
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001330-62.2022.4.03.6108
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LEILA PAIVA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, JOAO ALVES DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: MARCOS PAULO ANTONIO - SP218170-N
APELADO: JOAO ALVES DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: MARCOS PAULO ANTONIO - SP218170-N
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001330-62.2022.4.03.6108
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LEILA PAIVA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, JOAO ALVES DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: MARCOS PAULO ANTONIO - SP218170-N
APELADO: JOAO ALVES DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: MARCOS PAULO ANTONIO - SP218170-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Senhora Desembargadora Federal Leila Paiva (Relatora):
Trata-se de recursos de apelações apresentados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e por João Alves da Silva em demanda previdenciária por este ajuizada, objetivando que seja declarada a inconstitucionalidade da forma de cálculo da aposentadoria por incapacidade permanente, bem como seja declarada a inexigibilidade dos valores descontas pelo INSS, com sua respectiva devolução.
Alega o autor que a conversão do auxílio-doença em aposentadoria por invalidez diminuiu sua mensal em razão do cálculo instituído pela Emenda Constitucional n. 103/2019, cuja inconstitucionalidade deve ser declarada por afrontar os princípios da igualdade, proporcionalidade e razoabilidade, devendo ser restituído a ele as parcelas já descontadas pelo INSS a título de diferença de valores.
A r. sentença julgou parcialmente procedente o pedido, para fins de declarar a inexistência da devolução dos valores, nos seguintes termos (ID 279159840):
Diante do exposto, ratifico a decisão que antecipou os efeitos da tutela e, no mais, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, para declarar a inexistência da obrigação do Autor de restituir aos cofres da Previdência Social os valores por ele recebidos a título de auxílio-doença que se mostraram maiores do que a aposentadoria por incapacidade permanente concedida posteriormente.
Em consequência, deve o INSS devolver os valores indevidamente descontados de seu benefício, com juros na forma do artigo 1º F da Lei 9.494/97 e correção monetária pelo IPCA-e.
Em face da sucumbência recíproca, cada parte arcará com os honorários de seus causídicos.
Foi concedida a tutela antecipatória.
Em síntese, preliminarmente o INSS requer seja concedido o efeito suspensivo ao presente recurso, e no mérito pugna pela devolução da quantia recebida indevidamente pelo autor.
Por sua vez, o autor requer seja declarada a inconstitucionalidade do artigo 26, § 2º, inciso II e 5º, da Emenda Constitucional n. 103/2019, com relação a forma de cálculo do pagamento da aposentadoria por invalidez, com a correspondente devolução dos valores.
Prequestionam a matéria para fins de futura interposição de recurso às instâncias superiores e requerem, ao final, provimento integral de seus recursos com a inversão do ônus da sucumbência.
Com contrarrazões do autor, vieram os autos a esta E. Corte Regional.
É o relatório.
cf
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001330-62.2022.4.03.6108
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LEILA PAIVA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, JOAO ALVES DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: MARCOS PAULO ANTONIO - SP218170-N
APELADO: JOAO ALVES DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: MARCOS PAULO ANTONIO - SP218170-N
V O T O
A Senhora Desembargadora Federal Leila Paiva (Relatora):
Cinge-se a controvérsia em dirimir a constitucionalidade do artigo 26, § 2º, inciso II e 5º, da Emenda Constitucional n. 103/2019, bem como se é devida a devolução dos valores cobrados pelo INSS.
O recurso de apelação preenche os requisitos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Como é conhecido de todos, o Colendo Supremo Tribunal Federal (STF) pacificou o entendimento admitindo a possibilidade de a Administração Pública rever os seus atos, quando eivados de nulidades e vícios, mediante o exercício de autotutela para fins de proceder a anulação ou revogação, nos termos das Súmulas 346 e 473, in verbis:
Súmula 346: "A administração pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos" (STF, Sessão Plenária 13/12/1963)
Súmula 473: “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial" (STF, Sessão Plenária 03/12/1969).
Com o advento do artigo 114 da Lei n. 8.112, de 11/12/1990, a ordem jurídica passou a conter norma legal expressa concedendo suporte ao princípio da autotutela administrativa, estabelecendo que: "A administração deverá rever seus atos, a qualquer tempo, quando eivados de ilegalidade”.
Nessa senda, a Lei n. 9.784, de 29/01/1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, passou a disciplinar o dever de a Administração anular os seus atos quando maculados por vícios de ilegalidade, bem assim revogá-los por razões de conveniência e oportunidade, na forma preconizada pelos artigos 53 e 54, in verbis:
Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1o No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
§ 2o Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.
De outro giro, o Código Civil disciplina a obrigação de devolução de valores recebidos ilicitamente, na forma do que dispõem os seus artigos 876, 884 e 927, in verbis:
Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.
(...) Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
(...) Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Na esfera previdenciária, o artigo 115, inciso II, da Lei n. 8.213, de 24/07/1991, estabelece que cabe à Autarquia Previdenciária efetuar a cobrança de valores pagos indevidamente, identificados em regular processo administrativo, nos seguintes termos:
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
(...)II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da sua importância, nos termos do regulamento; (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)
Ademais, se comprovada a hipótese de dolo, fraude ou má-fé, a restituição das importâncias recebidas indevidamente deverá ser efetuada de uma só vez, consoante o artigo 154, § 2º, do Decreto n. 3.048, de 06/05/1999.
Nessa senda, a controvérsia sobre os limites aplicáveis à restituição conduziu o C. Superior Tribunal de Justiça a afetar o tema para perscrutar a respeito da seguinte questão: "Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social".
O assunto foi pacificado no julgamento do REsp 1.381.734/RN, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES, no bojo do qual foi cristalizado o Tema 979/STJ: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido".
Além disso, houve modulação dos efeitos, em obséquio ao princípio da segurança jurídica, mormente em razão do interesse social e da repercussão do julgamento, razão por que o C. STJ fixou a aplicação do Tema 979/STJ somente aos processos distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação do v. acórdão, ocorrida em 23/04/2021.
Eis a ementa, in verbis:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991.
2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além dcaráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.
4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário.
5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no beneficio no percentual de até 30% (trinta por cento).
6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.
8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa. Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado.
9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.
STJ, REsp 1.381.734 - RN, 1ª Seção, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES, j. em 10.03.2021, DJe 23.04.2021
Do caso concreto
Em 23/05/2015 foi concedido ao autor o benefício do auxílio-doença, sendo convertido para aposentadoria por incapacidade permanente em 03/02/2020 (ID 279159775 - p. 1), portanto posteriormente a vigência da Emenda Constitucional n. 103, de 12/11/2019, que trouxe alterações ao direito previdenciário.
Consoante a regra tempus regit actum, tratando-se de benefício concedido na vigência da Emenda Constitucional n. 103/2019, a renda mensal inicial da aposentadoria por incapacidade permanente deve ser calculada de acordo com disposto no inciso III do § 2º do seu artigo 26, in verbis:
Art. 26. Até que lei discipline o cálculo dos benefícios do regime próprio de previdência social da União e do Regime Geral de Previdência Social, será utilizada a média aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações adotados como base para contribuições a regime próprio de previdência social e ao Regime Geral de Previdência Social, ou como base para contribuições decorrentes das atividades militares de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal, atualizados monetariamente, correspondentes a 100% (cem por cento) do período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde o início da contribuição, se posterior àquela competência.
§ 1º A média a que se refere o caput será limitada ao valor máximo do salário de contribuição do Regime Geral de Previdência Social para os segurados desse regime e para o servidor que ingressou no serviço público em cargo efetivo após a implantação do regime de previdência complementar ou que tenha exercido a opção correspondente, nos termos do disposto nos §§ 14 a 16 do art. 40 da Constituição Federal.
§ 2º O valor do benefício de aposentadoria corresponderá a 60% (sessenta por cento) da média aritmética definida na forma prevista no caput e no § 1º, com acréscimo de 2 (dois) pontos percentuais para cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20 (vinte) anos de contribuição nos casos:
I - do inciso II do § 6º do art. 4º, do § 4º do art. 15, do § 3º do art. 16 e do § 2º do art. 18;
II - do § 4º do art. 10, ressalvado o disposto no inciso II do § 3º e no § 4º deste artigo;
III - de aposentadoria por incapacidade permanente aos segurados do Regime Geral de Previdência Social, ressalvado o disposto no inciso II do § 3º deste artigo; e
IV - do § 2º do art. 19 e do § 2º do art. 21, ressalvado o disposto no § 5º deste artigo.
§ 3º O valor do benefício de aposentadoria corresponderá a 100% (cem por cento) da média aritmética definida na forma prevista no caput e no § 1º:
I - no caso do inciso II do § 2º do art. 20;
II - no caso de aposentadoria por incapacidade permanente, quando decorrer de acidente de trabalho, de doença profissional e de doença do trabalho.
§ 4º O valor do benefício da aposentadoria de que trata o inciso III do § 1º do art. 10 corresponderá ao resultado do tempo de contribuição dividido por 20 (vinte) anos, limitado a um inteiro, multiplicado pelo valor apurado na forma do caput do § 2º deste artigo, ressalvado o caso de cumprimento de critérios de acesso para aposentadoria voluntária que resulte em situação mais favorável.
§ 5º O acréscimo a que se refere o caput do § 2º será aplicado para cada ano que exceder 15 (quinze) anos de tempo de contribuição para os segurados de que tratam a alínea "a" do inciso I do § 1º do art. 19 e o inciso I do art. 21 e para as mulheres filiadas ao Regime Geral de Previdência Social.
§ 6º Poderão ser excluídas da média as contribuições que resultem em redução do valor do benefício, desde que mantido o tempo mínimo de contribuição exigido, vedada a utilização do tempo excluído para qualquer finalidade, inclusive para o acréscimo a que se referem os §§ 2º e 5º, para a averbação em outro regime previdenciário ou para a obtenção dos proventos de inatividade das atividades de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal.
§ 7º Os benefícios calculados nos termos do disposto neste artigo serão reajustados nos termos estabelecidos para o Regime Geral de Previdência Social.
Na hipótese, de fato houve redução do valor recebido pelo autor se comparado com o do auxílio-doença, pois a RMI foi reduzida para 1.862,38 (ID 279159775 - p. 4), mas isso não implica na violação aos princípios constitucionais.
Nesse sentido, cito julgado desta E. Corte Regional:
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ CONCEDIDA APÓS A EC N. 103/2019 E PRECEDIDA DE AUXÍLIO DOENÇA PREVIDENCIÁRIO. CÁLCULO DA RMI. APLICAÇÃO DAS REGRAS ANTERIORES À EC N. 103/2019. IMPOSSIBILIDADE. TEMPUS REGIT ACTUM. SUCUMBÊNCIA.
- Para as aposentadorias por incapacidade permanente não acidentárias, cujo fato gerador é posterior a EC n. 103/2019, a RMI corresponderá a 60% (sessenta por cento) do salário de benefício, com acréscimo de 2% (dois por cento) para cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20 anos de contribuição, se homem, e 15 anos de contribuição, se mulher. A seu turno, o salário de benefício será calculado com base na média aritmética simples de 100% (cem por cento) dos salários de contribuição do segurado a partir da competência de julho/1994.
- Constatado o surgimento da incapacidade permanente não acidentária, fato gerador do benefício deferido, após o advento da EC n. 103/2019, as regras aplicáveis à jubilação são aquelas vigentes no momento do surgimento da contingência definitiva, o que inclui o critério de cálculo do artigo 26 da EC n. 103/2019 (60% do salário de benefício, com acréscimo de 2% para cada ano de contribuição) e, nesse aspecto, não se cogita de ilegalidade tampouco de inconstitucionalidade.
- Invertida a sucumbência, deve a parte autora pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa corrigido, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação do INSS provida.
(TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5079528-80.2022.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA, julgado em 16/02/2023, DJEN DATA: 23/02/2023)
Inclusive, no Recurso Extraordinário n. 1.360.286/PR, transitado em julgado aos 31/03/2022, ao tratar desse assunto, monocraticamente a Ministra Rosa Weber decidiu pela não violação aos preceitos constitucionais, in verbis:
Não há falar em afronta aos preceitos constitucionais indicados nas razões recursais, porquanto, no caso, a suposta ofensa somente poderia ser constatada a partir da análise da legislação infraconstitucional apontada no apelo extremo (Leis n. 8.213/1991 e 9.876/1999), o que torna oblíqua e reflexa eventual ofensa, insuscetível, portanto, de viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário.
Sobre a devolução dos valores recebidos a maior, observo que a conversão do benefício foi realizada por iniciativa do INSS (ID 279159783), conforme perícia médica realizada em 03/02/2020 (ID 279159791 - p. 44).
Entretanto, apesar de ter sido concedido em 03/02/2020, a Carta de Concessão foi enviada ao autor somente no dia em 08/03/2022 (ID 279159775 - p. 1), notadamente 25 (vinte e cinco) meses após sua concessão.
Além da demora injustificada a implantar o novo benefício, cujo autor não teve ingerência sobre isso, o INSS almeja receber o pagamento da diferença existente entre eles, já que de 03/02/2020 até o início do pagamento da aposentadoria por incapacidade permanente o autor recebeu valor superior, correspondente ao do auxílio-doença.
Nesse contexto, embora a legislação previdenciária permita a Autarquia Previdenciária reaver o pagamento efetuado a maior, diante da sua inércia não há como, 25 (vinte e cinco) meses após, onerar o autor por algo que não deu causa, agindo de plena boa-fé.
Com efeito, à míngua de prova da ocorrência de má-fé, o C. STJ definiu no precedente obrigatório contido no Tema 979/STJ que é de rigor a aplicação do princípio da irrepetibilidade do benefício, em função da presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração.
Nesse sentido:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO. ÓBITO DO SEGURADO EM 2016. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE PELO CÔNJUGE, A TÍTULO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. DESCONTOS LEVADOS A EFEITO NA PENSÃO POR MORTE. ART. 115 DA LEI DE BENEFÍCIOS. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. BOA FÉ OBJETIVA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
- Trata-se de ação ajuizada contra o INSS objetivando a anulação de débito apurado em razão da percepção indevida do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados, com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma. Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em 28/06/2007).
- Em razão do falecimento do cônjuge, Luiz Augusto Chinelli, ocorrido em 13/09/2016, à parte autora foi deferida administrativamente a pensão por morte (NB 21/179115355-8), com pagamento efetuado a partir da data do requerimento, apresentado em 13/02/2017.
- A agência do INSS em Araras - SP emitiu ofício à parte autora, em 14/03/2017, comunicando-lhe acerca do recebimento indevido das parcelas de aposentadoria por tempo de contribuição do qual o cônjuge era titular (NB 42/108.212.494-7), no interregno compreendido entre 01/09/2016 e 31/01/2017, apurando o complemento negativo de R$ 9.096,39.
- Na situação retratada nos autos, não se verifica qualquer evidência de que a autora tivesse concorrido para a continuidade do pagamento da aposentadoria por tempo de contribuição (NB 42/108.212.494-7) do qual o cônjuge era titular, mesmo após seu falecimento.
- Isso fica evidente no fato de a autora ter procrastinado o requerimento da pensão por morte, no intervalo em que recebeu as parcelas da aposentadoria da qual o falecido cônjuge era titular, vale dizer, não houve no período o pagamento cumulativo de pensão e da referida aposentadoria.
- Enquanto a boa-fé se presuma, a má-fé precisa necessariamente comprovada, o que se não verificou na espécie em apreço. Precedente desta Egrégia Corte.
- Por se tratar de demanda aforada no Estado de São Paulo, o INSS é isento de custas e despesas processuais, com respaldo na Lei Estadual nº 11.608/03.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- Apelação do INSS provida parcialmente.
(TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5066433-22.2018.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN, julgado em 18/06/2021, DJEN DATA: 24/06/2021)
PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DECISÃO DE NÃO RETRATAÇÃO. OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS A TÍTULO DE AMPARO SOCIAL CESSADO ADMINISTRATIVAMENTE PELA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA. NÃO COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ. DESNECESSIDADE. ENTENDIMENTO DO C. STF.
I - A questão posta nos autos não se amolda ao Tema n. 692 do E. STJ, que se refere à necessidade de devolução dos valores recebidos pelo litigante beneficiário do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), em virtude de decisão judicial liminar que venha a ser posteriormente revogada.
II - A controvérsia, na presente demanda, cinge-se à possibilidade de devolução de parcelas recebidas a título de benefício de amparo social ao idoso, cessado administrativamente pela autarquia previdenciária, em decorrência de constatação de irregularidade na sua manutenção.
III - Sobre a questão versada nos autos, o acórdão embargado consignou expressamente que a restituição pretendida pelo INSS é indevida, porquanto as quantias auferidas pela demandante possuem natureza alimentar, não restando caracterizada a má-fé da segurada.
IV- A 1ª Seção do E. STJ, no julgamento do Tema 979 (REsp. n. 1.381.734), sob o rito dos recursos repetitivos, fixou a seguinte tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
V - No caso em apreço, não comprovada a má-fé da segurada, é inexigível a devolução dos valores recebidos a título de amparo social ao idoso.
VI - Possibilidade de retratação afastada. Determinada a remessa dos autos remetidos à Vice-Presidência.
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0008840-57.2017.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO, julgado em 08/06/2021, Intimação via sistema DATA: 11/06/2021)
Nesse cenário, sem razão o autor e o INSS, devendo ser mantida a r. sentença guerreada.
Dos consectários legais
A correção monetária e os juros de mora incidirão conforme a legislação de regência, observando-se os critérios preconizados pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, que refere a aplicação da EC n. 113/2021.
Ainda quanto aos juros, destaque-se que são devidos até a data da expedição do ofício precatório ou da requisição de pequeno valor (RPV), conforme o Tema 96/STF, cristalizado pelo C. STF no julgamento do RE 579.431, observando-se, a partir de então, o teor da Súmula Vinculante 17/STF.
Dispositivo
Ante o exposto, nego provimento às apelações do autor e do INSS, nos termos da fundamentação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE. BENEFÍCIO CONCEDIDO APÓS A EMENDA CONSTITUCIONAL N. 103/2019. CÁLCULO DA RMI. DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. INÉRCIA DO INSS CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. TEMA 979/STJ. CONSECTÁRIOS LEGAIS.
- Em 23/05/2015 foi concedido ao autor o benefício do auxílio-doença, sendo convertido para aposentadoria por incapacidade permanente em 03/02/2020, portanto posteriormente a vigência da Emenda Constitucional n. 103, de 12/11/2019, que trouxe alterações ao direito previdenciário.
- Consoante a regra tempus regit actum, tratando-se de benefício concedido na vigência da Emenda Constitucional n. 103/2019, a renda mensal inicial da aposentadoria por incapacidade permanente deve ser calculada de acordo com o disposto no inciso III do § 2º do seu artigo 26. Precedentes.
- A redução da RMI em razão do previsto na EC 103/2019 não implica na violação aos princípios constitucionais. Precedente.
- Sobre a devolução dos valores recebidos a maior, observo que a conversão do benefício foi realizada por iniciativa do INSS, conforme perícia médica realizada em 03/02/2020.
- Entretanto, apesar de ter sido concedido em 03/02/2020, a Carta de Concessão foi enviada ao autor somente no dia em 08/03/2022, notadamente 25 (vinte e cinco) meses após sua concessão.
- Além da demora injustificada a implantar o novo benefício, cujo autor não teve ingerência sobre isso, o INSS almeja receber o pagamento da diferença existente entre eles, já que de 03/02/2020 até o início do pagamento da aposentadoria por incapacidade permanente o autor recebeu valor superior, correspondente ao do auxílio-doença.
- O assunto foi pacificado no julgamento do REsp n. 1.381.734/RN, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES, no bojo do qual foi cristalizado o Tema 979/STJ "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido".
- Nesse contexto, embora a legislação previdenciária permita a Autarquia Previdenciária reaver o pagamento efetuado a maior, diante da sua inércia não há como, 25 (vinte e cinco) meses após, onerar o autor por algo que não deu causa, agindo de plena boa-fé.
- Com efeito, à míngua de prova da ocorrência de má-fé, o C. STJ definiu no precedente obrigatório contido no Tema 979/STJ que é de rigor a aplicação do princípio da irrepetibilidade do benefício, em função da presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração.
- A correção monetária e os juros de mora incidirão conforme a legislação de regência, observando-se os critérios preconizados pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, que refere a aplicação da EC n. 113/2021.
- Ainda quanto aos juros, destaque-se que são devidos até a data da expedição do ofício precatório ou da requisição de pequeno valor (RPV), conforme o Tema 96/STF, cristalizado pelo C. STF no julgamento do RE 579.431, observando-se, a partir de então, o teor da Súmula Vinculante 17/STF.
- Recursos não providos.
