Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5002241-75.2021.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal MARIA LUCIA LENCASTRE URSAIA
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
06/10/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 08/10/2021
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ART. 42, CAPUT E § 2º DA LEI
8.213/91. AUXÍLIO-DOENÇA. ARTIGOS 59 E 62 DA LEI N.º 8.213/91. ATIVIDADE RURAL.
INÍCIO DE PROVA MATERIAL. AUSÊNCIA DE PROVA TESTEMUNHAL. CERCEAMENTO DE
DEFESA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA.
- Inicialmente, deve ser afastada a análise do pedido de concessão do auxílio-acidente previsto
no artigo 86, § 1º, da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 9.528/97, tendo em vista
que a incapacidade da parte autora não tem origem em acidente de qualquer natureza.
- Segundo a jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, apresentado início de prova
material, corroborado pela prova testemunhal colhida no curso da instrução processual, é
possível o reconhecimento de tempo de serviço trabalhado como rurícola.
- Apesar de haver início de prova material da condição de trabalhadora rural da parte autora, não
houve a realização da prova oral para ampliar a eficácia probatória dos documentos referentes à
alegada atividade rural.
- Não foi designada audiência de instrução e julgamento para ampliar a eficácia probatória. Ao
decidir sem a observância de tal aspecto, houve violação ao direito das partes, atentando
inclusive contra os princípios do contraditório e da ampla defesa, insculpidos no art. 5º, inciso LV,
da Constituição Federal.
- Sentença anulada de ofício. Apelação da parte autora prejudicada.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002241-75.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
APELANTE: MARINALVA GLORIA DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: RUBENS DARIO FERREIRA LOBO JUNIOR - MS3440-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002241-75.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
APELANTE: MARINALVA GLORIA DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: RUBENS DARIO FERREIRA LOBO JUNIOR - MS3440-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Proposta ação de
conhecimento de natureza previdenciária, objetivando a concessão de auxílio-doença,
aposentadoria por invalidez ou auxílio-acidente, sobreveio sentença de improcedência do
pedido, condenando-se a parte autora ao pagamento de custas processuais e honorários
advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da causa, observando-se os benefícios da
assistência judiciária gratuita.
Inconformada, a parte autora interpôs recurso de apelação, pugnando pela reforma da
sentença, para que seja julgado procedente o pedido, uma vez que preenchidos os requisitos
legais para concessão dos benefícios pleiteados.
Sem as contrarrazões, os autos foram remetidos a este Tribunal.
É o relatório
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002241-75.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
APELANTE: MARINALVA GLORIA DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: RUBENS DARIO FERREIRA LOBO JUNIOR - MS3440-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Recebo o recurso de apelação
da parte autora, haja vista que tempestivo, nos termos do artigo 1.010 do Código de Processo
Civil.
Inicialmente, deve ser afastada a análise do pedido de concessão do auxílio-acidente previsto
no artigo 86, § 1º, da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 9.528/97, tendo em vista
que a incapacidade da parte autora não tem origem em acidente de qualquer natureza.
Os requisitos para a concessão da aposentadoria por invalidez, de acordo com o artigo 42,
caput e § 2.º, da Lei n.º 8.213/91, são os seguintes: 1) qualidade de segurado; 2) cumprimento
da carência, quando for o caso; 3) incapacidade insuscetível de reabilitação para o exercício de
atividade que garanta a subsistência; 4) não serem a doença ou a lesão existentes antes da
filiação à Previdência Social, salvo se a incapacidade sobrevier por motivo de agravamento
daquelas. Enquanto que, de acordo com os artigos 59 e 62 da Lei n.º 8.213/91, o benefício de
auxílio-doença é devido ao segurado que fica incapacitado temporariamente para o exercício de
suas atividades profissionais habituais, bem como àquele cuja incapacidade, embora
permanente, não seja total, isto é, haja a possibilidade de reabilitação para outra atividade que
garanta o seu sustento.
Em se tratando de segurado especial, a comprovação do exercício de atividade rural, ainda que
de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, afasta
a sujeição à carência, desde que tal exercício tenha ocorrido em período igual ao número de
meses correspondentes ao da carência do benefício pleiteado, nos termos do art. 26, inciso III,
c.c. inciso I do art. 39 da Lei n° 8.213/91.
O Superior Tribunal de Justiça também já decidiu que "o trabalhador rural, na condição de
segurado especial, faz jus não só à aposentadoria por invalidez, como também a auxílio-
doença, auxílio-reclusão, pensão e aposentadoria por idade, isentas de carência, no valor
equivalente a um salário-mínimo" (REsp n° 416658/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz,
j.01/04/2003, DJ 28/04/2003, p. 240).
Nos termos do artigo 55, § 3.º, da Lei n.º 8.213/91 e de acordo com a jurisprudência
consubstanciada na Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça, é possível a comprovação do
trabalho rural mediante a apresentação de início de prova documental, devendo esta ser
complementada por prova testemunhal. Ressalta-se que o início de prova material, exigido pelo
§ 3º do artigo 55 da Lei nº 8.213/91, não significa que o segurado deverá demonstrar mês a
mês, ano a ano, por intermédio de documentos, o exercício de atividade na condição de
rurícola, pois isto importaria em se exigir que todo o período de trabalho fosse comprovado
documentalmente, sendo de nenhuma utilidade a prova testemunhal para demonstração do
labor rural.
Início de prova material, conforme a própria expressão o diz, não indica completude, mas sim
começo de prova, princípio de prova, elemento indicativo que permita o reconhecimento da
situação jurídica discutida, desde que associada a outros dados probatórios.
No presente feito, há início de prova material da condição de trabalhadora rural da parte autora,
consistente em cópias do contrato de concessão de uso de imóvel rural, firmado pelos pais da
demandante com o INCRA em 13/08/2008 (validade de 5 anos), no qual estes são qualificados
como agricultores (Id 164586354 - Pág. 15/16); bem como de notas fiscais de produtor rural, em
nome do pai da autora, referentes à produção do imóvel citado nos anos de 2010 a 2017 (Id's
164586354 - Pág. 21/29).
Segundo a jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, tal documentação, em
conjunto com a prova testemunhal colhida no curso da instrução processual, é hábil ao
reconhecimento de tempo de serviço trabalhado como rurícola, conforme revela a seguinte
ementa de julgado:
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA
POR TEMPO DE SERVIÇO. PERÍODO LABORADO COMO RURÍCOLA. COMPROVAÇÃO
DOS REQUISITOS LEGAIS. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA
TESTEMUNHAL. DOCUMENTOS EM NOME DOS PAIS DO AUTOR. CONCESSÃO DO
BENEFÍCIO. VALORAÇÃO DAS PROVAS. POSSIBILIDADE.
Em se tratando de trabalhador rural, em razão das dificuldades de produzir provas no meio
rural, verificar os elementos probatórios carreados aos autos não agride a Súmula n. 7 do STJ.
O rol de documentos previsto no art. 106 da Lei nº 8.213/91 não é numerus clausus, sendo
possível utilizar-se de documentos em nome dos genitores do autor, com o propósito de suprir o
requisito de início de prova material, desde que acrescido por prova testemunhal convincente.
Agravo regimental desprovido.”
(STJ; AGRESP 200801500588; 6ª Turma; Rel. Ministro Og Fernandes; j. 03.02.2009; DJE
02.03.2009);
Contudo, não houve a produção da prova oral, uma vez que não foi designada audiência de
instrução e julgamento para ampliar a eficácia probatória dos documentos referentes à atividade
rural exercida pela parte autora no período mencionado na petição inicial.
Ao decidir sem a observância de tal aspecto, houve violação ao direito da parte, atentando
inclusive contra os princípios do contraditório e da ampla defesa insculpidos no art. 5º, inciso
LV, da Constituição Federal, já que o estado do processo não permitia tal procedimento.
A propósito, trago os ensinamentos de Cândido Rangel Dinamarco, em sua obra Instituições de
Direito Processual Civil, volume III, verbis:
"Direito à prova é o conjunto de oportunidades oferecidas à parte pela Constituição e pela lei,
para que possa demonstrar no processo a veracidade do que afirmam em relação aos fatos
relevantes para o julgamento. Ele é exercido mediante o emprego de fontes de prova
legitimamente obtidas e a regular aplicação das técnicas representadas pelos meios de prova.
(...)
Na constituição, o direito à prova é inerência do conjunto de garantias do justo processo, que
ela oferece ao enunciar os princípios do contraditório e ampla defesa, culminando por assegurar
a própria observância destes quando garante a todos due process of law (art. 5º, incs. LIV e LV
- supra, nn.94 e 97). Pelo aspecto constitucional, direito à prova é a liberdade de acesso às
fontes e meios segundo o disposto em lei e sem restrições que maculem ou descaracterizem o
justo processo." (3ª ed., 2003, São Paulo: Malheiros, p. 47/49).
Desta forma, ocorreu cerceamento de defesa, devendo ser reconhecida a nulidade da
sentença, determinando-se a remessa dos autos ao Juízo de origem a fim de que seja
produzida a prova testemunhal e, por fim, seja prolatada nova sentença.
Neste sentido, o seguinte precedente:
"1. Havendo apenas início de prova material em relação ao tempo de serviço prestado sem
registro profissional, mister se faz a sua complementação pela prova testemunhal, conforme
exige o artigo 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, a fim de que possa o Julgador formar a sua
convicção, extreme de dúvidas, sobre o direito alegado, o qual, "in casu", por se tratar de direito
indisponível, não está suscetível de sofrer qualquer espécie de transação pelas partes,
principalmente pelo ente autárquico, tendo em vista ser pessoa pública que nem sequer está
autorizado a transigir.
2. Entretanto, atualmente, pela moderna sistemática processual, independentemente de se
indagar a quem compete o "onus probandi", é dever do Julgador, como princípio corolário do
Direito, zelar, precipuamente, pela busca da verdade real, ainda mais versando o litígio sobre
direito indisponível, como é a situação específica dos presentes autos de processo, cabendo ao
juiz, nesse caso, determinar, inclusive de ofício, a produção de provas necessárias à elucidação
dos fatos constitutivos da demanda, a teor do que reza o artigo 130 do Código de Processo
Civil.
3. Assim, forçoso é reconhecer ter sido indevido o julgamento antecipado da lide, dando pela
improcedência da ação com fundamento na ausência de provas, bem como a ocorrência de
cerceamento de defesa, eis que o autor protestou pela produção da prova oral caso fosse
considerada necessária, e declarar-se nula a decisão final, a fim de que seja determinada a
abertura da instrução probatória para que os fatos narrados na inicial possam ser apurados
convenientemente de acordo com a legislação reguladora da matéria.
4. Recurso do autor a que se dá provimento, para, acolhendo a preliminar suscitada,
reconhecer a ocorrência de cerceamento de defesa, e anular a sentença recorrida."
(TRF 3ª Região; AC nº 768776/SP, Relatora Desembargadora Federal SUZANA CAMARGO j.
06/08/2002, DJU 03/12/2002, p. 758).
Diante do exposto, DE OFÍCIO, ANULO A SENTENÇA, e determino o retorno dos autos à Vara
de Origem para prosseguir com a instrução do feito, notadamente com a realização de prova
testemunhal e, após, ser proferido novo julgamento, FICANDO PREJUDICADA A APELAÇÃO.
É o voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ART. 42, CAPUT E § 2º DA LEI
8.213/91. AUXÍLIO-DOENÇA. ARTIGOS 59 E 62 DA LEI N.º 8.213/91. ATIVIDADE RURAL.
INÍCIO DE PROVA MATERIAL. AUSÊNCIA DE PROVA TESTEMUNHAL. CERCEAMENTO DE
DEFESA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA.
- Inicialmente, deve ser afastada a análise do pedido de concessão do auxílio-acidente previsto
no artigo 86, § 1º, da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 9.528/97, tendo em vista
que a incapacidade da parte autora não tem origem em acidente de qualquer natureza.
- Segundo a jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, apresentado início de prova
material, corroborado pela prova testemunhal colhida no curso da instrução processual, é
possível o reconhecimento de tempo de serviço trabalhado como rurícola.
- Apesar de haver início de prova material da condição de trabalhadora rural da parte autora,
não houve a realização da prova oral para ampliar a eficácia probatória dos documentos
referentes à alegada atividade rural.
- Não foi designada audiência de instrução e julgamento para ampliar a eficácia probatória. Ao
decidir sem a observância de tal aspecto, houve violação ao direito das partes, atentando
inclusive contra os princípios do contraditório e da ampla defesa, insculpidos no art. 5º, inciso
LV, da Constituição Federal.
- Sentença anulada de ofício. Apelação da parte autora prejudicada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Turma, por
unanimidade, decidiu DE OFÍCIO, ANULAR A SENTENÇA, e determinar o retorno dos autos à
Vara de Origem para prosseguir com a instrução do feito, notadamente com a realização de
prova testemunhal e, após, ser proferido novo julgamento, FICANDO PREJUDICADA A
APELAÇÃO., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
