
| D.E. Publicado em 19/12/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, de ofício, anular a r. sentença de 1º grau, por se tratar de sentença condicional e, com supedâneo no art. 1.013, §3º, II, do Código de Processo Civil, julgar parcialmente procedente o pedido, para reconhecer a especialidade no período de 01/03/2002 a 21/07/2010, dando os honorários advocatícios por compensados entre as partes, ante a sucumbência recíproca, restando prejudicada a análise das apelações da parte autora e do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0048941-15.2012.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelações interpostas pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS e pela parte autora, em ação previdenciária ajuizada por JOSÉ MARQUES DO REIS FILHO, objetivando a concessão de aposentadoria especial, mediante o reconhecimento do trabalho desenvolvido em condições especiais.
A r. sentença de fls. 106/111 julgou parcialmente procedente o pedido inicial, para reconhecer a especialidade entre 18/11/2003 a 21/07/2010, e condenou o INSS na implantação da aposentadoria especial, a partir da data do requerimento administrativo, caso o interregno reconhecido adicionado aos "demais tempos especiais eventualmente já reconhecidos em sede administrativa" "implicarem a existência de tempo mínimo relativo ao benefício". Foi deferida a tutela antecipada e não houve condenação no pagamento dos honorários advocatícios.
Em razões recursais de fls. 115/131, a parte autora alega nulidade da sentença em razão do cerceamento de defesa para a produção da prova pericial. Sustenta que restou comprovada a especialidade nos períodos vindicados, devido ao enquadramento profissional, bem como à exposição a ruído e agentes químicos insalubres.
O INSS, por sua vez, às fls. 162/176, sustenta que não restou demonstrado que o requerente estivesse sujeito a atividades especiais. Pleiteia o afastamento da especialidade reconhecida, arguindo, ainda, a impossibilidade de conversão do tempo especial em comum após 28/09/1998. Afirma a necessidade de laudo técnico comprobatório do exercício de atividades prejudiciais à saúde, aduzindo que o uso de equipamentos de proteção individuais neutraliza a agressividade, portanto, descaracterizando o trabalho especial.
Intimadas as partes, o autor apresentou contrarrazões (fls. 179/186).
Devidamente processados os recursos, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de pedido de concessão do benefício de aposentadoria especial, previsto no artigo 57 da Lei nº 8.213/91.
Fixados os limites da lide pela parte autora, veda-se ao magistrado decidir além (ultra petita), aquém (citra petita) ou diversamente do pedido (extra petita), consoante o art. 492 do CPC/2015.
Em sua decisão, o juiz a quo, apesar de reconhecer a especialidade no período de 18/11/2003 a 21/07/2010, determinou que a autarquia procedesse à contagem do tempo de serviço, condicionando a concessão do benefício à presença da totalidade dos requisitos, o que deveria ser averiguado pelo INSS.
Desta forma, está-se diante de sentença condicional, eis que expressamente não foi analisado o pedido formulado na inicial, restando violado o princípio da congruência insculpido no art. 460 do CPC/73, atual art. 492 do CPC/2015.
O caso, entretanto, não é de remessa dos autos à 1ª instância, uma vez que a legislação autoriza expressamente o julgamento imediato do processo quando presentes as condições para tanto. É o que se extrai do art. 1.013, § 3º, II, do Código de Processo Civil:
Considerando que a causa encontra-se madura para julgamento - presentes os elementos necessários ao seu deslinde - e que o contraditório e a ampla defesa restaram assegurados - com a citação válida do ente autárquico - e, ainda, amparado pela legislação processual aplicável, passo ao exame do mérito da demanda.
Verifico que o pedido formulado pela parte autora encontra previsão legal, especificamente na Lei de Benefícios. Assim, devidamente inserido no Sistema Previdenciário, não há que se falar em ausência de custeio, desde que preenchidos os requisitos previstos na vasta legislação aplicável à matéria.
A aposentadoria especial foi instituída pelo artigo 31 da Lei n. 3.807, de 26.08.1960 (Lei Orgânica da Previdência Social, LOPS). Sobreveio a Lei n. 5.890, de 08.06.1973, que revogou o artigo 31 da LOPS, e cujo artigo 9º passou regrar esse benefício. A benesse era devida ao segurado que contasse 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, de serviços para esse efeito considerados penosos, insalubres ou perigosos, por decreto do Poder Executivo.
O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a agentes nocivos.
Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais, agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os grupos profissionais.
Atualmente, a aposentadoria especial encontra previsão no art. 57 da Lei nº 8.213/91, cuja redação prevê que "(...) será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)". (grifos nossos)
Logo, até a edição da Lei nº 9.032/95, era possível o reconhecimento da atividade especial: (a) com base no enquadramento na categoria profissional, desde que a atividade fosse indicada como perigosa, insalubre ou penosa nos anexos dos Decretos nº 53.831/64 ou 83.080/79 (presunção legal); ou (b) mediante comprovação da submissão do trabalhador, independentemente da atividade ou profissão, a algum dos agentes nocivos, por qualquer meio de prova, exceto para ruído e calor.
A apresentação de laudo pericial, Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP ou outro formulário equivalente para fins de comprovação de tempo de serviço especial, somente passou a ser exigida a partir de 06.03.1997 (Decreto nº. 2.172/97), exceto para os casos de ruído e calor, em que sempre houve exigência de laudo técnico para verificação do nível de exposição do trabalhador às condições especiais.
Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
O Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/64, código 1.1.6, fixou o nível mínimo em 80dB. Por força do Quadro I do Anexo do Decreto nº 72.771/73, de 06/09/1973, esse nível foi elevado para 90dB.
O Quadro Anexo I do Decreto nº 83.080/79, mantido pelo Decreto nº 89.312/84, considera insalubres as atividades que expõem o segurado a níveis de pressão sonora superiores a 90 decibéis, de acordo com o Código 1.1.5. Essa situação foi alterada pela edição dos Decretos nºs 357, de 07/12/1991 e 611, de 21/07/1992, que incorporaram, a um só tempo, o Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24/01/1979, que fixou o nível mínimo de ruído em 90dB e o Anexo do Decreto nº 53.831, de 25/03/1964, que fixava o nível mínimo de 80dB, de modo que prevalece este, por ser mais favorável.
De 06/03/1997 a 18/11/2003, na vigência do Decreto nº 2.172/97, e de 07/05/1999 a 18/11/2003, na vigência do Decreto nº 3.048/99, o limite de tolerância voltou a ser fixado em 90 dB.
A partir de 19/11/2003, com a alteração ao Decreto nº 3.048/99, Anexo IV, introduzida pelo Decreto nº 4.882/03, o limite de tolerância do agente nocivo ruído caiu para 85 dB.
Observa-se que no julgamento do REsp 1398260/PR (Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 14/05/2014, DJe 05/12/2014), representativo de controvérsia, o STJ reconheceu a impossibilidade de aplicação retroativa do índice de 85 dB para o período de 06/03/1997 a 18/11/2003, devendo ser aplicado o limite vigente ao tempo da prestação do labor, qual seja, 90dB.
Assim, temos o seguinte quadro:
No tocante à variação de ruído, é certo que, até então, vinha aplicando o entendimento no sentido da impossibilidade de reconhecimento da especialidade da atividade, na hipótese de submissão do empregado a nível de pressão sonora de intensidade variável, em que aquela de menor valor fosse inferior ao limite estabelecido pela legislação vigente.
Ao revisitar os julgados sobre o tema, tormentoso, percebe-se nova reflexão jurisprudencial, a qual adiro, para admitir a possibilidade de se considerar, como especial, o trabalho desempenhado sob sujeição a ruído em sua maior intensidade, na medida em que esta acaba por mascarar a de menor intensidade, militando em favor do segurado a presunção de que uma maior pressão sonora prevalecia sobre as demais existentes no mesmo setor.
Registre-se, a esse respeito, precedente do C. Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual "não sendo possível aferir a média ponderada, deve ser considerado o maior nível de ruído a que estava exposto o segurado, motivo pelo qual deve ser reconhecida a especialidade do labor desenvolvido pelo segurado no período, merecendo reforma, portanto, a decisão agravada que considerou equivocadamente que o labor fora exercido pelo segurado com exposição permanente a ruído abaixo de 90dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003". Esta 7ª Turma, em caso análogo, assim decidiu:
De igual sorte, no caso de "atenuação" do ruído em decorrência do uso de Equipamento de Proteção Individual - EPI, é certo que a sua utilização não reflete a real sujeição a mencionado agente agressivo e, bem por isso, há que se considerar, por coerência lógica, hipótese em que há atenuação apontada, a qual seria somada ao nível de ruído constante do laudo, para fins de aferição da efetiva potência sonora existente no ambiente laboral.
Importante ressaltar que o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em condições especiais.
Saliente-se, mais, e na esteira de entendimento deste E. TRF, "a desnecessidade de que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que exercida a atividade insalubre, em face de inexistência de previsão legal para tanto, e desde que não haja mudanças significativas no cenário laboral" (TRF-3, APELREEX 0004079-86.2012.4.03.6109, OITAVA TURMA, Rel. Des. Fed. TANIA MARANGONI, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 15/05/2015). No mesmo sentido: TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1423903 - 0002587-92.2008.4.03.6111, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO DOMINGUES, julgado em 24/10/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/11/2016).
Por derradeiro, no que se refere ao uso de equipamento de proteção individual, verifica-se que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 664.335/SC, em sede de repercussão geral, fixou duas teses:
Destarte, a desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
Do caso concreto.
Toda a discussão trazida a juízo consiste na análise dos períodos trabalhados na empresa "Usina Açucareira Bela Vista SA".
Quanto ao interregno trabalhado entre 01/06/1984 a 31/08/1990, ao exercer a profissão de "aprendiz de usina"/"auxiliar mecânico", o Perfil Profissiográfico Previdenciário de fls. 22/23 indica que o autor não estava exposto a qualquer fator de risco para a saúde. Assim, também em razão da ausência de enquadramento profissional das atividades por ele exercida como atividade especial, nos termos da legislação vigente à época dos serviços prestados, esse tempo de serviço somente pode ser considerado como comum.
Durante as atividades desenvolvidas entre 06/03/1997 a 30/06/2000, quando desempenhava as funções de "mecânico de manutenção industrial" ("montar, desmontar, reparar, trocar peças de máquinas equipamentos diversos, instalados no interior do Parque Industrial"), o Perfil Profissiográfico Previdenciário de fls. 24/25 revela que não há especialidade a ser admitida. Isso porque o ruído a que estava exposto (máximo de 84dB) o requerente é inferior ao limite de tolerância legal à época (90dB) e a exposição a agentes químicos (óleo-graxa-fumos) foi neutralizada pelo uso de equipamentos individuais eficazes, apontado no item 15.7 da fl.24. Embora haja ainda menção a esforço físico, tal circunstância, por si só, nada acrescenta no reconhecimento pretendido, dada a ausência de sua previsão como atividade insalubre. E a vibração registrada, considerada as tarefas desempenhadas pelo requerente acima descritas, em nada se assemelha à trepidação nociva à saúde, característica da perfuração de superfícies.
No que se refere aos períodos de 01/07/2000 a 30/09/2001 e 01/10/2001 a 28/02/2002, quando o autor trabalhou, respectivamente, como "lubrificador industrial" e "mecânico soldador", os Perfis Profissiográficos Previdenciários de fls. 26/27 e 28/29 não trazem comprovação de qualquer insalubridade para o seu reconhecimento.
Por outro lado, entre 01/03/2002 a 21/07/2010, o Perfil Profissiográfico Previdenciário de fls. 30/31, com indicação do profissional responsável pelos registros ambientais, informa que o requerente estava exposto a ruído entre 88,1dB a 92,3dB.
Assim sendo, à vista do conjunto probatório, enquadrado como especial o período de 01/03/2002 a 21/07/2010, eis que o maior ruído atestado é superior ao limite de tolerância legal no respectivo período.
Consoante a tabela inserida na petição inicial à fl. 03, resta claro que, apenas mediante o reconhecimento do período especial entre 01/03/2002 a 21/07/2010, o somatório da totalidade do tempo especial reconhecido não é suficiente para assegurar o direito à aposentadoria especial (25 anos), nos termos do artigo 57 da Lei nº. 8.213/1991.
Esclareço que se sagrou vitorioso o autor ao ver reconhecida parte da especialidade vindicada. Por outro lado, não foi concedida a aposentadoria especial, restando vencedora nesse ponto a autarquia. Desta feita, dou os honorários advocatícios por compensados entre as partes, ante a sucumbência recíproca (art. 21 do CPC/73), e deixo de condenar qualquer delas no reembolso das custas e despesas processuais, por ser a parte autora beneficiária da justiça gratuita e o INSS delas isento.
Diante do exposto, de ofício, anulo a r. sentença de 1º grau, por se tratar de sentença condicional e, com supedâneo no art. 1.013, §3º, II, do Código de Processo Civil, julgo parcialmente procedente o pedido, para reconhecer a especialidade no período de 01/03/2002 a 21/07/2010, dando os honorários advocatícios por compensados entre as partes, ante a sucumbência recíproca, restando prejudicada a análise das apelações da parte autora e do INSS.
É como voto.
Desembargador Federal
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