Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5003517-49.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal TORU YAMAMOTO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
07/08/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 08/08/2019
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO/PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL.
PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO TEMPESTIVO.
PRELIMINARES REJEITADAS. REQUISITOS NÃO ATINGIDOS. REGIME DE ECONOMIA
FAMILIAR NÃO ADEQUADAMENTE COMPROVADO. APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE
PROVIDA. PROCESSO EXTINTO. ART. 485, IV, DO CPC. TUTELA REVOGADA.
1. Não há que se falar em intempestividade do recurso apresentado, considerando ter a Autarquia
Previdenciária prazo em dobro para recorrer. (...) Quanto à matéria preliminar suscitada pelo
INSS, destaco que o entendimento dominante na jurisprudência do C. Superior Tribunal de
Justiça é no sentido de que o pleito atinente à concessão/obtenção de benefício previdenciário é
imprescritível (vale dizer, não há que se falar em prescrição do fundo de direito), uma vez que tal
relação se caracteriza por ser de trato sucessivo e por atender necessidades alimentares do
segurado. Todavia, as parcelas não reclamadas relativas ao quinquênio que antecede o
ajuizamento de demanda judicial prescrevem em decorrência da inércia do interessado, nos
termos dos artigos 103, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91, e 1º, do Decreto nº 20.910/32,
respectivamente.
2. A aposentadoria por idade de rurícola reclama idade mínima de 60 anos, se homem, e 55
anos, se mulher (§ 1º do art. 48 da Lei nº 8.213/91), além da demonstração do exercício de
atividade rural, bem como o cumprimento da carência mínima exigida no art. 142 da referida lei.
De acordo com a jurisprudência, é suficiente a tal demonstração o início de prova material
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
corroborado por prova testemunhal.
3. Permite-se a extensão dessa qualidade do marido à esposa, ou até mesmo dos pais aos filhos,
ou seja, são extensíveis os documentos em que os genitores, os cônjuges, ou conviventes,
aparecem qualificados como lavradores, ainda que o desempenho da atividade campesina não
tenha se dado sob o regime de economia familiar.
4. Em face do caráter protetivo social de que se reveste a Previdência Social, não se pode exigir
dos trabalhadores campesinos o recolhimento de contribuições previdenciárias, quando é de
notório conhecimento a informalidade em que suas atividades são desenvolvidas, cumprindo aqui
dizer que, sob tal informalidade, verifica-se a existência de uma subordinação, haja vista que a
contratação acontece diretamente pelo produtor rural ou pelos chamados "gatos". Semelhante
exigência equivaleria a retirar dessa classe de trabalhadores qualquer possibilidade de auferir o
benefício conferido, em razão de sua atividade.
5. O Superior Tribunal de Justiça considera prescindível a abrangência de todo o período de
carência previsto no art. 142 da Lei de Benefícios pela prova material, desde que a prova
testemunhal demonstre sua solidez, permitindo sua vinculação ao tempo de carência. Tal
solução, conhecida como "pro misero", se dá em virtude da precariedade dos registros de
vínculos trabalhistas nas áreas rurais, prática ainda comum em tempos recentes e bastante
disseminada em outras épocas.
6. Segundo o recente entendimento adotado pelo STJ no julgamento do REsp 1354908, em sede
de recurso repetitivo, o segurado especial deve estar trabalhando no campo no momento em que
completar a idade mínima para a obtenção da aposentadoria rural por idade, a fim de atender ao
segundo requisito exigido pela Lei de Benefícios: "período imediatamente anterior ao
requerimento do benefício", ressalvada a hipótese de direito adquirido, na qual o segurado
especial, embora não tenha ainda requerido sua aposentadoria por idade rural, já tenha
preenchido concomitantemente, no passado, ambos os requisitos - carência e idade.
7. Analisando o conjunto probatório, verifico haver inconsistências importantes, e que não podem
ser desconsideradas: o CNIS da autora aponta que ela teria contribuído, por longo interregno,
como autônoma, empresária/empregadora e também como trabalhadora doméstica, entre 1983 a
2005, situação essa não esclarecida e que não corrobora com as alegações trazidas pela peça
inaugural. Frise-se, pois pertinente, que por ocasião do implemento do requisito etário, a parte
autora estaria vertendo contribuições na qualidade de empregada doméstica. Ademais, a autora,
ao contrário do alegado por ela em depoimento pessoal, possui endereço em outra localidade, na
área urbana de São Gabriel do Oeste, conforme observado no documento ID 3089443 - pág. 26.
Além disso, ela não poderia ter permanecido na Chácara Boa Fortuna de 1992 até os dias, pois
os documentos ID 3089443 - págs. 23/24 atestam que seu esposo seria titular, desde 2008, da
Fazenda Boa Fortuna, e não mais da referida chácara. E, com relação ao imóvel onde ela
supostamente residiria nos dias atuais, não foi apresentado nos autos qualquer documento que
indique qual é o tamanho da referida propriedade rural. A prova testemunhal, apesar de
corroborar com a questão da venda de leite e derivados pela autora, não demonstrou que ela,
efetivamente, trabalhe no local, pois as testemunhas, na realidade, nunca a viram trabalhando.
8. O elemento essencial identificador da qualidade de segurado especial, para o fim da proteção
extraordinária de segurado não contribuinte pelo Regime Geral de Previdência Social, é o
exercício das atividades especificadas na lei em regime de economia familiar, indispensavelmente
voltado à subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico da família, em condições de mútua
dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes, em área não superior
a quatro módulos fiscais, situação essa não adequadamente comprovada no caso em análise.
Assim, não se configurando no processado, de forma inequívoca, a alegada atividade de mera
subsistência e que, no momento imediatamente anterior ao implemento etário/requerimento
administrativo, a parte autoraestaria exercendo a atividade campesina, seria necessária a
obrigatoriedade de recolhimento das contribuições previdenciárias devidas, a qualificar a autora,
in casu, como contribuinte individual, na forma do artigo 11, V, a, da Lei n.º 8.213/91. Dessa
forma, por não se desincumbir do ônus probatório que lhe competia, a reforma da r. sentença é
medida que se impõe.
9. Contudo, de acordo com o atual entendimento adotado pelo STJ: "A ausência de conteúdo
probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de
pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem
o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar
novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa."
(REsp 1352721/SP). Impõe-se, por isso, face à ausência de prova constitutiva do direito
previdenciário da parte autora, a extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do
artigo 485, IV, do CPC.
10. Por fim, revogo a antecipação dos efeitos da tutela anteriormente concedida. Comunique-se
ao INSS, pelo meio mais expedito, independentemente do trânsito em julgado. A questão relativa
à obrigatoriedade ou não de devolução dos valores recebidos pela parte autora deverá ser
dirimida pelo Juízo da Execução após a eventual revisão do entendimento firmado no Tema
Repetitivo 692 pela C. Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça.
11. Preliminares rejeitadas. Apelação do INSS parcialmente provida. Processo extinto. Tutela
revogada.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003517-49.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: DIRCE MARTINS DE SOUZA
Advogado do(a) APELADO: JUNIOR GOMES DA SILVA - MS15596-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003517-49.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: DIRCE MARTINS DE SOUZA
Advogado do(a) APELADO: JUNIOR GOMES DA SILVA - MS15596-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra a r. sentença de primeiro grau que, concedendo
a antecipação de tutela, julgou procedente o pedido inaugural para condenar o INSS a fornecer à
parte autora o benefício previdenciário de aposentadoria por idade rural, no importe
correspondente a 1 (um) salário mínimo, a contar do requerimento administrativo (25/07/2011).
Destacou que as prestações vencidas deverão ser corrigidas (atualização monetária e juros)
mediante aplicação dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de
poupança, nos termos do art. 1º -F, da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº
11.960/20091, declarando extinta a ação, com julgamento do mérito, nos termos do art. 487, I, do
CPC. Condenou a Autarquia Previdenciária ao pagamento de honorários advocatícios, no valor
correspondente a 15% do total das prestações vencidas até a data da prolação da r. sentença,
observando-se a Súmula 111 do C. STJ, devendo ser observadas, ainda, as disposições do art.
85, §§ 3º e 4º, do CPC. Condeno o INSS, também, no pagamento das custas, com fundamento
no artigo 24, § 1º da Lei 3.779/09 e Súmula 178/STJ.
Sentença não submetida ao reexame necessário.
Alega o INSS, em preliminar, acerca da prescrição de fundo de direito. No mérito, em suas razões
recursais e em apertada síntese, sustenta a fragilidade do conjunto probatório. Afirma, nesse
sentido, que o CNIS da autora aponta que ela teria contribuído, por longo interregno como
autônoma, empresária/empregadora e como trabalhadora doméstica, entre 1983 a 2005, situação
essa que desconfiguraria o alegado trabalho rural exercido em regime de economia familiar.
Subsidiariamente, pleiteia a alteração da DIB para o dia da realização da audiência de instrução e
julgamento, a redução da verba honorária arbitrada e a isenção das custas processuais.
Apresentadas as contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003517-49.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: DIRCE MARTINS DE SOUZA
Advogado do(a) APELADO: JUNIOR GOMES DA SILVA - MS15596-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Verifico, em juízo de admissibilidade, que o recurso ora analisado mostra-se formalmente regular,
motivado (artigo 1.010 CPC) e com partes legítimas, preenchendo os requisitos de adequação
(art. 1009 CPC) e tempestividade (art. 1.003 CPC). Assim, presente o interesse recursal e
inexistindo fato impeditivo ou extintivo, recebo-o e passo a apreciá-lo nos termos do artigo 1.011
do Código de Processo Civil. Não há que se falar em intempestividade do recurso apresentado,
considerando ter a Autarquia Previdenciária prazo em dobro para recorrer.
Sobre o tema, assim dispõe o § 1º do art. 183 do CPC/15:
“Art. 183. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e
fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações
processuais, cuja contagem terá inicio a partir da intimação pessoal.
§ 1ºA intimação pessoal far-se-á por carga, remessa ou meio eletrônico."
Quanto à matéria preliminar suscitada pelo INSS, destaco que o entendimento dominante na
jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que o pleito atinente à
concessão/obtenção de benefício previdenciário é imprescritível (vale dizer, não há que se falar
em prescrição do fundo de direito), uma vez que tal relação se caracteriza por ser de trato
sucessivo e por atender necessidades alimentares do segurado. Todavia, as parcelas não
reclamadas relativas ao quinquênio que antecede o ajuizamento de demanda judicial prescrevem
em decorrência da inércia do interessado, nos termos dos artigos 103, parágrafo único, da Lei nº
8.213/91, e 1º, do Decreto nº 20.910/32, respectivamente.
Sobre o tema, vide ementa que segue:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
ESPECIAL. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO.
NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A controvérsia debatida nos
autos gira em torno da ocorrência ou não da prescrição do fundo de direito , relativamente ao
indeferimento do pedido de concessão de aposentadoria. 2. Os benefícios previdenciários estão
ligados ao próprio direito à vida digna e são direitos sociais que compõem o quadro dos direitos
fundamentais. 3. A pretensão ao benefício previdenciário em si não prescreve, mas tão somente
as prestações não reclamadas em certo tempo, que vão prescrevendo uma a uma, em virtude da
inércia do beneficiário. 4. Com efeito, a jurisprudência do STJ, em recentes julgados, consolidou o
entendimento de que nos feitos relativos à concessão de benefício, não prescreve o fundo de
direito, mas apenas as verbas pleiteadas anteriores aos cinco anos do ajuizamento da ação. 5.
Agravo regimental não provido" (AgRg no REsp 1436639/CE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL
MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/04/2014, DJe 29/04/2014).
Rejeito, pois, as preliminares arguidas. Passo ao exame do mérito.
A aposentadoria por idade de rurícola reclama idade mínima de 60 anos, se homem, e 55 anos,
se mulher (§ 1º do art. 48 da Lei nº 8.213/91), além da demonstração do exercício de atividade
rural, bem como o cumprimento da carência mínima exigida no art. 142 da referida lei.
De acordo com a jurisprudência, é suficiente a tal demonstração o início de prova material
corroborado por prova testemunhal. Ademais, para a concessão de benefícios rurais, houve um
abrandamento no rigorismo da lei quanto à comprovação da condição de rurícola dos
trabalhadores do campo, permitindo-se a extensão dessa qualidade do marido à esposa, ou até
mesmo dos pais aos filhos, ou seja, são extensíveis os documentos em que os genitores, os
cônjuges, ou conviventes, aparecem qualificados como lavradores, ainda que o desempenho da
atividade campesina não tenha se dado sob o regime de economia familiar.
Cumpre ressaltar que, em face do caráter protetivo social de que se reveste a Previdência Social,
não se pode exigir dos trabalhadores campesinos o recolhimento de contribuições
previdenciárias, quando é de notório conhecimento a informalidade em que suas atividades são
desenvolvidas, cumprindo aqui dizer que, sob tal informalidade, verifica-se a existência de uma
subordinação, haja vista que a contratação acontece diretamente pelo produtor rural ou pelos
chamados "gatos". Semelhante exigência equivaleria a retirar dessa classe de trabalhadores
qualquer possibilidade de auferir o benefício conferido, em razão de sua atividade.
O art. 143 da Lei n.º 8.213/1991, com a redação dada pela Lei n.º 9.063, de 28.04.1995, dispõe
que: "O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de
Previdência Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei,
pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante 15 (quinze) anos,
contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade
rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício,
em número de meses idêntico à carência do referido benefício".
Quanto a se provar o efetivo exercício de atividade rural, o Superior Tribunal de Justiça considera
prescindível a abrangência de todo o período de carência previsto no art. 142 da Lei de
Benefícios pela prova material, desde que a prova testemunhal demonstre sua solidez, permitindo
sua vinculação ao tempo de carência. Tal solução, conhecida como "pro misero", se dá em
virtude da precariedade dos registros de vínculos trabalhistas nas áreas rurais, prática ainda
comum em tempos recentes e bastante disseminada em outras épocas.
Saliento, ainda, que, segundo o recente entendimento adotado pelo STJ no julgamento do REsp
1354908, em sede de recurso repetitivo, o segurado especial deve estar trabalhando no campo
no momento em que completar a idade mínima para a obtenção da aposentadoria rural por idade,
a fim de atender ao segundo requisito exigido pela Lei de Benefícios: "período imediatamente
anterior ao requerimento do benefício", ressalvada a hipótese de direito adquirido, na qual o
segurado especial, embora não tenha ainda requerido sua aposentadoria por idade rural, já tenha
preenchido concomitantemente, no passado, ambos os requisitos - carência e idade.
Cumpre salientar, por derradeiro, que o regime de economia familiar pressupõe a exploração de
atividade primária pelo indivíduo, como principal forma de sustento, acompanhado ou não pelo
grupo familiar, mas sem o auxílio de empregados (art. 11, VII, "a" e § 1º, da Lei 8.213/91). Assim,
nos termos do art. 11, VII, da Lei 8.213/91, consideram-se segurados especiais, em regime de
economia familiar, os produtores, parceiros, meeiros, arrendatários rurais, pescadores artesanais
e assemelhados, que exerçam atividades individualmente ou com auxílio eventual de terceiros,
bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos, ou a eles equiparados, desde
que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo, residindo na área rural ou em
imóvel próximo ao local onde a atividade rural é exercida e com participação significativa nas
atividades rurais do grupo familiar.
No caso dos autos, a parte autora, nascida em 1947, comprovou o cumprimento do requisito
etário no ano de 2002. A comprovação de atividade campesina, portanto, se dá por meio de início
de prova material, corroborada por prova testemunhal, consistente e idônea.
A fim de comprovar o exercício de atividade rural em regime de economia familiar, a parte autora
apresentou razoável acervo documental, atestando, principalmente, atividade pecuária de seu
esposo em propriedades rurais de sua titularidade, inicialmente realizada na Chácara Boa
Fortuna (com início de atividade em 1993, o que perdurou até 2008) e, posteriormente, na
Fazenda Boa Fortuna (com início de atividade em 2008 até os dias atuais). Trouxe, nesse
sentido, CCIR do primeiro imóvel, o qual teria 55 hectares, mas nada apresentou com relação ao
segundo imóvel rural de titularidade de seu esposo, tornando impossível saber a propriedade
rural em questão seria de elevado tamanho, eventualmente superior a 4 módulos fiscais.
Quanto à prova testemunhal, está pacificado no C. Superior Tribunal de Justiça o entendimento
de que apenas esta não basta, isoladamente, para a comprovação da atividade rural, requerendo
a existência de início razoável de prova material, conforme entendimento cristalizado na Súmula
149, que assim dispõe: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da
atividade rurícola, para efeito da obtenção do benefício previdenciário".
A testemunha Sonia conhece a autora há cerca de 40 anos, mas não a chácara da autora, pois
nunca foi até lá. Disse que a autora produz queijos e doces, já tendo adquirido tais mercadorias.
A testemunha Irene conhece a autora desde 1995 (aproximadamente), pois eles vendem queijos
e doces, além de possuírem outras criações de animais. Disse que ela mora num sítio e que foi
uma vez no local, sem precisar quando isso teria ocorrido. Por fim, a testemunha Cícero disse
que conhece a autora há cerca de 16 anos e que o grupo familiar trabalha na roça, em
propriedade rural que, aparentemente, é de propriedade deles. Fazem extração de leite e
produzem doces no local e disse ter comprado doces da parte autora no dia da audiência. Não
esclareceu, no entanto, se já a viu trabalhando. Todas as testemunhas, no entanto, afirmaram
que a autora trabalha em regime de economia familiar com seu marido e dois filhos no local, sem
o auxílio de empregados, e que o núcleo familiar sobrevive da atividade campesina.
A parte autora, em depoimento pessoal, disse que continua residindo, desde 1992, na Chácara
Boa Fortuna. Disse residir com seu marido e uma casal de filhos no local e que fazem doce de
leite e queijos, possuindo animais no local, sem o auxílio de empregados.
Pois bem.
Analisando o conjunto probatório, verifico haver inconsistências importantes, e que não podem
ser desconsideradas: o CNIS da autora aponta que ela teria contribuído, por longo interregno,
como autônoma, empresária/empregadora e também como trabalhadora doméstica, entre 1983 a
2005, situação essa não esclarecida e que não corrobora com as alegações trazidas pela peça
inaugural. Frise-se, pois pertinente, que por ocasião do implemento do requisito etário, a parte
autora estaria vertendo contribuições na qualidade de empregada doméstica.
Ademais, a autora, ao contrário do alegado por ela em depoimento pessoal, possui endereço em
outra localidade, na área urbana de São Gabriel do Oeste, conforme observado no documento ID
3089443 - pág. 26. Além disso, ela não poderia ter permanecido na Chácara Boa Fortuna de
1992 até os dias, pois os documentos ID 3089443 - págs. 23/24 atestam que seu esposo seria
titular, desde 2008, da Fazenda Boa Fortuna, e não mais da referida chácara. E, com relação ao
imóvel onde ela supostamente residiria nos dias atuais, não foi apresentado nos autos qualquer
documento que indique qual é o tamanho da referida propriedade rural.
A prova testemunhal, apesar de corroborar com a questão da venda de leite e derivados pela
autora, não demonstrou que ela, efetivamente, trabalhe no local, pois as testemunhas, na
realidade, nunca a viram trabalhando.
O elemento essencial identificador da qualidade de segurado especial, para o fim da proteção
extraordinária de segurado não contribuinte pelo Regime Geral de Previdência Social, é o
exercício das atividades especificadas na lei em regime de economia familiar, indispensavelmente
voltado à subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico da família, em condições de mútua
dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes, em área não superior
a quatro módulos fiscais, situação essa não adequadamente comprovada no caso em análise.
Assim, não se configurando no processado, de forma inequívoca, a alegada atividade de mera
subsistência e que, no momento imediatamente anterior ao implemento etário/requerimento
administrativo, a parte autoraestaria exercendo a atividade campesina, seria necessária a
obrigatoriedade de recolhimento das contribuições previdenciárias devidas, a qualificar a autora,
in casu, como contribuinte individual, na forma do artigo 11, V, a, da Lei n.º 8.213/91.
Dessa forma, por não se desincumbir do ônus probatório que lhe competia, a reforma da r.
sentença é medida que se impõe.
Contudo, de acordo com o atual entendimento adotado pelo STJ: "A ausência de conteúdo
probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de
pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem
o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar
novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa."
(REsp 1352721/SP).
Impõe-se, por isso, face à ausência de prova constitutiva do direito previdenciário da parte autora,
a extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do artigo 485, IV, do CPC.
Condeno a parte autora ao pagamento de honorários fixados em R$ 1.000,00 (mil reais), cuja
exigibilidade observará o disposto no artigo 12 da Lei nº 1.060/1950 (artigo 98, § 3º, do Código de
Processo Civil/2015), por ser beneficiária da justiça gratuita.
Por fim, revogo a antecipação dos efeitos da tutela anteriormente concedida. Comunique-se ao
INSS, pelo meio mais expedito, independentemente do trânsito em julgado.
A questão relativa à obrigatoriedade ou não de devolução dos valores recebidos pela parte autora
deverá ser dirimida pelo Juízo da Execução após a eventual revisão do entendimento firmado no
Tema Repetitivo 692 pela C. Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça.
Por esses fundamentos, rejeito as preliminares e dou parcial provimento à apelação do INSS para
extinguir o processo sem resolução do mérito, com fundamento no art. 485, IV, do CPC,
revogando a tutela concedida.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO/PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL.
PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO TEMPESTIVO.
PRELIMINARES REJEITADAS. REQUISITOS NÃO ATINGIDOS. REGIME DE ECONOMIA
FAMILIAR NÃO ADEQUADAMENTE COMPROVADO. APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE
PROVIDA. PROCESSO EXTINTO. ART. 485, IV, DO CPC. TUTELA REVOGADA.
1. Não há que se falar em intempestividade do recurso apresentado, considerando ter a Autarquia
Previdenciária prazo em dobro para recorrer. (...) Quanto à matéria preliminar suscitada pelo
INSS, destaco que o entendimento dominante na jurisprudência do C. Superior Tribunal de
Justiça é no sentido de que o pleito atinente à concessão/obtenção de benefício previdenciário é
imprescritível (vale dizer, não há que se falar em prescrição do fundo de direito), uma vez que tal
relação se caracteriza por ser de trato sucessivo e por atender necessidades alimentares do
segurado. Todavia, as parcelas não reclamadas relativas ao quinquênio que antecede o
ajuizamento de demanda judicial prescrevem em decorrência da inércia do interessado, nos
termos dos artigos 103, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91, e 1º, do Decreto nº 20.910/32,
respectivamente.
2. A aposentadoria por idade de rurícola reclama idade mínima de 60 anos, se homem, e 55
anos, se mulher (§ 1º do art. 48 da Lei nº 8.213/91), além da demonstração do exercício de
atividade rural, bem como o cumprimento da carência mínima exigida no art. 142 da referida lei.
De acordo com a jurisprudência, é suficiente a tal demonstração o início de prova material
corroborado por prova testemunhal.
3. Permite-se a extensão dessa qualidade do marido à esposa, ou até mesmo dos pais aos filhos,
ou seja, são extensíveis os documentos em que os genitores, os cônjuges, ou conviventes,
aparecem qualificados como lavradores, ainda que o desempenho da atividade campesina não
tenha se dado sob o regime de economia familiar.
4. Em face do caráter protetivo social de que se reveste a Previdência Social, não se pode exigir
dos trabalhadores campesinos o recolhimento de contribuições previdenciárias, quando é de
notório conhecimento a informalidade em que suas atividades são desenvolvidas, cumprindo aqui
dizer que, sob tal informalidade, verifica-se a existência de uma subordinação, haja vista que a
contratação acontece diretamente pelo produtor rural ou pelos chamados "gatos". Semelhante
exigência equivaleria a retirar dessa classe de trabalhadores qualquer possibilidade de auferir o
benefício conferido, em razão de sua atividade.
5. O Superior Tribunal de Justiça considera prescindível a abrangência de todo o período de
carência previsto no art. 142 da Lei de Benefícios pela prova material, desde que a prova
testemunhal demonstre sua solidez, permitindo sua vinculação ao tempo de carência. Tal
solução, conhecida como "pro misero", se dá em virtude da precariedade dos registros de
vínculos trabalhistas nas áreas rurais, prática ainda comum em tempos recentes e bastante
disseminada em outras épocas.
6. Segundo o recente entendimento adotado pelo STJ no julgamento do REsp 1354908, em sede
de recurso repetitivo, o segurado especial deve estar trabalhando no campo no momento em que
completar a idade mínima para a obtenção da aposentadoria rural por idade, a fim de atender ao
segundo requisito exigido pela Lei de Benefícios: "período imediatamente anterior ao
requerimento do benefício", ressalvada a hipótese de direito adquirido, na qual o segurado
especial, embora não tenha ainda requerido sua aposentadoria por idade rural, já tenha
preenchido concomitantemente, no passado, ambos os requisitos - carência e idade.
7. Analisando o conjunto probatório, verifico haver inconsistências importantes, e que não podem
ser desconsideradas: o CNIS da autora aponta que ela teria contribuído, por longo interregno,
como autônoma, empresária/empregadora e também como trabalhadora doméstica, entre 1983 a
2005, situação essa não esclarecida e que não corrobora com as alegações trazidas pela peça
inaugural. Frise-se, pois pertinente, que por ocasião do implemento do requisito etário, a parte
autora estaria vertendo contribuições na qualidade de empregada doméstica. Ademais, a autora,
ao contrário do alegado por ela em depoimento pessoal, possui endereço em outra localidade, na
área urbana de São Gabriel do Oeste, conforme observado no documento ID 3089443 - pág. 26.
Além disso, ela não poderia ter permanecido na Chácara Boa Fortuna de 1992 até os dias, pois
os documentos ID 3089443 - págs. 23/24 atestam que seu esposo seria titular, desde 2008, da
Fazenda Boa Fortuna, e não mais da referida chácara. E, com relação ao imóvel onde ela
supostamente residiria nos dias atuais, não foi apresentado nos autos qualquer documento que
indique qual é o tamanho da referida propriedade rural. A prova testemunhal, apesar de
corroborar com a questão da venda de leite e derivados pela autora, não demonstrou que ela,
efetivamente, trabalhe no local, pois as testemunhas, na realidade, nunca a viram trabalhando.
8. O elemento essencial identificador da qualidade de segurado especial, para o fim da proteção
extraordinária de segurado não contribuinte pelo Regime Geral de Previdência Social, é o
exercício das atividades especificadas na lei em regime de economia familiar, indispensavelmente
voltado à subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico da família, em condições de mútua
dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes, em área não superior
a quatro módulos fiscais, situação essa não adequadamente comprovada no caso em análise.
Assim, não se configurando no processado, de forma inequívoca, a alegada atividade de mera
subsistência e que, no momento imediatamente anterior ao implemento etário/requerimento
administrativo, a parte autoraestaria exercendo a atividade campesina, seria necessária a
obrigatoriedade de recolhimento das contribuições previdenciárias devidas, a qualificar a autora,
in casu, como contribuinte individual, na forma do artigo 11, V, a, da Lei n.º 8.213/91. Dessa
forma, por não se desincumbir do ônus probatório que lhe competia, a reforma da r. sentença é
medida que se impõe.
9. Contudo, de acordo com o atual entendimento adotado pelo STJ: "A ausência de conteúdo
probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de
pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem
o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar
novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa."
(REsp 1352721/SP). Impõe-se, por isso, face à ausência de prova constitutiva do direito
previdenciário da parte autora, a extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do
artigo 485, IV, do CPC.
10. Por fim, revogo a antecipação dos efeitos da tutela anteriormente concedida. Comunique-se
ao INSS, pelo meio mais expedito, independentemente do trânsito em julgado. A questão relativa
à obrigatoriedade ou não de devolução dos valores recebidos pela parte autora deverá ser
dirimida pelo Juízo da Execução após a eventual revisão do entendimento firmado no Tema
Repetitivo 692 pela C. Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça.
11. Preliminares rejeitadas. Apelação do INSS parcialmente provida. Processo extinto. Tutela
revogada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar as preliminares e dar parcial provimento à apelação do INSS para
extinguir o processo sem resolução do mérito, com fundamento no art. 485, IV, do CPC,
revogando a tutela concedida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
