
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000815-23.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: AMARILIO FRANCISCO DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: FABIANE BRITO LEMES - MS9180-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000815-23.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: AMARILIO FRANCISCO DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: FABIANE BRITO LEMES - MS9180-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, objetivando a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural e/ou híbrida.
A r. sentença (Id. 287352477, págs. 48/50) julgou improcedente o pedido.
Em razões recursais, pugna a parte autora pela reforma da sentença e a procedência do pedido, ao argumento, em síntese, de que preenche os requisitos necessários à concessão do benefício pleiteado.
Subiram a esta Corte.
É o relatório.
pc
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000815-23.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: AMARILIO FRANCISCO DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: FABIANE BRITO LEMES - MS9180-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade recursais, passo ao exame da matéria objeto de devolução.
Preliminar de Interesse de Agir
Inicialmente, a despeito de não ser matéria inserta no recurso da Autora, abordo a questão de interesse de agir invocada em contestação, por se tratar de matéria de ordem pública e de relevância para o feito em análise.
A parte autora não possui nenhum requerimento administrativo de aposentadoria por idade indeferido, quer rural quer híbrida, defendendo a tese jurídica de que possui interesse de agir na data da DER do LOAS do qual o autor é titular, alegando que o INSS deveria ter concedido ao Autor, na oportunidade, aposentadoria por idade rural e/ou híbrida.
Contudo, os pressupostos de concessão dos benefícios mencionados são absolutamente distintos, não havendo nos autos qualquer prova inequívoca de que o Autor teria levado ao INSS a informação do exercício de atividade rural pelo prazo necessário e sua pretensão de concessão de aposentadoria por idade.
Assim, a rigor, seria o caso de extinguir o feito sem julgamento do mérito, por falta de interesse de agir.
Todavia, no caso específico dos autos, deixo de assim proceder, adotando as razões apresentadas na decisão recorrida, eis que não vislumbro má-fé, dada a interpretação da tese adotada na inicial.
Noto que o autor é um trabalhador rural, atualmente com 86 anos de idade, que aguarda há anos um desfecho judicial para esta ação (interposta em 2017).
Transcrevo aqui o trecho da sentença, que ora ratifico (Id. 287352477, pág. 49):
“Da preliminar de carência da ação: Inicialmente, rejeito a preliminar de carência da ação pela ausência de requerimento na via administrativa, uma vez que tal entendimento não é absoluto, devendo o caso concreto ser analisado à luz de suas particularidades. No caso em tela, verifico que se trata de idoso com idade avançada, contando atualmente com 79 anos de idade, o qual instruiu o feito com diversos documentos, além de já ter sido realizada toda a instrução processual, razão pela entendo que o autor possui o direito de ter sua demanda analisada pelo Poder Judiciário, consagrando-se, assim, o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, previsto no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal.
Nesse sentido, invoco entendimento similar do TRF-3ª Região:
PROCESSO CIVIL. REMESSA OFICIAL. AUSÊNCIA DE PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. CARÊNCIA DA AÇÃO. NÃO CONFIGURADA. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CONSECTÁRIOS LEGAIS. 2. O objeto da apelação é, somente, a necessidade de prévio requerimento administrativo. 3. Anoto que restou definida pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 631.240, com repercussão geral reconhecida, a questão relativa à necessidade de requerimento administrativo para os processos judiciais envolvendo a concessão ou o restabelecimento de benefício previdenciário, estabelecendo-se, ainda, regras de transição para as ações distribuídas até 03/09/2014. Afastamento da necessidade de prévio requerimento administrativo, excepcionalmente, tendo em vista o tempo de tramitação da ação, a produção de todas as provas necessárias ao deslinde da demanda, bem como, proferida sentença de mérito e concedida a tutela antecipada. Ademais, a autora, quando do ajuizamento da ação, já contava com idade avançada. (TRF 3ª Região, DÉCIMA TURMA, ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 2227812 - 0009121-13.2017.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NELSON PORFIRIO, julgado em 05/12/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/12/2017 ).”
Certo é que o Autor recebeu orientação jurídica de seus representantes legais sobre a qual não possui nenhum conhecimento técnico, portanto, não estaria apto a avaliar o risco da tese defendida na exordial e, dada a idade avançada e o lapso temporal de sete anos de duração da presente demanda, em que pese juridicamente acertada, deixo excepcionalmente de extinguir o feito sem mérito por falta de interesse de agir e passo a analisar o mérito recursal devolvido.
1. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA
A aposentadoria por idade vem regida no art. 48, Lei 8.213/91, que possui o seguinte teor:
Art. 48 - A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. (Redação dada pela Lei nº 9.032/95)
§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinquenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11. (Redação dada pela Lei 9.876, de 26.11.99)
§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benéfico pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se home, e 60 (sessenta) anos, se mulher. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
§ 4oPara efeito do § 3odeste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de acordo com o disposto no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-contribuição da Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 11,718, de 2008)
Como se observa da cristalina redação do § 3º, presente expressa previsão para que os trabalhadores, que migraram de categoria, possam se valer do mister rural, para fins de obtenção de aposentadoria por idade, unicamente tendo sido estatuído patamar etário mais elevado, pois quando o labor campesino é puro, o legislador firmou critério mais brando, como visto no § 1º.
Neste passo, quanto à comprovação da condição de segurado, nos termos do artigo 55, § 3º da Lei 8.213/91 e de acordo com a jurisprudência consubstanciada na Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça, é possível a comprovação do trabalho rural mediante a apresentação de início de prova documental complementada por prova testemunhal:
"(...) a prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário".
Início de prova material não significa completude, mas elemento indicativo que permita o reconhecimento da situação jurídica discutida, desde que associada a outros dados probatórios.
Ressalta-se que o início de prova material exigido pelo § 3º do artigo 55, da Lei 8.213/91, não significa que o segurado deverá demonstrar mês a mês ou ano a ano, por intermédio de documentos, o exercício de atividade na condição de rurícola, pois isto importaria em se exigir que todo o período de trabalho fosse comprovado documentalmente, sendo de nenhuma utilidade a prova exclusivamente testemunhal, para a demonstração do labor rural.
Frise-se, por igual, que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 652591/SC, Relatora Ministra Laurita Vaz, j. 28/09/2004, p. 25/10/2004, p. 385) consagrou o entendimento de que o início de prova material do exercício de atividade rural por um dos cônjuges aproveita ao outro.
Nessa diretriz, posiciona-se o C. Superior Tribunal de Justiça:
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. INCISOS VII E IX DO ART. 485 DO CPC. TRABALHADOR RURAL. APOSENTADORIA POR IDADE. DOCUMENTOS NOVOS. POSSIBILIDADE. PERÍODO LEGAL DE CARÊNCIA IMEDIATAMENTE ANTERIOR. EFETIVA ATIVIDADE AGRÍCOLA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. COMPROVAÇÃO. AÇÃO PROCEDENTE.
...
II - Seguindo essa premissa, a jurisprudência desta Corte de Justiça firmou posicionamento segundo o qual as certidões de nascimento, casamento e óbito, bem como certidão da Justiça Eleitoral, carteira de associação ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais e contratos de parceria agrícola são aceitos como início da prova material, nos casos em que a profissão rural estiver expressamente consignada.
III - O pedido inicial instruído por início de prova material, corroborado pelo acervo testemunhal, é apto a comprovar o exercício de atividade rurícola.
IV - A apresentação de novos documentos na presente via rescisória pelo rurícola é aceita por este Superior Tribunal ante o princípio do pro misero e da específica condição dos trabalhadores rurais no que concerne à produção probatória.
V - Ação rescisória procedente.
(AR 4.209/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/06/2015, DJe 01/07/2015)
Afigura-se, ademais, assente o entendimento, perante o C. STJ, da possibilidade de aproveitamento dos trabalhos campesinos e urbanos, a ensejar o reconhecimento de aposentadoria por idade híbrida, sob pena de causar prejuízo ao obreiro que mudou de categoria durante sua vida laboral, independentemente da predominância das atividades, bem assim possível o aproveitamento do período anterior à Lei 8.213, a título de carência:
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. ART. 48, §§ 3º e 4º, DA LEI 8.213/1991. TRABALHO URBANO E RURAL NO PERÍODO DE CARÊNCIA. REQUISITO. LABOR CAMPESINO NO MOMENTO DE IMPLEMENTAR O REQUISITO ETÁRIO OU O REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. EXIGÊNCIA AFASTADA. CONTRIBUIÇÕES. TRABALHO RURAL.
1. O INSS interpôs Recurso Especial aduzindo que a parte ora recorrida não se enquadra na aposentadoria por idade prevista no art. 48, § 3º, da Lei 8.213/1991, pois no momento de implementar o requisito etário ou o requerimento administrativo era trabalhadora urbana, sendo a citada norma dirigida a trabalhadores rurais. Aduz ainda que o tempo de serviço rural anterior à Lei 8.213/1991 não pode ser computado como carência.
2. O § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991(com a redação dada pela Lei 11.718/2008) dispõe: "§ 3o Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher."
3. Do contexto da Lei de Benefícios da Previdência Social se constata que a inovação legislativa trazida pela Lei 11.718/2008 criou forma de aposentação por idade híbrida de regimes de trabalho, contemplando aqueles trabalhadores rurais que migraram temporária ou definitivamente para o meio urbano e que não têm período de carência suficiente para a aposentadoria prevista para os trabalhadores urbanos (caput do art. 48 da Lei 8.213/1991) e para os rurais (§§ 1º e 2º do art. 48 da Lei 8.213/1991).
4. Como expressamente previsto em lei, a aposentadoria por idade urbana exige a idade mínima de 65 anos para homens e 60 anos para mulher, além de contribuição pelo período de carência exigido. Já para os trabalhadores exclusivamente rurais, a idade é reduzida em cinco anos e o requisito da carência restringe-se ao efetivo trabalho rural (art. 39, I, e 143 da Lei 8.213/1991).
5. A Lei 11.718/2008, ao incluir a previsão dos §§ 3º e 4º no art. 48 da Lei 8.213/1991, abrigou, como já referido, aqueles trabalhadores rurais que passaram a exercer temporária ou permanentemente períodos em atividade urbana, já que antes da inovação legislativa o mesmo segurado se encontrava num paradoxo jurídico de desamparo previdenciário: ao atingir idade avançada, não podia receber a aposentadoria rural porque exerceu trabalho urbano e não tinha como desfrutar da aposentadoria urbana em razão de o curto período laboral não preencher o período de carência.
6. Sob o ponto de vista do princípio da dignidade da pessoa humana, a inovação trazida pela Lei 11.718/2008 consubstancia a correção de distorção da cobertura previdenciária: a situação daqueles segurados rurais que, com a crescente absorção da força de trabalho campesina pela cidade, passam a exercer atividade laborais diferentes das lides do campo, especialmente quanto ao tratamento previdenciário.
7. Assim, a denominada aposentadoria por idade híbrida ou mista (art. 48, §§ 3º e 4º, da Lei 8.213/1991) aponta para um horizonte de equilíbrio entre a evolução das relações sociais e o Direito, o que ampara aqueles que efetivamente trabalharam e repercute, por conseguinte, na redução dos conflitos submetidos ao Poder Judiciário.
8. Essa nova possibilidade de aposentadoria por idade não representa desequilíbrio atuarial, pois, além de exigir idade mínima equivalente à aposentadoria por idade urbana (superior em cinco anos à aposentadoria rural), conta com lapsos de contribuição direta do segurado que a aposentadoria por idade rural não exige.
9. Para o sistema previdenciário, o retorno contributivo é maior na aposentadoria por idade híbrida do que se o mesmo segurado permanecesse exercendo atividade exclusivamente rural, em vez de migrar para o meio urbano, o que representará, por certo, expressão jurídica de amparo das situações de êxodo rural, já que, até então, esse fenômeno culminava em severa restrição de direitos previdenciários aos trabalhadores rurais.
10. Tal constatação é fortalecida pela conclusão de que o disposto no art. 48, §§ 3º e 4º, da Lei 8.213/1991 materializa a previsão constitucional da uniformidade e equivalência entre os benefícios destinados às populações rurais e urbanas (art. 194, II, da CF), o que torna irrelevante a preponderância de atividade urbana ou rural para definir a aplicabilidade da inovação legal aqui analisada.
11. Assim, seja qual for a predominância do labor misto no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo, o trabalhador tem direito a se aposentar com as idades citadas no § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991, desde que cumprida a carência com a utilização de labor urbano ou rural. Por outro lado, se a carência foi cumprida exclusivamente como trabalhador urbano, sob esse regime o segurado será aposentado (caput do art. 48), o que vale também para o labor exclusivamente rurícola (§§1º e 2º da Lei 8.213/1991).
12. Na mesma linha do que aqui preceituado: REsp 1.376.479/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, Julgado em 4.9.2014, pendente de publicação.
13. Observando-se a conjugação de regimes jurídicos de aposentadoria por idade no art. 48, § 3º, da Lei 8.213/1991, denota-se que cada qual deve ser observado de acordo com as respectivas regras.
14. Se os arts. 26, III, e 39, I, da Lei 8.213/1991 dispensam o recolhimento de contribuições para fins de aposentadoria por idade rural, exigindo apenas a comprovação do labor campesino, tal situação deve ser considerada para fins do cômputo da carência prevista no art. 48, § 3º, da Lei 8.213/1991, não sendo, portanto, exigível o recolhimento das contribuições.
15. Agravo Regimental não provido".
(AgRg no REsp 1497086/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/03/2015, DJe 06/04/2015)
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. AUSÊNCIA DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO. CÔMPUTO DE TEMPO RURAL ANTERIOR À LEI N. 8.213/1991. ART. 48, §§ 3º E 4º, DA LEI N. 8.213/1991, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 11.718/2008. OBSERVÂNCIA. SÚMULA N. 83/STJ.
1. Os trabalhadores rurais que não satisfazem a condição para a aposentadoria do art. 48, §§ 1° e 2°, da Lei n. 8.213/91 podem computar períodos urbanos, pelo art. 48, § 3°, da mesma lei, que autoriza a carência híbrida.
2. No caso dos autos o Tribunal de origem, com amparo nos elementos fático-probatórios dos autos, concluiu que o segurado especial que comprove a condição de rurícola, mas não consiga cumprir o tempo rural de carência exigido na tabela de transição prevista no art. 142 da Lei n. 8.213/1991 e que tenha contribuído sob outras categorias de segurado, poderá ter reconhecido o direito ao benefício aposentadoria por idade híbrida, desde que a soma do tempo rural com o de outra categoria implemente a carência necessária contida na Tabela.
3. Ficou consignado também que "o fato de não estar desempenhando atividade rural por ocasião do requerimento administrativo não pode servir de obstáculo à concessão do benefício. A se entender assim, o trabalhador seria prejudicado por passar contribuir, o que seria um contrassenso. A condição de trabalhador rural, ademais, poderia ser readquirida com o desempenho de apenas um mês nesta atividade. Não teria sentido se exigir o retorno do trabalhador às lides rurais por apenas um mês para fazer jus à aposentadoria por idade. O que a modificação legislativa permitiu foi, em rigor, o aproveitamento do tempo rural para fins de carência, com a consideração de salários-de-contribuição pelo valor mínimo, no caso específico da aposentadoria por idade aos 60 (sessenta) ou 65 (sessenta e cinco) anos (mulher ou homem)".
4. Das razões acima expendidas, verifica-se que o Tribunal a quo decidiu de acordo com jurisprudência desta Corte, de modo que se aplica à espécie o enunciado da Súmula n. 83/STJ. Precedentes.
Agravo regimental desprovido."
(AgRg no REsp 1531534/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/06/2015, DJe 30/06/2015)
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA, MEDIANTE CÔMPUTO DE TRABALHO URBANO E RURAL. ART. 48, § 3º, DA LEI 8.213/91. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
I. Consoante a jurisprudência do STJ, o trabalhador rural que não consiga comprovar, nessa condição, a carência exigida, poderá ter reconhecido o direito à aposentadoria por idade híbrida, mediante a utilização de períodos de contribuição sob outras categorias, seja qual for a predominância do labor misto, no período de carência, bem como o tipo de trabalho exercido, no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo, hipótese em que não terá o favor de redução da idade.
II. Em conformidade com os precedentes desta Corte a respeito da matéria, "seja qual for a predominância do labor misto no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo, o trabalhador tem direito a se aposentar com as idades citadas no § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991, desde que cumprida a carência com a utilização de labor urbano ou rural. Por outro lado, se a carência foi cumprida exclusivamente como trabalhador urbano, sob esse regime o segurado será aposentado (caput do art. 48), o que vale também para o labor exclusivamente rurícola (§§1º e 2º da Lei 8.213/1991)", e, também, "se os arts. 26, III, e 39, I, da Lei 8.213/1991 dispensam o recolhimento de contribuições para fins de aposentadoria por idade rural, exigindo apenas a comprovação do labor campesino, tal situação deve ser considerada para fins do cômputo da carência prevista no art. 48, § 3º, da Lei 8.213/1991, não sendo, portanto, exigível o recolhimento das contribuições" (STJ, AgRg no REsp 1.497.086/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 06/04/2015).
III. Na espécie, o Tribunal de origem, considerando, à luz do art.48, § 3º, da Lei 8.213/91, a possibilidade de aproveitamento do tempo rural para fins de concessão do benefício de aposentadoria por idade urbana, concluiu que a parte autora, na data em que postulou o benefício, em 24/02/2012, já havia implementado os requisitos para a sua concessão.
IV. Agravo Regimental improvido".
(AgRg no REsp 1477835/PR, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/05/2015, DJe 20/05/2015)
Aliás, mui elucidativo o trecho do REsp 1531534, onde a constar: "...o fato de não estar desempenhando atividade rural por ocasião do requerimento administrativo não pode servir de obstáculo à concessão do benefício. A se entender assim, o trabalhador seria prejudicado por passar contribuir, o que seria um contrassenso. A condição de trabalhador rural, ademais, poderia ser readquirida com o desempenho de apenas um mês nesta atividade. Não teria sentido se exigir o retorno do trabalhador às lides rurais por apenas um mês para fazer jus à aposentadoria por idade. O que a modificação legislativa permitiu foi, em rigor, o aproveitamento do tempo rural para fins de carência, com a consideração de salários-de-contribuição pelo valor mínimo, no caso específico da aposentadoria por idade aos 60 (sessenta) ou 65 (sessenta e cinco) anos (mulher ou homem)".
Por fim, quanto à possibilidade do cômputo de trabalho rural, em período anterior à edição da Lei de Benefícios, sem recolhimentos, anoto que o C. Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Repetitivo (Tema 1007 – Resp 1674221/SP e Resp1788404/PR), firmou a seguinte tese:
“O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo”. (g.n.)
Trago à colação a ementa proferida pela C. Primeira Seção da Corte Superior:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO AO RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. OBSERVÂNCIA DO ARTIGO 1.036, § 5o. DO CÓDIGO FUX E DOS ARTS. 256-E, II, E 256-I DO RISTJ. APOSENTADORIA HÍBRIDA. ART. 48, §§ 3o. E 4o. DA LEI 8.213/1991. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DE ISONOMIA A TRABALHADORES RURAIS E URBANOS. MESCLA DOS PERÍODOS DE TRABALHO URBANO E RURAL. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL, REMOTO E DESCONTÍNUO, ANTERIOR À LEI 8.213/1991 A DESPEITO DO NÃO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO. CÔMPUTO DO TEMPO DE SERVIÇO PARA FINS DE CARÊNCIA. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO LABOR CAMPESINO POR OCASIÃO DO IMPLEMENTO DO REQUISITO ETÁRIO OU DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. TESE FIXADA EM HARMONIA COM O PARECER MINISTERIAL. RECURSO ESPECIAL DA SEGURADA PROVIDO.
1. A análise da lide judicial que envolve a proteção do Trabalhador Rural exige do julgador sensibilidade, e é necessário lançar um olhar especial a esses trabalhadores para compreender a especial condição a que estão submetidos nas lides campesinas.
2. Como leciona a Professora DANIELA MARQUES DE MORAES, é preciso analisar quem é o outro e em que este outro é importante para os preceitos de direito e de justiça. Não obstante o outro possivelmente ser aqueles que foi deixado em segundo plano, identificá-lo pressupõe um cuidado maior. Não se pode limitar a apontar que seja o outro. É preciso tratar de tema correlatos ao outro, com alteridade, responsabilidade e, então, além de distinguir o outro, incluí-lo (mas não apenas de modo formal) ao rol dos sujeitos de direito e dos destinatários da justiça (A Importância do Olhar do Outro para a Democratização do Acesso à Justiça, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 35).
3. A Lei 11.718/2008, ao incluir a previsão dos §§ 3o. e 4o. no art. 48 da lei 8.213/1991, abrigou, como já referido, aqueles Trabalhadores Rurais que passaram a exercer temporária ou permanentemente períodos em atividade urbana, já que antes da inovação legislativa o mesmo Segurado se encontrava num paradoxo jurídico de desamparo previdenciário: ao atingir idade avançada, não podia receber a aposentadoria rural porque exerceu trabalho urbano e não tinha como desfrutar da aposentadoria urbana em razão de o curto período laboral não preencher o período de carência (REsp. 1.407.613/RS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 28.11.2014).
4. A aposentadoria híbrida consagra o princípio constitucional de uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, conferindo proteção àqueles Trabalhadores que migraram, temporária ou definitivamente, muitas vezes acossados pela penúria, para o meio urbano, em busca de uma vida mais digna, e não conseguiram implementar os requisitos para a concessão de qualquer aposentadoria, encontrando-se em situação de extrema vulnerabilidade social.
5. A inovação legislativa objetivou conferir o máximo aproveitamento e valorização ao labor rural, ao admitir que o Trabalhador que não preenche os requisitos para concessão de aposentadoria rural ou aposentadoria urbana por idade possa integrar os períodos de labor rural com outros períodos contributivos em modalidade diversa de Segurado, para fins de comprovação da carência de 180 meses para a concessão da aposentadoria híbrida, desde que cumprido o requisito etário de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher.
6. Analisando o tema, esta Corte é uníssona ao reconhecer a possibilidade de soma de lapsos de atividade rural, ainda que anteriores à edição da Lei 8.213/1991, sem necessidade de recolhimento de contribuições ou comprovação de que houve exercício de atividade rural no período contemporâneo ao requerimento administrativo ou implemento da idade, para fins de concessão de aposentadoria híbrida, desde que a soma do tempo de serviço urbano ou rural alcance a carência exigida para a concessão do benefício de aposentadoria por idade.
7. A teste defendida pela Autarquia Previdenciária, de que o Segurado deve comprovar o exercício de período de atividade rural nos últimos quinze anos que antecedem o implemento etário, criaria uma nova regra que não encontra qualquer previsão legal. Se revela, assim, não só contrária à orientação jurisprudencial desta Corte Superior, como também contraria o objetivo da legislação previdenciária.
8. Não admitir o cômputo do trabalho rural exercido em período remoto, ainda que o Segurado não tenha retornado à atividade campesina, tornaria a norma do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991 praticamente sem efeito, vez que a realidade demonstra que a tendência desses Trabalhadores é o exercício de atividade rural quando mais jovens, migrando para o atividade urbana com o avançar da idade. Na verdade, o entendimento contrário, expressa, sobretudo, a velha posição preconceituosa contra o Trabalhador Rural, máxime se do sexo feminino.
9. É a partir dessa realidade social experimentada pelos Trabalhadores Rurais que o texto legal deve ser interpretado, não se podendo admitir que a justiça fique retida entre o rochedo que o legalismo impõe e o vento que o pensamento renovador sopra. A justiça pode ser cega, mas os juízes não são. O juiz guia a justiça de forma surpreendente, nos meandros do processo, e ela sai desse labirinto com a venda retirada dos seus olhos.
10. Nestes termos, se propõe a fixação da seguinte tese: o tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.
11. Recurso Especial da Segurada provido, determinando-se o retorno dos autos à origem, a fim de que prossiga no julgamento do feito analisando a possibilidade de concessão de aposentadoria híbrida (STJ – Resp 1674221/SP, Primeira Seção, v.u., Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 14.08.19, Dje 04.09.19).
A matéria foi submetida ao Supremo Tribunal Federal (Tema 1.104) e, por maioria de votos, decidiu-se pela inexistência de repercussão geral, por se tratar de matéria infraconstitucional, de modo que prevalece o entendimento preconizado pelo Superior Tribunal de Justiça.
1.1. MENOR DE 12 ANOS
É certo que o regime de repercussão geral, previsto na Emenda Constitucional n. 45/2004 e instituído na legislação processual pela Lei n. 11.418/06, tem por finalidade uniformizar e estabilizar a jurisprudência, de forma sistematizada e de fácil referenciação - mediante a simples citação do julgamento paradigma.
Dessa forma, a jurisprudência uniformizada e estabilizada, anteriormente à instituição do regime de repercussão geral é passível do mesmo tratamento ainda, que não tenha sido objeto de submissão da matéria ao referido regime.
Sob este prisma, saliento ser possível o reconhecimento de tempo de serviço em períodos anteriores à Constituição Federal de 1988, nas situações em que o trabalhador rural tenha iniciado suas atividades antes dos 14 anos. É histórica a vedação constitucional ao trabalho infantil. Em 1967, porém, a proibição alcançava apenas os menores de 12 anos. Isso indica que nossos constituintes viam, àquela época, como realidade incontestável que o menor efetivamente desempenhava a atividade nos campos, ao lado dos pais.
Nesse sentido:
Agravo de instrumento. 2. Trabalhador rural ou rurícola menor de quatorze anos. Contagem de tempo de serviço. Art. 11, VII, da Lei nº. 8213. Possibilidade. Precedentes. 3. Alegação de violação aos arts. 5º, XXXVI; e 97, da CF/88. Improcedente. Impossibilidade de declaração de efeitos retroativos para o caso de declaração de nulidade de contratos trabalhistas. Tratamento similar na doutrina do direito comparado: México, Alemanha, França e Itália. Norma de garantia do trabalhador que não se interpreta em seu detrimento. Acórdão do STJ em conformidade com a jurisprudência desta Corte. 4. Precedentes citados: AgRAI 105.794, 2ª T., Rel. Aldir Passarinho, DJ 02.04.86; e RE 104.654, 2ª T., Rel. Francisco Rezek, DJ 25.04.86 5. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (AI 529694, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 15/02/2005, DJ 11-03-2005 PP-00043 EMENT VOL-02183-09 PP-01827 RTJ VOL-00193-01 PP-00417 RDECTRAB v. 12, n. 129, 2005, p. 176-190)
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. COMPROVAÇÃO DO DISSÍDIO.
PROVA DE ATIVIDADE RURÍCOLA EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. MENOR DE 14 ANOS. CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO PARA FINS PREVIDENCIÁRIOS.
POSSIBILIDADE.
I - Em se tratando de matéria por demais conhecida da Egrégia Seção, dispensáveis se mostram maiores exigências formais na comprovação da divergência, bastando a transcrição de ementas. Precedente.
II - In casu, ao tempo da prestação dos serviços - entre 17.08.68 e 31.12.69 - vigorava o art. 165, inciso X, da CF/67, repetido na E.C.
nº 1/69, que admitia o trabalho do menor a partir dos 12 (doze) anos.
III - Reconhecendo a Lei 8.213/91, art. 55, § 2º, o tempo de serviço rural pretérito, sem contribuição, para efeitos previdenciários - não para contagem recíproca - não podia limitar aos 14 (quatorze) anos, sem ofensa à Norma Maior. É que o tempo de serviço, para fins de aposentadoria, é disciplinado pela lei vigente à época em que efetivamente prestado, passando a integrar, como direito autônomo, o patrimônio jurídico do trabalhador.
IV - Comprovada a atividade rurícola de menor de 14 anos, antes da Lei 8.213/91, impõe-se seu cômputo para fins previdenciários. A proibição do trabalho aos menores de catorze anos foi estabelecida pela Constituição em benefício do menor e não em seu prejuízo.
V - Embargos acolhidos. (EREsp 329.269/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/08/2002, DJ 23/09/2002, p. 221)
Antes dos 12 anos, porém, ainda que o menor acompanhasse os pais na lavoura e eventualmente os auxiliasse em algumas atividades, não é crível que pudesse exercer plenamente a atividade rural, inclusive por não contar com vigor físico suficiente para uma atividade tão desgastante. Dessa forma, é de se reconhecer o exercício pleno do trabalho rurícola apenas a partir dos 12 anos de idade.
A questão, inclusive, já foi decidida pela Turma de Uniformização das Decisões dos Juizados Especiais Federais, que editou a Súmula nº 5:
"A prestação de serviço rural por menor de 12 a 14 anos, até o advento da Lei 8.213 de 24 de julho de 1991, devidamente comprovada, pode ser reconhecida para fins previdenciários." (DJ 25.09.2003).
1.2 - DA EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO DE APOSENTADORIA POR IDADE RURAL (ART.55, §3º, DA LEI N. 8.213/91
Por fim é de se esclarecer, que para fins de aposentadoria por idade rural, cabe ao segurado comprovar o efetivo exercício da atividade rural no momento em que preencher os demais requisitos - carência e idade, assegurando-se o direito adquirido ao benefício de quem passou a exercer atividade urbana, após cumpridas as exigências legais para a aposentadoria, a teor do assentado do REsp 1.354.908, submetido ao art. 543-C do CPC/73.
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGRA DE TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991. REQUISITOS QUE DEVEM SER PREENCHIDOS DE FORMA CONCOMITANTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Tese delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do artigo 55, § 3º combinado com o artigo 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no artigo 48, § 1º, da Lei 8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade rural, sem ter atendido a regra transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito. Ressalvada a hipótese do direito adquirido em que o segurado especial preencheu ambos os requisitos de forma concomitante, mas não requereu o benefício.
2. Recurso especial do INSS conhecido e provido, invertendo-se o ônus da sucumbência. Observância do art. 543-C do Código de Processo Civil."
(REsp 1354908/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/09/2015, DJe 10/02/2016)
Feitas essas considerações, passo à análise do conjunto probatório formado nestes autos.
2. DO CASO DOS AUTOS
O autor, nascido em 06/07/1938 (Id. 287352475, pág. 25), completou o requisito de idade mínima de 65 anos da aposentadoria por idade híbrida em 2003, devendo demonstrar o efetivo exercício da atividade laborativa por, no mínimo, 132 meses.
Alega que teria trabalhado como lavrador antes de migrar para a cidade, o que ocorreu em 1989. No período compreendido entre 1989 e 2002, o Autor realizou atividades urbanas, quando então retornou para atividades rurais, tendo seu assentamento em lote rural sido formalizado em dezembro de 2005, seguindo até a data da propositura da ação realizando essa atividade rural.
Como dito no tópico anterior, o Autor não possui apreciação administrativa do pedido de aposentadoria por idade rural e/ou híbrida.
Na inicial, os patronos pleiteiam a conversão do LOAS idoso, concedido em 17/12/2004 (NB 134.643.017-6 ATIVO- v. Id. 287352477, págs. 25/27), em aposentadoria por idade, alegando que já estavam presentes os requisitos naquela oportunidade, razão pela qual o INSS deveria ter concedido o melhor benefício. Contudo, não há como acolher referida pretensão, porquanto não há nos autos prova inequívoca de que o Autor teria levado ao INSS a informação do exercício de sua atividade laborativa rural pelo prazo necessário e de sua pretensão de concessão de aposentadoria por idade.
Judicialmente, para comprovação do labor campesino, o autor juntou aos autos: i)23/06/1958 - emissão do certificado de reservista do autor constando profissão lavrador (Id. 287352477, pág. 11); ii) 30/10/1976 - casamento do autor com Cecília Luizare, na qual consta profissão do autor lavrador e da esposa lidas domésticas (Id. 287352477, pág. 15) iii) 30/12/2005 - data da homologação do assentamento do Autor em terra rural de 10 hectares no Projeto Barra Nova, Município de Sidrolândia (Id. 287352476, pág. 35), iv) de 2010 até 2017 apresenta diversos comprovantes de aquisição e notas fiscais de aquisição de vacina aftosa bovina constando como destinatário o Autor e endereço em zona rural (v.g. Id. 287352475, pág. 36/37 e Id. 287352476, pág. 36/38); v) 11/07/2011 - Contrato de Concessão de Uso condição resolutiva emitido pelo INCRA em favor do Autor, que consta como agricultor, e lote rural em Sidrolância-MS (Id. 287352475, pág. 29); vi) 20/04/2012 - E-GTA Guia de Trânsito Animal emitida pela IAGRO e respectiva nota fiscal constando o autor como destinatário, localizado em Lote rural Barra Nova, de 03 animais bovinos (Id. . 287352475, pág. 48 e Id. 287352476, pág. 01); vii) de 2012 até 2016 apresenta diversos extratos resumos de Movimentação de Quantitativos de Rebanhos de Animais bovinos e bubalinos, constando o Autor como produtor (v.g. Id. 287352475, pág. 47 e Id. 287352476, pág. 30); viii) 16/08/2013 - Declaração de Aptidão ao PRONAF-cadastro de agricultor familiar (CAF) em nome do Autor, constando assentamento pelo INCRA em lote rural de 10,9 hectares, carimbado por Superintendente do INCRA(Id. 287352476, pág. 16) ix) 08/11/2013 - proposta de Projeto de Investimento por Linha de Crédito PRONAF em nome do Autor e endereço correspondente ao lote rural em Barra Nova Sidrolândia-MS (Id. 287352475, pág. 30) x) 17/12/2013 - contrato de nota de crédito rural em nome do Autor emitido pelo Banco do Brasil, no qual consta qualificação do Autor como pecuarista e residente em Zona Rural Sidrolância-MS (Id. 287352476, págs. 02/10; xi) 08/10/2014 - certidão emitida pela Prefeitura Municipal de Sidrolândia constando um desenho das letras “AFS” como marca registrada de propriedade do Autor, cujo endereço é o Assentamento Barra Nova em Sidrolândia-MS (Id. 287352476, pág. 20) xii) 10/04/2017 - pedido de prorrogação da concessão de uso da terra rural formulado pelo Autor junto ao INCRA (Id. 287352476, pág. 34) xiii) 22/09/2017 - certidão emitida pela Superintendência Regional do Estado do MS certifica que o Autor é assentado no Projeto de Assentamento PA Barra Nova, em Sidrolândia-MS, incrito no SIPRA sob código MS013500000098, onde desenvolve atividades rurais em regime de economia familiar no lote/gleba/parcela rural nº 185- 10.9432 HA, que lhe foi destinada desde 30/12/2005, conforme Processo Administrativo/INCRA/nº 54290.001415/2007-06 (Id. 287352475, pág. 28).
Corroborando tais documentos, também foi realizada uma constatação presencial, por Oficial de Justiça, acerca do assentamento e produção rural do Autor, cuja Certidão e Auto de Constatação, acostados aos autos (Id. 287352477, págs. 32/33) possuem o seguinte teor:
“CERTIDÃO – CONSTATAÇÃO POSITIVA
18 de outubro de 2017
Situação: Cumprido - Ato positivo Atos, diligências e quilometragem: Ato: Constatação Resultado: Positivo - Direto/Pessoal Pessoa: Amarildo Francisco da Silva Diligência: 10/10/2017 as 14:00 - local: Assentamento Barra Nova, Lote 185 - Zona Rural (CEP 79170-000) - Sidrolândia/MS (distância 0 km) 17/10/2017 as 08:30 - local: Assentamento Barra Nova, Lote 185 - Zona Rural (CEP 79170-000) - Sidrolândia/MS (distância 0 km)”
“AUTO DE CONSTATAÇÃO
Dezessete nesta Cidade e Comarca de Sidrolândia, Estado de Mato Grosso do Sul, em cumprimento ao respeitável mandado retro, assinado pelo MM. Juiz de Direito da 2" Vara e extraído dos autos de n" 0802002-66.2017.8,12,0045, Procedimento Comum, que Amarílio Francisco da Silva ajuizou contra Instituto Nacional de Seguro Social -INSS, após as formalidades legais dirigi-me ao Assentamento Barra Nova Lote 185 ai sendo, foi CONSTATADO que no imóvel reside a parte Autora Amarildo Francisco da Silva sendo o primeiro e único dono deste lote, desde o ano de 2006 ou seja a 11 anos, contendo uma casa de alvenaria coberta de telhas tipo romana sem forro, com três quartos sala, cozinha, e um banheiro, beneficiado com água de poço e energia elétrica a produtividade e meio de subsistência familiar são de criação de gado com total de 31 (trinta e uma) Cabeça de gado incluindo leiteiras alguma galinhas existe ainda um pomar com diversas frutas e hortaliças. Era o que tinha a constatar. Obs: ao checar os documentos pessoais da parte Autora constatei que nome correto do mesmo é AMARILIO FRANCISCO DA SILVA.
Carmen Olmedo de Arruda - Oficiala de Justiça e Avaliadora” (*no mandado constou equivocadamente Amarildo) (grifei)
Além desses, também constam nos autos documentos do ano de 2004, ano da concessão de seu benefício assistencial, a saber: a) 02/09/2004 - Ação de divórcio consensual entre o Autor e Cecília, interposta pela Defensoria Pública, na qual o Autor está qualificado como “serviços gerais” e residente na cidade de Caarapó-M, constando informação de separação de fato desde 12/2002 (Id. 287352477, págs. 12/14); b) 17/12/2004 - declaração de composição familiar para fins de recebimento de LOAS, constando ocupação do Autor como “desempregado” (Id. 287352477, pág. 06/08).
A prova testemunhal, por sua vez, não englobou todo o período rural pretendido, eis que os depoentes declararam não conhecer o Autor antes de 2003, confirmando, contudo, as atividades rurais desde seu assentamento, havido em 2006, até a data dos depoimentos.
Desse modo, tenho como comprovado o trabalho campesino do autor em 1958 (Id. 287352477, pág. 11), em 1976 (Id. 287352477, pág. 15) e de 30/12/2005 adiante (Id. 287352476, pág. 35 e 287352475, pág. 28).
Os períodos urbanos são incontroversos, a saber:
-
CONSTRUTORA MOURA ESCOBAR de 20/06/1989 a 11/11/1990
-
AMPER CONSTRUCOES ELETRICAS LIMITADA de 05/01/1993 a 30/09/1993
-
PACTUAL CONSTRUCOES LTDA de 13/02/2002 a 13/04/2002
Assim, somando-se o período de atividade rural acima reconhecido aos períodos comuns urbanos incontroversos do CNIS, verifica-se que o autor possui tempo superior ao necessário para a concessão de aposentadoria por idade híbrida.
3. TERMO INICIAL
Considerando o já decidido acerca da ausência de prova inequívoca de que o Autor teria levado ao INSS a informação do exercício de sua atividade laborativa rural pelo prazo necessário e sua pretensão de concessão de aposentadoria por idade no requerimento do LOAS - pelo contrário, há prova de que o Autor preencheu os formulários necessários para o benefício então concedido (Id. 287352477, pág. 06/08)-, não há amparo jurídico hábil a condenar o INSS ao pagamento do benefício e reflexos desde a data da DER do LOAS.
Desse modo, In casu, ausente requerimento administrativo do benefício objeto da ação, o termo inicial do benefício deve ser fixado na data da citação.
4. CONSECTÁRIOS
JUROS DE MORA
Conforme disposição inserta no art. 219 do Código de Processo Civil 1973 (atual art. 240 Código de Processo Civil - Lei nº 13.105/2015), os juros de mora são devidos a partir da citação na ordem de 6% (seis por cento) ao ano, até a entrada em vigor da Lei nº 10.406/02, após, à razão de 1% ao mês, consonante com o art. 406 do Código Civil e, a partir da vigência da Lei nº 11.960/2009 (art. 1º-F da Lei 9.494/1997), calculados nos termos deste diploma legal.
CORREÇÃO MONETÁRIA
A correção monetária deve ser aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação superveniente (conforme o Manual de Cálculos da Justiça Federal), observados os termos da decisão final no julgamento do RE n. 870.947, Rel. Min. Luiz Fux.
DA APLICAÇÃO ÚNICA DA SELIC A PARTIR DA EC 113, de 08/12/2021
Desde o mês de promulgação da Emenda Constitucional n.º 113, de 08/12/2021, a apuração do débito se dará unicamente pela taxa SELIC, mensalmente e de forma simples, nos termos do disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência da taxa SELIC cumulada com juros e correção monetária.
CUSTAS E DESPESAS PROCESSUAIS
A teor do disposto no art. 4º, I, da Lei Federal nº 9.289/96, as Autarquias são isentas do pagamento de custas na Justiça Federal.
De outro lado, o art. 1º, §1º, deste diploma legal, delega à legislação estadual normatizar sobre a respectiva cobrança nas causas ajuizadas perante a Justiça Estadual no exercício da competência delegada.
Assim, o INSS está isento do pagamento de custas processuais nas ações de natureza previdenciária ajuizadas nesta Justiça Federal e naquelas aforadas na Justiça do Estado de São Paulo, por força da Lei Estadual/SP nº 11.608/03 (art. 6º).
Contudo, a legislação do Estado de Mato Grosso do Sul que dispunha sobre a isenção referida (Leis nº 1.135/91 e 1.936/98) fora revogada a partir da edição da Lei nº 3.779/09 (art. 24, §§1º e 2º), razão pela qual é de se atribuir ao INSS o ônus do pagamento das custas processuais nos feitos que tramitam naquela unidade da Federação.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Com o advento do novo Código de Processo Civil, foram introduzidas profundas mudanças no princípio da sucumbência, e em razão destas mudanças e sendo o caso de sentença ilíquida, a fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do julgado, com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do CPC/2015, bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal.
Os honorários advocatícios, a teor da Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência; contudo, uma vez que a pretensão do(a) segurado(a) somente foi deferida nesta sede recursal, a condenação da verba honorária incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da presente decisão ou acórdão, atendendo ao disposto no § 11 do artigo 85, do CPC.
5. DISPOSITIVO
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação da parte autora, concedendo aposentadoria por idade híbrida desde a data da citação, na forma acima fundamentada, observando-se os honorários advocatícios estabelecidos.
É o voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. INTERESSE DE AGIR. REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS. TERMO INICIAL. CITAÇÃO. CONSECTÁRIOS.
- O trabalhador tem direito a se aposentar com as idades citadas no § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991, qual seja, 60 (sessenta) anos, se mulher, e 65 (sessenta e cinco) anos, se homem, desde que cumprida a carência prevista no art. 142 do referido texto legal, com a utilização de labor urbano ou rural, independentemente da predominância do labor exercido no período de carência ou no momento do requerimento administrativo ou, ainda, no implemento do requisito etário.
- Comprovadas carência e idade necessárias para a concessão da aposentadoria por idade híbrida somente após a data do requerimento administrativo, ou, ainda, não havendo sido levado ao INSS a apreciação da condição de trabalhador rural na esfera administrativa, deve ser fixada a data de início do benefício na data da citação.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- Apelação do autor provida em parte.
