Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5404766-33.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
29/11/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 03/12/2021
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. CARÊNCIA LEGAL DISPENSADA.
LAUDO PERICIAL. INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. AIDS (HIV). CONTEXTO
SOCIOECONÔMICO. ESTIGMA SOCIAL. COMERCIANTE. IDADE AVANÇADA. IMPROVÁVEL
REABILITAÇÃO PROFISSIONAL. PRECEDENTES. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE
CONFIGURADA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ DEVIDA. DIB. DATA DA CITAÇÃO.
SÚMULA 576, STJ. CORREÇÃO MONETÁRIA. APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE
PROVIDA. MODIFICAÇÃO DA DIB. ALTERAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE APLICAÇÃO DA
CORREÇÃO MONETÁRIA E DOS JUROS DE MORA DE OFÍCIO SENTENÇA REFORMADA EM
PARTE.
1 - A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
2 - Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de
aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de
carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de
auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da
atividade que lhe garanta a subsistência.
3 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o tempo
supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação
habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
4 - Independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de acidente de
qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que,
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias
elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
5 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime não impede o
deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da
moléstia.
6 - Para o implemento dos beneplácitos em tela, necessário revestir-se do atributo de segurado,
cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os
direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou
"período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos termos do art.
15 da Lei de Benefícios. O §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses o
lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses,
sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Por sua vez, o § 2º estabelece
que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será acrescido de 12 (doze) meses
para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão
próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
7 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a partir da nova
filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas para o
cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e
aposentadoria por invalidez.
8 - A carência é dispensada no caso concreto, por ser o autor portadora de uma das patologias
previstas no rol do art. 151 da Lei 8.213/91.
9 - No que tange à incapacidade, o primeiro profissional médico indicado pelo Juízo a quo, da
área de psiquiatria, com base em exame realizado em 09 de maio de 2018, quando o autor
possuía 51 (cinquenta e um) anos de idade, o diagnosticou como portador de HIV+ e hepatopatia.
Consignou que não existe incapacidade do ponto de vista psiquiátrico e que deve o demandante
ser avaliado por clínico geral.
10 - O segundo profissional médica, da área clínica geral, com fundamento em perícia efetivada
em 19 de outubro do mesmo ano, relatou: “O periciando apresenta cegueira do olho direito cujo
surgimento é atribuído a acidente de trabalho ocorrido há 22 anos. Desde 2003 está em
tratamento do HIV, refere que tem problema de dor no corpo, queixa de dor nas pernas e dor na
coluna e por isso não consegue trabalhar. Atestado médico de setembro de 2018 da infectologista
com diagnóstico de doença pelo vírus da imunodeficiência humana em uso de AZT, 3TC e DTG.
Considerando os achados do exame clínico bem como os elementos apresentados as patologias
diagnosticadas, no estágio em que se encontram, não incapacitam o autor para o trabalho e para
vida independente.”
11 - Salienta-se, no entanto, que a análise da incapacidade para o labor, no caso da
imunodeficiência adquirida, deve se dar à luz das ocupações funcionais habituais do seu
portador, do seu grau de escolaridade, do potencial exibido para recolocação profissional e
reabilitação e, por fim, do ambiente profissional de convivência, eis que muitos dos portadores do
vírus HIV, ainda que assintomáticos, não têm oportunidades de trabalho e são marginalizados
pela sociedade, sofrendo com os constrangimentos, preconceitos e estigmas que giram em torno
da doença; apresentam debilidades físicas e psicológicas; e, em razão do coquetel que são
submetidos, passam por diversos efeitos colaterais, com náuseas e fadigas que dificultam o
exercício de atividade laboral.
12 - No caso em apreço, verifica-seque o requerente apresenta baixa escolaridade (quarta série
do ensino fundamental) sempre desempenhou atividades braçais (serviços gerais) e,
provavelmente, vive em um ambiente social hostil a referida patologia, no qual a AIDS é
estigmatizada, sobretudo, em razão do desconhecimento acerca de sua forma de transmissão,
decorrente da própria condição socioeconômica das pessoas que fazem parte do seu convívio.
13 - Dessa forma, pelo diagnóstico apresentado, evolução patológica e histórico laboral, tem-se
por presente a incapacidade absoluta e permanente para o exercício de atividade que lhe garanta
a subsistência.
14 - Informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, cujos extratos
seguem anexos aos autos, dão conta que o autor verteu contribuições como contribuinte
individual até 31.12.2015, Portanto, teria permanecido como filiado ao RGPS, contabilizando-se a
prorrogação legal de 12 (doze) meses de manutenção da qualidade de segurado, além da
prorrogação do §1º, do art. 15 da Lei de Benefícios, por ter contribuído para a Previdência Social
com mais de 120 contribuições, sem que houvesse a perda da qualidade de segurado, até
15.02.2018.
15 - Tais requisitos devem ser aferidos no momento da DII e não no ajuizamento da ação ou do
requerimento administrativo. Esta última data se mostra relevante apenas para se fixar o termo
inicial da condenação do ente autárquico, momento em que se configura a pretensão resistida
(lide).
16- Acerca do termo inicial do benefício (DIB), firmou-se consenso na jurisprudência que este se
dá na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência
(Súmula 576 do STJ).
17 -No caso, infere-se dos autos que o demandante formulou 4 (quatro) requerimentos
administrativos, em 05.01.2005, 27.06.2008, 12.08.2009 e 10.11.2011. A despeito de haver
formulações administrativas, certo é que referidas postulações foram feitas muitos anos antes do
ajuizamento da presente demanda (08.11.2017) e, tendo em vista a transitoriedade do benefício,
por conta da alteração das condições de saúde, não há como retroagir o termo inicial para a data
do primeiro indeferimento, ocorrido há mais de 12 (doze) anos, nem mesmo para o último pleito
efetuado naquela seara, aplicando-se o “distinguishing” no caso concreto. Ademais, cumpre
assinalar que depois dos mencionados requerimentos, o autor manteve vínculo empregatícios e
recolheu como contribuinte individual, em inequívoco sinal que possuía capacidade laborativa
apta a afastar a concessão da benesse. Desta feita, de rigor a fixação da DIB da aposentadoria
por invalidez na data da citação (29.11.2017).
18- Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da
repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E,
tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
19 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
20- Apelação do INSS parcialmente provida. DIB modificada. Alteração dos critérios de aplicação
da correção monetária e dos juros de mora de ofício. Sentença reformada em parte.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5404766-33.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: OLAVO ANTONIO BELMIRO
Advogado do(a) APELADO: ESAU PEREIRA PINTO FILHO - SP97819-N
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5404766-33.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: OLAVO ANTONIO BELMIRO
Advogado do(a) APELADO: ESAU PEREIRA PINTO FILHO - SP97819-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS em
ação ajuizada por OLAVO ANTONIO BELMIRO, objetivando a concessão de auxílio-doença ou
aposentadoria por invalidez.
A r. sentença julgou procedente o pedido, condenando o INSS na concessão e no pagamento
dos atrasados de aposentadoria por invalidez, desde a data do indeferimento do primeiro
requerimento administrativo. Fixou correção monetária e juros de mora conforme o artigo 1º-F,
da Lei Federal nº 9.494/97, com redação dada pela Lei Federal nº 11.960/09. Condenou o
INSS, ainda, no pagamento dos honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento)
sobre o valor das parcelas em atraso, contabilizadas até a data da sua prolação. Por fim,
confirmou os efeitos da tutela antecipada (ID 43526618, p. 131-133).
Em suas razões recursais, o INSS pugna pela reforma da sentença, ao fundamento de que o
demandante não está incapacitado para o labor, bem como alega que, na data de ajuizamento
da ação, não possuía a qualidade de segurado. Subsidiariamente, a fixação da DIB na data da
sentença e a alteração dos critérios de aplicação da correção monetária (ID 43526622, p. 137-
141).
O autor apresentou contrarrazões (ID 43526625, p. 144-147).
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5404766-33.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: OLAVO ANTONIO BELMIRO
Advogado do(a) APELADO: ESAU PEREIRA PINTO FILHO - SP97819-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de aposentadoria
por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de carência mínimo
exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença,
for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe
garanta a subsistência.
Ao passo que o auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o
caso, o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou
ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
No entanto, independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de
acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao
segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das
moléstias elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
Cumpre salientar que, a patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no
Regime não impede o deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão
ou agravamento da moléstia.
Ademais, é necessário, para o implemento dos beneplácitos em tela, revestir-se do atributo de
segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar
todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina
denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos
termos do art. 15 da Lei de Benefícios.
É de se observar, ainda, que o §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses
o lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte)
meses, sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
Por sua vez, o § 2º estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será
acrescido de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa
situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
Por fim, saliente-se que, havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar,
a partir da nova filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas
para o cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-
doença e aposentadoria por invalidez.
Do caso concreto.
A carência é dispensada no caso concreto, por ser o demandante portador de uma das
patologias previstas no rol do art. 151 da Lei 8.213/91.
No que tange à incapacidade, o primeiro profissional médico indicado pelo Juízo a quo, da área
de psiquiatria, com base em exame realizado em 09 de maio de 2018 (ID 43526583, p. 81),
quando o autor possuía 51 (cinquenta e um) anos de idade, o diagnosticou como portador de
HIV+ e hepatopatia.
Consignou que não existe incapacidade do ponto de vista psiquiátrico e que deve o
demandante ser avaliado por clínico geral.
O segundo profissional médica, da área clínica geral, com fundamento em perícia efetivada em
19 de outubro do mesmo ano (ID 43526603, p. 105-110), relatou:
“O periciando apresenta cegueira do olho direito cujo surgimento é atribuído a acidente de
trabalho ocorrido há 22 anos. Desde 2003 está em tratamento do HIV, refere que tem problema
de dor no corpo, queixa de dor nas pernas e dor na coluna e por isso não consegue trabalhar.
Atestado médico de setembro de 2018 da infectologista com diagnóstico de doença pelo vírus
da imunodeficiência humana em uso de AZT, 3TC e DTG.
Considerando os achados do exame clínico bem como os elementos apresentados as
patologias diagnosticadas, no estágio em que se encontram, não incapacitam o autor para o
trabalho e para vida independente.”
Saliento, no entanto, que a análise da incapacidade para o labor, no caso da imunodeficiência
adquirida, deve se dar à luz das ocupações funcionais habituais do seu portador, do seu grau
de escolaridade, do potencial exibido para recolocação profissional e reabilitação e, por fim, do
ambiente profissional de convivência, eis que muitos dos portadores do vírus HIV, ainda que
assintomáticos, não têm oportunidades de trabalho e são marginalizados pela sociedade,
sofrendo com os constrangimentos, preconceitos e estigmas que giram em torno da doença;
apresentam debilidades físicas e psicológicas; e, em razão do coquetel que são submetidos,
passam por diversos efeitos colaterais, com náuseas e fadigas que dificultam o exercício de
atividade laboral.
Pois bem, no caso em apreço, verifico que o requerente apresenta baixa escolaridade (quarta
série do ensino fundamental) sempre desempenhou atividades braçais (serviços gerais) e,
provavelmente, vive em um ambiente social hostil àreferida patologia, no qual a AIDS é
estigmatizada, sobretudo, em razão do desconhecimento acerca de sua forma de transmissão,
decorrente da própria condição socioeconômica das pessoas que fazem parte do seu convívio.
Colaciono decisão desta Egrégia Turma nesse sentido:
"CONSTITUCIONAL. AGRAVO. ART. 557 DO CPC. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL.
REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS. PORTADORA DE HIV. AGRAVO PROVIDO.
1. Em face dos critérios de direito intertemporal, e tendo em vista a legislação vigente à data da
formulação do pedido, que provoca a presente análise recursal, os requisitos (independentes de
carência ou contribuição, por força do art. 203, caput, do ordenamento constitucional vigente) a
serem observados para a concessão do benefício assistencial são os previstos no art. 203, V,
da Constituição Federal, versado na Lei n. 8.742/1993. Por força desses diplomas, a concessão
do benefício de prestação continuada depende de, cumulativamente: a) idade igual ou superior
a 65 anos (art. 34 da Lei 10.741/2003) ou invalidez para o exercício de atividade remunerada
(comprovada mediante exame pericial); b) não ter outro meio de prover o próprio sustento; c)
família (ou pessoa de quem dependa obrigatoriamente, desde que vivam sob o mesmo teto)
impossibilitada de promover o sustento do requerente, devendo apresentar renda mensal per
capita não superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. A ausência de prova de qualquer um
dos requisitos implica o indeferimento do pleito.
2. Nesse passo, o laudo médico-pericial de fls. 86/92, realizado em 05/05/2012, concluiu que a
autora é portadora de "AIDS-HIV", sem, contudo, apresentar incapacidade laborativa.
3. Neste ponto convêm salientar que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo atuar de
acordo com seu convencimento ante os documentos e provas apresentadas aos autos.
Ademais o ordenamento vigente em nosso país destaca critérios únicos para a enfermidade
que acomete o autor.
4. Nessa toada, deve-se levar em conta ainda os fatores socioculturais estigmatizantes
decorrentes de tal enfermidade, que inviabilizam a recolocação de seus portadores no mercado
de trabalho, ainda que se apresentem assintomáticos, e corroboram o direito ao amparo da
Previdência Social.
5. Entendo, dessa forma, que restou satisfatoriamente demonstrada a situação de
miserabilidade em que se encontra a família da requerente, nos termos do disposto no art. 20, §
3º, da Lei 8.742/1993, fazendo jus ao benefício ora pleiteado, a partir da data da citação
(08/12/2010 - fls. 26).
6. Agravo legal provido". (Ag em AC 0006313-40.2014.4.03.9999/SP, 7ª Turma, relator
Desembargador Federal Toru Yamamoto, DJE 23.09.2016).
Dessa forma, pelo diagnóstico apresentado, evolução patológica e histórico laboral, tenho por
presente a incapacidade absoluta e permanente para o exercício de atividade que lhe garanta a
subsistência.
Informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, cujos extratos
seguem anexos aos autos (ID 43525655, p. 22-23), dão conta que o autor verteu contribuições
como contribuinte individual até 31.12.2015, Portanto, teria permanecido como filiado ao RGPS,
contabilizando-se a prorrogação legal de 12 (doze) meses de manutenção da qualidade de
segurado, além da prorrogação do §1º, do art. 15 da Lei de Benefícios, por ter contribuído para
a Previdência Social com mais de 120 contribuições, sem que houvesse a perda da qualidade
de segurado, até 15.02.2018.
Lembro, porque de todo oportuno, que tais requisitos devem ser aferidos no momento da DII e
não no ajuizamento da ação ou do requerimento administrativo. Esta última data se mostra
relevante apenas para se fixar o termo inicial da condenação do ente autárquico, momento em
que se configura a pretensão resistida (lide).
Acerca do termo inicial do benefício (DIB), firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá
na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência
(Súmula 576 do STJ).
No caso, infere-se dos autos que o demandante formulou 4 (quatro) requerimentos
administrativos, em 05.01.2005, 27.06.2008, 12.08.2009 e 10.11.2011.
A despeito de haver formulações administrativas, certo é que referidas postulações foram feitas
muitos anos antes do ajuizamento da presente demanda (08.11.2017) e, tendo em vista a
transitoriedade do benefício, por conta da alteração das condições de saúde, não há como
retroagir o termo inicial para a data do primeiro indeferimento, ocorrido há mais de 12 (doze)
anos, nem mesmo para o último pleito efetuado naquela seara, aplicando-se o “distinguishing”
no caso concreto.
Ademais, cumpre assinalar que depois dos mencionados requerimentos, o autor manteve
vínculo empregatícios e recolheu como contribuinte individual, em inequívoco sinal que possuía
capacidade laborativa apta a afastar a concessão da benesse.
Desta feita, de rigor a fixação da DIB da aposentadoria por invalidez na data da citação
(29.11.2017).
A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
Passo à análise dos critérios de aplicação dos juros de mora, por se tratar de matéria de ordem
pública.
Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo
com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir
as determinações legais e a jurisprudência dominante.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação do INSS, para fixar a DIB da aposentadoria
por invalidez na data da citação e, de ofício, estabeleço que a correção monetária dos valores
em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para
os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será
apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e que os juros de mora, incidentes até a
expedição do ofício requisitório, serão fixados de acordo com o mesmo Manual.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. CARÊNCIA LEGAL
DISPENSADA. LAUDO PERICIAL. INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. AIDS (HIV). CONTEXTO
SOCIOECONÔMICO. ESTIGMA SOCIAL. COMERCIANTE. IDADE AVANÇADA.
IMPROVÁVEL REABILITAÇÃO PROFISSIONAL. PRECEDENTES. INCAPACIDADE TOTAL E
PERMANENTE CONFIGURADA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ DEVIDA. DIB. DATA
DA CITAÇÃO. SÚMULA 576, STJ. CORREÇÃO MONETÁRIA. APELAÇÃO DO INSS
PARCIALMENTE PROVIDA. MODIFICAÇÃO DA DIB. ALTERAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE
APLICAÇÃO DA CORREÇÃO MONETÁRIA E DOS JUROS DE MORA DE OFÍCIO
SENTENÇA REFORMADA EM PARTE.
1 - A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
2 - Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de
aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de
carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo
de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da
atividade que lhe garanta a subsistência.
3 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o
tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou
ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
4 - Independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de acidente de
qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado
que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias
elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
5 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime não impede o
deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da
moléstia.
6 - Para o implemento dos beneplácitos em tela, necessário revestir-se do atributo de segurado,
cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os
direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou
"período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos termos do
art. 15 da Lei de Benefícios. O §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses
o lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte)
meses, sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Por sua vez, o § 2º
estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será acrescido de 12
(doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo
registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
7 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a partir da nova
filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas para o
cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e
aposentadoria por invalidez.
8 - A carência é dispensada no caso concreto, por ser o autor portadora de uma das patologias
previstas no rol do art. 151 da Lei 8.213/91.
9 - No que tange à incapacidade, o primeiro profissional médico indicado pelo Juízo a quo, da
área de psiquiatria, com base em exame realizado em 09 de maio de 2018, quando o autor
possuía 51 (cinquenta e um) anos de idade, o diagnosticou como portador de HIV+ e
hepatopatia. Consignou que não existe incapacidade do ponto de vista psiquiátrico e que deve
o demandante ser avaliado por clínico geral.
10 - O segundo profissional médica, da área clínica geral, com fundamento em perícia efetivada
em 19 de outubro do mesmo ano, relatou: “O periciando apresenta cegueira do olho direito cujo
surgimento é atribuído a acidente de trabalho ocorrido há 22 anos. Desde 2003 está em
tratamento do HIV, refere que tem problema de dor no corpo, queixa de dor nas pernas e dor na
coluna e por isso não consegue trabalhar. Atestado médico de setembro de 2018 da
infectologista com diagnóstico de doença pelo vírus da imunodeficiência humana em uso de
AZT, 3TC e DTG. Considerando os achados do exame clínico bem como os elementos
apresentados as patologias diagnosticadas, no estágio em que se encontram, não incapacitam
o autor para o trabalho e para vida independente.”
11 - Salienta-se, no entanto, que a análise da incapacidade para o labor, no caso da
imunodeficiência adquirida, deve se dar à luz das ocupações funcionais habituais do seu
portador, do seu grau de escolaridade, do potencial exibido para recolocação profissional e
reabilitação e, por fim, do ambiente profissional de convivência, eis que muitos dos portadores
do vírus HIV, ainda que assintomáticos, não têm oportunidades de trabalho e são
marginalizados pela sociedade, sofrendo com os constrangimentos, preconceitos e estigmas
que giram em torno da doença; apresentam debilidades físicas e psicológicas; e, em razão do
coquetel que são submetidos, passam por diversos efeitos colaterais, com náuseas e fadigas
que dificultam o exercício de atividade laboral.
12 - No caso em apreço, verifica-seque o requerente apresenta baixa escolaridade (quarta série
do ensino fundamental) sempre desempenhou atividades braçais (serviços gerais) e,
provavelmente, vive em um ambiente social hostil a referida patologia, no qual a AIDS é
estigmatizada, sobretudo, em razão do desconhecimento acerca de sua forma de transmissão,
decorrente da própria condição socioeconômica das pessoas que fazem parte do seu convívio.
13 - Dessa forma, pelo diagnóstico apresentado, evolução patológica e histórico laboral, tem-se
por presente a incapacidade absoluta e permanente para o exercício de atividade que lhe
garanta a subsistência.
14 - Informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, cujos extratos
seguem anexos aos autos, dão conta que o autor verteu contribuições como contribuinte
individual até 31.12.2015, Portanto, teria permanecido como filiado ao RGPS, contabilizando-se
a prorrogação legal de 12 (doze) meses de manutenção da qualidade de segurado, além da
prorrogação do §1º, do art. 15 da Lei de Benefícios, por ter contribuído para a Previdência
Social com mais de 120 contribuições, sem que houvesse a perda da qualidade de segurado,
até 15.02.2018.
15 - Tais requisitos devem ser aferidos no momento da DII e não no ajuizamento da ação ou do
requerimento administrativo. Esta última data se mostra relevante apenas para se fixar o termo
inicial da condenação do ente autárquico, momento em que se configura a pretensão resistida
(lide).
16- Acerca do termo inicial do benefício (DIB), firmou-se consenso na jurisprudência que este
se dá na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua
inexistência (Súmula 576 do STJ).
17 -No caso, infere-se dos autos que o demandante formulou 4 (quatro) requerimentos
administrativos, em 05.01.2005, 27.06.2008, 12.08.2009 e 10.11.2011. A despeito de haver
formulações administrativas, certo é que referidas postulações foram feitas muitos anos antes
do ajuizamento da presente demanda (08.11.2017) e, tendo em vista a transitoriedade do
benefício, por conta da alteração das condições de saúde, não há como retroagir o termo inicial
para a data do primeiro indeferimento, ocorrido há mais de 12 (doze) anos, nem mesmo para o
último pleito efetuado naquela seara, aplicando-se o “distinguishing” no caso concreto.
Ademais, cumpre assinalar que depois dos mencionados requerimentos, o autor manteve
vínculo empregatícios e recolheu como contribuinte individual, em inequívoco sinal que possuía
capacidade laborativa apta a afastar a concessão da benesse. Desta feita, de rigor a fixação da
DIB da aposentadoria por invalidez na data da citação (29.11.2017).
18- Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
19 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
20- Apelação do INSS parcialmente provida. DIB modificada. Alteração dos critérios de
aplicação da correção monetária e dos juros de mora de ofício. Sentença reformada em parte.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação do INSS, para fixar a DIB da
aposentadoria por invalidez na data da citação e, de ofício, estabelecer que a correção
monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09,
a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e que os juros de mora,
incidentes até a expedição do ofício requisitório, serão fixados de acordo com o mesmo Manual,
nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
