Processo
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1675587 / SP
0003046-20.2010.4.03.6113
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
08/04/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:16/04/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL OU POR TEMPO
DE CONTRIBUIÇÃO. LEI Nº 8.213/1991. PROVA PERICIAL. SINDICATO PROFISSIONAL.
VALIDADE. ATIVIDADE ESPECIAL. INDÚSTRIA DE CALÇADOS. AGENTES QUÍMICOS.
RECONHECIMENTO PARCIAL. TEMPO INSUFICIENTE PARA O BENEFÍCIO ESPECIAL. EC
Nº 20/1998. REQUISITO ETÁRIO E "PEDÁGIO" NÃO CUMPRIDOS. APOSENTADORIA POR
TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO NÃO CONCEDIDA. AGRAVO RETIDO DA PARTE AUTORA
DESPROVIDO. APELAÇÃO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDA.
1 - Conhece-se do agravo retido interposto pela parte autora, devidamente reiterado em linhas
introdutórias, em sede recursal, atendidos, assim, os termos do art. 523 do CPC/73; no mérito,
entretanto, verifica-se não assistir razão ao agravante, ora apelante, por não se vislumbrar a
ocorrência do alegado cerceamento de defesa.
2 - Segundo alega a parte autora, a ausência de deferimento de produção da prova pericial teria
ofendido os princípios do contraditório e da ampla defesa, isso porque a natureza especial das
atividades somente poderia ser demonstrada por meio de prova técnico-pericial (requerida na
fase de instrução).
3 - Tais argumentos não merecem prosperar, na medida em que, antecedendo o indeferimento
da prova pericial, foi determinado pelo d. Juízo a quo que a parte autora comprovasse nos
autos a impossibilidade fática de consecução de documentos relativos à atividade laborativa
especial.
4 - E nada, neste sentido, foi demonstrado nos autos, cabendo destacar, nesta oportunidade,
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
que seria da parte autora o ônus de provar o fato constitutivo do seu direito (art. 333, I, do
CPC/73, art. 373, I, do CPC/2015).
5 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais.
6 - Até a edição da Lei nº 9.032/95, era possível o reconhecimento da atividade especial: (a)
com base no enquadramento na categoria profissional, desde que a atividade fosse indicada
como perigosa, insalubre ou penosa nos anexos dos Decretos nº 53.831/64 ou 83.080/79
(presunção legal); ou (b) mediante comprovação da submissão do trabalhador,
independentemente da atividade ou profissão, a algum dos agentes nocivos, por qualquer meio
de prova, exceto para ruído e calor.
7 - A apresentação de laudo pericial, Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP ou outro
formulário equivalente para fins de comprovação de tempo de serviço especial, somente passou
a ser exigida a partir de 06.03.1997 (Decreto nº. 2.172/97), exceto para os casos de ruído e
calor, em que sempre houve exigência de laudo técnico para verificação do nível de exposição
do trabalhador às condições especiais.
8 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
9 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
10 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
11 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
12 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
13 - A apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o reconhecimento
da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução da tecnologia
tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível de ruído acima
do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso concluir que, nos
anos anteriores, referido nível era superior.
14 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99,
conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
15 - Os autos foram instruídos com vasta documentação, observando-se, dentre tal, a cópia de
CTPS da parte autora; para além, documentação específica, cuja finalidade seria demonstrar
sua sujeição a agentes agressivos durante a prática laboral.
16 - Por certo que o PPP fornecido pela empresa H. Bettarello Curtidora e Calçados Ltda.,
referente ao intervalo de 02.01.1997 até 07.06.2000, não indica a existência de qualquer agente
nocivo a que pudesse estar exposto o autor.
17 - No que tange ao período de 17/01/01 a 02/06/03, com efeito, o autor esteve, de fato,
exposto a níveis de ruído inferiores ao limite tolerado pela legislação então em vigor, de modo a
não fazer jus, quanto a tal interregno, portanto, ao reconhecimento da especialidade.
18 - Entretanto, por último, cabe a reforma da r. sentença de 1º grau, para reconhecer a
especialidade do labor do requerente no período compreendido entre 02/02/2009 e 02/10/2009
(data do respectivo PPP), visto que o perfil profissiográfico previdenciário confirma exposição
habitual e permanente a níveis de ruído superiores àqueles permitidos pela legislação então em
vigor.
19 - Ao revisitar os julgados sobre o tema, tormentoso, percebe-se nova reflexão
jurisprudencial, a qual adiro, para admitir a possibilidade de se considerar, como especial, o
trabalho desempenhado sob sujeição a ruído em sua maior intensidade, na medida em que esta
acaba por mascarar a de menor intensidade, militando em favor do segurado a presunção de
que uma maior pressão sonora prevalecia sobre as demais existentes no mesmo setor.
20 - Registre-se, a esse respeito, precedente do C. Superior Tribunal de Justiça, segundo o
qual "não sendo possível aferir a média ponderada, deve ser considerado o maior nível de ruído
a que estava exposto o segurado, motivo pelo qual deve ser reconhecida a especialidade do
labor desenvolvido pelo segurado no período, merecendo reforma, portanto, a decisão
agravada que considerou equivocadamente que o labor fora exercido pelo segurado com
exposição permanente a ruído abaixo de 90dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003" (AgRg no
REsp nº 1.398.049/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, decisão monocrática, DJe
13/03/2015). Precedentes, também neste sentido, desta E. 7ª Turma.
21 - Para comprovar o labor especial exercido nos demais períodos, a parte autora coligiu aos
autos laudo técnico pericial elaborado pelo Sindicato dos Empregados nas Indústrias de
Calçados de Franca/SP, o qual reputo válido para comprovar o desempenho de atividade
especial, com base na jurisprudência da 7ª Turma deste E. TRF da 3ª Região, revendo o
entendimento anteriormente firmado.
22 - Registre-se, porque de todo oportuno, que o laudo pericial em questão somente será, aqui,
utilizado, no tocante aos lapsos temporais que não vieram secundados por qualquer Formulário,
Laudo ou PPP fornecidos pela respectiva empregadora, até porque, na hipótese da existência,
nos autos, de documentação válida, esta, por óbvio, prefere àquela, por retratar de forma
individualizada as condições laborais do empregado.
23 - Atestado pelo laudo pericial que autor, na execução das funções de sapateiro aprendiz,
sapateiro, embonecador e arranhador, trabalhou em contato com os compostos químicos
agressivos à saúde, tolueno (ou metil-benzeno, hidrocarboneto) e acetona (cetona).
23 - Enquadrados como especiais os períodos de 02/05/1974 a 08/08/1974, 02/02/1976 a
11/03/1976, 03/05/1976 a 23/06/1976, 23/08/1977 a 16/02/1978, 17/03/1978 a 01/12/1978,
01/08/1979 a 13/03/1980, 24/04/1980 a 11/06/1981, 03/08/1981 a 17/12/1981, 03/05/1982 a
20/06/1982, 08/07/1982 a 03/12/1982, 19/01/1984 a 29/03/1984, 16/04/1984 a 22/05/1984,
02/09/1985 a 10/10/1987, 19/10/1987 a 09/07/1991, 05/07/1993 a 20/10/1994, 13/07/1995 a
15/03/1996, 10/12/2003 a 06/09/2005, 17/10/2005 a 11/06/2007 e 02/02/2009 a 31/12/2009, de
acordo com os itens 1.2.11, Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/64, 1.2.10, Anexo I do Decreto
nº 83.080/79 e 1.0.3, Anexo IV, do Decreto nº 3.048/99.
24 - Somando-se a atividade especial reconhecida nesta demanda, verifica-se que o autor
contava com 16 anos, 7 meses e 20 dias de atividade desempenhada em condições especiais,
por ocasião da data da entrada do requerimento administrativo (05/11/2009), não fazendo jus,
portanto, à aposentadoria especial pleiteada.
25 - Acresça-se, ainda, ser possível a conversão do tempo especial em comum,
independentemente da data do exercício da atividade especial, conforme se extrai da
conjugação das regras dos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
26 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99,
conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
27 - Somando-se os períodos comuns aos especiais, reconhecidos nesta demanda, convertidos
em comuns, verifica-se que o autor alcançou 31 anos, 5 meses e 8 dias de serviço na data do
requerimento administrativo (05/11/2009), no entanto, à época não havia completado o requisito
etário (53 anos) e o "pedágio" (33 anos, 5 meses e 26 dias) para fazer jus à aposentadoria
proporcional por tempo de contribuição, conforme disposição do art. 9º, §1º, da Emenda
Constitucional nº 20/98.
28 - Sagrou-se vitorioso o autor ao ver reconhecida parte da especialidade vindicada. Por outro
lado, não foi concedida a aposentadoria especial ou por tempo de contribuição, restando
vencedora nesse ponto a autarquia. Desta feita, honorários advocatícios por compensados
entre as partes, ante a sucumbência recíproca (art. 21 do CPC/73), e sem condenação de
qualquer delas no reembolso das custas e despesas processuais, por ser a parte autora
beneficiária da justiça gratuita e o INSS delas isento.
29 - Agravo retido do autor desprovido. Apelação do autor parcialmente provida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, conhecer e negar
provimento ao agravo retido, e dar parcial provimento à apelação do autor, apenas para
reconhecer, como especial, o interregno compreendido entre 02/05/1974 a 08/08/1974,
02/02/1976 a 11/03/1976, 03/05/1976 a 23/06/1976, 23/08/1977 a 16/02/1978, 17/03/1978 a
01/12/1978, 01/08/1979 a 13/03/1980, 24/04/1980 a 11/06/1981, 03/08/1981 a 17/12/1981,
03/05/1982 a 20/06/1982, 08/07/1982 a 03/12/1982, 19/01/1984 a 29/03/1984, 16/04/1984 a
22/05/1984, 02/09/1985 a 10/10/1987, 19/10/1987 a 09/07/1991, 05/07/1993 a 20/10/1994,
13/07/1995 a 15/03/1996, 10/12/2003 a 06/09/2005, 17/10/2005 a 11/06/2007 e 02/02/2009 a
31/12/2009, mantendo-se, no mais, a r. sentença de primeiro grau, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
