Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0001368-66.2012.4.03.6123
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
17/11/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 20/11/2020
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-
DOENÇA. REMESSA NECESSÁRIA. NÃO-CABIMENTO. INCAPACIDADE LABORAL. TOTAL E
DEFINITIVA. LAUDO PERICIAL. ADOÇÃO DAS CONCLUSÕES DO ESCULÁPIO. DII.
DOCUMENTOS MÉDICOS. CTPS E CNIS. QUALIDADE DE SEGURADO E CARÊNCIA.
PRORROGAÇÃO. PERÍODO DE GRAÇA. PERMANÊNCIA EM ATIVIDADE LABORATIVA.
TEMA 1.013. AUXÍLIO-DOENÇA DEVIDO DESDE A DER, CONVERTIDO EM
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. JUROS DE MORA. APELAÇÃO DO AUTOR PROVIDA.
APELAÇÃO DO INSS PROVIDA EM PARTE. CORREÇÃO MONETÁRIA. FIXAÇÃO DE OFÍCIO.
1 - Sentença submetida à apreciação desta Corte proferida em 28/04/2015, sob a égide do
Código de Processo Civil de 1973.
2 - Houve condenação do INSS no pagamento de valores de benefício por incapacidade desde
28/03/2014.
3 - Constata-se a totalização de 13 prestações, que, mesmo que devidamente corrigidas e com
incidência dos juros de mora e verba honorária, ainda se afiguram inferior ao limite de alçada
estabelecido na lei processual.
4 - A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
5 - Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de
aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de
carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da
atividade que lhe garanta a subsistência.
6 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o tempo
supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação
habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
7 - Independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de acidente de
qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que,
após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias
elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
8 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime não impede o
deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da
moléstia.
9 - Para o implemento dos beneplácitos em tela, necessário revestir-se do atributo de segurado,
cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os
direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou
"período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos termos do art.
15 da Lei de Benefícios. O §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses o
lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses,
sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Por sua vez, o § 2º estabelece
que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será acrescido de 12 (doze) meses
para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão
próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
10 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a partir da nova
filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas para o
cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e
aposentadoria por invalidez.
11 - Referentemente à incapacidade para o labor, foram carreados documentos médicos, sendo
que, do resultado pericial datado de 28/03/2014, infere-se que a parte autora - de profissão
ajudante geral, contando com 46 anos à ocasião - padeceria de doença de Chagas, com doença
cardíaca em estágio avançado, evoluindo para colocação de marca-passo. A função sistólica do
coração, em exame de ecocardiograma, mostrou-se bastante alterada.
12 - Asseverou, o esculápio, e em resposta aos quesitos formulados, que a autora não tem
capacidade para realizar atividades braçais de qualquer natureza e realizar esforços moderados a
acentuados, devido ao comprometimento cardíaco, estabelecendo a data de início da
incapacidade (DII), total e definitiva, em janeiro/2013.
13 - O juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que dispõe o art. 436 do
CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado, a não adoção
das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à controvérsia meramente
jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em sentido contrário e que
infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames ou quaisquer outros
documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão, salvo se aberrante
o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso concreto. Por ser o juiz o destinatário
das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes.
14 - Em que pese a referência expressa, no bojo do laudo, ao começo da inaptidão profissional
em janeiro/2013, extrai-se dos documentos designados “relatórios médicos” não só o diagnóstico
principal de Mal Chagásicocomo também os diagnósticos de bloqueios e taquicardia ventricular,
já, então, em 06/02/2012, com remissão à última consulta realizada em 18/01/2012.
15 - Clara é a demonstração de que, à época da DER 19/01/2012, a autora já portava os males,
ditos em perícia, incapacitantes, assim como encontrava-se plenamente sob o manto protetor
previdenciário, eis que, cópia de CTPS e laudas extraídas do sistema informatizado CNIS/Plenus,
indicam o ciclo laborativo-contributivo composto por vínculos empregatícios, de 01/09/2001 a
05/03/2003 e de 03/01/2005 a 02/11/2011, mantida a prorrogação da qualidade previdenciária -
sob denominação do “período de graça” - até dezembro/2012.
16 - Não há dúvida que os benefícios por incapacidade servem justamente para suprir a ausência
da remuneração do segurado que tem sua força de trabalho comprometida e não consegue
exercer suas ocupações profissionais habituais, em razão de incapacidade temporária ou
definitiva. Assim como não se questiona o fato de que o exercício de atividade remunerada, após
a implantação de tais benefícios, implica na sua imediata cessação e na necessidade de
devolução das parcelas recebidas durante o período que o segurado auferiu renda. E os
princípios que dão sustentação ao raciocínio são justamente os da vedação ao enriquecimento
ilícito e da coibição de má-fé do segurado. É, inclusive, o que deixou expresso o legislador no art.
46 da Lei nº 8.213/91, em relação à “aposentadoria por invalidez”.
17 - Completamente diferente, entretanto, é a situação do segurado que se vê compelido a ter de
ingressar em juízo, diante da negativa da autarquia previdenciária de lhe conceder o benefício
vindicado, por considerar ausente algum dos requisitos necessários. Ora, havendo pretensão
resistida e enquanto não acolhido o pleito do jurisdicionado, é óbvio que outra alternativa não lhe
resta, senão a de se sacrificar, inclusive com possibilidade de agravamento da situação
incapacitante, como única maneira de prover o próprio sustento. Isto não configura má-fé e, muito
menos, enriquecimento ilícito. A ocorrência denomina-se estado de necessidade e nada mais é
do que desdobramento dos direitos constitucionais à vida e dignidade do ser humano. Realmente
é intrigante a postura do INSS porque, ao que tudo indica, pretende que o sustento do segurado
fosse provido de forma divina, transferindo responsabilidade sua para o incapacitado ou, então,
para alguma entidade que deve reputar sacra. Pugna pela responsabilização patrimonial daquele
que teve seu direito violado, necessitou de tutela jurisdicional para tê-lo reparado, viu sua legítima
pretensão ser resistida até o fim e teve de suportar o calvário processual.
18 - Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade de sobrevivência, com
recolhimentos ao RGPS, não se pode simplesmente afastar a incapacidade, como sustenta o
INSS, ou admitir a penalização do segurado com o desconto dos valores do benefício devido no
período em que perdurou o contrato de trabalho. Até porque, nessas circunstâncias, tal raciocínio
serviria de estímulo ao mercado informal de trabalho, absolutamente censurável e ofensivo à
dignidade do trabalhador, eis que completamente à margem da fiscalização estatal, o que
implicaria, inclusive, em prejuízo ao erário e ao custeio do regime. 19 - O Colendo Superior
Tribunal de Justiça, em sede de recurso representativo de controvérsia repetitiva, fixou a “Tese nº
1.013”, quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.786.590/SP, ocorrido em 24.06.2020,
com o seguinte teor: “No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de
auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS
tem direito ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com
sua incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente”.
20 - Termo inicial do “auxílio-doença” a partir de 19/01/2012 (data da postulação administrativa),
merecendo ser convertido em “aposentadoria por invalidez” desde 28/04/2015, nos termos
propugnados pela autora, em suas razões recursais.
21 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da
repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E,
tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
22 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo
com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir
as determinações legais e a jurisprudência dominante.
23 - Apelação do autor provida. Apelação do INSS provida em parte. Correção monetária fixada
de ofício.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0001368-66.2012.4.03.6123
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: MARIA HELENA FERREIRA LIMA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: SONIA MARIA CSORDAS ARGENTIN - SP229882
Advogado do(a) APELANTE: GUSTAVO DUARTE NORI ALVES - SP196681-N
APELADO: MARIA HELENA FERREIRA LIMA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELADO: SONIA MARIA CSORDAS ARGENTIN - SP229882
Advogado do(a) APELADO: GUSTAVO DUARTE NORI ALVES - SP196681-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0001368-66.2012.4.03.6123
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: MARIA HELENA FERREIRA LIMA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: SONIA MARIA CSORDAS ARGENTIN - SP229882
Advogado do(a) APELANTE: GUSTAVO DUARTE NORI ALVES - SP196681-N
APELADO: MARIA HELENA FERREIRA LIMA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELADO: SONIA MARIA CSORDAS ARGENTIN - SP229882
Advogado do(a) APELADO: GUSTAVO DUARTE NORI ALVES - SP196681-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de apelações interpostas, pela parte autora MARIA HELENA FERREIRA LIMA e pelo
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, em ação previdenciária objetivando a
concessão de “auxílio-doença” e, caso preenchidas as condições legais, sua conversão em “
aposentadoria por invalidez”. Justiça gratuita deferida à parte autora (ID 117818279 – pág. 39).
A r. sentença prolatada em 28/04/2015 (ID 117818279 – pág. 134/136) julgou procedente a ação,
condenando o INSS no pagamento de “aposentadoria por invalidez” ao demandante, desde
28/03/2014 (data da elaboração do laudo judicial), com incidência de correção monetária e juros
de mora sobre os atrasados verificados, descontando-se valores já pagos administrativamente, a
título do benefício sob NB 605.826.012-8 (“auxílio-doença” deferido desde 14/04/2014 até
19/07/2014) (ID 117818279 – pág. 128). Condenou o INSS, ainda, no pagamento de honorários
advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor vencido, com observância da Súmula 111 do C.
STJ. Antecipados os efeitos da tutela, comprovada a implantação do benefício (ID 117818279 –
pág. 142).
A parte autora interpôs recurso de apelação (ID 117818279 – pág. 143/147), alegando que, muito
embora o jusperito tenha indicado o início da incapacidade como sendo em janeiro/2013, a
documentação contida nos autos, em fls. 18/20, demonstraria o surgimento da inaptidão em
época anterior. Insiste, pois, no deferimento de “auxílio-doença” a partir de 19/01/2012 (DER sob
NB 549.720.110-1) (ID 117818279 – pág. 18), com a transformação em “aposentadoria por
invalidez” a partir de 28/04/2015 (prolação da sentença).
Em suas razões recursais (ID 117818279 – pág. 151/154, 155/159), o INSS pugna pelos reexame
obrigatório e recebimento do recurso no efeito suspensivo. No mais, alega restar comprovado que
a autora teria permanecido em atividade laborativa, não se configurando a incapacidade. Aduz,
outrossim, a perda da qualidade de segurado em novembro/2012, sem, inclusive, sobrevir a
comprovação do recolhimento de 04 contribuições, para fins de recuperação do status
previdenciário. Noutra hipótese, requer a alteração dos índices relativos aos juros e à correção da
moeda, nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97.
Devidamente processados os recursos, sem o oferecimento de contrarrazões, foram os autos
remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Determinado o sobrestamento do feito, sob Tema Repetitivo nº 1.013 do C. Superior Tribunal de
Justiça (ID 117818279 – pág. 164).
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0001368-66.2012.4.03.6123
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: MARIA HELENA FERREIRA LIMA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: SONIA MARIA CSORDAS ARGENTIN - SP229882
Advogado do(a) APELANTE: GUSTAVO DUARTE NORI ALVES - SP196681-N
APELADO: MARIA HELENA FERREIRA LIMA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELADO: SONIA MARIA CSORDAS ARGENTIN - SP229882
Advogado do(a) APELADO: GUSTAVO DUARTE NORI ALVES - SP196681-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Do reexame obrigatório
Destaco o não-cabimento de remessa necessária no presente caso.
A sentença submetida à apreciação desta Corte foi proferida em 28/04/2015, sob a égide,
portanto, do Código de Processo Civil de 1973.
De acordo com o artigo 475, §2º, do CPC/1973:
"Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de
confirmada pelo tribunal, a sentença:
I - proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias
e fundações de direito público;
II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da
Fazenda Pública (art. 585, VI).
§1º Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou
não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los.
§2º Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for
de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de
procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.
§3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em
jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do
tribunal superior competente".
No caso, houve condenação do INSS no pagamento de valores de benefício por incapacidade
desde 28/03/2014.
Constata-se a totalização de 13 prestações, que, mesmo que devidamente corrigidas e com
incidência dos juros de mora e verba honorária, ainda se afiguram inferior ao limite de alçada
estabelecido na lei processual.
Do apelo do INSS
Quanto ao pleito da autarquia, de recepção do recurso em ambos os efeitos - devolutivo e
suspensivo - cumpre salientar que, nesta fase processual, a análise será efetuada juntamente
com o mérito das questões trazidas a debate pelos recursos.
Do tema de fundo
A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de “aposentadoria
por invalidez” será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de carência mínimo
exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de “auxílio-doença”,
for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe
garanta a subsistência.
Ao passo que o “auxílio-doença” é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o
caso, o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou
ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
No entanto, independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de
acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao
segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das
moléstias elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
Cumpre salientar que, a patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime
não impede o deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou
agravamento da moléstia.
Ademais, é necessário, para o implemento dos beneplácitos em tela, revestir-se do atributo de
segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar
todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina
denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos
termos do art. 15 da Lei de Benefícios.
É de se observar, ainda, que o §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses o
lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses,
sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
Por sua vez, o § 2º estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será
acrescido de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa
situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
Por fim, saliente-se que, havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a
partir da nova filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas
para o cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de “auxílio-
doença” e “aposentadoria por invalidez”.
Do caso concreto.
Referentemente à incapacidade para o labor, foram carreados documentos médicos (ID
117818279 – pág. 17, 20/27, 82/109), sendo que, do resultado pericial datado de 28/03/2014 (ID
117818279 – pág. 78/81), infere-se que a parte autora - de profissão ajudante geral, contando
com 46 anos à ocasião (ID 117818279 – pág. 13) - padeceria de doença de Chagas, com doença
cardíaca em estágio avançado, evoluindo para colocação de marca-passo. A função sistólica do
coração, em exame de ecocardiograma, mostrou-se bastante alterada.
Asseverou, o esculápio, e em resposta aos quesitos formulados (ID 117818279 – pág. 50/51),
que a autora não tem capacidade para realizar atividades braçais de qualquer natureza e realizar
esforços moderados a acentuados, devido ao comprometimento cardíaco, estabelecendo a data
de início da incapacidade (DII), total e definitiva, em janeiro/2013.
Assevero que da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do
que dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento
motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à
controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em
sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames ou
quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão,
salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso concreto. Por ser
o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a
exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE:
26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
Pois bem.
Em que pese a referência expressa, no bojo do laudo, ao começo da inaptidão profissional em
janeiro/2013, extrai-se dos documentos designados “relatórios médicos” (ID 117818279 – pág.
22/23) não só o diagnóstico principal de Mal Chagásicocomo também os diagnósticos de
bloqueios e taquicardia ventricular, já, então, em 06/02/2012, com remissão à última consulta
realizada em 18/01/2012.
Neste cenário, clara é a demonstração de que, à época da DER 19/01/2012, a autora já portava
os males, ditos em perícia, incapacitantes, assim como encontrava-se plenamente sob o manto
protetor previdenciário, eis que, cópia de CTPS (ID 117818279 – pág. 14/16) e laudas extraídas
do sistema informatizado CNIS/Plenus (ID 117818279 – pág. 35/38, 52/58), indicam o ciclo
laborativo-contributivo composto por vínculos empregatícios, de 01/09/2001 a 05/03/2003 e de
03/01/2005 a 02/11/2011, mantida a prorrogação da qualidade previdenciária - sob denominação
do “período de graça” - até dezembro/2012.
Por sua vez, nem se alegue que o fato de a requerente ter trabalhado, após a DIB estabelecida
em sentença ou até mesmo da DII fixada pelo experto, atesta a recuperação de sua capacidade.
Não há dúvida que os benefícios por incapacidade servem justamente para suprir a ausência da
remuneração do segurado que tem sua força de trabalho comprometida e não consegue exercer
suas ocupações profissionais habituais, em razão de incapacidade temporária ou definitiva. Assim
como não se questiona o fato de que o exercício de atividade remunerada, após a implantação de
tais benefícios, implica na sua imediata cessação e na necessidade de devolução das parcelas
recebidas durante o período que o segurado auferiu renda. E os princípios que dão sustentação
ao raciocínio são justamente os da vedação ao enriquecimento ilícito e da coibição de má-fé do
segurado. É, inclusive, o que deixou expresso o legislador no art. 46 da Lei nº 8.213/91, em
relação à “aposentadoria por invalidez”.
Completamente diferente, entretanto, é a situação do segurado que se vê compelido a ter de
ingressar em juízo, diante da negativa da autarquia previdenciária de lhe conceder o benefício
vindicado, por considerar ausente algum dos requisitos necessários. Ora, havendo pretensão
resistida e enquanto não acolhido o pleito do jurisdicionado, é óbvio que outra alternativa não lhe
resta, senão a de se sacrificar, inclusive com possibilidade de agravamento da situação
incapacitante, como única maneira de prover o próprio sustento. Isto não configura má-fé e, muito
menos, enriquecimento ilícito. A ocorrência denomina-se estado de necessidade e nada mais é
do que desdobramento dos direitos constitucionais à vida e dignidade do ser humano. Realmente
é intrigante a postura do INSS porque, ao que tudo indica, pretende que o sustento do segurado
fosse provido de forma divina, transferindo responsabilidade sua para o incapacitado ou, então,
para alguma entidade que deve reputar sacra. Pugna pela responsabilização patrimonial daquele
que teve seu direito violado, necessitou de tutela jurisdicional para tê-lo reparado, viu sua legítima
pretensão ser resistida até o fim e teve de suportar o calvário processual.
Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade de sobrevivência, com
recolhimentos ao RGPS, não se pode simplesmente afastar a incapacidade, como sustenta o
INSS, ou admitir a penalização do segurado com o desconto dos valores do benefício devido no
período em que perdurou o contrato de trabalho. Até porque, nessas circunstâncias, tal raciocínio
serviria de estímulo ao mercado informal de trabalho, absolutamente censurável e ofensivo à
dignidade do trabalhador, eis que completamente à margem da fiscalização estatal, o que
implicaria, inclusive, em prejuízo ao erário e ao custeio do regime. Neste sentido já decidiu esta
Corte, conforme arestos a seguir reproduzidos:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL. APOSENTADORIA
POR INVALIDEZ. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE LABORATIVA APÓS A CESSAÇÃO DO
AUXÍLIO-DOENÇA. DESCONTO DOS VALORES NO PERÍODO DO SUPOSTO TRABALHO.
IMPOSSIBILIDADE. LEI 11.960/09. APLICAÇÃO COM RELAÇÃO À CORREÇÃO MONETÁRIA.
AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. O fato da autora ter trabalhado ou voltado a trabalhar, por si só, não significa que tenha
recuperado a capacidade laborativa, uma vez que pode tê-lo feito por razão de extrema
necessidade e de sobrevivência, ainda mais se tratando de empregada doméstica, não obstante
incapacitada para tal.
2. A autora, que deveria ter sido aposentada por invalidez, porém continuou a contribuir após
referido período, em função de indevida negativa do benefício pelo INSS, não pode ser
penalizada com o desconto dos salários-de-contribuição sobre os quais verteu contribuições,
pois, se buscou atividade remunerada, por falta de alternativa, para o próprio sustento, em que
pese a incapacidade laborativa, no período em que a autarquia opôs-se ilegalmente ao seu
direito, não cabe ao INSS tirar proveito de sua própria conduta.
3. No que tange à correção monetária, devem ser aplicados os índices oficiais de remuneração
básica, a partir da vigência da Lei 11.960/09.
4. Agravo parcialmente provido."
(AC 0036499-51.2011.4.03.9999, 10ª Turma, Rel. Des. Fed. Baptista Pereira, j. 05/02/2013, e-
DJF3 Judicial 1 DATA:15/02/2013).
Em oportuno acréscimo, diga-se que o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso
representativo de controvérsia repetitiva, fixou a “Tese nº 1.013”, quando do julgamento do
Recurso Especial nº 1.786.590/SP, ocorrido em 24.06.2020, com o seguinte teor:
“No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de
aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao
recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua
incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente”.
O julgado paradigma porta a seguinte ementa:
“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ARTS.
1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015. TEMA REPETITIVO 1.013/STJ. BENEFÍCIO POR
INCAPACIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E AUXÍLIO-DOENÇA. DEMORA NA
IMPLEMENTAÇÃO DO BENEFÍCIO. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE REMUNERADA PELO
SEGURADO. NECESSIDADE DE SUBSISTÊNCIA DO SEGURADO. FUNÇÃO SUBSTITUTIVA
DA RENDA NÃO CONSUBSTANCIADA. POSSIBILIDADE DE RECEBIMENTO CONJUNTO DA
RENDA DO TRABALHO E DAS PARCELAS RETROATIVAS DO BENEFÍCIO ATÉ A EFETIVA
IMPLANTAÇÃO. TESE REPETITIVA FIXADA. IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO DA
CONTROVÉRSIA
1. O tema repetitivo ora controvertido consiste em definir a "possibilidade de recebimento de
benefício, por incapacidade, do Regime Geral de Previdência Social, de caráter substitutivo da
renda (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez), concedido judicialmente em período de
abrangência concomitante àquele em que o segurado estava trabalhando e aguardava o
deferimento do benefício."
2. Os fatos constatados no presente Recurso Especial consistem cronologicamente em: a) o
segurado teve indeferido benefício por incapacidade (auxílio-doença ou aposentadoria por
invalidez) na via administrativa; b) para prover seu sustento, trabalhou após o indeferimento e
entrou com ação judicial para a concessão de benefício por incapacidade; c) a ação foi julgada
procedente para conceder o benefício desde o requerimento administrativo, o que acabou por
abranger o período de tempo em que o segurado trabalhou; e d) o debate, travado ainda na fase
ordinária, consiste no entendimento do INSS de que o benefício por incapacidade concedido
judicialmente não pode ser pago no período em que o segurado estava trabalhando, ante seu
caráter substitutivo da renda e à luz dos arts. 42, 46 e 59 da Lei 8.213/1991.
3. A presente controvérsia e, consequentemente, a tese repetitiva que for fixada não abrangem as
seguintes hipóteses:
3.1. O segurado está recebendo regularmente benefício por incapacidade e passa a exercer
atividade remunerada incompatível com sua incapacidade, em que não há o caráter da
necessidade de sobrevivência como elemento que justifique a cumulação, e a função substitutiva
da renda do segurado é implementada de forma eficaz. Outro aspecto que pode ser analisado
sob perspectiva diferente é o relativo à boa-fé do segurado. Há jurisprudência das duas Turmas
da Primeira Seção que analisa essa hipótese, tendo prevalecido a compreensão de que há
incompatibilidade no recebimento conjunto das verbas. A exemplo: AgInt no REsp 1.597.369/SC,
Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 13.4.2018; REsp 1.454.163/RJ, Rel.
Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 18.12.2015; e REsp 1.554.318/SP, Rel.
Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 2.9.2016.
3.2. O INSS alega o fato impeditivo do direito (o exercício de trabalho pelo segurado) somente na
fase de cumprimento da sentença, pois há elementos de natureza processual prejudiciais à
presente tese a serem considerados, notadamente a aplicabilidade da tese repetitiva fixada no
REsp 1.253.513/AL (Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, DJe de 20.8.2012).
RESOLUÇÃO DA TESE CONTROVERTIDA
4. Alguns benefícios previdenciários possuem a função substitutiva da renda auferida pelo
segurado em decorrência do seu trabalho, como mencionado nos arts. 2º, VI, e 33 da Lei
8.213/1991. Em algumas hipóteses, a substitutividade é abrandada, como no caso de ser
possível a volta ao trabalho após a aposentadoria por tempo de contribuição (art. 18, § 2º, da Lei
8.213/1991). Em outras, a substitutividade resulta na incompatibilidade entre as duas situações
(benefício e atividade remunerada), como ocorre com os benefícios auxílio-doença por
incapacidade e aposentadoria por invalidez.
5. Desses casos de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, é pressuposto que a
incapacidade total para o trabalho seja temporária ou definitiva, respectivamente.
6. Como consequência, o Regime Geral de Previdência Social arca com os citados benefícios por
incapacidade para consubstanciar a função substitutiva da renda, de forma que o segurado que
não pode trabalhar proveja seu sustento.
7. A cobertura previdenciária, suportada pelo regime contributivo solidário, é o provimento do
sustento do segurado enquanto estiver incapaz para o trabalho.
8. É decorrência lógica da natureza dos benefícios por incapacidade, substitutivos da renda, que
a volta ao trabalho seja, em regra, causa automática de cessação desses benefícios, como se
infere do requisito da incapacidade total previsto nos arts. 42 e 59 da Lei 8.213/1991, com
ressalva ao auxílio-doença.
9. No caso de aposentadoria por invalidez, o art. 42 da Lei de Benefícios da Previdência Social
(LBPS) estabelece como requisito a incapacidade "para o exercício de atividade que lhe garanta
a subsistência", e, assim, a volta a qualquer atividade resulta no automático cancelamento do
benefício (art. 46).
10. Já o auxílio-doença estabelece como requisito (art. 59) que o segurado esteja "incapacitado
para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual". Desse modo, a função substitutiva do
auxílio-doença é restrita às duas hipóteses, fora das quais o segurado poderá trabalhar em
atividade não limitada por sua incapacidade. 11. Alinhada a essa compreensão, já implícita desde
a redação original da Lei 8.213/1991, a Lei 13.135/2015 incluiu os §§ 6º e 7º no art. 60 daquela,
com a seguinte redação (grifos acrescentados): "§ 6º O segurado que durante o gozo do auxílio-
doença vier a exercer atividade que lhe garanta subsistência poderá ter o benefício cancelado a
partir do retorno à atividade. § 7º Na hipótese do § 6º, caso o segurado, durante o gozo do
auxílio-doença, venha a exercer atividade diversa daquela que gerou o benefício, deverá ser
verificada a incapacidade para cada uma das atividades exercidas."
12. Apresentado esse panorama legal sobre o tema, importa estabelecer o ponto diferencial entre
a hipótese fática dos autos e aquela tratada na lei: aqui o segurado requereu o benefício, que lhe
foi indeferido, e acabou trabalhando enquanto não obteve seu direito na via judicial; já a lei trata
da situação em que o benefício é concedido, e o segurado volta a trabalhar.
13. A presente controvérsia cuida de caso, portanto, em que falhou a função substitutiva da
renda, base da cobertura previdenciária dos benefícios auxílio-doença e aposentadoria por
invalidez.
14. O provimento do sustento do segurado não se materializou, no exato momento da
incapacidade, por falha administrativa do INSS, que indeferiu incorretamente o benefício, sendo
inexigível do segurado que aguarde a efetivação da tutela jurisdicional sem que busque, pelo
trabalho, o suprimento da sua subsistência.
15. Por culpa do INSS, resultado do equivocado indeferimento do benefício, o segurado teve de
trabalhar, incapacitado, para o provimento de suas necessidades básicas, o que doutrinária e
jurisprudencialmente convencionou-se chamar de sobre-esforço. Assim, a remuneração por esse
trabalho tem resultado inafastável da justa contraprestação pecuniária.
16. Na hipótese, o princípio da vedação do enriquecimento sem causa atua contra a autarquia
previdenciária, pois, por culpa sua – indeferimento equivocado do benefício por incapacidade –, o
segurado foi privado da efetivação da função substitutiva da renda laboral, objeto da cobertura
previdenciária, inerente aos mencionados benefícios.
17. Como tempero do elemento volitivo do segurado, constata-se objetivamente que, ao trabalhar
enquanto espera a concessão de benefício por incapacidade, está ele atuando de boa-fé,
cláusula geral hodiernamente fortalecida na regência das relações de direito.
18. Assim, enquanto a função substitutiva da renda do trabalho não for materializada pelo efetivo
pagamento do auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez, é legítimo que o segurado
exerça atividade remunerada para sua subsistência, independentemente do exame da
compatibilidade dessa atividade com a incapacidade laboral.
19. No mesmo sentido do entendimento aqui defendido: AgInt no AREsp 1.415.347/SP, Rel.
Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, Je de 28.10.2019; REsp 1.745.633/PR, Rel. Ministro
Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe de 18.3.2019; AgInt no REsp 1.669.033/SP, Rel. Ministro
Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe de 30.8.2018; REsp 1.573.146/SP, Rel.
Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe de 13.11.2017; AgInt no AgInt no
AREsp 1.170.040/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 10.10.2018; AgInt no
REsp 1.620.697/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 2.8.2018; AgInt
no AREsp 1.393.909/SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe de 6.6.2019; e REsp
1.724.369/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 25.5.2018.
FIXAÇÃO DA TESE REPETITIVA
20. O Tema Repetitivo 1.013/STJ é assim resolvido: "No período entre o indeferimento
administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez,
mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao recebimento conjunto das rendas
do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua incapacidade laboral, e do respectivo
benefício previdenciário pago retroativamente."
RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO
21. Ao Recurso Especial deve-se negar provimento, pois o Tribunal de origem julgou o presente
caso no mesmo sentido do entendimento aqui proposto (fl. 142-143/e-STJ): "A permanência do
segurado no exercício das atividades laborativas decorre da necessidade de prover sua
subsistência enquanto a administração ou o Judiciário não reconheça sua incapacidade, não
obstando a concessão do benefício vindicado durante a incapacidade."
22. Consubstanciado o que previsto no Enunciado Administrativo 7/STJ, o recorrente é
condenado ao pagamento de honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o valor total
da verba sucumbencial fixada nas instâncias ordinárias, com base no § 11 do art. 85 do
CPC/2015.
CONCLUSÃO
23. Recurso Especial não provido, sob o rito dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015.”
(REsp nº 1.786.590/SP, Relator Ministro Herman Benjamin, 1ª Seção, j. 24/06/2020, DJe
01/07/2020).
Assim sendo, acerca do termo inicial das parcelas, deve-se estabelecer o pagamento de “auxílio-
doença” a partir de 19/01/2012 (data da postulação administrativa), merecendo ser convertido o
benefício em “aposentadoria por invalidez” desde 28/04/2015, nos termos propugnados pela
autora, em suas razões recursais.
A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo
com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir
as determinações legais e a jurisprudência dominante.
Ante o exposto, dou provimento ao apelo da parte autora, para condenar o INSS no
estabelecimento do “auxílio-doença” desde 19/01/2012 até 28/04/2015, a partir de quando o
benefício a ser pago, uma vez convertido, passará a corresponder à “aposentadoria por
invalidez”, dou parcial provimento ao apelo do INSS, para estabelecer que os juros de mora,
incidentes até a expedição do ofício requisitório, serão fixados de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal e, de ofício, assento que a
correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-
DOENÇA. REMESSA NECESSÁRIA. NÃO-CABIMENTO. INCAPACIDADE LABORAL. TOTAL E
DEFINITIVA. LAUDO PERICIAL. ADOÇÃO DAS CONCLUSÕES DO ESCULÁPIO. DII.
DOCUMENTOS MÉDICOS. CTPS E CNIS. QUALIDADE DE SEGURADO E CARÊNCIA.
PRORROGAÇÃO. PERÍODO DE GRAÇA. PERMANÊNCIA EM ATIVIDADE LABORATIVA.
TEMA 1.013. AUXÍLIO-DOENÇA DEVIDO DESDE A DER, CONVERTIDO EM
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. JUROS DE MORA. APELAÇÃO DO AUTOR PROVIDA.
APELAÇÃO DO INSS PROVIDA EM PARTE. CORREÇÃO MONETÁRIA. FIXAÇÃO DE OFÍCIO.
1 - Sentença submetida à apreciação desta Corte proferida em 28/04/2015, sob a égide do
Código de Processo Civil de 1973.
2 - Houve condenação do INSS no pagamento de valores de benefício por incapacidade desde
28/03/2014.
3 - Constata-se a totalização de 13 prestações, que, mesmo que devidamente corrigidas e com
incidência dos juros de mora e verba honorária, ainda se afiguram inferior ao limite de alçada
estabelecido na lei processual.
4 - A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
5 - Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de
aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de
carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de
auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da
atividade que lhe garanta a subsistência.
6 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o tempo
supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação
habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
7 - Independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de acidente de
qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que,
após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias
elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
8 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime não impede o
deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da
moléstia.
9 - Para o implemento dos beneplácitos em tela, necessário revestir-se do atributo de segurado,
cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os
direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou
"período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos termos do art.
15 da Lei de Benefícios. O §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses o
lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses,
sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Por sua vez, o § 2º estabelece
que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será acrescido de 12 (doze) meses
para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão
próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
10 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a partir da nova
filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas para o
cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e
aposentadoria por invalidez.
11 - Referentemente à incapacidade para o labor, foram carreados documentos médicos, sendo
que, do resultado pericial datado de 28/03/2014, infere-se que a parte autora - de profissão
ajudante geral, contando com 46 anos à ocasião - padeceria de doença de Chagas, com doença
cardíaca em estágio avançado, evoluindo para colocação de marca-passo. A função sistólica do
coração, em exame de ecocardiograma, mostrou-se bastante alterada.
12 - Asseverou, o esculápio, e em resposta aos quesitos formulados, que a autora não tem
capacidade para realizar atividades braçais de qualquer natureza e realizar esforços moderados a
acentuados, devido ao comprometimento cardíaco, estabelecendo a data de início da
incapacidade (DII), total e definitiva, em janeiro/2013.
13 - O juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que dispõe o art. 436 do
CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado, a não adoção
das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à controvérsia meramente
jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em sentido contrário e que
infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames ou quaisquer outros
documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão, salvo se aberrante
o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso concreto. Por ser o juiz o destinatário
das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes.
14 - Em que pese a referência expressa, no bojo do laudo, ao começo da inaptidão profissional
em janeiro/2013, extrai-se dos documentos designados “relatórios médicos” não só o diagnóstico
principal de Mal Chagásicocomo também os diagnósticos de bloqueios e taquicardia ventricular,
já, então, em 06/02/2012, com remissão à última consulta realizada em 18/01/2012.
15 - Clara é a demonstração de que, à época da DER 19/01/2012, a autora já portava os males,
ditos em perícia, incapacitantes, assim como encontrava-se plenamente sob o manto protetor
previdenciário, eis que, cópia de CTPS e laudas extraídas do sistema informatizado CNIS/Plenus,
indicam o ciclo laborativo-contributivo composto por vínculos empregatícios, de 01/09/2001 a
05/03/2003 e de 03/01/2005 a 02/11/2011, mantida a prorrogação da qualidade previdenciária -
sob denominação do “período de graça” - até dezembro/2012.
16 - Não há dúvida que os benefícios por incapacidade servem justamente para suprir a ausência
da remuneração do segurado que tem sua força de trabalho comprometida e não consegue
exercer suas ocupações profissionais habituais, em razão de incapacidade temporária ou
definitiva. Assim como não se questiona o fato de que o exercício de atividade remunerada, após
a implantação de tais benefícios, implica na sua imediata cessação e na necessidade de
devolução das parcelas recebidas durante o período que o segurado auferiu renda. E os
princípios que dão sustentação ao raciocínio são justamente os da vedação ao enriquecimento
ilícito e da coibição de má-fé do segurado. É, inclusive, o que deixou expresso o legislador no art.
46 da Lei nº 8.213/91, em relação à “aposentadoria por invalidez”.
17 - Completamente diferente, entretanto, é a situação do segurado que se vê compelido a ter de
ingressar em juízo, diante da negativa da autarquia previdenciária de lhe conceder o benefício
vindicado, por considerar ausente algum dos requisitos necessários. Ora, havendo pretensão
resistida e enquanto não acolhido o pleito do jurisdicionado, é óbvio que outra alternativa não lhe
resta, senão a de se sacrificar, inclusive com possibilidade de agravamento da situação
incapacitante, como única maneira de prover o próprio sustento. Isto não configura má-fé e, muito
menos, enriquecimento ilícito. A ocorrência denomina-se estado de necessidade e nada mais é
do que desdobramento dos direitos constitucionais à vida e dignidade do ser humano. Realmente
é intrigante a postura do INSS porque, ao que tudo indica, pretende que o sustento do segurado
fosse provido de forma divina, transferindo responsabilidade sua para o incapacitado ou, então,
para alguma entidade que deve reputar sacra. Pugna pela responsabilização patrimonial daquele
que teve seu direito violado, necessitou de tutela jurisdicional para tê-lo reparado, viu sua legítima
pretensão ser resistida até o fim e teve de suportar o calvário processual.
18 - Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade de sobrevivência, com
recolhimentos ao RGPS, não se pode simplesmente afastar a incapacidade, como sustenta o
INSS, ou admitir a penalização do segurado com o desconto dos valores do benefício devido no
período em que perdurou o contrato de trabalho. Até porque, nessas circunstâncias, tal raciocínio
serviria de estímulo ao mercado informal de trabalho, absolutamente censurável e ofensivo à
dignidade do trabalhador, eis que completamente à margem da fiscalização estatal, o que
implicaria, inclusive, em prejuízo ao erário e ao custeio do regime. 19 - O Colendo Superior
Tribunal de Justiça, em sede de recurso representativo de controvérsia repetitiva, fixou a “Tese nº
1.013”, quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.786.590/SP, ocorrido em 24.06.2020,
com o seguinte teor: “No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de
auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS
tem direito ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com
sua incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente”.
20 - Termo inicial do “auxílio-doença” a partir de 19/01/2012 (data da postulação administrativa),
merecendo ser convertido em “aposentadoria por invalidez” desde 28/04/2015, nos termos
propugnados pela autora, em suas razões recursais.
21 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da
repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E,
tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
22 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo
com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir
as determinações legais e a jurisprudência dominante.
23 - Apelação do autor provida. Apelação do INSS provida em parte. Correção monetária fixada
de ofício. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento ao apelo da parte autora, para condenar o INSS no
estabelecimento do "auxílio-doença" desde 19/01/2012 até 28/04/2015, a partir de quando o
benefício a ser pago, uma vez convertido, passará a corresponder à "aposentadoria por
invalidez", dar parcial provimento ao apelo do INSS, para estabelecer que os juros de mora,
incidentes até a expedição do ofício requisitório, serão fixados de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal e, de ofício, assentar que a
correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
