D.E. Publicado em 07/02/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à remessa necessária, apenas para estabelecer que sobre os valores em atraso incidirá correção monetária de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e juros de mora até a expedição do ofício requisitório, de acordo com o mesmo Manual, mantidos os demais termos consagrados na sentença, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL Nº 0009030-41.2012.4.03.6104/SP
RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de remessa necessária em ação previdenciária ajuizada por MARIA ELIZA CERVANTE LUPPINO em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão de "aposentadoria especial", mediante o reconhecimento de especialidade laborativa.
A r. sentença (fls. 197/202) julgou procedente a ação, reconhecendo a atividade laborativa especial desempenhada desde 28/02/1986 até 02/05/2011, condenando a autarquia previdenciária no pagamento de "aposentadoria especial" à parte autora (totalizados 25 anos, 02 meses e 03 dias de atividades especiais), a partir da data do requerimento administrativo (17/01/2012), com incidência de correção monetária e juros de mora sobre o montante em atraso. O INSS restou condenado, ainda, no pagamento da verba advocatícia, estipulada em 10% sobre as parcelas vencidas, observada a letra da Súmula 111 do C. STJ, não havendo condenação em custas processuais, em virtude da isenção legal de que gozaria o ente previdenciário, bem como da gratuidade da justiça conferida à litigante (fl. 95). A sentença foi, por fim, submetida ao reexame obrigatório.
Os embargos de declaração opostos pela parte autora (fls. 206/207) foram sumariamente rejeitados (fls. 210 e verso), sendo que o apelo interposto pelo INSS (fls. 214/228) não avançara, haja vista a conferência de sua extemporaneidade (fls. 229/230).
Na sequência, ascenderam os autos a este Tribunal Regional Federal, por força da remessa atribuída.
É o relatório.
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Enfatizo que a propositura da demanda dera-se em 17/09/2012 (fl. 02), com a posterior citação da autarquia em 31/01/2013 (fl. 97) e a prolação da r. sentença aos 25/08/2015 (fl. 202), sob a égide, portanto, do Código de Processo Civil de 1973.
Na peça vestibular, descreve a parte autora seu ciclo laborativo desenvolvido exclusivamente na condição de cirurgiã-dentista, em atividade autônoma estabelecida em consultório particular - principiada em 28/02/1986, prolongada até tempos hodiernos - requerendo, pois, a concessão de "aposentadoria especial", desde o momento da postulação administrativa, em 17/01/2012 (sob NB 159.193.083-6, fl. 18).
Ressalte-se, de início, o aproveitamento da especialidade quanto aos interstícios de 28/02/1986 a 30/06/1990 e 01/07/1990 a 28/04/1995, adotados pelo INSS em sede administrativa (fl. 74), remanescendo, portanto, a controvérsia sobre o tempo de 29/04/1995 em diante.
Verifica-se que o pedido formulado pela parte autora encontra previsão legal, especificamente na Lei de Benefícios.
Da atividade especial.
A aposentadoria especial foi instituída pelo artigo 31 da Lei n. 3.807, de 26.08.1960 (Lei Orgânica da Previdência Social, LOPS). Sobreveio a Lei n. 5.890, de 08.06.1973, que revogou o artigo 31 da LOPS, e cujo artigo 9º passou regrar esse benefício. A benesse era devida ao segurado que contasse 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, de serviços para esse efeito considerados penosos, insalubres ou perigosos, por decreto do Poder Executivo.
O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a agentes nocivos.
Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais, agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de aposentadoria especial, sendo que o Anexo I classificava as atividades de acordo com os agentes nocivos, enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os grupos profissionais.
Atualmente, a aposentadoria especial encontra previsão no art. 57 da Lei nº 8.213/91, cuja redação prevê que "(...) será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)". (grifo nosso)
Logo, até a edição da Lei nº 9.032/95, era possível o reconhecimento da atividade especial: (a) com base no enquadramento na categoria profissional, desde que a atividade fosse indicada como perigosa, insalubre ou penosa nos anexos dos Decretos nº 53.831/64 ou 83.080/79 (presunção legal); ou (b) mediante comprovação da submissão do trabalhador, independentemente da atividade ou profissão, a algum dos agentes nocivos, por qualquer meio de prova, exceto para ruído e calor.
A apresentação de laudo pericial, Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP ou outro formulário equivalente, para fins de comprovação de tempo de serviço especial, somente passou a ser exigida a partir de 06.03.1997 (Decreto nº. 2.172/97), exceto para os casos de ruído e calor, em que sempre houve exigência de laudo técnico para verificação do nível de exposição do trabalhador às condições especiais.
Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por demandar avaliação técnica, frise-se, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
O Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/64, código 1.1.6, fixou o nível mínimo em 80 dB. Por força do Quadro I do Anexo do Decreto nº 72.771/73, de 06/09/1973, esse nível foi elevado para 90 dB.
O Quadro Anexo I do Decreto nº 83.080/79, mantido pelo Decreto nº 89.312/84, considera insalubres as atividades que expõem o segurado a níveis de pressão sonora superiores a 90 decibéis, de acordo com o Código 1.1.5. Essa situação foi alterada pela edição dos Decretos nºs 357, de 07/12/1991 e 611, de 21/07/1992, que incorporaram, a um só tempo, o Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24/01/1979, que fixou o nível mínimo de ruído em 90 dB e o Anexo do Decreto nº 53.831, de 25/03/1964, que fixava o nível mínimo de 80 dB, de modo que prevalece este, por ser mais favorável.
De 06/03/1997 a 18/11/2003, na vigência do Decreto nº 2.172/97, e de 07/05/1999 a 18/11/2003, na vigência do Decreto nº 3.048/99, o limite de tolerância voltou a ser fixado em 90 dB.
A partir de 19/11/2003, com a alteração ao Decreto nº 3.048/99, Anexo IV, introduzida pelo Decreto nº 4.882/03, o limite de tolerância do agente nocivo ruído caiu para 85 dB.
Observa-se que no julgamento do REsp 1398260/PR (Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 14/05/2014, DJe 05/12/2014), representativo de controvérsia, o STJ reconheceu a impossibilidade de aplicação retroativa do índice de 85 dB para o período de 06/03/1997 a 18/11/2003, devendo ser aplicado o limite vigente ao tempo da prestação do labor, qual seja, 90 dB.
Assim, temos o seguinte quadro:
Importante ressaltar que o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em condições especiais.
Saliente-se, mais, e na esteira de entendimento deste E. TRF, "a desnecessidade de que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que exercida a atividade insalubre, em face de inexistência de previsão legal para tanto, e desde que não haja mudanças significativas no cenário laboral" (TRF-3, APELREEX 0004079-86.2012.4.03.6109, OITAVA TURMA, Rel. Des. Fed. TANIA MARANGONI, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 15/05/2015). No mesmo sentido: TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1423903 - 0002587-92.2008.4.03.6111, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO DOMINGUES, julgado em 24/10/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/11/2016).
Por derradeiro, no que se refere ao uso de equipamento de proteção individual, verifica-se que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 664.335/SC, em sede de repercussão geral, fixou duas teses:
Destarte, a desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
Saliente-se que, conforme declinado alhures, a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
Do caso em tela.
Consta dos autos não apenas a documentação coligida pela autora (fls. 17/93 e 182/191), como também a íntegra do procedimento administrativo de benefício (fls. 122/167), dentre o que merecem destaque os seguintes documentos:
* comprovante da diplomação da autora como cirurgiã-dentista, perante a Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Campus de Sorocaba - Faculdade de Odontologia, em 29/11/1984 (fl. 23);
* carteira de inscrição da autora junto ao Conselho Federal de Odontologia, emitida em 28/05/1985 (fl. 24);
* declaração firmada por representante da Secretaria da Fazenda - Departamento do ISS, órgão subordinado à Municipalidade de Itanhaém/SP, noticiando a inscrição da autora na qualidade de cirurgiã-dentista desde 28/02/1986, até aquela data de emissão do documento (fl. 39);
* comprovantes de recolhimentos de tributos municipais referentes aos anos de 1986 a 2011, na categoria dentista - atividades odontológicas (fls. 40/64).
Para além, o Perfil Profissiográfico - PPP (fls. 33/34) e o laudo técnico epidemiológico (fls. 35/38) - ambos subscritos pelo Médico do Trabalho Dr. Júlio Alberto Pitelli, CRM/SP 21.211 - descrevem, pormenorizadamente, as tarefas executadas pela autora como profissional cirurgiã-dentista, sob exposição a agentes de risco, dentre os quais, doenças infectocontagiosas (vírus e bactérias) e materiais contaminados, cuja previsão encontra-se nos códigos 1.3.2 e 2.1.3 do Decreto nº 53.831/64, 1.3.4 e 2.1.3 do Decreto nº 83.080/79, 3.0.1 do Decreto nº 2.172/97 e 3.0.1 do Decreto nº 3.048/99.
Em suma: deve-se admitir, sem reservas, a excepcionalidade do labor da autora também quanto ao interregno de 29/04/1995 até 02/05/2011, em idênticos moldes àqueles delineados na r. sentença.
Imperioso mencionar, ainda, que podem ser conferidas junto ao sistema informatizado CNIS as sucessivas contribuições previdenciárias vertidas pela autora desde junho/1985 até julho/2012 (fls. 66/71 e 80/85) - inseridas no período de labor sob análise.
Assim sendo, valendo-me aqui da planilha confeccionada pelo d. Juízo (fl. 203), reconheço o labor da parte autora, de índole unicamente especial, constatando que na data do pedido administrativo, em 17/01/2012, totalizava 25 anos, 02 meses e 03 dias de tempo de serviço, superada a marca dos exigidos 25 anos de dedicação exclusiva a tarefas de ordem especial.
O marco inicial do benefício resta mantido na data da postulação administrativa (17/01/2012), momento da resistência inicial do INSS à pretensão da autora-segurada.
A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.
Ante o exposto, dou parcial provimento à remessa necessária, apenas para estabelecer que sobre os valores em atraso incidirá correção monetária de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e juros de mora até a expedição do ofício requisitório, de acordo com o mesmo Manual, mantidos os demais termos consagrados na sentença.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
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