Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 2040297 / SP
0002249-10.2011.4.03.6113
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
21/10/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/11/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL OU POR TEMPO
DE CONTRIBUIÇÃO. SENTENÇA CITRA E ULTRA PETITA. LAUDO JUDICIAL. PERÍCIA
INDIRETA. POSSIBILIDADE. PROVA PERICIAL. SINDICATO PROFISSIONAL. VALIDADE.
ATIVIDADE ESPECIAL. INDÚSTRIA DE CALÇADOS. AGENTES QUÍMICOS.
RECONHECIMENTO PARCIAL. TEMPO INSUFICIENTE PARA O BENEFÍCIO ESPECIAL.
APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO CONCEDIDA. TERMO INICIAL. DATA
DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA.
SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA DESPROVIDA. APELAÇÃO
DO INSS E REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE PROVIDAS.
1 - Fixados os limites da lide pela parte autora, veda-se ao magistrado decidir além (ultra petita),
aquém (citra petita) ou diversamente do pedido (extra petita), consoante o art. 492 do
CPC/2015.
2 - Todavia, em sua decisão, o MM. Juiz a quo expressamente não analisou pedido formulado
na inicial, no tocante ao reconhecimento do labor especial de 01/08/2009 a 26/02/2010, eis que
não consignou referido período na tabela constante em sua fundamentação, sendo, aqui, citra
petita; bem como computou o período de 01/07/1992 a 30/11/1993, quando requerido apenas
de 01/07/1992 a 30/10/1993, sendo ultra petita, restando violado o princípio da congruência
insculpido no art. 460 do CPC/73, atual art. 492 do CPC/2015.
3 - Conveniente esclarecer que a violação ao princípio da congruência traz, no seu bojo,
agressão ao princípio da imparcialidade e do contraditório.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
4 - Assim, é de ser integrada a sentença, procedendo-se à análise do pedido expressamente
formulado na inicial, porém não enfrentado pelo decisum, e deve ser reduzida aos limites do
pedido, excluindo-se a condenação do INSS no cômputo do tempo especial de 01/11/1993 a
30/11/1993.
5 - Verifica-se que o pedido formulado pela parte autora encontra previsão legal,
especificamente na Lei de Benefícios.
6 - A aposentadoria especial foi instituída pelo artigo 31 da Lei n. 3.807, de 26.08.1960 (Lei
Orgânica da Previdência Social, LOPS). Sobreveio a Lei n. 5.890, de 08.06.1973, que revogou
o artigo 31 da LOPS, e cujo artigo 9º passou regrar esse benefício. A benesse era devida ao
segurado que contasse 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade
profissional, de serviços para esse efeito considerados penosos, insalubres ou perigosos, por
decreto do Poder Executivo.
7 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais.
8 - Logo, até a edição da Lei nº 9.032/95, era possível o reconhecimento da atividade especial:
(a) com base no enquadramento na categoria profissional, desde que a atividade fosse indicada
como perigosa, insalubre ou penosa nos anexos dos Decretos nº 53.831/64 ou 83.080/79
(presunção legal); ou (b) mediante comprovação da submissão do trabalhador,
independentemente da atividade ou profissão, a algum dos agentes nocivos, por qualquer meio
de prova, exceto para ruído e calor.
9 - A apresentação de laudo pericial, Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP ou outro
formulário equivalente para fins de comprovação de tempo de serviço especial, somente passou
a ser exigida a partir de 06.03.1997 (Decreto nº. 2.172/97), exceto para os casos de ruído e
calor, em que sempre houve exigência de laudo técnico para verificação do nível de exposição
do trabalhador às condições especiais.
10 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
11 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
12 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
13 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
14 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
15 - Pretende a parte autora a concessão de aposentadoria especial, mediante o
reconhecimento da especialidade do labor nos períodos de 01/05/1970 a 17/05/1972,
01/07/1972 a 03/04/1973, 01/05/1973 a 20/04/1974, 01/07/1974 a 22/12/1976, 01/02/1977 a
10/08/1979, 01/09/1979 a 13/01/1980, 01/02/1980 a 29/12/1981, 01/04/1982 a 03/10/1983,
01/11/1983 a 14/12/1983, 14/12/1983 a 28/05/1984, 01/07/1984 a 21/05/1987, 01/10/1987 a
30/06/1989, 02/01/1990 a 12/12/1991, 01/07/1992 a 30/11/1993, 01/02/1995 a 06/10/1995,
08/07/1996 a 07/02/1997, 04/03/2002 a 24/05/2002, 03/03/2003 a 01/03/2004, 01/04/2004 a
28/12/2004, 01/03/2006 a 16/05/2007, 01/07/2009 a 26/02/2010.
16 - Tendo em vista a devolutividade da matéria a este E. Tribunal (balizada pelos temas que
foram ventilados nos apelos), restam incontroversos os períodos de 04/03/2002 a 24/05/2002 e
01/07/2009 a 30/07/2009, nos quais a parte autora pugnava pelo assentamento da
especialidade do labor e foram refutados pelo Digno Juiz de 1º grau, devendo ser computados
como tempo de serviço comum.
17 - Produzido laudo técnico judicial, o experto de confiança do juízo aferiu que o requerente,
quando laborou na "Bertelli Assessoria Imp. Exp. Ltda", de 01/07/1984 a 21/05/1987 (avaliador
comercial e industrial - revisor plancheamento), foi exposto à ruído de 85,9dB(A); na empresa
"João Amorim Costa-ME", de 03/03/2003 a 01/03/2004 (plancheador), à ruído de 85,9dB(A) e
aos agentes químicos "névoas, neblina e vapores de cola, tintas e resinas"; e perante a "Flama
Manufatura de Couro Ltda. EPP", de 01/04/2004 a 28/12/2004 (plancheador) e de 01/03/2006 a
16/05/2007 (revisor de plancheamento), à intensidade sonora de 85,9dB(A) e aos agentes
químicos "névoas, neblina e vapores de cola, tintas e resinas".
18 - Logo, verifica-se o demandante trabalhou submetido a fragor superior ao limite de
tolerância à época da prestação de serviço no lapsos de 01/07/1984 a 21/05/1987, 01/04/2004
a 28/12/2004 e 01/03/2006 a 16/05/2007, e aos agentes químicos previstos no item 1.0.3 do
Decreto 3.048/99, no intervalo de 03/03/2003 a 01/03/2004.
19 - Não obstante haver Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP's coligidos aos autos,
referentes aos interstícios de 01/04/2004 a 28/12/2004 e 01/03/2006 a 16/05/2007, referidos
documentos não se prestam ao fim a que se destinam, vez que expressamente consigna que
"não houve laudo", de modo que prevalecem as conclusões do laudo judicial.
20 - Saliente-se que é pacífico o entendimento desta Turma no sentido da possibilidade de
realização de prova pericial indireta, desde que demonstrada a inexistência da empresa, com a
aferição dos dados em estabelecimentos paradigmas, observada a similaridade do objeto social
e das condições ambientais de trabalho.
21 - Ainda no que concerne à prova pericial confeccionada a rogo do juízo, ressalte-se que, no
exercício de seu poder instrutório, cabe ao julgador indeferir a produção da prova técnica que
considerar inútil em face da existência de dados suficientes para o julgamento da causa,
podendo, doutra via, determinar de ofício a elaboração de outras que se façam necessárias à
formação do seu convencimento (arts. 370 e art. 464 do CPC/15 e art. 130 do CPC/73).
22 - Para comprovar o labor especial exercido nos demais períodos, o autor apresentou laudo
técnico pericial elaborado pelo Sindicato dos Empregados nas Indústrias de Calçados de
Franca/SP, o qual reputa-se válido para comprovar o desempenho de atividade especial, com
base na jurisprudência da 7ª Turma deste E. TRF da 3ª Região, revendo o entendimento
anteriormente firmado.
23 - Registre-se, porque de todo oportuno, que o laudo pericial em questão somente será, aqui,
utilizado, no tocante aos lapsos temporais que não vieram secundados por qualquer Formulário,
Laudo ou PPP fornecidos pela respectiva empregadora, até porque, na hipótese da existência,
nos autos, de documentação válida, esta, por óbvio, prefere àquela, por retratar de forma
individualizada as condições laborais do empregado
24 - Impõe-se registrar que as anotações dos contratos de trabalho na CTPS do autor
comprovam os vínculos laborais mantidos com as empresas indicadas no documento, assim
como as funções desempenhadas, posto que é assente na jurisprudência que as anotações da
CTPS gozam de presunção relativa de veracidade, consoante cristalizado no Enunciado nº 12
do Tribunal Superior do Trabalho.
25 - Neste contexto, o autor, na execução das funções de sapateiro, chefe de seção, chefe de
plancheamento, avaliador comercial e industrial, chefe de expedição, revisor, plancheador,
revisor de plancheamento e acabador, todas na indústria de calçados, trabalhou em contato
com os compostos químicos agressivos à saúde, tolueno (ou metil-benzeno, hidrocarboneto) e
acetona (cetona), consoante atestado no laudo pericial apresentado. A exposição a tais
substâncias enquadra a atividade desempenhada como especial, conforme o Decreto nº
53.831/64 (código 1.2.11), Decreto nº 83.080/79 (código 1.2.10) e Decreto nº 3.048/99 (código
1.0.3).
26 - Noutra quadra, não há provas de que o autor tenha trabalhado exposto a agentes nocivos à
saúde durante o labor no período de 01/07/1992 a 30/10/1993, uma vez que não há indicação
na CTPS da função desempenhada, de modo que impossível identificar o setor em que estava
lotado, ou mesmo especificar as atividades exercidas por este, mostrando-se impossível
enquadrar as funções nas condições de trabalho aferidas como insalubres no laudo pericial.
27 - Enquadrados como especiais os períodos de 01/05/1970 a 17/05/1972, 01/07/1972 a
03/04/1973, 01/05/1973 a 20/04/1974, 01/07/1974 a 22/12/1976, 01/02/1977 a 10/08/1979,
01/09/1979 a 13/01/1980, 01/02/1980 a 29/12/1981, 01/04/1982 a 03/10/1983, 01/11/1983 a
14/12/1983, 15/12/1983 a 28/05/1984, 01/07/1984 a 21/05/1987, 01/10/1987 a 30/06/1989,
02/01/1990 a 12/12/1991, 01/02/1995 a 06/10/1995, 08/07/1996 a 07/02/1997, 03/03/2003 a
01/03/2004, 01/04/2004 a 28/12/2004, 01/03/2006 a 16/05/2007, e 01/08/2009 a 26/02/2010.
28 - Considerando-se a atividade especial reconhecida nesta demanda, verifica-se que o autor
contava com 24 anos, 06 meses e 12 dias de atividade desempenhada em condições especiais,
por ocasião da data da entrada do requerimento (26/02/2010), não fazendo jus, portanto, à
concessão da aposentadoria especial vindicada.
29 - Possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do
exercício da atividade especial, conforme se extrai da conjugação das regras dos arts. 28 da Lei
nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
30 - Observa-se que o fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do
Decreto nº 3.048/99, conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
31 - Somando-se o tempo de serviço comum (conforme CTPS) ao especial, reconhecido nesta
demanda, convertido em comum, verifica-se que o autor alcançou 35 anos, 11 meses e 26 dias
de serviço na data do requerimento administrativo (26/02/2010), fazendo jus à aposentadoria
por tempo de contribuição postulada sucessivamente.
32 - O termo inicial do benefício deve ser mantido na data do requerimento administrativo
(26/02/2010), conforme posicionamento majoritário desta E. Sétima Turma, ressalvado o
entendimento pessoal deste relator acerca da ausência de comprovação do direito no momento
da formulação do pleito na via administrativa.
33 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
34 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
35 - Sagrou-se vitorioso o autor ter deferida a aposentadoria por tempo de contribuição
requerida. Por outro lado, não foi deferida indenização por danos morais, restando vencedora
nesse ponto a autarquia. Desta feita, dá-se os honorários advocatícios por compensados entre
as partes, ante a sucumbência recíproca (art. 21 do CPC/73), e deixa-se de condenar qualquer
delas no reembolso das custas, por ser a parte autora beneficiária da justiça gratuita e o INSS
delas isento.
36 - Apelação do autor desprovida. Apelação do INSS e remessa necessária parcialmente
providas.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à
apelação da parte autora, dar parcial provimento à remessa necessária, para reduzir a r.
sentença aos limites do pedido, excluindo-se o reconhecimento do tempo especial de
01/11/1993 a 30/11/1993, e para integrá-la, por ser citra petita, reconhecendo a especialidade
do labor de 01/08/2009 a 26/02/2010, dar parcial provimento à apelação do INSS, para afastar a
especialidade do período de 01/07/1992 a 30/10/1993 e, por conseguinte, julgar improcedente o
pedido de concessão da aposentadoria especial, concedido na origem, determinando que a
autarquia implante em favor do autor o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, a
partir do requerimento administrativo (26/02/2010), sendo que sobre os valores em atraso
incidirá correção monetária, de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será
apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e juros de mora até a expedição do ofício
requisitório, de acordo com o mesmo Manual, bem como para, diante da sucumbência
recíproca reconhecida, dar por compensados os honorários advocatícios, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
