Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0016028-67.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
13/08/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 20/08/2021
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-
DOENÇA. PREEXISTÊNCIA DA INCAPACIDADE. NOVOS RECOLHIMENTOS AOS 66
(SESSENTA E SEIS) ANOS DE IDADE. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. PATOLOGIAS
ORTOPÉDICAS TÍPICAS EM PESSOAS COM IDADE AVANÇADA. ELEMENTOS
SUFICIENTES QUE ATESTAM O INÍCIO DO IMPEDIMENTO EM ÉPOCA PREGRESSA AO
REINGRESSO NO RGPS. REFILIAÇÃO OPORTUNISTA. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 42, §2º E
59, PARÁGRAFO ÚNICO, AMBOS DA LEI Nº 8.213/91. VEDAÇÃO. APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ E AUXÍLIO-DOENÇA INDEVIDOS. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO IDOSO E À
PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REQUISITO
ETÁRIO PREENCHIDO. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO. ART.
34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA. PRECEDENTES
JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA). STF. DECLARAÇÃO
DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.472/93, SEM PRONÚNCIA
DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE DA MISERABILIDADE
EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. AFASTADA SITUAÇÃO DE RISCO. RENDA
FAMILIAR DE FATO POUCO INFERIOR AOS GASTOS. PARTE AUTORA QUE PROMOVEU
RECOLHIMENTOS PARA O RGPS. AJUDA FINANCEIRA DE IRMÃ. DEVER DE AUXÍLIO É, EM
PRIMEIRO LUGAR, DA FAMÍLIA. CONDIÇÕES DE HABITABILIDADE SATISFATÓRIAS.
MOBILIÁRIO QUE ATENDE AS NECESSIDADES BÁSICAS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
MANTIDA, MAS POR FUNDAMENTO DIVERSO, NO QUE TOCA AO PEDIDO DE BENEFÍCIOS
PREVIDENCIÁRIOS. RECURSO DESPROVIDO, COM MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA.
1 - A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
2 - Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de
aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de
carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de
auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da
atividade que lhe garanta a subsistência.
3 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o tempo
supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação
habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
4 - Independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de acidente de
qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que,
após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias
elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
5 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime não impede o
deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da
moléstia.
6 - Para o implemento dos beneplácitos em tela, necessário revestir-se do atributo de segurado,
cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os
direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou
"período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos termos do art.
15 da Lei de Benefícios. O §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses o
lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses,
sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Por sua vez, o § 2º estabelece
que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será acrescido de 12 (doze) meses
para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão
próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
7 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a partir da nova
filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas para o
cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e
aposentadoria por invalidez.
8 - No que tange à incapacidade, o profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com
fundamento em exame realizado em 01º de agosto de 2016, quando a demandante possuía 69
(sessenta e nove) anos, a diagnosticou como portadora de “artrose de coluna e joelhos”. Relatou
que, a “pericianda, com doença degenerativa crônica, apresenta incapacidade parcial definitiva
para sua atividade habitual de artesã”, fixando o seu início em 09.12.2014.
9 - O juiz não está adstrito ao laudo pericial, nos termos do que dispõe o art. 436 do CPC/73
(atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado. Por ser o juiz o
destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame.
Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE:
26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
10 - A despeito de o experto ter fixado a DII em tal instante, verifica-se que o impedimento já
estava presente em período anterior a seu reingresso no RGPS.
11 - Informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, cujo extrato
segue anexo aos autos, dão conta que a requerente teve seu último vínculo empregatício
encerrado em 01.10.1990, tendo retornado a promover recolhimentos para o RGPS, como
contribuinte individual, em julho de 2013, com mais de 66 (sessenta e seis) anos.
12 - Se afigura pouco crível, à luz das máximas da experiência, subministradas pelo que
ordinariamente acontece no dia a dia (art. 375, CPC), que tenha se tornado incapaz somente
após tal época, eis que é portadora de males ortopédicos degenerativos típicos em pessoas com
idade avançada.
13 - Alie-se, como elemento de convicção, que o próprio experto atestou ter lhe sido apresentado,
por ocasião da perícia, radiografia indicando a presença das moléstias desde 24.04.2008.
14 - Em outras palavras, a demandante somente reingressou no RGPS, com mais de 66
(sessenta e seis) anos de idade, na qualidade de contribuinte individual, após mais de 20 (vinte)
anos sem um único recolhimento, o que somado ao fato de é portadora de males degenerativos
ortopédicos típicos em pessoas com idade avançada, e com sintomatologia antiga, denota que
seu impedimento é preexistente à sua refiliação no RGPS, além do notório caráter oportunista
desta.
15 - Diante de tais elementos, tem-se que decidiu a parte autora se refiliar ao RGPS com o
objetivo de buscar, indevidamente, proteção previdenciária que não lhe alcançaria, conforme
vedações constantes dos artigos 42, §2º e 59, parágrafo único, ambos da Lei 8.213/91, o que
inviabiliza a concessão, seja de auxílio-doença, seja de aposentadoria por invalidez.
16 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o
pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
17 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a
concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que
comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
18 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a
redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
19 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de
miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a
manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do
Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
20 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento
da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de
constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
21 - Pleiteia a autora a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é
pessoa idosa e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua
família.
22 - O requisito etário fora devidamente preenchido, considerando o implemento da idade mínima
de 65 (sessenta e cinco) anos em 20.06.2012, anteriormente à propositura da presente demanda,
que se deu em 19.03.2015.
23 - Ainda que preenchido tal requisito, não restou demonstrada sua hipossuficiência econômica.
24 - O estudo social, elaborado em 18 de dezembro de 2015, informou que o núcleo familiar é
formado pela requerente e mais 2 (duas) irmãs. Residem em imóvel próprio, o qual possui “2
quartos, sendo que em um deles repousam as 3 irmãs com três camas de solteiro. Outro quarto é
usado somente para visita, pois é muito quente e abafado. Tem um banheiro, uma sala com sofás
e televisão em bom estado. Há uma área no fundo bem arborizada, não muito grande, com
algumas cadeiras para descanso (...) Todos os móveis são antigos mas em estado de uso”.
25 - A renda da família, segundo o relatado à assistente, decorria dos proventos de aposentadoria
e pensão por morte percebidos por suas irmãs, no valor de um salário mínimo cada (R$788,00 -
ano exercício de 2015). Trata-se de pessoas maiores de 65 (sessenta e cinco) anos, motivo pelo
qual a demandante defende a aplicação do disposto no art. 34, parágrafo único, do Estatuto do
Idoso, para que sejam excluídos os montantes em questão do cômputo da renda familiar.
Todavia, a mera aplicação do referido dispositivo não enseja, automaticamente, a concessão do
benefício, uma vez que o requisito da miserabilidade não pode ser analisado tão somente
levando-se em conta o valor per capita, sob pena de nos depararmos com decisões
completamente apartadas da realidade. Destarte, a ausência, ou presença, desta condição
econômica deve ser aferida por meio da análise de todo o conjunto probatório.
26 - As despesas, envolvendo gastos com farmácia, mercado, água/luz e telefone, cingiam a
aproximadamente R$1.820,00. De outra feita, irmã da autora, que com ela não residia, lhe
ajudava com o valor mensal de R$200,00
27 - Nota-se, portanto, que a renda familiar, de fato, somados os benefícios percebidos e a ajuda
financeira (R$1.776,00), era pouco inferior às despesas. Por cabeça, os rendimentos eram
superiores ao parâmetro jurisprudencial de miserabilidade (1/2 de um salário mínimo).
28 - Cumpre destacar que, caso seja afastada o cômputo dos 2 (dois) salários mínimos na renda
per capita estar-se-ia contrariando à finalidade da norma (art. 34, parágrafo único, do Estatuto do
Idoso), e do próprio entendimento jurisprudencial dela decorrente, os quais visam proteger
famílias, compostas por 2 (duas) ou mais pessoas, e que possuam como único rendimento um
salário mínimo. Não é, definitivamente, o caso dos autos.
29 - De mais a mais, a requerente verteu recolhimentos, como contribuinte individual de
01.07.2013 a 30.06.2014 e de 01.10.2014 e 31.03.2015. Ora, quem vive em situação extrema,
não consegue contribuir para o RGPS.
30 - Repisa-se que as condições de habitabilidade são razoáveis. O imóvel é próprio e se
encontra guarnecido com mobiliário que atende as necessidades básicas da família.
31 - O fato de que uma das suas irmãs veio a óbito durante o transcurso da demanda, em
realidade, não diz respeito ao objeto destes autos. As ações nas quais se postulam benefício
assistencial se caracterizam por terem como objeto relações continuativas e, portanto, as
sentenças nelas proferidas se vinculam aos pressupostos do tempo em que foram formuladas,
sem, contudo, extinguir a própria relação jurídica, que continua sujeita à variação de seus
elementos. Isso ocorre porque estas sentenças contêm implícita a cláusula rebus sic stantibus, de
forma que, modificadas as condições fáticas ou jurídicas sobre as quais se formou a coisa julgada
material, tem-se nova causa de pedir próxima ou remota. Assim sendo, a questão atinente ao
decréscimo dos rendimentos financeiros (em virtude de óbito de pessoa pertencente ao núcleo
familiar) deve ser debatida em outra demanda (nova causa de pedir), sob pena, inclusive, de
eternização da presente lide.
32 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que o
núcleo familiar não se enquadrava, no instante do ajuizamento da demanda, na concepção legal
de hipossuficiência econômica, não fazendo, portanto, a autora, jus ao benefício assistencial
nestes autos.
33 - O benefício assistencial de prestação continuada é auxílio que deve ser prestado pelo
Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja, nas específicas situações que
preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia
efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre
interpretação do Poder Judiciário.
34 - Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada pela parte autora e
compadeça-se com a horripilante realidade a que são submetidos os trabalhadores em geral, não
pode determinar à Seguridade a obrigação de pagamento de benefício, que independe de
contribuição, ou seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições
previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram preenchidos, sob pena de criar
perigoso precedente que poderia causar de vez a falência do já cambaleado Instituto Securitário.
35 - O legislador não criou programa de renda mínima ao idoso. Até porque a realidade
econômico-orçamentária nacional não suportaria o ônus financeiro disto. As Leis nº 8.742/93 e
10.741/03 vão além e exigem que o idoso se encontre em situação de risco. Frisa-se que o dever
de prestar a assistência social, por meio do pagamento pelo Estado de benefício no valor de um
salário mínimo, encontra-se circunspecto àqueles que se encontram em situação de
miserabilidade, ou seja, de absoluta carência, situação essa que evidencia que a sobrevivência
de quem o requer, mesmo com o auxílio de outros programas sociais, como fornecimento gratuito
de medicamentos e tratamentos de saúde pela rede pública, não são suficientes a garantir o
mínimo existencial.
36 - O benefício assistencial de prestação continuada existe para auxiliar a sobrevivência das
pessoas portadoras de incapacidade, por idade avançada, ou outras restrições físicas ou
psíquicas para o trabalho e que não possuam parentes próximos em condições de lhes prover o
sustento. O dever, portanto, é, em primeiro lugar, da família.
37 - O benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da
renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir
faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade
precípua prover a subsistência daquele que o requer.
38 - Majoração dos honorários advocatícios nos termos do artigo 85, §11, CPC, respeitados os
limites dos §§2º e 3º do mesmo artigo.
39 - Sentença de improcedência mantida, mas por fundamento diverso, no que toca ao pedido de
benefícios previdenciários. Recurso desprovido, com majoração da verba honorária.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0016028-67.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: FRANCISCA LAURENICE FERREIRA
Advogado do(a) APELANTE: ANTONIO APARECIDO DE MATOS - SP160362-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0016028-67.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: FRANCISCA LAURENICE FERREIRA
Advogado do(a) APELANTE: ANTONIO APARECIDO DE MATOS - SP160362-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de apelação interposta por FRANCISCA LAURENICE FERREIRA, em ação ajuizada
em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão de
aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença ou, ainda, benefício assistencial previsto no art.
203, V, da Constituição Federal.
A r. sentença julgou improcedente o pedido, sob o fundamento da ausência de incapacidade
total para o trabalho, quanto aos benefícios previdenciários, e a não comprovação da
hipossuficiência econômica, no que toca à benesse assistencial. Condenada a parte autora no
ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem
como nos honorários advocatícios, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde
que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos
benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da
Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC (ID 102639939, p. 168-172).
Em razões recursais, a parte autora requer a reforma da sentença, uma vez que, no seu
entender, preenche os requisitos para a concessão dos benefícios ora vindicados (ID
102325796, p. 176-179).
Sem contrarrazões.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
O Ministério Público Federal não se manifestou quanto ao mérito, pugnando pelo regular
processamento do feito (ID 161877730).
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0016028-67.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: FRANCISCA LAURENICE FERREIRA
Advogado do(a) APELANTE: ANTONIO APARECIDO DE MATOS - SP160362-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Passo, por primeiro, à análise do pedido de benefícios previdenciários.
A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de aposentadoria
por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de carência mínimo
exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença,
for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe
garanta a subsistência.
Ao passo que o auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o
caso, o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou
ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
No entanto, independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de
acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao
segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das
moléstias elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
Cumpre salientar que, a patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no
Regime não impede o deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão
ou agravamento da moléstia.
Ademais, é necessário, para o implemento dos beneplácitos em tela, revestir-se do atributo de
segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar
todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina
denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos
termos do art. 15 da Lei de Benefícios.
É de se observar, ainda, que o §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses
o lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte)
meses, sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
Por sua vez, o § 2º estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será
acrescido de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa
situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
Por fim, saliente-se que, havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar,
a partir da nova filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas
para o cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-
doença e aposentadoria por invalidez.
Do caso concreto.
No que tange à incapacidade, o profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com fundamento
em exame realizado em 01º de agosto de 2016 (ID 102639939, p. 86-90), quando a
demandante possuía 69 (sessenta e nove) anos, a diagnosticou como portadora de “artrose de
coluna e joelhos”.
Relatou que, a “pericianda, com doença degenerativa crônica, apresenta incapacidade parcial
definitiva para sua atividade habitual de artesã”, fixando o seu início em 09.12.2014.
Assevero que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, nos termos do que dispõe o art. 436 do
CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado. Por ser o juiz o
destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame.
Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE:
26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
A despeito de o experto ter fixado a DII em tal instante, verifico que o impedimento já estava
presente em período anterior a seu reingresso no RGPS.
Informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, cujo extrato segue
anexo aos autos (ID 102639939, p. 34), dão conta que a requerente teve seu último vínculo
empregatício encerrado em 01.10.1990, tendo retornado a promover recolhimentos para o
RGPS, como contribuinte individual, em julho de 2013, com mais de 66 (sessenta e seis) anos.
Se me afigura pouco crível, à luz das máximas da experiência, subministradas pelo que
ordinariamente acontece no dia a dia (art. 375, CPC), que tenha se tornado incapaz somente
após tal época, eis que é portadora de males ortopédicos degenerativos típicos em pessoas
com idade avançada.
Alie-se, como elemento de convicção, que o próprio experto atestou ter lhe sido apresentado,
por ocasião da perícia, radiografia indicando a presença das moléstias desde 24.04.2008.
Em outras palavras, a demandante somente reingressou no RGPS, com mais de 66 (sessenta e
seis) anos de idade, na qualidade de contribuinte individual, após mais de 20 (vinte) anos sem
um único recolhimento, o que somado ao fato de é portadora de males degenerativos
ortopédicos típicos em pessoas com idade avançada, e com sintomatologia antiga, denota que
seu impedimento é preexistente à sua refiliação no RGPS, além do notório caráter oportunista
desta.
Diante de tais elementos, tenho que decidiu a parte autora se refiliar ao RGPS com o objetivo
de buscar, indevidamente, proteção previdenciária que não lhe alcançaria, conforme vedações
constantes dos artigos 42, §2º e 59, parágrafo único, ambos da Lei 8.213/91, o que inviabiliza a
concessão, seja de auxílio-doença, seja de aposentadoria por invalidez.
Passo, agora, à análise da pretensão relativa ao benefício assistencial.
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem
como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da
Silva, consiste em:
"um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o
direito à vida. 'Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos
fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa
humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido
normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-
se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a
nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da personalidade
individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana. Daí decorre
que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem
social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa
e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados
formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa
humana.'"
(Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 106-107).
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração
da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas
como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte
redação:
"A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição
à seguridade social, e tem por objetivos:
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei."
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada,
dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº
8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de
1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu
decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam:
ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos
foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003,
mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência,
família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a
redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos (§10).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a
execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio
permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício
de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do
Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377),
oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida
laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da
ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção
do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação
continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de
locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97,
transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o
conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo
teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art.
20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro,
os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e
enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle
concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203,
V, da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um
salário mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem
não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art.
20, § 3º da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se
incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja
renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro
estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria
que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do
benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do
art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como instrumento de (re)interpretação da decisão
proferida em controle de constitucionalidade abstrato. Preliminarmente, arguido o prejuízo da
reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos extraordinários 580.963 e 567.985, o
Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O STF, no exercício da competência
geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de qualquer ato normativo com a
Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade, incidentalmente, de normas tidas como
fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da própria
competência atribuída ao STF para exercer o denominado controle difuso da
constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de reapreciação das
decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com mais
naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo hermenêutico
típico da reclamação - no "balançar de olhos" entre objeto e parâmetro da reclamação - que
surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no controle de
constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o
Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E,
inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação,
se entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a
interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos
preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei
8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia
quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com
entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios
mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004,
que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à
Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder
Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de
renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões
monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do
critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente
de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas
modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de
outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de
inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6.
Reclamação constitucional julgada improcedente. (Rcl 4374, GILMAR MENDES, STF)"
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a
renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo
vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso
por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência
econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão
por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia
repetitiva assim ementado:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO
SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98,
dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas
portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja
família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
(...)
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de
se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de
tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade,
ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita
inferior a 1/4 do salário mínimo. 6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre
convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de
provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida
como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode
admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o
seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(REsp nº 1.112.557/MG, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, DJ
20/11/2009). (grifos nossos)
No que pertine à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial
percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03,
referido tema revelou-se polêmico, por levantar a discussão acerca do discrímen em se
considerar somente o benefício assistencial para a exclusão referida, e não o benefício
previdenciário de qualquer natureza, desde que de igual importe; sustentava-se, então, que a
ratio legis do artigo em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado
e, bem por isso, não havia justificativa plausível para a discriminação.
Estabelecido o dissenso inclusive perante o Superior Tribunal de Justiça, o mesmo se resolveu
no sentido, enfim, de se excluir do cálculo da renda familiar todo e qualquer benefício de valor
mínimo recebido por pessoa maior de 65 anos, em expressa aplicação analógica do contido no
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
Refiro-me, inicialmente, à Petição nº 7203/PE (Incidente de Uniformização de Jurisprudência),
apreciada pela 3ª Seção do STJ em 10 de agosto de 2011 (Rel. Ministra Maria Thereza de
Assis Moura) e, mais recentemente, ao Recurso Especial nº 1.355.052/SP, processado
segundo o rito do art. 543-C do CPC/73 e que porta a seguinte ementa:
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA.
IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO,
NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no
valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do
benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito
do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do
Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com
deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário
mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código
de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.
(REsp nº 1.355.052/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Seção, j. 25/02/2015, DJe
05/11/2015). (grifos nossos)
Do caso concreto.
Pleiteia a autora a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é idosa e
não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.
O requisito etário fora devidamente preenchido, considerando o implemento da idade mínima de
65 (sessenta e cinco) anos em 20.06.2012 (ID 102639939, p. 11), anteriormente à propositura
da presente demanda, que se deu em 19.03.2015 (ID 102639939, p. 03).
Ainda que preenchido tal requisito, não restou demonstrada sua hipossuficiência econômica.
O estudo social, elaborado em 18 de dezembro de 2015 (ID 102639939, p. 60-68), informou
que o núcleo familiar é formado pela requerente e mais 2 (duas) irmãs.
Residem em imóvel próprio, o qual possui “2 quartos, sendo que em um deles repousam as 3
irmãs com três camas de solteiro. Outro quarto é usado somente para visita, pois é muito
quente e abafado. Tem um banheiro, uma sala com sofás e televisão em bom estado. Há uma
área no fundo bem arborizada, não muito grande, com algumas cadeiras para descanso (...)
Todos os móveis são antigos mas em estado de uso”.
A renda da família, segundo o relatado à assistente, decorria dos proventos de aposentadoria e
pensão por morte percebidos por suas irmãs, no valor de um salário mínimo cada (R$788,00 -
ano exercício de 2015). Trata-se de pessoas maiores de 65 (sessenta e cinco) anos, motivo
pelo qual a demandante defende a aplicação do disposto no art. 34, parágrafo único, do
Estatuto do Idoso, para que sejam excluídos os montantes em questão do cômputo da renda
familiar.
Todavia, a mera aplicação do referido dispositivo não enseja, automaticamente, a concessão do
benefício, uma vez que o requisito da miserabilidade não pode ser analisado tão somente
levando-se em conta o valor per capita, sob pena de nos depararmos com decisões
completamente apartadas da realidade. Destarte, a ausência, ou presença, desta condição
econômica deve ser aferida por meio da análise de todo o conjunto probatório.
As despesas, envolvendo gastos com farmácia, mercado, água/luz, e telefone, cingiam a
aproximadamente R$1.820,00.
De outra feita, irmã da autora, que com ela não residia, lhe ajudava com o valor mensal de
R$200,00
Nota-se, portanto, que a renda familiar, de fato, somados os benefícios percebidos e a ajuda
financeira (R$1.776,00), era pouco inferior às despesas. Por cabeça, os rendimentos eram
superiores ao parâmetro jurisprudencial de miserabilidade (1/2 de um salário mínimo).
Cumpre destacar que, caso seja afastada o cômputo dos 2 (dois) salários mínimos na renda per
capita estar-se-ia contrariando à finalidade da norma (art. 34, parágrafo único, do Estatuto do
Idoso), e do próprio entendimento jurisprudencial dela decorrente, os quais visam proteger
famílias, compostas por 2 (duas) ou mais pessoas, e que possuam como único rendimento um
salário mínimo. Não é, definitivamente, o caso dos autos.
De mais a mais, a requerente verteu recolhimentos, como contribuinte individual de 01.07.2013
a 30.06.2014 e de 01.10.2014 e 31.03.2015 (ID 102639939, p. 34). Ora, quem vive em situação
extrema, não consegue contribuir para o RGPS.
Repisa-se que as condições de habitabilidade são razoáveis. O imóvel é próprio e se encontra
guarnecido com mobiliário que atende as necessidades básicas da família.
O fato de que uma das suas irmãs veio a óbito durante o transcurso da demanda, em realidade,
não diz respeito ao objeto destes autos.
As ações nas quais se postulam benefício assistencial se caracterizam por terem como objeto
relações continuativas e, portanto, as sentenças nelas proferidas se vinculam aos pressupostos
do tempo em que foram formuladas, sem, contudo, extinguir a própria relação jurídica, que
continua sujeita à variação de seus elementos. Isso ocorre porque estas sentenças contêm
implícita a cláusula rebus sic stantibus, de forma que, modificadas as condições fáticas ou
jurídicas sobre as quais se formou a coisa julgada material, tem-se nova causa de pedir próxima
ou remota.
Assim sendo, a questão atinente ao decréscimo dos rendimentos financeiros (em virtude de
óbito de pessoa pertencente ao núcleo familiar) deve ser debatida em outra demanda (nova
causa de pedir), sob pena, inclusive, de eternização da presente lide.
Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que o núcleo
familiar não se enquadrava, no instante do ajuizamento da demanda, na concepção legal de
hipossuficiência econômica, não fazendo, portanto, a autora, jus ao benefício assistencial
nestes autos.
É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação continuada
é auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou
seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem como se e
quando a situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco
deixado pelo legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada pela parte autora e
compadeça-se com a horripilante realidade a que são submetidos os trabalhadores em geral,
não pode determinar à Seguridade a obrigação de pagamento de benefício, que independe de
contribuição, ou seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições
previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram preenchidos, sob pena de criar
perigoso precedente que poderia causar de vez a falência do já cambaleado Instituto
Securitário.
O legislador não criou programa de renda mínima ao idoso. Até porque a realidade econômico-
orçamentária nacional não suportaria o ônus financeiro disto. As Leis nº 8.742/93 e 10.741/03
vão além e exigem que o idoso se encontre em situação de risco. Frisa-se que o dever de
prestar a assistência social, por meio do pagamento pelo Estado de benefício no valor de um
salário mínimo, encontra-se circunspecto àqueles que se encontram em situação de
miserabilidade, ou seja, de absoluta carência, situação essa que evidencia que a sobrevivência
de quem o requer, mesmo com o auxílio de outros programas sociais, como fornecimento
gratuito de medicamentos e tratamentos de saúde pela rede pública, não são suficientes a
garantir o mínimo existencial.
O benefício assistencial de prestação continuada existe para auxiliar a sobrevivência das
pessoas portadoras de incapacidade, por idade avançada, ou outras restrições físicas ou
psíquicas para o trabalho e que não possuam parentes próximos em condições de lhes prover o
sustento. O dever, portanto, é, em primeiro lugar, da família.
Repito que o benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à
complementação da renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata
tarefa de distinguir faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem
por finalidade precípua prover a subsistência daquele que o requer.
Ante o exposto, nego provimento à apelação da parte autora, mantendo a sentença de
improcedência, mas por fundamento diverso apenas no que toca aos pedidos de auxílio-doença
e aposentadoria por invalidez. Em atenção ao disposto no artigo 85, §11, do CPC, ficam os
honorários advocatícios majorados em 2% (dois por cento), respeitando-se os limites previstos
nos §§ 2º e 3º do mesmo artigo.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-
DOENÇA. PREEXISTÊNCIA DA INCAPACIDADE. NOVOS RECOLHIMENTOS AOS 66
(SESSENTA E SEIS) ANOS DE IDADE. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. PATOLOGIAS
ORTOPÉDICAS TÍPICAS EM PESSOAS COM IDADE AVANÇADA. ELEMENTOS
SUFICIENTES QUE ATESTAM O INÍCIO DO IMPEDIMENTO EM ÉPOCA PREGRESSA AO
REINGRESSO NO RGPS. REFILIAÇÃO OPORTUNISTA. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 42, §2º
E 59, PARÁGRAFO ÚNICO, AMBOS DA LEI Nº 8.213/91. VEDAÇÃO. APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ E AUXÍLIO-DOENÇA INDEVIDOS. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO IDOSO E À
PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REQUISITO
ETÁRIO PREENCHIDO. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO.
ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA.
PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA).
STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº
8.472/93, SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA.
ANÁLISE DA MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. AFASTADA
SITUAÇÃO DE RISCO. RENDA FAMILIAR DE FATO POUCO INFERIOR AOS GASTOS.
PARTE AUTORA QUE PROMOVEU RECOLHIMENTOS PARA O RGPS. AJUDA FINANCEIRA
DE IRMÃ. DEVER DE AUXÍLIO É, EM PRIMEIRO LUGAR, DA FAMÍLIA. CONDIÇÕES DE
HABITABILIDADE SATISFATÓRIAS. MOBILIÁRIO QUE ATENDE AS NECESSIDADES
BÁSICAS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA, MAS POR FUNDAMENTO
DIVERSO, NO QUE TOCA AO PEDIDO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. RECURSO
DESPROVIDO, COM MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA.
1 - A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
2 - Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de
aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de
carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo
de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da
atividade que lhe garanta a subsistência.
3 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o
tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou
ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
4 - Independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de acidente de
qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado
que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias
elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
5 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime não impede o
deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da
moléstia.
6 - Para o implemento dos beneplácitos em tela, necessário revestir-se do atributo de segurado,
cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os
direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou
"período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos termos do
art. 15 da Lei de Benefícios. O §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses
o lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte)
meses, sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Por sua vez, o § 2º
estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será acrescido de 12
(doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo
registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
7 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a partir da nova
filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas para o
cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e
aposentadoria por invalidez.
8 - No que tange à incapacidade, o profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com
fundamento em exame realizado em 01º de agosto de 2016, quando a demandante possuía 69
(sessenta e nove) anos, a diagnosticou como portadora de “artrose de coluna e joelhos”.
Relatou que, a “pericianda, com doença degenerativa crônica, apresenta incapacidade parcial
definitiva para sua atividade habitual de artesã”, fixando o seu início em 09.12.2014.
9 - O juiz não está adstrito ao laudo pericial, nos termos do que dispõe o art. 436 do CPC/73
(atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado. Por ser o juiz o
destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame.
Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE:
26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
10 - A despeito de o experto ter fixado a DII em tal instante, verifica-se que o impedimento já
estava presente em período anterior a seu reingresso no RGPS.
11 - Informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, cujo extrato
segue anexo aos autos, dão conta que a requerente teve seu último vínculo empregatício
encerrado em 01.10.1990, tendo retornado a promover recolhimentos para o RGPS, como
contribuinte individual, em julho de 2013, com mais de 66 (sessenta e seis) anos.
12 - Se afigura pouco crível, à luz das máximas da experiência, subministradas pelo que
ordinariamente acontece no dia a dia (art. 375, CPC), que tenha se tornado incapaz somente
após tal época, eis que é portadora de males ortopédicos degenerativos típicos em pessoas
com idade avançada.
13 - Alie-se, como elemento de convicção, que o próprio experto atestou ter lhe sido
apresentado, por ocasião da perícia, radiografia indicando a presença das moléstias desde
24.04.2008.
14 - Em outras palavras, a demandante somente reingressou no RGPS, com mais de 66
(sessenta e seis) anos de idade, na qualidade de contribuinte individual, após mais de 20 (vinte)
anos sem um único recolhimento, o que somado ao fato de é portadora de males degenerativos
ortopédicos típicos em pessoas com idade avançada, e com sintomatologia antiga, denota que
seu impedimento é preexistente à sua refiliação no RGPS, além do notório caráter oportunista
desta.
15 - Diante de tais elementos, tem-se que decidiu a parte autora se refiliar ao RGPS com o
objetivo de buscar, indevidamente, proteção previdenciária que não lhe alcançaria, conforme
vedações constantes dos artigos 42, §2º e 59, parágrafo único, ambos da Lei 8.213/91, o que
inviabiliza a concessão, seja de auxílio-doença, seja de aposentadoria por invalidez.
16 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o
pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
17 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a
concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que
comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
18 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a
redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
19 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de
miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a
manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do
Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
20 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle
concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
21 - Pleiteia a autora a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é
pessoa idosa e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por
sua família.
22 - O requisito etário fora devidamente preenchido, considerando o implemento da idade
mínima de 65 (sessenta e cinco) anos em 20.06.2012, anteriormente à propositura da presente
demanda, que se deu em 19.03.2015.
23 - Ainda que preenchido tal requisito, não restou demonstrada sua hipossuficiência
econômica.
24 - O estudo social, elaborado em 18 de dezembro de 2015, informou que o núcleo familiar é
formado pela requerente e mais 2 (duas) irmãs. Residem em imóvel próprio, o qual possui “2
quartos, sendo que em um deles repousam as 3 irmãs com três camas de solteiro. Outro quarto
é usado somente para visita, pois é muito quente e abafado. Tem um banheiro, uma sala com
sofás e televisão em bom estado. Há uma área no fundo bem arborizada, não muito grande,
com algumas cadeiras para descanso (...) Todos os móveis são antigos mas em estado de
uso”.
25 - A renda da família, segundo o relatado à assistente, decorria dos proventos de
aposentadoria e pensão por morte percebidos por suas irmãs, no valor de um salário mínimo
cada (R$788,00 - ano exercício de 2015). Trata-se de pessoas maiores de 65 (sessenta e
cinco) anos, motivo pelo qual a demandante defende a aplicação do disposto no art. 34,
parágrafo único, do Estatuto do Idoso, para que sejam excluídos os montantes em questão do
cômputo da renda familiar. Todavia, a mera aplicação do referido dispositivo não enseja,
automaticamente, a concessão do benefício, uma vez que o requisito da miserabilidade não
pode ser analisado tão somente levando-se em conta o valor per capita, sob pena de nos
depararmos com decisões completamente apartadas da realidade. Destarte, a ausência, ou
presença, desta condição econômica deve ser aferida por meio da análise de todo o conjunto
probatório.
26 - As despesas, envolvendo gastos com farmácia, mercado, água/luz e telefone, cingiam a
aproximadamente R$1.820,00. De outra feita, irmã da autora, que com ela não residia, lhe
ajudava com o valor mensal de R$200,00
27 - Nota-se, portanto, que a renda familiar, de fato, somados os benefícios percebidos e a
ajuda financeira (R$1.776,00), era pouco inferior às despesas. Por cabeça, os rendimentos
eram superiores ao parâmetro jurisprudencial de miserabilidade (1/2 de um salário mínimo).
28 - Cumpre destacar que, caso seja afastada o cômputo dos 2 (dois) salários mínimos na
renda per capita estar-se-ia contrariando à finalidade da norma (art. 34, parágrafo único, do
Estatuto do Idoso), e do próprio entendimento jurisprudencial dela decorrente, os quais visam
proteger famílias, compostas por 2 (duas) ou mais pessoas, e que possuam como único
rendimento um salário mínimo. Não é, definitivamente, o caso dos autos.
29 - De mais a mais, a requerente verteu recolhimentos, como contribuinte individual de
01.07.2013 a 30.06.2014 e de 01.10.2014 e 31.03.2015. Ora, quem vive em situação extrema,
não consegue contribuir para o RGPS.
30 - Repisa-se que as condições de habitabilidade são razoáveis. O imóvel é próprio e se
encontra guarnecido com mobiliário que atende as necessidades básicas da família.
31 - O fato de que uma das suas irmãs veio a óbito durante o transcurso da demanda, em
realidade, não diz respeito ao objeto destes autos. As ações nas quais se postulam benefício
assistencial se caracterizam por terem como objeto relações continuativas e, portanto, as
sentenças nelas proferidas se vinculam aos pressupostos do tempo em que foram formuladas,
sem, contudo, extinguir a própria relação jurídica, que continua sujeita à variação de seus
elementos. Isso ocorre porque estas sentenças contêm implícita a cláusula rebus sic stantibus,
de forma que, modificadas as condições fáticas ou jurídicas sobre as quais se formou a coisa
julgada material, tem-se nova causa de pedir próxima ou remota. Assim sendo, a questão
atinente ao decréscimo dos rendimentos financeiros (em virtude de óbito de pessoa pertencente
ao núcleo familiar) deve ser debatida em outra demanda (nova causa de pedir), sob pena,
inclusive, de eternização da presente lide.
32 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que o
núcleo familiar não se enquadrava, no instante do ajuizamento da demanda, na concepção
legal de hipossuficiência econômica, não fazendo, portanto, a autora, jus ao benefício
assistencial nestes autos.
33 - O benefício assistencial de prestação continuada é auxílio que deve ser prestado pelo
Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja, nas específicas situações que
preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia
efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre
interpretação do Poder Judiciário.
34 - Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada pela parte autora e
compadeça-se com a horripilante realidade a que são submetidos os trabalhadores em geral,
não pode determinar à Seguridade a obrigação de pagamento de benefício, que independe de
contribuição, ou seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições
previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram preenchidos, sob pena de criar
perigoso precedente que poderia causar de vez a falência do já cambaleado Instituto
Securitário.
35 - O legislador não criou programa de renda mínima ao idoso. Até porque a realidade
econômico-orçamentária nacional não suportaria o ônus financeiro disto. As Leis nº 8.742/93 e
10.741/03 vão além e exigem que o idoso se encontre em situação de risco. Frisa-se que o
dever de prestar a assistência social, por meio do pagamento pelo Estado de benefício no valor
de um salário mínimo, encontra-se circunspecto àqueles que se encontram em situação de
miserabilidade, ou seja, de absoluta carência, situação essa que evidencia que a sobrevivência
de quem o requer, mesmo com o auxílio de outros programas sociais, como fornecimento
gratuito de medicamentos e tratamentos de saúde pela rede pública, não são suficientes a
garantir o mínimo existencial.
36 - O benefício assistencial de prestação continuada existe para auxiliar a sobrevivência das
pessoas portadoras de incapacidade, por idade avançada, ou outras restrições físicas ou
psíquicas para o trabalho e que não possuam parentes próximos em condições de lhes prover o
sustento. O dever, portanto, é, em primeiro lugar, da família.
37 - O benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da
renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir
faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade
precípua prover a subsistência daquele que o requer.
38 - Majoração dos honorários advocatícios nos termos do artigo 85, §11, CPC, respeitados os
limites dos §§2º e 3º do mesmo artigo.
39 - Sentença de improcedência mantida, mas por fundamento diverso, no que toca ao pedido
de benefícios previdenciários. Recurso desprovido, com majoração da verba honorária.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, mantendo a sentença de
improcedência, mas por fundamento diverso apenas no que toca aos pedidos de auxílio-doença
e aposentadoria por invalidez, com majoração, por fim, da verba honorária, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
