogada pela Medida Provisória nº 1.596-14, de 10/11/1997, e ao final convertida na Lei nº 9.528, de 10/12/1997, modificou o artigo 58 e lhe acrescentou quatro parágrafos. A regulamentação dessas regras veio com a edição do Decreto nº 2.172, de 05/03/1997, em vigor a partir de sua publicação, em 06/03/1997, que passou a exigir laudo técnico das condições ambientais de trabalho, expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de 10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico previdenciário (PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que constitui instrumento hábil para a avaliação das condições laborais.
Assim sendo, portanto, com relação ao trabalho desenvolvido na lavoura canavieira e de café, este pode ser enquadrado no Decreto nº 53.831/64, que traz em seu anexo, no rol de atividades profissionais, no item 2.2.1, os "trabalhadores na agropecuária".
Com efeito, a insalubridade do corte de cana-de-açúcar é inquestionável, eis que, conhecidamente, a atividade envolve desgaste físico excessivo, sujeita a horas de exposição ao sol e a produtos químicos, além do contato direto com os malefícios da fuligem, exigindo-se, inclusive, alta produtividade dos trabalhadores e em lamentáveis condições antiergonômicas de trabalho. Esse também é o entendimento desta Sétima Turma: APEL 0026846-88.2012.4.03.9999/SP, 7ª Turma, Rel. Des. Fed. Toru Yamamoto, v. u., julgado em 13/02/2017.
Reputo, pois, enquadrado como especial o período trabalhado entre 02/05/1985 a 31/10/1986.
Passo, pois, à apreciação do trabalho urbano, exercido em condições especiais em decorrência do agente insalubre "ruído".
Destarte, quanto ao período controvertido de labor urbano especial, compreendido entre 06/03/1997 e 26/05/2010, instruiu-se estes autos com o Perfil Profissiográfico Previdenciário, de fls. 40/42, de modo que restou definitivamente comprovado ter o suplicante sido exposto - de modo habitual e permanente - a ruído de 88 dB, durante todo o interregno em referência, quando laborou para a pessoa jurídica "Itaiquara Alimentos S/A".
O Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/64, código 1.1.6, fixou o nível mínimo em 80dB. Por força do Quadro I do Anexo do Decreto nº 72.771/73, de 06/09/1973, esse nível foi elevado para 90dB.
O Quadro Anexo I do Decreto nº 83.080/79, mantido pelo Decreto nº 89.312/84, considera insalubres as atividades que expõem o segurado a níveis de pressão sonora superiores a 90 decibéis, de acordo com o Código 1.1.5. Essa situação foi alterada pela edição dos Decretos nºs 357, de 07/12/1991 e 611, de 21/07/1992, que incorporaram, a um só tempo, o Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24/01/1979, que fixou o nível mínimo de ruído em 90dB e o Anexo do Decreto nº 53.831, de 25/03/1964, que fixava o nível mínimo de 80dB, de modo que prevalece este, por ser mais favorável.
De 06/03/1997 a 18/11/2003, na vigência do Decreto nº 2.172/97, e de 07/05/1999 a 18/11/2003, na vigência do Decreto nº 3.048/99, o limite de tolerância voltou a ser fixado em 90 dB.
A partir de 19/11/2003, com a alteração ao Decreto nº 3.048/99, Anexo IV, introduzida pelo Decreto nº 4.882/03, o limite de tolerância do agente nocivo ruído caiu para 85 dB.
Observa-se que no julgamento do REsp 1398260/PR (Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 14/05/2014, DJe 05/12/2014), representativo de controvérsia, o STJ reconheceu a impossibilidade de aplicação retroativa do índice de 85 dB para o período de 06/03/1997 a 18/11/2003, devendo ser aplicado o limite vigente ao tempo da prestação do labor, qual seja, 90dB.
Assim, temos o seguinte quadro:
Repita-se, por ora, entendimento deste E. TRF, "a desnecessidade de que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que exercida a atividade insalubre, em face de inexistência de previsão legal para tanto, e desde que não haja mudanças significativas no cenário laboral" (TRF-3, APELREEX 0004079-86.2012.4.03.6109, OITAVA TURMA, Rel. Des. Fed. TANIA MARANGONI, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 15/05/2015). No mesmo sentido: TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1423903 - 0002587-92.2008.4.03.6111, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO DOMINGUES, julgado em 24/10/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/11/2016).
Por fim, no que se refere ao uso de equipamento de proteção individual, verifica-se que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 664.335/SC, em sede de repercussão geral, fixou duas teses:
Destarte, a desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
Saliente-se que, conforme declinado alhures, a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
Em assim sendo, especificamente em relação ao intervalo compreendido entre 06/03/97 e 18/11/2003, verifica-se que o nível de ruído seja inferior àquele legalmente tolerado (90 dB), de modo que, quanto a este tópico, merece reforma a r. sentença de origem, para reconhecer, como especial, apenas o interregno de 19/11/2003 a 26/05/2010, quando o limite de ruído máximo tolerado pela legislação então em vigor era de 85 dB.
Acresça-se, por fim, ser possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do exercício da atividade especial, conforme se extrai da conjugação das regras dos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
Observa-se que o fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99, conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
Por derradeiro, conforme planilha anexa, somando-se a atividade especial reconhecida nesta demanda aos demais períodos, incontroversos, após a conversão do tempo especial em comum, verifica-se que o autor contava com 32 anos, 05 meses e 01 dia de contribuição na data da entrada do requerimento (28/07/2010 - fl. 43), de modo a não fazer jus, portanto, à aposentadoria por tempo de serviço/contribuição. Mantido o r. decisum a quo, pois, quanto a tal questão, pelos seus próprios fundamentos.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação da parte autora, para reconhecer, como especial, o período laborado pelo autor entre 02/05/85 e 31/10/86; e dou parcial provimento à apelação do INSS, para afastar a especialidade do interregno de 06/03/1997 a 18/11/2003; mantendo-se no mais, por seus próprios fundamentos, a r. sentença de primeiro grau.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
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