Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2002920 / SP
0028486-58.2014.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
26/08/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/09/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. SENTENÇA
CONDICIONAL. NULIDADE. POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO IMEDIATO. ATIVIDADE
ESPECIAL. CANA-DE-AÇÚCAR. ENQUADRAMENTO PROFISSIONAL. AGROPECUÁRIA.
IMPOSSIBILIDADE DEFINIDA PELO STJ. RUÍDO. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE.
RECONHECIMENTO PARCIAL. TEMPO INSUFICIENTE. APOSENTADORIA ESPECIAL NÃO
CONCEDIDA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO CONCEDIDA. DATA DE
INÍCIO DO BENEFÍCIO. DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. CORREÇÃO
MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PEDIDO JULGADO
PARCIALMENTE PROCEDENTE. APELAÇÃO DO INSS E DA PARTE AUTORA
PREJUDICADAS.
1 - Fixados os limites da lide pela parte autora, veda-se ao magistrado decidir além (ultra petita),
aquém (citra petita) ou diversamente do pedido (extra petita), consoante o art. 492 do
CPC/2015. Em sua decisão, o juiz a quo reconheceu tempo de serviço especial e determinou
ao INSS que promovesse a recontagem do período trabalhado pelo autor, a fim de verificar o
cumprimento dos requisitos para a concessão da aposentadoria, portanto, condicionando a
concessão do benefício à análise do INSS. Desta forma, está-se diante de sentença
condicional, restando violado o princípio da congruência insculpido no art. 460 do CPC/73, atual
art. 492 do CPC/2015.
2 - O caso, entretanto, não é de remessa dos autos à 1ª instância, uma vez que a legislação
autoriza expressamente o julgamento imediato do processo quando presentes as condições
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
para tanto. Considerando que a causa encontra-se madura para julgamento - presentes os
elementos necessários ao seu deslinde - e que o contraditório e a ampla defesa restaram
assegurados - com a citação válida do ente autárquico - e, ainda, amparado pela legislação
processual aplicável, passa-se ao exame do mérito da demanda.
3 - A aposentadoria especial foi instituída pelo artigo 31 da Lei n. 3.807, de 26.08.1960 (Lei
Orgânica da Previdência Social, LOPS). Sobreveio a Lei n. 5.890, de 08.06.1973, que revogou
o artigo 31 da LOPS, e cujo artigo 9º passou regrar esse benefício. A benesse era devida ao
segurado que contasse 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade
profissional, de serviços para esse efeito considerados penosos, insalubres ou perigosos, por
decreto do Poder Executivo.
4 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais.
5 - Atualmente, a aposentadoria especial encontra previsão no art. 57 da Lei nº 8.213/91.
6 - Logo, até a edição da Lei nº 9.032/95, era possível o reconhecimento da atividade especial:
(a) com base no enquadramento na categoria profissional, desde que a atividade fosse indicada
como perigosa, insalubre ou penosa nos anexos dos Decretos nº 53.831/64 ou 83.080/79
(presunção legal); ou (b) mediante comprovação da submissão do trabalhador,
independentemente da atividade ou profissão, a algum dos agentes nocivos, por qualquer meio
de prova, exceto para ruído e calor.
7 - A apresentação de laudo pericial, Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP ou outro
formulário equivalente para fins de comprovação de tempo de serviço especial, somente passou
a ser exigida a partir de 06.03.1997 (Decreto nº. 2.172/97), exceto para os casos de ruído e
calor, em que sempre houve exigência de laudo técnico para verificação do nível de exposição
do trabalhador às condições especiais.
8 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
9 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
10 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
11 - Vale frisar que a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o
reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução
da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível
de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso
concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
12 - Durante as atividades realizadas na "Usina Açucareira Jaboticabal SA", de 17/05/1982 a
10/10/1982 e 11/05/1983 a 13/11/1983, e na "Raízen Energia SA", de 29/01/1986 a 15/05/1986
e 17/12/1986 a 29/12/1986, o formulário de fls. 33 e os Perfis Profissiográficos Previdenciários
de fls. 38/39 e 42/43 indicam que o requerente trabalhou desempenhando atividades no corte
de cana-de-açúcar.
13 - A 1ª Seção do c. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Pedido de Uniformização
de Interpretação de Lei autuado sob n.º 452/PE, firmou entendimento no sentido de não ser
possível equiparar a categoria profissional de agropecuária, constante no item 2.2.1 do Anexo
ao Decreto n.º 53.831/1964, à atividade exercida pelo empregado rural na lavoura da cana-de-
açúcar. Assim, com ressalva de entendimento deste Relator, não se reconhece a natureza
especial do labor exercido na lavoura de cana-de-açúcar.
14 - Assim, não reconheço a natureza especial da atividade exercida de 17/05/1982 a
10/10/1982, 11/05/1983 a 13/11/1983, 29/01/1986 a 15/05/1986 e 17/12/1986 a 29/12/1986.
15 - Para comprovar o exercício de atividades especiais, o autor trouxe a juízo os Perfis
Profissiográficos Previdenciários de fls. 36/37, 56/58, 60/61, 62/65, com indicação dos
responsáveis pelos registros ambientais e pela monitoração biológica, que atestam a sua
exposição a ruído de: a) 87,3dB, no período de 01/08/1985 a 23/10/1985, e de 84dB, nos
interregnos de 01/02/1993 a 11/05/1993, 30/11/1993 a 03/05/1994, 26/11/1994 a 23/04/1995,
14/12/1995 a 02/05/1996 e de 10/12/1996 a 30/04/1997, trabalhado na "Raízen Energia SA"; b)
91,7dB, no interregno de 03/12/1998 a 22/11/1999, laborado nessa mesma empregadora; c)
92,5dB, de 11/05/2000 a 30/04/2001 e 01/05/2001 a 27/03/2010, trabalhado na empresa "Cotril
Rental Ltda."; d) 95,70dB, de 17/08/2010 a 14/02/2013, trabalhado na "Leão Rental
Participações Ltda."
16 - Assim sendo, à vista do conjunto probatório, enquadrados como especiais os períodos de
01/08/1985 a 23/10/1985, 01/02/1993 a 11/05/1993, 30/11/1993 a 03/05/1994, 26/11/1994 a
23/04/1995, 14/12/1995 a 02/05/1996, 10/12/1996 a 05/03/1997, 03/12/1998 a 22/11/1999,
11/05/2000 a 30/04/2001, 01/05/2001 a 27/03/2010 e 17/08/2010 a 14/02/2013.
17 - Afastada, portanto, a especialidade no período de 06/03/1997 a 30/04/1997, tendo em vista
que o autor estava exposto a ruído inferior ao limite de tolerância legal à época da prestação
dos serviços (90db). Cumpre também acrescentar que, no período de 29/03/2010 a 16/08/2010,
não houve especificação da intensidade de ruído a que o autor estava exposto (fls. 62/65, bem
como somente foi mencionada, de modo genérico, a exposição a poeira, o que se demonstra
insuficiente para a admissão da especialidade.
18 - Consoante planilha anexa (tabela 1), somando-se a especialidade reconhecida nesta
demanda, adicionada aos períodos especiais incontroversos de fls. 66/73, verifica-se que o
autor contava com 25 anos, 7 meses e 25 dias de atividade desempenhada em condições
especiais no momento do requerimento administrativo (DIB - 14/02/2013 - fls. 66/73), fazendo
jus, portanto, à aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 da Lei nº. 8.213/1991.
19 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do
exercício da atividade especial, consoante o disposto nos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º,
da Lei nº 8.213/91.
20 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99,
conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
21 - Considerado o período especial admitido nesta demanda, convertido em tempo comum, a
parte autora, na data do requerimento administrativo (DIB - 14/02/2013 - fls. 66/73), completou
36 anos, 2 meses e 1 dia de contribuição, o que lhe assegura o direito à aposentadoria integral
por tempo de contribuição, não havendo que se falar em aplicação do requisito etário (tabela 2).
22 - O requisito carência restou também completado.
23 - O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo (DIB -
14/02/2013 - fls. 66/73).
24 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
25 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
26 - Quanto aos honorários advocatícios, é inegável que as condenações pecuniárias da
autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a referida verba
deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente - conforme, aliás, preconizava o §4º, do
art. 20 do CPC/73, vigente à época do julgado recorrido - o que restará perfeitamente atendido
com o percentual de 10% (dez por cento), devendo o mesmo incidir sobre o valor das parcelas
vencidas até a data da prolação da sentença, consoante o verbete da Súmula 111 do Superior
Tribunal de Justiça.
27 - Sentença anulada. Pedido julgado parcialmente procedente. Apelação do INSS e da parte
autora prejudicadas.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, anular a r. sentença de 1º
grau, por se tratar de provimento condicional e, com supedâneo no art. 1.013, §3º, II, do Código
de Processo Civil, julgar parcialmente procedente o pedido, para reconhecer a especialidade
nos períodos de 01/08/1985 a 23/10/1985, 01/02/1993 a 11/05/1993, 30/11/1993 a 03/05/1994,
26/11/1994 a 23/04/1995, 14/12/1995 a 02/05/1996, 10/12/1996 a 05/03/1997, 03/12/1998 a
22/11/1999, 11/05/2000 a 30/04/2001, 01/05/2001 a 27/03/2010 e 17/08/2010 a 14/02/2013, e
condenar o INSS na implantação da aposentadoria por tempo de contribuição, a partir da data
do requerimento administrativo (14/02/2013), sendo que sobre os valores em atraso incidirá
correção monetária de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos
na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada
pelos índices de variação do IPCA-E, e juros de mora até a expedição do ofício requisitório, de
acordo com o mesmo Manual, condenando-o, ainda, no pagamento dos honorários
advocatícios, arbitrados no montante de 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da
prolação da sentença, restando prejudicadas a apelação do INSS e da parte autora, nos termos
do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
