Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1909031 / SP
0002518-83.2010.4.03.6113
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
29/04/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/05/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL OU POR TEMPO
DE CONTRIBUIÇÃO. LEI Nº 8.213/1991. ERRO MATERIAL NA SENTENÇA. DECISÃO
ULTRA PETITA. ADEQUAÇÃO. VERBA HONORÁRIA. CARÁTER PERSONALÍSSIMO.
ILEGITIMIDADE DA PARTE AUTORA. ATIVIDADE ESPECIAL. PROVA TÉCNICA.
SIMILARIDADE. RUÍDO. TEMPO SUFICIENTE. APOSENTADORIA ESPECIAL CONCEDIDA.
TERMO INICIAL. CITAÇÃO. JUROS DE MORA. CORREÇÃO MONETÁRIA. SUCUMBÊNCIA
RECÍPROCA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARCIALMENTE CONHECIDA E
DESPROVIDA. APELAÇÃO DO INSS E REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE
PROVIDAS.
1 - Fixados os limites da lide pela parte autora, veda-se ao magistrado decidir além (ultra petita),
aquém (citra petita) ou diversamente do pedido (extra petita), consoante o art. 492 do
CPC/2015. Todavia, o magistrado a quo não se ateve aos termos do pedido ao reconhecer a
especialidade do trabalho até 16/08/2010 - quando o pedido do autor no tocante à atividade
especial limitou-se ao lapso até 12/11/2009, enfrentando questão que não integrou a pretensão
efetivamente manifesta. Logo, a sentença, neste aspecto, é ultra petita, eis que considerou
como especial a atividade desempenhada em lapso temporal não pleiteado na inicial,
extrapolando os limites do pedido; restando violado o princípio da congruência insculpido no art.
460 do CPC/73, atual art. 492 do CPC/2015. Conveniente esclarecer que a violação ao princípio
da congruência traz, no seu bojo, agressão ao princípio da imparcialidade, porquanto concede
algo não pedido, e do contraditório, na medida em que impede a parte contrária de exercer
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
integralmente seu direito de defesa. Dessa forma, é de ser reduzida a sentença aos limites do
pedido inicial, excluindo-se o labor especial no interregno não indicado pelo autor na inicial.
2 - A verba honorária (tanto a contratual como a sucumbencial) possui caráter personalíssimo,
detendo seu titular, exclusivamente, a legitimidade para pleiteá-los, vedado à parte fazê-lo, na
medida em que a decisão não lhe trouxe prejuízo. Em outras palavras, não tendo a parte autora
experimentado qualquer sucumbência com a prolação da decisão impugnada, ressente-se,
nitidamente, de interesse recursal. Versando o recurso insurgência referente a honorários
advocatícios, patente a ilegitimidade da parte autora no manejo do apelo.
3 - O juízo primário incorreu em evidente erro material ao reconhecer a especialidade do
período de 01/04/2005 a 07/01/2007, quando, em verdade, o ínterim analisado era de
01/04/2005 a 17/01/2007. Por se tratar de mero equívoco, retifica-se o período reconhecido
para 01/04/2005 a 17/01/2007.
4 - Verifica-se que o pedido formulado pela parte autora encontra previsão legal,
especificamente na Lei de Benefícios.
5 - A aposentadoria especial foi instituída pelo artigo 31 da Lei n. 3.807, de 26.08.1960 (Lei
Orgânica da Previdência Social, LOPS). Sobreveio a Lei n. 5.890, de 08.06.1973, que revogou
o artigo 31 da LOPS, e cujo artigo 9º passou regrar esse benefício. A benesse era devida ao
segurado que contasse 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade
profissional, de serviços para esse efeito considerados penosos, insalubres ou perigosos, por
decreto do Poder Executivo.
6 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais.
7 - Logo, até a edição da Lei nº 9.032/95, era possível o reconhecimento da atividade especial:
(a) com base no enquadramento na categoria profissional, desde que a atividade fosse indicada
como perigosa, insalubre ou penosa nos anexos dos Decretos nº 53.831/64 ou 83.080/79
(presunção legal); ou (b) mediante comprovação da submissão do trabalhador,
independentemente da atividade ou profissão, a algum dos agentes nocivos, por qualquer meio
de prova, exceto para ruído e calor.
8 - A apresentação de laudo pericial, Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP ou outro
formulário equivalente para fins de comprovação de tempo de serviço especial, somente passou
a ser exigida a partir de 06.03.1997 (Decreto nº. 2.172/97), exceto para os casos de ruído e
calor, em que sempre houve exigência de laudo técnico para verificação do nível de exposição
do trabalhador às condições especiais.
9 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
10 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
11 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
12 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
13 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
14 - Em sentença, foi reconhecida a especialidade dos lapsos de 07/05/1971 a 11/02/1972
(auxiliar de sapateiro), de 24/01/1973 a 25/07/1975 (auxiliar de sapateiro), de 10/11/1975 a
06/10/1977 (sapateiro), 01/03/1978 a 11/03/1980 (serviços diversos), de 02/05/1980 a
24/05/1981 (sapateiro), de 13/04/1981 a 01/02/1986 (acabador), de 08/07/1986 a 20/08/1989
(frizador), de 01/11/1989 a 11/06/1990 (frizador), de 01/10/1990 a 15/04/1992 (acabador), de
01/09/1992 a 08/03/1996 (acabador), de 01/11/1996 a 05/03/1997 (acabador), 19/11/2003 a
05/12/2003 (acabador), de 02/02/2004 a 20/12/2004 (acabador), de 01/04/2005 a 07/01/2007
(acabador), de 02/07/2007 a 13/12/2007 (acabador) e de 01/07/2008 a 16/08/2010 (acabador),
com base na prova pericial elaborada em juízo, além do laudo técnico apresentado pela parte
autora produzido pelo sindicato da categoria profissional calçadista.
15 - É pacífico o entendimento desta Turma no sentido da possibilidade de realização de prova
pericial indireta, desde que demonstrada a inexistência da empresa, com a aferição dos dados
em estabelecimentos paradigmas, observada a similaridade do objeto social e das condições
ambientais de trabalho.
16 - Em análise ao laudo técnico produzido (fl. 274/290), verifica-se que o autor trabalhou
exposto a ruído acima do limite de tolerância em todas as atividades desempenhadas nos
períodos de 07/05/1971 a 11/12/1972, 24/01/1973 a 25/07/1975, 10/11/1975 a 06/10/1977,
01/03/1978 a 11/03/1980, 02/05/1980 a 24/03/1981, 13/04/1981 a 01/02/1986, 08/07/1986 a
20/08/1989, 01/11/1989 a 11/06/1990, 01/10/1990 a 15/04/1992, de 01/09/1992 a 08/03/1996,
de 01/11/1996 a 05/03/1997, de 19/11/2003 a 05/12/2003, de 02/02/2004 a 20/12/2004, de
01/04/2005 a 17/01/2007, de 02/07/2007 a 13/12/2007 e de 01/07/2008 a 12/11/2009.
17 - Observa-se que o requerente acostou aos autos Perfis Profissiográficos Previdenciários
(fls. 87/102), relativos aos períodos de 19/11/2003 a 05/12/2003, 02/02/2004 a 20/12/2004 e de
01/04/2005 a 17/01/2007, 02/07/2007 a 13/12/2007, laborados em prol dos empregadores
"Look Artefatos de Couro Ltda - ME", "Calçados Antolucci Franca Ltda - ME, "Antolucci Fran
Artefatos de Couro Ltda-EPP" e "Boots Company Indústria e Comércio de Artefatos de Couros
Ltda.", os quais indicam que o autor não trabalhou exposto a qualquer risco.
18 - Digno de nota que, conquanto o especialista tenha indicado, a priori, que realizou a análise
das condições de trabalho em empresa paradigma, em verdade, esclareceu que efetuou a
perícia em empresa sucessora das citadas acima, "A.F.M Indústria de Calçados", que é do
mesmo proprietário e possui o mesmo ambiente laboral (laudo - fl. 285). À vista disso, dada a
especialidade da prova técnica produzida, conclui-se que esta deve prevalecer aos PPP (fls.
87/102) apresentados pelo requerente.
19 - Somando-se a atividade especial reconhecida nesta demanda, verifica-se que o autor
contava com 26 anos, 7 meses e 6 dias de atividade desempenhada em condições especiais,
por ocasião da data da entrada do requerimento (12/11/2009 - fl. 44), fazendo jus, portanto, à
concessão da aposentadoria especial vindicada, nos termos do art. 58 da Lei nº 8.213/91.
20 - O termo inicial do benefício deve ser fixado na data da citação (02/08/2010 - fl. 161), uma
vez que somente foi possível o reconhecimento do período especial em razão do acolhimento,
em juízo, do laudo pericial confeccionado em juízo.
21 - A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual
de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente quando da
elaboração da conta, aplicando-se o IPCA-E nos moldes do julgamento proferido pelo C. STF,
sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), com efeitos
prospectivos.
22 - Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de
acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por
refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.
23 - Sagrou-se vitorioso o autor ao ter concedida a aposentadoria especial vindicada. Por outro
lado, foi indeferido o pleito de indenização por danos morais, restando vencedora nesse ponto a
autarquia. Desta feita, dá-se os honorários advocatícios por compensados entre as partes, ante
a sucumbência recíproca (art. 21 do CPC/73), e deixa-se de condenar qualquer delas no
reembolso das custas processuais, por ser a parte autora beneficiária da justiça gratuita e o
INSS delas isento.
24 - Apelação do autor parcialmente conhecida e desprovida. Remessa necessária e apelação
do INSS parcialmente providas.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, de ofício, reduzir a
sentença, ultra petita, para limitar o cômputo da atividade especial até 12/11/2009, bem assim
corrigir erro material constante na r. sentença, a fim de retificar o labor especial reconhecido
para o período entre 01/04/2005 a 17/01/2007, conhecer parcialmente da apelação do autor e,
na parte conhecida, negar-lhe provimento, e dar parcial provimento à apelação do INSS, para
reconhecer a sucumbência recíproca, dando os honorários advocatícios por compensados e, à
remessa necessária, em maior extensão, para determinar que os valores em atraso sejam
corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora na forma da fundamentação, nos
termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
